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CAPÍTULO VIII
Julie olhou seu rosto por um longo tempo. Era ó bvio, pelas marcas em volta dos olhos, que nã o dormira muito enquanto estava fora. Parecia exausto. Assim que passou os olhos pela sala, notou mais evidê ncias de sua presenç a. Seu casaco estava dependurado nas costas de uma cadeira, enquanto seus sapatos estavam jogados de qualquer jeito sobre o tapete em frente à lareira. Seu maç o de cigarros e o isqueiro estavam na mesinha ao lado do sofá, junto com uma xí cara suja e um bule de café. Mas o que ele estava fazendo ali? Quando havia chegado dos Estados Unidos? Nã o devia ter sido à tarde, ou Pamela saberia. Julie o olhou outra vez, movendo-se silenciosamente pela sala, até que se colocou ao lado do sofá. Ele havia afrouxado a gravata e dobrado as mangas da camisa, que estava entreaberta, revelando os pê los castanhos que cobriam seu peito. Parecia incrivelmente jovem e ela sentiu um desejo compulsivo de tocá -lo, de fazê -lo consciente de sua presenç a. Mas logo se lembrou que se Robert a olhasse com aquela expressã o fria e cí nica, ela se sentiria arrasada. Neste momento os olhos dele abriram-se subitamente e ficaram piscando com preguiç a. Julie estava paralisada e permaneceu completamente imó vel, enquanto Robert se voltava para ela. — Julie! — exclamou, piscando ainda, sem ver direito à sua volta. Apoiando-se sobre um dos cotovelos, franziu a testa, como se quisesse lembrar o que fazia ali, e gemeu: — Deus, minha cabeç a! — Deixou-se cair outra vez sobre as almofadas. Julie estava preocupada. Sentando-se na beirada do largo sofá, colocou a mã o sobre a testa dele e notou que ardia em febre. Robert pegou sua mã o, colocando-a sobre o rosto e voltando seus lá bios para a palma dela. Julie tremeu com isso. Seus olhos estavam entreabertos, sonolentos, e ela tinha certeza de que ele nâ o sabia o que estava fazendo. — Quero fazer amor com você — murmurou, com a voz rouca, enquanto afundava o rosto nos cabelos dela. — Nã o posso fazer nada. Você está me deixando louco, sabia disso? O peso de seu corpo sobre o dela era algo realmente sedutor e Julie estava cedendo. Queria deixá -lo fazer o que quisesse com ela, mas a lembranç a de Emma e da ú ltima vez em que ele a fez confundir razã o com paixã o foram suficientes para destruí rem a intimidade do momento. Tirando vantagem de sua momentâ nea fraqueza, Julie conseguiu colocar um pé no chã o e levantou-se do sofá. Robert permaneceu no mesmo lugar, olhando-a ajeitar o vestido e passar as mã os pelos cabelos. Sua expressã o era de surpresa. — O que é que houve? — perguntou, num tom desagradá vel. — Atrasei-me esta noite? Era Francis que você esperava? Julie estava possessa. Tomou uma almofada e atirou-lhe com raiva e, em seguida, um livro. — Como você ousa insinuar uma coisa dessa? Robert desviou-se dos objetos e tratou de levantar-se, cambaleando por alguns momentos, pois sua cabeç a devia estar incomodando-o. — O que você quer que eu pense? — perguntou com frieza. — Por que diabos você teve de sair com ele outra vez? O que você está tentando fazer comigo?, — Com você? — Julie arfava. — Sim, comigo. — Robert passou a mã o pelos cabelos. — Por Deus, Julie, você nã o sabe que a idé ia de vê -la com outro homem... — interrompeu-se. — Você o ama? Julie apertou a palma das mã os contra o pró prio rosto. — É claro que nã o. — Nã o mais do que você amava Michael, certamente — afirmou — Por Deus, Julie, ainda bem que você e Michael estavam na Malá sia quando voltei da Venezuela, ou teria matado você s dois! — Ele apertou a mã o contra a cabeç a, desesperado. — Oh, Cristo, você nã o tem nada para dor de cabeç a? A minha parece que vai estourar! Julie hesitou por um momento, depois se precipitou em direç ã o a porta. Ela sabia que a sra. Hudson tinha algumas aspirinas na cozinha. Quando voltou com o vidro de aspirinas e um pouco de á gua em um copo, Robert estava estirado