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A Força do Desejo 1 страница



A Forç a do Desejo

(LEOPARD IN THE SNOW)

Anne Mather

 

 

 

Helen nã o conseguia acreditar no que seus olhos viam: à sua frente estava um leopardo! Em meio a uma terrí vel tempestade de neve, com o carro enguiç ado, sua situaç ã o nã o podia ser pior. Ela estava perdida, numa regiã o isolada, ao norte da Inglaterra. Felizmente, o leopardo era manso, e o dono do animal, Dominic Lyall, surgiu para socorrê -la, oferecendo sua mansã o para que ela se hospedasse. Mas a situaç ã o transformou-se num pesadelo, quando Helen descobriu que Dominic pretendia aprisioná -la ali. Como poderia fugir, se nã o tinha idé ia do lugar onde estava? Pior ainda: como enfrentar seu pró prio desejo de ficar ali, com ele?

 

Copyright: ANNE MATHER

Tí tulo original: " LEOPARD IN THE SNOW”

Publicado originalmente em 1974 pela

Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra

Traduç ã o: MARCELO CORÇ Ã O

Copyright para a lí ngua portuguesa em 1979
Abril S. A. Cultural e Industrial, Sã o Paulo

Composto e impresso nas oficinas da

Abril S. A. Cultural e Industrial. Sã o Paulo

Caixa Postal 2372 — Sã o Paulo

Foto da capa: DUEPIU

 

Digitalizado e revisado por: ☺ Nξ lm∆ ☺

 


CAPÍ TULO I

 

Na primavera e no verã o, os picos imponentes e os lagos escondidos entre as montanhas ecoam com a algazarra dos turistas que fogem da agitaç ã o e do barulho das cidades grandes. Eles chegam aos milhares, carro apó s carro, acampam ou fazem piquenique nos lugares pitorescos, arrastam atrá s de si caravanas interminá veis pelas estradas de rodagem, como uma imensa invasã o de lesmas gigantes. Alpinistas, que nunca usaram botas de pregos, sobem nos picos altos para apreciar a paisagem. O trâ nsito intenso paralisa as estradas estreitas que levam aos lagos mais freqü entados. Há uma infinidade de lojinhas minú sculas que vendem lembranç as, cartõ es-postais e toda a coleç ã o de objetos do artesanato local. Nos lagos propriamente ditos, as velas estufadas dos veleiros contrastam com as lanchas possantes que passam a toda velocidade, levantando um mundo de espuma. Em toda parte há esportistas de blusõ es de ná ilon e salva-vidas, e todos querem dar a impressã o de que nasceram à beira do lago. Os hoté is estã o sempre lotados, os bares e os café s desfrutam de um movimento inusitado.

Os moradores do local, no entanto, aguardam com ansiedade o momento em que os turistas regressem as suas casas e deixem a regiã o dos lagos para aqueles que a possuem por direito.

Era dessa temporada de verã o que Helen se lembrava com saudade. Quando moravam no norte da Inglaterra, o pai tinha um barco a vela e ensinou a filha a navegar nas fé rias de verã o. Pensando nisso agora, aquele parecia um perí odo inesquecí vel na sua vida. Naquela é poca o pai nã o era o homem ambicioso que se tornou depois, e nã o pensava constantemente em ampliar os negó cios da companhia de que era o proprietá rio. Isso foi antes de se casar com Isabel Thorpe e tornar-se um homem muito rico e influente, adepto de esportes mais sofisticados do que velejar no lago...

Agora, entretanto, as montanhas estavam cobertas de neve. O inverno rigoroso começ ara há alguns dias e até mesmo os lagos tinham uma pelí cula de gelo na superfí cie. Quando Helen parou no ú ltimo lugarejo para informar-se sobre a estrada que levava a Bowness, descobriu que se afastara do seu destino original, o que nã o era de admirar, já que a maior parte das setas indicadoras estavam cobertas pela neve. Sentia calor e conforto no interior do carro; nã o quis sair e limpar a neve que encobria as setas. Fora preguiç osa, reconhecia agora, e nã o se lembrava mais das diversas estradas que se bifurcavam nas grandes e, como todas se pareciam umas com as outras naquelas condiç õ es, ela tomara certamente vá rias estradas erradas.

