|
|||
A Força do Desejo 5 страницаBolt apanhou a bandeja e levantou-se. — É pena — comentou por fim. Helen espreguiç ou-se com um suspiro. — Já disseram alguma vez que você é um grande papo? Bolt deu um sorriso. — Nã o, mas nunca é tarde para ouvir um elogio. — Deu alguns passos em direç ã o à pia. — Olhe, agora vou lavar a louç a e depois vou cair na cama. Estou meio pregado. — Eu també m — disse Helen com um bocejo comprido. Foi entã o que ela se lembrou do que tinha a fazer. — Por falar nisso, onde está Sheba? Eu nã o a vi hoje... — Ué, onde ela se enfiou? Estava no quintal hoje de manhã. Talvez esteja no quarto de Dominic. — Ela costuma dormir lá? — Nã o, ainda bem. Eu a levo para fora antes de dormir. Ela precisa andar um pouco todos os dias. — Ela toma conta da casa à noite? Bolt lanç ou-lhe um olhar de curiosidade. — Por que você pergunta? Está querendo dar o fora no meio da noite? — Nã o, nã o é isso — disse Helen, corando ligeiramente. — Perguntei por perguntar — Normalmente, Sheba dorme na cozinha. — Ah, bom. Ela é um animal de estimaç ã o muito raro, você nã o acha? — Raro eu nã o sei, mas caro eu tenho certeza. Dominic recebeu-a de um amigo, mas vai devolvê -la em breve, por motivos de reproduç ã o, eu creio... — Ainda bem! — Helen foi até a porta. — Boa noite, Bolt. Durma bem. — Você també m. Helen ficou um instante pensativa ao sair no hall. O que faria agora? Ficaria na sala até que Bolt subisse para o quarto? Nã o. Isso despertaria suspeitas. Era preferí vel deitar-se e esperar que todos estivessem dormindo. Tomada essa decisã o, subiu lentamente a escada. Despiu o vestido longo, vestiu a calç a jeans e o pulô ver branco e sentou-se na cama, à espera do momento oportuno para descer novamente. O quarto nã o era tã o quente quanto a sala de estar e, apó s um momento, começ ou a tremer de frio. Passou-se algum tempo antes de Bolt subir a escada pela primeira vez, provavelmente à procura de Sheba. Depois ouviu vozes no quarto que ficava no fundo do corredor. Dominic, pelo jeito, nã o estava dormindo ainda. Levantou-se da cama e começ ou a andar de um lado para o outro, tentando esquentar, mas estava tiritando de frio. Tirou os sapatos, deitou-se na cama e puxou a coberta até o queixo. Estava gostoso ali e podia sentir o calorzinho do lenç ol que fora previamente aquecido pelas garrafas quentes que Bolt punha normalmente na sua cama. A neve dava ao quarto uma iluminaç ã o feé rica e podia ouvir o vento assobiar nas abas do telhado. O quarto estava aconchegante e ela bocejou vá rias vezes, com as pá lpebras pesadas. Fora um dia muito agitado e era melhor tirar uma soneca antes que Bolt terminasse as obrigaç õ es do dia e fosse finalmente para o quarto. Fechou os olhos. Bolt era realmente uma simpatia, se bem que ela falara a maior parte do tempo durante o jantar. Agora ele sabia tudo a seu respeito... inclusive sobre a existê ncia de Mike. Tornou a bocejar. Ah, que importâ ncia tinha? O namoro dos dois nã o era segredo para ningué m. Seus olhos estavam pesados, mal podia mantê -los abertos durante alguns minutos. Com um suspiro, virou a cabeç a no travesseiro e afundou finalmente no sono. Foi somente quando o sol iluminou o quarto na manhã seguinte que ela tornou a abrir os olhos e compreendeu, boquiaberta, que já era dia claro. CAPÍ TULO V Helen lavou-se rapidamente e trocou de roupa antes que Bolt aparecesse com a bandeja do café. Nã o queria dar a entender que dormira vestida. Ele podia ter uma idé ia completamente errada — sobretudo depois da conversa na cozinha. Estava escovando os cabelos no espelho de trê s faces da penteadeira, vestida com a calç a cor de areia e a