no sofá outra vez. Colocou tudo sobre a mesa a seu lado e olhou para ele, desconfiada. — Há quanto tempo você nã o dorme? — perguntou. Robert abriu um olho. — Nã o me lembro. Dois ou trê s dias. — Mas, por quê? — Qual a vantagem de se deitar agitado e revirar-se durante horas por nã o conseguir dormir? — perguntou asperamente — Mas isso é incompreensí vel! Você está exausto! Robert suspirou e virou-se para alcanç ar as aspirinas. Tomou-as e deitou-se outra vez. — Perdoe-me por ser um incô modo-ironizou. — Você nã o está sendo um incô modo! — exclamou. — Por que veio para cá, Robert? Ele fechou os olhos. — Queria vê -la. Halbird me disse que você havia telefonado para falar com minha mã e, mas ela nã o estava. Achei que deveria haver algo de errado para você telefonar para ela. — Ele abriu os olhos outra vez. — Era importante? — Nã o. Eu queria falar com ela sobre Sandra Lawson. Creio que sabe que ela está aqui. — Ele concordou e ela levou a mã o à boca. — E sabia també m que saí com Francis? — Nã o, nã o sabia. Eu cheguei por volta de nove e meia e tive tempo suficiente de conversar com a sra. Hudson antes que Sandra voltasse. — Ele brincava com a mã o dela distraidamente. — Você quer que eu vá embora? — Você nã o pode dirigir nesse estado! Terá que dormir aqui esta noite. — Onde? Em sua cama? — Sim, na minha cama — concordou Julie e afastou-se dele. — Você consegue subir a escada? Robert encarou-a de uma maneira estranha. — Nã o sou invá lido. Já em seu quarto, Julie desdobrou as cobertas limpas que a sra. Hudson havia estendido pela manhã e pegou sua camisola que estava sob o travesseiro, no momento em que Robert apareceu na porta. — Você sabe onde fica o banheiro? — perguntou Julie, afastando-se da cama. — Há algo mais de que você necessite? — Só você — respondeu. — Venha cá. — Agora nã o. — Julie desviou-se das mã os que a procuravam e dirigiu-se para a porta. — Vá para a cama. Ele começ ou a desabotoar a camisa sem um mí nimo de constrangimento e Julie precipitou-se para fora do quarto. Deu entã o um longo suspiro e dirigiu-se para o quarto de Emma. A crianç a ressonava. Julie entrou silenciosamente no quarto, trocou-se e deitou-se ao lado de Emma. Acordou pela manhã com Emma se debatendo e sorriu sonolenta para seu rostinho espantado. — Por que você está dormindo comigo? Julie escorregou para fora da cama, olhando espantada para o reló gio. Eram mais de dez horas. — Porque eu deixei algué m dormir em minha cama — explicou. — Quem? — Emma parecia excitada. — Tio Robert — respondeu Julie bocejando, enquanto se dirigia para o banheiro. Quando voltou, alguns minutos depois, Emma havia saí do. Com um suspiro, Julie vestiu seu roupã o. Ela nã o alimentava ilusõ es sobre onde Emma teria ido. Apenas esperava ter tempo ainda para impedir que ela o acordasse, caso já nã o o tivesse feito. No entanto, quando chegou a seu quarto, a porta estava encostada e, ao olhar para dentro, nã o viu Emma. Viu apenas Robert, espalhado pela cama, com as cobertas até a cintura, o peito nu. Parecia ressonar. Julie estava boquiaberta. Vê -lo assim, tã o relaxado e em paz, dava-lhe uma dolorosa sensaç ã o de ê xtase. Queria ficar ali mais tempo, observando-o, mas a lembranç a do que havia acontecido na vé spera fez com que se afastasse, fechando a porta silenciosamente. Emma estava na cozinha com a sra. Hudson, que resmungava alguma coisa para si mesma enquanto preparava uma bandeja. Julie sentiu que estava acontecendo algo. — O que há? A sra. Hudson olhou-a com ar resignado. — A tal srta. Lawson apareceu aqui há uma hora e meia querendo saber por que o café da manhã ainda nã o havia sido preparado. Expliquei que a senhora nã o costumava acordar cedo e que havia saí do ontem à noite... De qualquer forma, ela disse que está acostumada a um café da manhã reforç ado e pediu para preparar-lhe cereais, bacon. ovos, torradas e café! Julie procurou arrumar o cabelo embaraç ado. Nã o tivera tempo para