Consolou-se, poré m, ao olhar o reló gio de pulso. Eram apenas duas da tarde e, com um pouco de sorte, tinha tempo de sobra para chegar ao hotel antes de escurecer. Qualquer hotel serviria, contanto que a roupa de cama fosse limpa e a comida decente. Continuaria a viagem no dia seguinte. No dia seguinte!

Lembrou-se do pai. No dia seguinte, Philip teria descoberto que a filha fugira de casa. O que faria? Aceitaria os termos do bilhete que ela deixara, dizendo que precisava passar algum tempo sozinha, ou organizaria uma busca para descobrir seu paradeiro? A ú ltima alternativa parecia a mais prová vel. Philip nã o era o tipo de homem que gostava de ser contrariado e ficaria certamente furioso com o comportamento da filha, sua filha ú nica, que o desafiara publicamente.

Entretanto, as perspectivas que ele tinha de descobrir seu paradeiro eram remotas. Helen podia congratular-se de haver partido em direç ã o ao norte. Isso fora realmente uma inspiraç ã o providencial.

Nos ú ltimos anos, ela freqü entara as ilhas do Caribe e o sul da Franç a. Seu pai iria procurá -la certamente num local de clima quente, nunca numa regiã o coberta de neve. Ele sabia que a filha adorava o sol, que gostava de nadar, esquiar no lago e velejar, todos esportes marí timos. Jamais imaginaria que Helen se lembraria do pequeno hotel onde costumava se hospedar quando era menina, nos anos que se seguiram à morte da mã e, quando o pai e a filha eram insepará veis. Jamais lhe passaria pela cabeç a que Helen iria aventurar-se a dirigir sob a neve que caí a pesadamente nas estradas...

A neve estava cobrindo o vidro do carro e as varetas de borracha nã o davam conta do recado. Helen tinha a impressã o que passara muito tempo desde que cruzara com outro veí culo na estrada. Será que se perdera novamente? Aquela estrada levava aonde? Talvez fosse a entrada particular de alguma fazenda... Como faria agora para manobrar num caminho tã o estreito?

Franziu a testa. Se fosse a estradinha de uma fazenda, bateria na porta e perguntaria a algué m a direç ã o a seguir. Nã o contava mais chegar a Bowness naquela tarde. Podia hospedar-se em qualquer lugarejo do caminho.

O pá ra-brisa estava totalmente embaç ado. Com uma exclamaç ã o de impaciê ncia, brecou o carro, deixou o motor funcionando em marcha lenta e limpou a neve do vidro. A neve grudava nos dedos. Com um arrepio de frio, entrou novamente no carro, bateu a porta e ajeitou-se no banco. Talvez nã o devesse ter vindo de carro, pensou. Devia ter tomado o trem, ou o ô nibus, teria sido mais prá tico. Tudo porque nã o queria correr o risco de ser reconhecida por algué m na estaç ã o...

Pouco depois, os limpadores de pá ra-brisa grudaram de novo e ela foi obrigada a sair novamente para endireitá -los. Estava dirigindo descalç a, sem as botas de cano longo, que atrapalhavam os movimentos dos pé s. Na primeira vez, ela se equilibrou na beira da porta para soltar as varetas. Agora, no entanto, achou preferí vel colocar as botas nos pé s para fazer uma limpeza em regra no vidro. Enquanto estava ocupada com isso, o motor morreu.

Helen balanç ou a cabeç a contrariada, levantou-se do banco e saiu. A neve, mesmo em cima do asfalto, batia na bainha da sua calç a. Algumas gotas umedeceram seus ombros enquanto limpava rapidamente o vidro. Apó s verificar que as varetas estavam soltas e iriam funcionar normalmente, Helen entrou no carro e ajeitou-se no banco.