blusa encarnada, de mangas compridas, quando Bolt bateu de leve. Ela foi abrir. — Bom dia! Dormiu bem, depois de nossa conversa de ontem? Helen procurou esconder o sentimento de culpa que sentia. — Muito bem, obrigada. E você? — Como uma pedra — disse Bolt, colocando a bandeja em cima da mesinha de cabeceira. — Eu fiz um mingau para você... — Humm, que delí cia! Helen afastou-se alguns passos e olhou para a janela. — Nevou de novo esta noite? — Acho que sim. De qualquer maneira, o cé u nã o está limpo como ontem. Sem contar que está mais frio també m... — Que pena! — disse Helen com um suspiro. — Posso levar a bandeja para a cozinha, quando terminar? — Se você quiser — Pode deixar que eu levo, entã o. — Sentou-se na cama ao lado da bandeja. — E seu patrã o? Melhorou? — Está melhor — disse Bolt com uma satisfaç ã o evidente. — A gente se vê daqui a pouco. — Combinado. Helen tomou o café com apetite, mas nã o tanto quanto no dia anterior, quando estava realmente faminta. Hoje se sentia ligeiramente contrariada pelo fato de ter dormido profundamente na noite anterior, sem dar o telefonema que desejava. Mesmo assim, comeu tudo e levou a bandeja vazia para a cozinha. Sheba estava deitada no tapete do hall, defronte ao escritó rio de Dominic, e levantou a cabeç a quando ela desceu a escada. Helen estremeceu ao passar diante do animal e dirigiu-se rapidamente à cozinha. Bolt nã o estava lá. Sem hesitar um segundo, colocou os pratos dentro da pia e abriu a torneira. Ela nã o lavava louç a desde o tempo em que estudava no colé gio interno e achou uma novidade jogar o detergente na á gua morna e ver as bolhas que fazia. Apanhou um pouquinho de espuma na mã o e a soprou de leve, sorrindo ao ver as bolhas coloridas flutuarem no ar. — Bom dia. Você está ocupada? Helen procurou nã o reagir diante da inflexã o irô nica da voz que ela conhecia tã o bem. Com uma expressã o de indiferenç a, voltou-se e cumprimentou o dono da casa. — Bom dia, Dominic. Nã o, nã o estou ocupada. Você deseja alguma coisa? De blue jeans e camisa aberta no peito, ele tinha uma aparê ncia jovem e atraente. A calç a justa acentuava os mú sculos das pernas e ningué m diria que mancava fortemente. Entretanto, quando ele deu alguns passos vacilantes na sua direç ã o, Helen nã o ficou chocada com o defeito. Pelo contrá rio, a maneira de ele andar fazia parte de sua personalidade. — Vim pedir desculpa — disse Dominic em voz baixa. — Fui muito grosseiro com você, ontem. Helen levou um susto. Esperava tudo, raiva, grosseria, impaciê ncia, mas nunca a desculpa. Preferia no fundo que ele nã o tivesse pedido perdã o. Era mais fá cil odiá -lo quando a tratava mal. — Nã o foi nada — disse sem jeito. — Eu sei que foi. — Havia apenas alguns passos entre os dois e os olhos castanhos dele a fitavam com atenç ã o. — Eu podia pô r a culpa na minha enxaqueca. Mesmo assim, nã o tinha o direito de dizer o que disse. Apesar de sua opiniã o sobre mim, nã o costumo ser tã o mal-educado assim. Helen retirou as mã os da pia e enxugou-as vigorosamente na toalha de papel que estava pendurada na parede. A proximidade de Dominic mexia com seus nervos e ele percebia isso. — Eu já esqueci. E sua enxaqueca, melhorou? — Estou quase bom. — Estava apoiado na pia e os olhos dela estavam fixos em alguma parte entre a gola aberta da camisa e o cinto de couro em cima dos quadris. — Ainda bem. — Você nã o precisa lavar a louç a. — Eu sei. Mas eu me ofereci para lavar. — Obrigou-se a encará -lo nos olhos. — Você sabe onde Bolt foi? — Humm. Porquê? — Pensei que podí amos dar uma volta lá fora. Acho que vai nevar de novo. — Você sabe fazer café? — Posso tentar. — Ó timo. Vamos