pentea-lo. — Está bem. — Voltando-se para sua filha, perguntou: — Você foi ao quarto de tio Robert? Emma pareceu encabulada por um momento. — Sim. Mas ele estava dormindo e eu saí sem fazer barulho. Eu o acordei? — Felizmente, nã o — respondeu com ar de reprovaç ã o. Percebeu que a sra. Hudson a olhava, espantada. — O sr. Robert dormiu aqui esta noite? Julie ficou ruborizada. — Dormiu. Ele estava exausto. Já estava dormindo quando cheguei em casa. A sra. Hudson concordou. — Sim, eu sei. Parece que ele chegou de Nova lorque ontem mesmo, cerca de sete e meia da noite, e apó s passar pelo seu apartamento veio direto para cá. — Pronto — disse, colocando um prato com ovos e presunto na bandeja que já estava cheia. — Vou levar para ela Já em cima. — Quer dizer que ela voltou para a cama? — Oh, isso eu nã o sei, mas ela me disse que estaria em seu quarto. Julie mordeu o lá bio. — Bem, dê -me isso. Eu tenho que subir para me vestir e levo para ela. Sandra Lawson estava vestida e sentada na escrivaninha, aparentemente escrevendo alguma carta. Pareceu surpresa assim que viu Julie. — Muito obrigada — disse, enquanto abria espaç o na mesa para a bandeja — mas a sra. Hudson poderia ter trazido. — Ser criada nã o faz parte das obrigaç õ es da sra. Hudson — respondeu Julie simplesmente. — Muito obrigada, sra. Pemberton. — O sorriso de Sandra era glacial. — A propó sito — disse, quando Julie ia saindo — você sabia que o sr. Pemberton vinha aqui ontem à noite? — Robert? — Julie colocou as mã os dentro dos bolsos do roupã o. — Nã o, nã o sabia. Sandra fez uma expressã o de dú vida. — Nã o ouvi o barulho do carro indo embora. Ele ainda estava aqui quando a senhora chegou? — Sim. — Julie colocou a mã o sobre a maç aneta da porta. — Na verdade, ele nã o se foi. Robert dormiu aqui! — Deixe que ela imagine o que quiser, pensou um tanto infantilmente, fechando a porta. Sandra tinha ido dar uma volta pela aldeia e Emma estava brincando no jardim coberto de geada quando Robert apareceu. Julie estava na cozinha, ajudando a sra. Hudson a preparar as verduras para o almoç o. Era quase meio-dia. Ele tinha dormido bem! Podia-se ver que seu rosto perdera a aparê ncia macilenta da noite anterior. Mas Julie nã o estava preparada para aquele brilho hostil em seus olhos quando o encarou. Robert dirigiu-se entã o à cozinheira. — É muito tarde para tomar uma xí cara de café? A sra. Hudson enxugou as mã os. — É claro que nã o. O senhor parece mais descansado. — E estou mesmo. — Robert teve que olhar para Julie. — Bom dia, Julie. Ele cumprimeritou outra vez a sra. Hudson com um sinal de cabeç a e desapareceu. Julie percebeu que estava respirando mais rapidamente. — A senhora vai levar-lhe ou quer que eu mesma faç a isso? — perguntou a sra. Hudson, que havia preparado uma pequena bandeja com café, creme e bolinhos. — Eu levo — disse Julie. Robert estava na sala de estar, perto de uma janela. Ele se voltou assim que percebeu sua presenç a, e disse: — Muito obrigado, já vou tomar. — Você quer que eu sirva? Julie sentou-se na ponta do sofá e encheu as xí caras. — Devo desculpar-me pela minha inconveniê ncia — disse ele. — Que inconveniê ncia? — perguntou Julie. — Sabe que fui quem pediu para você ficar. Dormiu bem? — Você sabe que sim. — Ó timo. — Onde você dormiu? — Com Emma. — Entendo. — Terminou o café e recolocou a xí cara na bandeja. — Tenho que ir... gostaria de desculpar-me outra vez pelo transtorno que causei. — Mas você nã o causou transtorno algum! — exclamou Julie, impaciente. Neste momento Emma entroú na sala. — Tio Robert! Tio Robert! — gritou, atirando-se em seus braç os. — Você já está indo embora? — Acho que sim. — Mas, por quê? Mamã e, por quê? Ele tem que ir mesmo? — Tem, querida. — Julie estava quase sem voz. Robert ergueu a garotinha. — Eu virei vê -la brevemente. Emma parecia que ia chorar. — Oh, tio Robert, por favor! Eu fui a seu quarto hoje de manhã, mas mamã e nã o me deixou acordá -lo. E agora