Levou alguns minutos para retirar as botas dos pé s e dar novamente a partida. O motor de arranque girava velozmente, mas o carro nã o pegava. Xingando baixinho, Helen tentou diversas vezes. Manteve a chave virada mais tempo e ouviu o motor de arranque zumbir no interior silencioso do carro, mas nada do motor funcionar. Uma leve sensaç ã o de pâ nico percorreu-lhe o corpo. E agora? O carro ia deixá -la na mã o, bem ali? Isso nunca acontecera antes. O carro era novinho, saí ra há pouco da revisã o. A verdade é que nunca enfrentara uma situaç ã o como aquela.

Vá rios minutos depois, desistiu finalmente de dar a partida. Estava escurecendo rapidamente e logo nã o enxergaria mais nada. Nã o podia correr o risco de ficar mais tempo ali, na esperanç a de que algué m passasse e lhe desse ajuda. Nã o havia sinais visí veis de que a estradinha fora usada durante o dia, embora a neve que caí a impedisse qualquer inspeç ã o mais exata. Mesmo assim, a decisã o mais razoá vel seria deixar o carro ali e partir em busca de socorro. Se permanecesse onde estava e ningué m aparecesse, o carro podia ser coberto pela neve. Muitos motoristas haviam perdido a vida dessa forma.

Afastando esses pensamentos sinistros da cabeç a, Helen apanhou as botas e começ ou a calç á -las pela terceira vez. Que amolaç ã o! pensou consigo. Quando poderia imaginar, ao sair de Londres de manhã, que estaria nessa situaç ã o ao entardecer? O pior era que ningué m ia pensar em procurá -la ali!

Seu otimismo de antes começ ou a esmorecer rapidamente. Balanç ou a cabeç a e saiu do carro. O casaco grosso pelo menos era quente. Forrado de pê lo de carneiro e de camurç a escura por fora, era bem visí vel na brancura da neve. Talvez algué m a avistasse de longe e viesse em seu auxí lio. Levantou o capuz para proteger as orelhas e enfiou para dentro os fios compridos dos cabelos que o vento soprava sobre o rosto. Bem, nã o há de ser nada! murmurou consigo. Enfiou as luvas para aquecer as mã os, enrolou as pernas da calç a até a altura dos joelhos e apanhou a bolsa no carro. Estava com tudo o que era essencial para uma situaç ã o de emergê ncia.

Olhou para um lado e para o outro da estrada deserta. Nã o adiantava voltar para trá s. Nã o havia nada naquela direç ã o — pelo menos nos pró ximos quilô metros. Para a frente poderia encontrar uma fazenda ou um sí tio.

A neve picava a face corada e o vento assobiava sinistramente entre os galhos desfolhados das á rvores que ladeavam o caminho. Helen pensou em atravessar a cerca e subir no alto do morro, para ver se avistava alguma habitaç ã o por perto. Entretanto, ao tentar fazer isso, afundou na neve quase até os joelhos e recuou imediatamente, desistindo de qualquer tentativa nesse sentido. Se caminhasse algum tempo pela estradinha acabaria encontrando uma casa, pensou consigo, procurando se animar. A menos que o caminho servisse apenas para dar a volta no morro. Nã o havia dú vida que estava subindo o morro, como indicava o esforç o de suas pernas, mas que outra alternativa havia?

Parou e olhou para trá s. Era impossí vel avistar alguma coisa alé m de um raio de uma centena de metros. Estava total e completamente perdida. O tom acinzentado que avistava no cé u nã o era neblina. Era a noite que descia rapidamente e se nã o encontrasse nenhuma casa até escurecer estava frita! Iria pagar dessa forma o fato de ter desobedecido ao pai e fugido de casa...

Algo se moveu na sua frente. Com o canto dos olhos, Helen avistou o movimento produzido por um vulto escuro à sua direita. Piscou os olhos. O que era aquilo? Um animal, provavelmente, procurando comida. Pobres criaturas do mato. O que podiam encontrar para comer embaixo daquele manto de neve?

Piscando sob a neve que caí a em cima das pestanas e escorria pelos olhos, procurou identificar a forma que chamara sua atenç ã o. Era um animal, certamente atraí do pelo casaco escuro que vestia. Talvez um cachorro, pensou, mais animada. Se viesse acompanhado do seu dono, ela estaria salva!