tomar um café, entã o. — Nó s dois? — perguntou Helen, sem jeito. — É, nó s dois. — Dominic foi. mancando até a porta. — Ficarei no escritó rio. Podemos tomar lá. Fechou a porta atrá s de si e Helen ficou parada, como uma boba, olhando para o ponto onde ele estivera no momento anterior. Ela nã o sabia se devia sentir-se envaidecida ou indignada com o convite. Nã o estava habituada a receber ordens de ningué m, mas isso fazia parte da natureza feminina, pensou. Mas logo no escritó rio! Dominic queria que ela fosse até lá. E o telefonema que devia dar? Como ficava? Voltou-se, sem saber o que fazer. Lembrava-se de que Bolt guardava o pó de café no armarinho. E usar o coador nã o tinha nenhum segredo para ela. No í ntimo, sentiu um prazer infantil em arrumar a bandeja com as duas xí caras pequenas de porcelana esmaltada a fogo. Descobriu, inclusive, o pequeno aquecedor elé trico que mantinha o bule em temperatura constante. Imaginava que Bolt iria aparecer de um momento para outro e perguntar o que estava fazendo, mas nã o havia sinal dele. Depois que tudo estava pronto, abriu a porta da cozinha com o ombro e levou a bandeja ao escritó rio. Sheba tinha desaparecido novamente, mas Helen logo descobriu onde estava quando entrou no escritó rio e viu-a deitada ao lado de Dominic. Ao ouvir sua ordem, o animal saiu e voltou a deitar-se no tapete do hall. Helen colocou a bandeja em cima da mesa, no espaç o que ele tinha aberto entre os papé is. Seu olhar dirigiu-se instintivamente para a janela no canto da sala. Nã o havia sinal do telefone creme e ela sentiu um aperto no coraç ã o. " Mais essa! ", pensou frustrada. Dominic desconfiara de alguma coisa e levara o telefone embora? Só depois de alguns instantes notou que a cortina vermelha de veludo encobria parcialmente a janela. O telefone podia estar atrá s. Algué m o escondera ali. Propositalmente? Era impossí vel saber. Dominic apontou para a cadeira que estava diante da sua, no outro lado da mesa, e foi sentar-se no seu lugar. Helen apressou-se dessa vez em servir o café. — Muito obrigado — disse Dominic, segurando a xí cara estendida. — Estava precisando mesmo tomar um gole de café... Helen fez um esforç o para comentar com naturalidade. — Bolt me contou que você está escrevendo um livro. — Ah, sim? — Mas nã o quis entrar em detalhes... — E você nã o insistiu em saber? — Insisti. Estou interessada. Dominic inclinou a cabeç a. — Por quê? Posso saber? — Bem, afinal, escrever um livro representa um enorme desafio. Dominic refletiu alguns segundos antes de responder. — Depende do gê nero de livro. Alguns sã o mais difí ceis de escrever que outros. — Você quer dizer que um ensaio é mais difí cil que um romance? — Nã o necessariamente. Se algué m está escrevendo um depoimento, tudo depende da maneira como o autor apresenta os fatos. A ficç ã o exige um cuidado especial, sem idé ias preconcebidas. — Nã o tinha pensado nisso — disse Helen bebendo um gole do café, que lhe pareceu tã o gostoso quanto o que Bolt fazia. — Você está escrevendo um romance ou um ensaio? — Eu? — Dominic encarou-a no fundo dos olhos. — Um depoimento. — Sobre carros de corrida? — É, isso mesmo. — Esse é o primeiro? — Nã o, o segundo. — Sobre o quê era o outro? — Tenho certeza de que você nã o está interessada no assunto — disse Dominic com um sorriso de condescendê ncia. — Você está querendo apenas ser gentil. — Claro que estou — exclamou Helen com vivacidade. — Sinceramente. Dominic hesitou e empurrou a xí cara por cima da mesa em direç ã o à bandeja. — Eu escrevi a biografia do meu pai. — Ele era oficial da Marinha? — Como você sabe? — perguntou Dominic com uma certa impaciê