você está indo embora! — Eu estou sossegado agora que a srta. Lawson está aqui... — Nã o me importa a srta. Lawson. Eu nã o gosto dela! Emma colocou as mã os na boca e Julie percebeu que Sandra estava em pé na porta, silenciosa, olhando-as. Robert a viu e tratou de saudá -la de uma maneira educada. — Bom dia, srta. Lawson. Sandra apertou os lá bios. Certamente ouviu o que Emma dissera, mas decidiu ignorar, pelo menos por enquanto. — Bom dia, sr. Pemberton. Estive passeando pela aldeia. Estava frio, mas foi divertido! — Sandra voltou sua atenç ã o para Emma. — E você, o que fez? — Nada! — Emma estava sendo rebelde, julie nunca a tinha visto daquele jeito antes. A crianç a olhava com desespero para Robert e havia lá grimas brilhando em seus longos cí lios. — Por favor, tio Robert, nã o se vá! Robert hesitou. — Fique, se é o que quer — disse Julie. — Sim, fique — reforç ou Sandra. — Na verdade, eu imaginei que ia fazer isso e telefonei para Pamela convidando-a para vir aqui. Julie estava boquiaberta. — Você fez o quê? — Acalme-se, Julie! — Robert permanecia impassí vel. — Você disse a Pamela que eu estava aqui? Sandra parecia envergonhada. — Nã o, isso nã o. Achei que seria uma surpresa agradá vel para ela; fiz o que considerei a melhor coisa. — A melhor coisa para quem? Para Pamela? Ou para você? — Robert encarou-a com um ar de reprovaç ã o. — Mas que mente pequena e mesquinha a sua, srta. Lawson. Você imagina realmente que o fato de Pamela chegar aqui e me encontrar fará alguma diferenç a em nosso relacionamento? — É claro que sim... — Oh, nã o, srta. Lawson, nã o fará nenhuma diferenç a. Pamela nã o é exatamente o tipo de pessoa que você pensa que é. Ela quer se casar comigo porque sou a pessoa adequada social e economicamente. Se eu sair da linha, ela vai ficar só um pouco aborrecida, apenas isso. Telefonando para ela e trazendo-a aqui, o má ximo que você vai conseguir é humilhá -la. Você acha que ela vai agradecer-lhe por isso? Sandra estava estupefata. — Como você pode ficar aí parado, admitindo uma coisa dessas? — Eu nã o estou admitindo nada. Nã o tenho nada para confessar. Muito menos a sra. Pemberton, diga-se de passagem.
— O que está acontecendo, tio Robert? — Emma estava ficando impaciente. — Nada, querida — respondeu, olhando-a gentilmente. — Agora vá tirar suas coisas lá de fora que em cinco minutos eu irei brincar de pular cotda com você. — Ó timo! — Emma saiu excitada da sala e Robert voltou-se para a governanta. Sandra parecia sentir-se incô moda, dirigindo um olhar malé volo para Julie. A expressã o de Robert era dura. — Pamela nã o sabe a hora exata em que eu cheguei. — Nã o estava me esperando antes de hoje à noite. Se ela vier e me encontrar agora, basta dizer que acabei de chegar e dei uma parada aqui a caminho de sua casa. — Robert passou a mã o pelo rosto, sentindo a barba. — Posso usar o barbeador a pilhas que trago no carro. — Você está querendo que eu o ajude em sua trama! — Sandra estava horrorizada. — Nã o é bem isso. Tudo o que você precisa fazer é livrar Pamela de uma situaç ã o embaraç osa. — O senhor é desprezí vel! — Sou apenas prá tico — disse friamente. — E entã o? O rosto de Sandra estava conturbado. — Está certo, nã o direi nada. Mas nã o vou esquecer isso. — Muito menos eu — respondeu Robert, num tom amargo, enquanto deixava a sala em busca de Emma. Julie deixou-se cair no braç o de uma das poltronas. Sentia-se fraca. Tudo tinha sido demasiado para ela e desejava com todas as suas forç as que se fossem. Queria ficar sozinha, com Emma. Sandra a observava com altivez. — Acredito que tudo isso é por sua causa, nã o? — O quê? — perguntou Julie. — Esta charada complicada! Esse negó cio de ter acabado de chegar dos Estados Unidos! Ele nã o está preocupado com o aborrecimento que possa causar a Pamela ou com o fato de eu poder perder a amizade de Pamela! Tudo que lhe interessa é protegê -la! .
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