O animal vinha pulando na sua direç ã o. De longe, parecia um cachorro. Tinha o pê lo castanho e, quando o bicho chegou mais perto, Helen notou que tinha manchas escuras no corpo. Parecia um cã o dá lmata pintado de marrom, mas nã o havia nenhum dá lmata dessa cor!

Foi entã o que suas pernas amoleceram. Sentiu uma contraç ã o na boca do estô mago e o pâ nico ganhou-a no mesmo instante. Nã o era um cachorro, aquilo! Nã o era um animal domé stico. Era um leopardo! Um leopardo na neve!

No primeiro momento, ficou paralisada de medo. Estava hipnotizada pelo passo silencioso e ameaç ador do animal. Balanç ou a cabeç a de um lado para o outro, sem saber o que fazer. Nã o havia leopardos naquela regiã o! Devia ser alguma alucinaç ã o terrí vel produzida pela luz ofuscante da neve. A criatura nã o fazia nenhum ruí do. Nã o podia ser verdadeira!

Entretanto, quando o animal se aproximou mais alguns metros, Helen viu a compleiç ã o poderosa, os mú sculos que se moviam embaixo do pê lo sedoso, os dentes fortes e as orelhas levantadas. Ela tinha a impressã o, inclusive, que podia sentir o bafo quente da fera.

Com uma exclamaç ã o de susto, fez exatamente o que nã o devia: deu meia-volta e começ ou a correr. Quando era menina de colé gio, Helen costumava passar os fins de semana no sí tio de uma amiga. Os pais da menina recomendaram-lhe que nã o corresse nunca de um animal, porque isso o excitava ainda mais. Naquele momento, contudo, ela obedeceu unicamente a um reflexo impulsivo de autoconservaç ã o.

Tropeç ou na neve funda que se levantava ao lado da estrada e tentou passar por baixo da cerca. Os ramos grudaram nos cabelos e arranharam o rosto, mas tudo era preferí vel a ser devorada pelos dentes impiedosos do leopardo, e o pâ nico deu vida nova à s pernas cansadas. O campo estava coberto de uma camada espessa de neve que dificultava a corrida. De um momento para o outro sentiria o há lito do animal na sua nuca, e as patas pesadas se abateriam impiedosamente sobre ela. Os soluç os afogavam sua garganta, as lá grimas saltavam dos olhos. Ela nã o devia ter saí do de Londres! Era isso que dava comportar-se de forma egoí sta e irresponsá vel!

0 pé afundou num buraco de lebre, ela perdeu o equilí brio e caiu. Soluç ando, ofegante, tentou arrastar-se mas, ao fazer isso, ouviu o som bem-aventurado de uma voz humana, de uma voz que gritava:

— Sheba! Aqui! Aqui!

Com a respiraç ã o presa, olhou furtivamente na direç ã o da voz. O leopardo tinha parado há alguns metros de distâ ncia e a observava com uma intensidade inquietante. Um homem alto e magro atravessava rapidamente a cerca, vestido todo de preto — casaco preto, calç a preta, botas pretas de cano longo. A cabeç a estava descoberta, poré m, e Helen observou que os cabelos eram tã o louros que pareciam prateados em alguns pontos. Apesar disso, a pele era bem morena e nã o tinha a cor clara que acompanha em geral esse tom de cabelo. Havia algo vagamente familiar nos traç os angulosos do homem, nos olhos fundos sob as pá lpebras pesadas, no nariz aquilino fortemente esculpido, na boca larga de lá bios finos que, no momento, estava curvada com uma expressã o de poucos amigos. Ela viu també m que o homem mancava visivelmente, o que dava a seu andar um movimento caracterí stico dos quadris.

O leopardo voltou a cabeç a na direç ã o do homem, que o afagou com um gesto de carinho.

— Quieta, Sheba! — murmurou em voz baixa. No instante seguinte, levantou a cabeç a na direç ã o dela. — Desculpe o susto — disse, sem dar a impressã o de que estivesse realmente incomodado com o incidente. — Mas você nã o devia ter corrido. Sheba nã o teria tocado em você.