ncia. — Vai me dizer que Bolt contou isso també m? — Ele comentou apenas de passagem. Contou que tinha estado na Marinha e que seu pai era comandante. Você nã o tem razã o para se irritar com ele. — O que mais ele contou? — Mais nada. Fale-me de seu pai. Estou interessada em saber quem ele era. Ou ele ainda está vivo? — Nã o, ele já morreu. Morreu há seis anos. — Na mesma é poca do acidente — comentou Helen sem pensar. — Sim, na mesma é poca. Sobrou café? — O bule está pela metade. — Helen ficou contente de ter alguma coisa para fazer. Falara impulsivamente e partira sem querer o fio tê nue da comunicaç ã o que se estabelecera entre os dois. — Aqui está sua xí cara... — Fez uma pausa, com a expressã o interrogativa. — O que você estava falando a respeito de seu pai? Dominic guardou silê ncio durante alguns segundos e ela pensou que nã o fosse responder a sua pergunta. — Meu pai comandou uma forç a de assalto no Extremo Oriente na Segunda Guerra Mundial. Recebeu uma condecoraç ã o por ter investido contra um posto avanç ado japonê s, com inferioridade numé rica de soldados. — Que fantá stico! Você deve ter muito orgulho dele. — Minha mã e tinha. Eu nã o sou tã o velho assim e Francis era apenas um bebê, na é poca. — Ah, desculpe... Falei sem pensar. " Francis era o irmã o que morrera no acidente fatal? ", pensou Helen, morrendo de vontade de fazer a pergunta em voz alta. Mas, se traí sse o conhecimento que tinha da identidade de Francis, Dominic pensaria que Bolt comentara o assunto com ela quando, na realidade, ele fora muito reticente sobre o acidente. Dominic terminou a segunda xí cara de café e colocou-a de lado, puxando uma pilha de papé is na sua direç ã o. Isso significava que a conversa tinha terminado e Helen sentiu-se ligeiramente frustrada. Levantou-se, poré m, e apanhou as xí caras em cima da mesa. — Bolt vai voltar logo — disse Dominic. — Você pode deixar a bandeja aí. — Nã o custa nada... Helen apanhou a bandeja e rumou para a porta. Dominic moveu-se com surpreendente agilidade e abriu-a antes dela, com a respiraç ã o ofegante pelo esforç o repentino. Helen avistou a veia que pulsava no pescoç o moreno, em cima do botã o aberto da camisa. Os olhos abaixaram instintivamente para a mã o que fazia massagem na perna dolorida. Durante um segundo, houve entre os dois uma consciê ncia quase palpá vel da proximidade do outro e se Dominic tivesse dado um passo à frente, a reaç ã o dela seria imediata. Foi uma experiê ncia inebriante e o olhar que ela lhe dirigiu revelava claramente a emoç ã o que experimentava. A fisionomia dele, no entanto, a esfriou. Era amarga, com uma rejeiç ã o selvagem da emoç ã o que sua presenç a despertara nele. Dominic abriu a porta com um movimento brusco e permaneceu em silê ncio, esperando ela passar. Na cozinha, Helen deu vazã o a suas emoç õ es. Durante alguns instantes, comportou-se de maneira inteiramente impensada e ficou assustada com isso. O que acontecia com ela? Fazia trê s dias apenas que conhecia Dominic e já estava completamente tonta, a ponto de imaginar um contato fí sico entre os dois que nunca tinha existido, a nã o ser na sua imaginaç ã o... Ela levou as duas mã os ao rosto, que estava pegando fogo. Precisava sair urgentemente dali. Precisava fugir daquela casa antes que acontecesse o inevitá vel! Fechou os olhos e deu graç as a Deus por Dominic nã o ter reagido à sua estú pida provocaç ã o. Estava absorta nesses pensamentos quando ouviu a voz de Bolt ao seu lado. — Ei, o que aconteceu, menina? Você está chorando? Helen arregalou os olhos. — Chorando, eu? — exclamou, balanç ando a cabeç a para afastar a sensaç ã o esquisita de tontura. — Onde você foi? — Fui levar algumas cartas ao correio. — Ao correio? Ah, por que você nã o me levou junto? — Nã o sabia se você queria ir. — Bolt avistou a bandeja de café. — Ué, você fez café? — Fiz. Tive uma conversa com seu patrã o no escritó rio. E mencionei sem querer a histó ria que você me contou sobre o pai dele... — Ah, sim? E daí? — Ele achou, naturalmente, que nó s dois está vamos comentando sua vida particular. — Helen deu um suspiro. — Ah, deixa pra lá. O que você vai fazer agora? — Vou preparar o almoç o. Helen enfiou a mã o no bolso da calç a. — E eu? O que eu vou fazer? — O que você gostaria de fazer? — Você está me gozando! — Nã o, juro que nã o. — Ah, nã o sei... — Ela arrastou a ponta do pé nos azulejos da cozinha. — Você s nunca recebem visitas aqui? — À s vezes. — Quem? — Amigos da casa. — Homens ou mulheres? — Ambos os sexos — disse Bolt com um risinho. Helen se surpreendeu. Pensava que os dois nã o recebiam ningué m. Dominic devia ter amigos, naturalmente — parentes e conhecidos — que sabiam de seu paradeiro. Gostaria de fazer algumas perguntas sobre as mulheres que vinham visitá -lo, mas tinha receio que Bolt nã o se abrisse sobre esse assunto. De qualquer maneira, a visã o de Dominic rodeado de mulheres nã o foi especialmente agradá vel. — Vou para o quarto — disse de repente. — Escute aqui, você nã o precisa ficar o dia inteiro trancada como se fosse uma prisioneira! — exclamou Bolt, lavando as mã os embaixo da torneira. Helen limitou-se a balanç ar a cabeç a e saiu da cozinha. Ao entrar no quarto, deitou-se ao comprido na cama desarrumada e olhou de mau humor para o teto. Sentiu de repente uma grande depressã o. Tudo a incomodava — a casa, as circunstâ ncias atuais e, acima de tudo, a proximidade constante de Dominic. O que havia nele que a perturbava tanto? Nã o era bonito, nã o tinha nem mesmo uma aparê ncia atraente, embora algumas mulheres pudessem achar que os traç os angulosos e os olhos fundos compensavam o resto. A atitude dele, poré m, era imperdoá vel, sem contar que sabia ser cruel e insolente quando queria. Nesse caso, por que pensava o tempo todo nele, obsessivamente? Por que nã o pensava no pai, no efeito que seu desaparecimento podia causar? Isso nã o era natural, nã o era normal. Era justo que estivesse tã o deprimida. Procurou pensar deliberadamente em Mike, o bom partido com quem o pai queria casá -la. Jovem, rico, bonito — era a inveja das amigas. Mesmo assim, deixava-a fria, indiferente... Puxou distraidamente um cacho de cabelos, lembrando-se da repulsa que sentira quando Mike a beijara pela primeira vez. Os lá bios dele eram grossos e ú midos, e Helen aguardara com impaciê ncia que o beijo terminasse. Depois desse dia, Mike a beijara muitas outras vezes e ela acabara se habituando à idé ia, mas nunca sentira nenhum prazer especial. O que havia de errado na sua atitude?, pensou angustiada. Por que nã o sentia atraç ã o por Mike? Por que seu corpo se tornava rí gido toda vez que a abraç ava? Por que a idé ia do casamento lhe era tã o revoltante? Pensara a princí pio que o defeito era dela, que faltava algo em sua natureza, mas agora estava na dú vida. Ao se lembrar da maneira como reagira à proximidade de Dominic, sentiu uma onda de calor inundar seu corpo, e sabia que nã o recuaria diante de nada para satisfazer seu desejo. A verdade é que estava completamente indefesa diante do comportamento estranho do seu pró prio corpo. Nã o controlava mais as emoç õ es. Era isso que as pessoas queriam dizer quando se referiam a atraç ã o fí sica? Era isso que havia de errado consigo? Estava apaixonada por aquele homem frio e arrogante? Impossí