O tom arrogante da voz irritou-a profundamente. Ela nã o estava habituada a correr para defender a vida, muito menos a mostrar-se apavorada diante de um homem. Pelo contrá rio, a beleza e o encanto dos cabelos negros, do rosto pequeno e bem feito tinham facilitado sempre seu relacionamento com os homens. Embora nã o fosse convencida, tinha consciê ncia da atraç ã o que exercia sobre o outro sexo. Entretanto, pela maneira como este homem a observava, sentia-se ridí cula e assustada como uma crianç a que foi repreendida por um adulto.

—Como você pode dizer uma coisa dessas? — retrucou por fim, com um leve tremor na voz. — Se você nã o tivesse chamado esse bicho, eu teria sido devorada!

—Sheba foi treinada para trazer a presa, nã o para devorá -la — comentou o homem lentamente.

—Eu nã o sabia que era presa de caç a! — exclamou Helen, tirando a neve das mangas.

—Você correu.

—Ah, entendo. — Procurou dar uma inflexã o sarcá stica à voz. — Eu vou me lembrar disso no futuro!

O rosto do homem amoleceu com uma expressã o divertida.

—Eu nã o esperava encontrar nenhuma caç a hoje.

—E nã o encontrou, que eu saiba!

—Como nã o? — Olhou em volta. — Você veio aqui apenas para admirar a paisagem?

       Helen corou com a pergunta.

—Meu carro enguiç ou e eu o deixei na estrada. — Apontou vagamente para longe. — Estava procurando socorro quando... quando seu leopardo...

—Sheba? — O homem olhou para o grande felino que estava sentado ao seu lado. — Sheba nã o é leopardo. É a fê mea de um guepardo, mas eu creio que os dois sã o parentes pró ximos. Os guepardos sã o chamados algumas vezes de leopardos caç adores.

—Ah, é bom eu saber disso — disse Helen com um arrepio nervoso. — No momento poré m estou mais interessada em encontrar um telefone...

O homem fez uma festa na cabeç a do animal.

—Infelizmente nã o há nunhum telefone pú blico por perto.

—Entã o numa casa particular... Algué m que tenha telefone.

—Há poucas casas na redondeza — disse o homem com um gesto de indiferenç a.

Helen apertou as mã os com forç a.

— Você está sendo propositalmente antipá tico ou essa é sua maneira de tratar os estranhos?

O homem nã o se abalou com a rispidez das palavras.

— Estou tentando explicar apenas que você se encontra numa regiã o bastante isolada. Mas eu posso lhe oferecer minha casa, se você nã o se importar em passar mal...

Helen hesitou um instante.

—Muito obrigada, mas eu nã o o conheç o...

—Eu també m nã o a conheç o.

—Eu sei, mas... — Mordeu o lá bio sem jeito. — Você é casado?

—Nã o.

—Você mora sozinho com esse... bicho?

—També m nã o. — O homem deu um passo para o lado, como se a perna doesse de ficar parada no mesmo lugar. — Tenho um criado. Moramos os dois na mesma casa.

Helen refletiu rapidamente. Ah, que situaç ã o! Estava diante de duas alternativas igualmente desagradá veis. Continuar andando sozinha, na esperanç a de encontrar mais cedo ou mais tarde a cabana de um pastor ou uma fazenda nas montanhas, o que era certamente uma decisã o arriscada. Ou entã o acompanhar esse homem — um perfeito desconhecido! — até sua casa, correndo o risco de passar a noite na companhia de dois indiví duos estranhos. Que dilema!

— Decida-se! — disse o homem com uma certa impaciê ncia. Havia linhas de cansaç o em volta da boca e dos olhos, e foi esse sinal visí vel de vulnerabilidade que levou Helen a tomar uma decisã o.

— Vou aceitar seu convite — murmurou sem jeito. — Só que tenho que voltar para apanhar as malas no carro...

— Pode deixar. Meu criado irá buscá -las mais tarde — disse o homem, começ ando a descer o morrinho em direç ã o à estrada de rodagem. — Vamos andando antes que escureç a.

— Nã o seria melhor nos apresentarmos um ao outro? — perguntou Helen, passando a lí ngua nos lá bios secos.