vel! Mas que outra explicaç ã o havia? Sentou-se na cama com as pernas cruzadas. Nã o podia continuar desse jeito. Tinha que fazer alguma coisa para se curar. Passava o tempo todo pensando, imaginando coisas... Levantou-se bruscamente e foi ao banheiro. Sentia-se esfogueada, inconfortá vel e resolveu tomar um banho pelando para relaxar a tensã o. Isso a ocuparia durante algum tempo, até a noite, quando estava decidida a usar o telefone. Dominic almoç ou sozinho no escritó rio e Helen fez companhia a Bolt na cozinha. Depois de ajudá -lo a lavar a louç a, Bolt sugeriu que fossem dar uma volta para conhecer os arredores e Helen notou que ele estava querendo desculpar-se por nã o tê -la levado ao correio pela manhã. Mesmo assim, estava curiosa em saber a que distâ ncia da casa ficava a agê ncia do correio. Se Bolt podia ir e voltar em pouco mais de uma hora, nã o podia ser muito longe... Ao saí rem, Helen viu as marcas dos pneus em cima da neve. Iam na direç ã o do caminho que seguira quando se aproximara da casa no primeiro dia com Dominic, e ela concluiu que deviam ter algum veí culo em casa. — Que carro você s tê m? — perguntou, olhando para as marcas deixadas no chã o, enquanto Bolt limpava os está bulos. Se tinham carro, poderia usá -lo para fugir dali. Sheba nã o a atacaria se estivesse protegida no interior do automó vel. Bolt apoiou-se na pá e voltou a cabeç a na sua direç ã o. — Um jipe. — Eu nã o o vi quando cheguei. — Ele está guardado na garagem — explicou Bolt voltando a seu trabalho. — Você já dirigiu um jipe com traç ã o nas quatro rodas? — Nã o, nunca! Como é? — Nã o é muito fá cil, sobretudo se você nã o está habituada — disse Bolt apanhando um monte de lixo com a pá e depositando-o num balde. Helen mudou de conversa. Tinha a impressã o de que Bolt estava tentando sugerir alguma coisa que nã o gostaria de ouvir. Mais tarde, os dois deram um passeio a pé pelo morro atrá s da casa. Estava mais frio do que no dia anterior, como Bolt havia dito, mas o exercí cio fez o sangue circular mais rapidamente pelo corpo e Helen voltou para casa, sentindo-se alegre e bem disposta, fosse por causa do passeio na neve ou por causa do conhecimento de que havia um jipe na garagem. Vestiu uma saia longa para o jantar. Era um dos seus vestidos prediletos, de veludo verde-azulado, com um decote fundo que mostrava a pureza de sua pele clara, e tinha mangas compridas que batiam em cima dos punhos. Prendeu os cabelos no alto da cabeç a com um grampo e deixou dois cachos caí rem em cima das orelhas. Habitualmente, usava pouca maquilagem e, naquela noite, acentuou apenas a cor dos olhos com sombra verde e passou batom acastanhado nos lá bios. Dominic estava na sala de visitas quando ela entrou. Seus olhos percorreram-na rapidamente de alto a baixo, sem demonstrar, poré m, nenhuma surpresa, como ela imaginava. Nã o se levantou tampouco da cadeira e ela ficou um instante parada perto da porta, observando o guepardo, que estava deitado defronte da lareira. — Sente-se — disse Dominic, expulsando o animal com a ponta da bota. — Desculpe nã o me levantar, mas nã o quero fazer nenhum esforç o extra esta noite. Helen aproximou-se lentamente da cadeira. Arrependeu-se de ter cuidado à toa de sua aparê ncia. Estava vestida demais para a ocasiã o, ao contrá rio do dono da casa, que usava uma roupa esporte bem à vontade. Depois de ajeitar-se na cadeira, Dominic serviu-lhe uma dose de uí sque e acrescentou dois dedos de soda. Helen aceitou a bebida para nã o ser indelicada, porque nã o era muito apreciadora de uí sque. — Entã o? — perguntou Dominic, fitando-a com os olhos castanhos insolentes. — Você fez este penteado em minha honra? Helen nã o aceitou a ironia. — Eu estou acostumada a me vestir para o jantar — disse com frieza. — Papai sempre diz que isso levanta o moral. — Ah, é? E como está seu moral essa noite? Helen foi apanhada de surpresa pela pergunta. — Por que você pergunta? — Porque estou curioso para saber se você está aproveitando a estadia aqui. — Você está farto de saber a resposta! — Absolutamente. Bolt me contou que você passeou, andou de trenó e fez exercí cio ao ar livre. Nã o foi com essa intenç ã o que você viajou para o norte? — Eu viajei para me ver livre da famí lia! — exclamou Helen com impaciê ncia. — E nã o para trocar uma prisã o por outra! — Você está se sentindo muito presa aqui? De repente a ironia desapareceu da voz dele e Helen sentiu de novo uma fraqueza enorme nas pernas. Encarou-o fixamente, procurando ler a expressã o dos olhos castanhos por baixo dos cí lios compridos. A boca tinha uma curva sensual, e a raiva que sentia por ele transformou-se de repente num desejo violento, como nunca experimentara antes na vida. Seu sangue corria à toda nas veias, sua respiraç ã o tornou-se mais curta e acelerada. Desejava correr para ele, atirar os braç os em volta do pescoç o e dizer-lhe que, se quisesse, nunca mais o deixaria, mas tudo isso era uma loucura! Os lá bios dela se entreabriram e, antes que pudesse dizer alguma coisa, Dominic levantou-se bruscamente da cadeira, fazendo uma careta de dor enquanto arrastava a perna dolorida. Atravessou a sala mancando e a dor que sentia transmitiu-se a ela com uma presenç a quase fí sica. No impulso do momento, Helen levantou-se e aproximou-se dele. Dominic estava de pé, de costas para ela, apoiado na escrivaninha no canto da sala. A atitude dele era tã o deprimente que Helen permaneceu parada atrá s dele, sem saber o que fazer. — Está doendo muito? — perguntou por fim, com a voz aflita. — Nã o é nada — murmurou com os dentes cerrados, sem se voltar. Ela torceu as mã os com nervosismo. — Você nã o precisa de alguma coisa? Quer que eu chame Bolt? Ele se voltou finalmente e apoiou-se de costas para a escrivaninha. O rosto magro refletia o desprezo por si mesmo que ela esperava encontrar. — Muito obrigado por sua atenç ã o. Especialmente depois do que se passou entre nó s. Mas, infelizmente, você nã o pode fazer nada. Muito obrigado, mesmo assim. Helen pensou insistir, mas notou que ele se afastava voluntariamente dela. A entrada de Bolt naquele instante, com os pratos do jantar, interrompeu bruscamente o possí vel diá logo. Bolt ficou surpreso com a proximidade dos dois, mas limitou-se a colocar a bandeja em cima da mesinha perto da lareira sem fazer nenhum comentá rio. Dominic voltou mancando para sua cadeira e Helen sentou-se no lugar de sempre. — Venha jantar conosco, Bolt — disse Dominic estendendo a perna. — Tenho certeza de que nossa convidada acha sua companhia mais divertida que a minha. Bolt hesitou no primeiro instante, mas acabou aceitando o convite com um sorriso nos lá bios. — Muito obrigado. — Ó timo. Vamos ter um jantar í ntimo para trê s. Dominic ajeitou-se na cadeira e colocou a perna dolorida em cima da grade de metal da lareira. Helen nã o entendia como aquele gesto tã o simples podia fasciná -la tanto, e quando Dominic surpreendeu seu olhar enbevecido apressou-se em desviar a cabeç a. O jantar, afinal, nã o era tã o í ntimo assim, pensou Helen colocando o guardanapo em cima do colo. Provavelmente, Dominic convidara Bolt a fim de evitar uma repetiç ã o da cena anterior e ela se sentiu humilhada ao reconhecer que seu comportamento absurdo causava embaraç o no dono da casa. Era ela que o provocava, no fundo!
|
|||
|