— Vamos deixar isso para depois — respondeu o homem com o olhar cansado. — Ou você prefere ficar encharcada até os ossos?

Helen deu um suspiro. Nã o podia fazer objeç ã o. Seguiu o desconhecido pelo barranco escorregadio e procurou manter uma distâ ncia razoá vel do corpo esguio e do rabo comprido do guepardo. Ao descerem para a estradinha, que estava coberta de neve nos dois lados, o guepardo tomou a dianteira e Helen caminhou ao lado do homem. Embora ele mancasse visivelmente, tinha certa elegâ ncia e leveza, como um ex-atleta. Por que seu rosto lhe parecera familiar à primeira vista? Conhecia-o de algum lugar? Ou era porque o homem a lembrava de outra pessoa... de algué m que conhecia? Helen nã o sabia dizer.

Logo depois da primeira curva, havia um caminho mais estreito que rumava para a direita. Por ali os dois seguiram, atrá s do guepardo. Uma tabuleta, quase coberta de neve, indicava que estavam numa propriedade particular e Helen sentiu uma certa apreensã o ao ver aquilo. Aquele homem podia ser algué m mal-intencionado. Podia levá -la para qualquer lugar perdido no mato... Podia, inclusive, ter mentido sobre a existê ncia de telefone e outras casas nas redondezas.

— Se você preferir voltar, ainda está na hora — comentou o desconhecido, como se lesse seu pensamento. — Eu nã o vou mandar Sheba buscá -la, se é isso que você tem medo.

Helen balanç ou a cabeç a com vivacidade.

— Por que haveria de voltar?

— Nã o sei — disse o homem encarando-a. Ela observou sem querer que o desconhecido tinha as pestanas mais compridas que já vira. Pretas e espessas, quase cobriam os olhos, que eram de um tom castanho-avermelhado, como os olhos do guepardo. E, como os olhos frios de Sheba, os do homem eram igualmente indecifrá veis.

— O caminho estreito subia, em curvas fechadas. Passaram por uma porteira, atravessaram um campo, onde uma picada fora aberta recentemente, e subiram em seguida uma pequena lombada, que estava semi-encoberta pela neve. Finalmente, Helen avistou um bosque de á rvores desfolhadas e, mais adiante, a casa antiga. Tinha uma aparê ncia bem rú stica e as paredes de pedras estavam brancas de neve. A fumaç a saí a da chaminé no alto do telhado e havia luzes acesas na sala. O gramado da entrada era visí vel sob as pegadas do homem e do animal que caminhavam na sua frente. Logo depois, chegaram ao pá tio de cascalho em frente da casa.

O desconhecido esfregou e bateu os pé s na grade de ferro e aconselhou-a a fazer o mesmo, a fim de retirar a neve das botas. Em seguida, abriu a porta de madeira de lei, com tachas de cobre, e convidou-a a entrar. Helen olhou apreensivamente para Sheba. O animal a observava, sem piscar. Ela tomou coragem, encolheu-se junto à porta e entrou na sala.

Ao receber o bafo quente no corpo, percebeu que estava morta de frio. Sua solidã o na estrada, o encontro assustador com o guepardo e a conversa inquietante com o desconhecido distraí ram-na momentaneamente do frio. Mas ali, no ambiente gostoso da sala revestida de madeira, começ ou a tremer visivelmente e a bater os dentes.

Ao ouvir o ruí do da porta da frente, um homem aproximou-se. Embora estivesse trê mula e nervosa, Helen observou atentamente o recé m-chegado. Era da mesma altura que o dono da casa, mas duas vezes mais largo de peito; tinha o fí sico de um lutador, os ombros e a cabeç a completamente raspada. Dirigiu-lhe um olhar de cortesia antes de voltar a atenç ã o para o homem que estava em pé ao seu lado.

Estava começ ando a ficar preocupado com sua demora — disse, abaixando as mangas enroladas da camisa. — Aconteceu alguma coisa?

— O dono da casa desabotoou o casaco grosso de lã, enquanto examinava pensativamente a moç a trê mula e assustada que estava a seu lado.

— Nó s temos uma visita, Bolt. O carro desta moç a enguiç ou na estrada. Depois do chá, gostaria que você apanhasse as malas que ficaram lá.

A expressã o de Bolt, ao ouvir o pedido do dono da casa, era semelhante à de Sheba, pensou Helen com maldade. Os dois se comportavam como se a seguranç a e o bem-estar do homem fossem a coisa mais importante do mundo.

— Pois nã o. — Bolt deu um sorriso em direç ã o a Helen. — Vou arrumar seu quarto.

— Isso mesmo. — O homem tirou o casaco de couro, forrado de lã, e ficou apenas de camisa e colete. O criado apanhou o casaco e voltou-se em seguida para Helen. — Dê seu casaco a ele. Bolt vai secá -lo e pendurá -lo no cabide do corredor.

Helen estava tremendo tanto que nã o conseguia soltar os botõ es de couro. O dono da casa deu um passo à frente, inclinou-se e desabotoou num minuto o casaco. Retirou em seguida o casaco dos ombros dela e estendeu-o para o criado.

Helen começ ou a tremer mais ainda. Sentiu-se embaraç ada diante da familiaridade do desconhecido. Nã o conhecia esse homem de cara fechada e nã o fazia a menor questã o de conhecê -lo. Algo nele a assustava. Talvez fosse o fato de arrastar a perna, o jeito arrogante de falar, ou a maneira como o quadril se movia quando andava. Mesmo assim, o leve toque dos dedos morenos provocou uma sensaç ã o repentina de calor no seu braç o. Imediatamente, sentiu-se ao mesmo tempo fascinada e repelida.

Bolt abriu uma porta à direita. Ao compreender que os dois homens aguardavam que ela passasse na frente, Helen caminhou rapidamente para a sala ao lado, esfregando os braç os para fazer cessar o frio intenso que sentia. Foi dar numa enorme sala de estar, iluminada por duas lâ mpadas comuns, e pelo brilho das chamas da lareira de tijolos. A madeira estava cuidadosamente empilhada num canto e a peç a tinha o cheiro forte de pinho silvestre. O assoalho era par cialmente coberto de tapetes pequenos; alé m das diversas cadeiras e da escrivaninha de madeira escura, havia um sofá grande e antigo, que parecia muito confortá vel. As estantes perto da lareira estavam repletas de livros, revistas e jornais. Ao lado da cadeira de braç o, diante da lareira, havia uma bandeja com uma garrafa de uí sque e um frasco de cristal, provavelmente de conhaque. Havia apenas dois copos na bandeja.

A porta se fechou quando Helen indagava a si mesma para quem podiam ser os dois copos, e levou um susto quando Sheba roç ou nas suas pernas e foi deitar-se defronte da lareira. Olhou em volta apreensivamente, com receio de ficar sozinha na companhia do animal, e viu o homem aproximar-se, puxando a perna.

— Sente-se, por favor — disse, apontando para o sofá confortá vel. Apó s um momento de hesitaç ã o, Helen sentou-se na beira de uma cadeira de braç o.

0 homem foi sentar-se meio contrariado na cadeira em frente, esticou as pernas e deu um suspiro. Apó s um momento, voltou-se de lado e tirou a tampa do frasco de cristal.

— Você toma um conhaque? — perguntou em voz baixa. — Seria bom para passar o frio.

Helen balanç ou a cabeç a e aceitou o copo que ele lhe estendeu. Conhaque nã o era sua bebida predileta, mas nã o queria ser indelicada e bebeu lentamente, sentindo a garganta arder. Pouco a pouco o tremor cessou por completo.

O dono da casa nã o bebeu nada. Reclinou-se na cadeira de braç o, com os olhos entreabertos e fitou-a com uma intensidade penetrante. Pouco depois Bolt voltou com uma bandeja de chá. Expulsou o guepardo de sua posiç ã o confortá vel junto ao fogo e montou uma mesinha de dobrar naquele ponto, colocando a bandeja ao alcance do dono da casa.

— Agora vou buscar as malas no carro — disse Bolt com animaç ã o. — O porta-malas está fechado?



  

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