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A Força do Desejo 2 страница



— Ah, sim! A chave está aqui! — exclamou Helen com um sorriso, enfiando a mã o na bolsa. Retirou um chaveiro de couro e estendeu-o para o criado. — Muito obrigada. O carro está a um quilô metro mais ou menos daqui.

— Nã o se incomode, vou encontrá -lo.

— Muito obrigada.

Helen tornou a sorrir e ajeitou-se melhor na cadeira. O conhaque estava fazendo efeito e ela se sentia bem de novo. No dia seguinte, por essas horas, estaria em Bowness e esse contratempo no caminho seria apenas uma lembranç a divertida para contar a seus amigos em Londres.

Depois que Bolt saiu da sala, o dono da casa endireitou-se na cadeira e examinou a bandeja. Alé m do bule de chá e de biscoitos, havia um pratinho de sanduí ches e uma torta muito apetitosa de maç ã.

— Com leite e aç ú car, ou limã o? — perguntou o homem, encarando-a com os olhos castanhos penetrantes. Helen, no entanto, nã o se deixou intimidar dessa vez.

— Com leite, mas sem aç ú car, por favor. — Enquanto o dono da casa a servia, perguntou: — Você nã o acha que está na hora de nos apresentarmos?

Ele terminou de servir o chá, acrescentou leite e estendeu a xí cara para ela.

— Se isso for importante para você...

Helen engoliu em seco.

— Quer dizer entã o que você convida uma pessoa estranha para dormir na sua casa e nã o tem a menor curiosidade em saber como ela se chama?

— Talvez eu considere a pessoa mais importante que o nome — observou o homem, encarando-a fixamente, sem piscar. — Por exemplo, eu nã o preciso saber seu nome para adivinhar que você é uma moç a independente que nã o gosta de seguir os conselhos dos outros.

— Como você pode saber isso? — perguntou Helen, com o rosto vermelho.

— Bem, nã o é muito comum encontrar uma moç a andando sozinha por esta regiã o desolada. Você pretendia passar alguns dias aqui? Talvez tenha combinado encontrar-se com algué m mas, nem por isso, parece preocupada em passar a noite fora...

Helen bebeu um gole de chá.

— As mulheres hoje viajam sozinhas.

— Mas nã o em condiç õ es como estas, em pleno inverno!

— Eu posso estar a trabalho...

— E perdeu o caminho?

— É possí vel. Mas nã o é prová vel.

— Porque nã o?

— Porque você nã o tem cara de trabalhar.

— Ah, nã o? — exclamou Helen, surpresa com o comentá rio.

— Notei isso pela maneira como você falou com Bolt. Como se você estivesse acostumada a ter criados em volta fazendo todas as suas vontades.

Helen deu um suspiro. Tinha a impressã o de que sairia sempre perdendo se discutisse com esse homem antipá tico e arrogante. Mas era sua convidada, afinal. Talvez pudesse ser um pouco mais delicada e nã o agredi-lo inutilmente. Havia no entanto alguma coisa no homem que provocava sua agressividade.

— Está bem — admitiu por fim. — Você tem toda razã o. Eu nã o trabalho em nenhuma companhia. Meu nome é Helen James e sou a filha ú nica de Philip James.

— Sinto muito, mas nã o tive o prazer de conhecer seu pai — comentou o homem com uma certa ironia na voz. Helen notou que ele nã o tinha tomado o chá até agora, mas comera um sanduí che. Tenho a impressã o de que estou um pouco por fora das colunas sociais...

Ele deu um sorriso e, durante alguns segundos, pareceu anos mais jovem. Os lá bios dela se entreabriram. O rosto dele! Algo na fisionomia dele era familiar. Tinha visto aquele rosto antes — em algum lugar! Mas onde? Quando? Em que circunstâ ncia?

Enquanto tentava solucionar mentalmente o enigma, procurou ganhar tempo.

— Meu pai é Sir Philip James. A campanhia dele recebeu menç ã o honrosa este ano pela Câ mara do Comé rcio.

O desconhecido assentiu com a cabeç a.

— Muito bem.

— E você? Você ainda nã o me disse seu nome — insistiu Helen com uma certa indelicadeza que nã o combinava nada com suas maneiras educadas.

— Diga-me primeiro o que você estava fazendo aqui... tã o longe da civilizaç ã o.

Ela mordeu o lá bio de despeito.

— Para falar a verdade, eu queria me afastar alguns dias da famí lia. Precisava refletir sozinha e pensei que meu pai nunca me procuraria aqui.

— Entã o você fugiu de casa? — indagou o homem, levantando as sobrancelhas.

— Mais ou menos. Deixei um bilhete para meu pai. Ele nã o vai se inquietar com minha ausê ncia.

— Tem certeza?

— Bem, espero que nã o. — Helen mexeu-se sem jeito na cadeira. — De qualquer maneira, você nã o precisava se preocupar com isso. Eu lhe fico muito grata por você ter aparecido no momento exato. Mais alguns minutos e eu estaria em maus lenç ó is no meio daquela neve.

— Exatamente. Você podia ter morrido lá — A voz dele era baixa, sonora e no primeiro instante Helen sentiu um arrepio ao se lembrar do perigo por que passara. — Você fez muito mal de nã o avisar ningué m sobre seu paradeiro. Nã o lhe ocorreu que o carro podia ficar enterrado vá rias dias na neve, antes de ser encontrato? — Ele fitou-a com atenç ã o. — Diga-me uma coisa... O que a levou a fugir repentinamente de casa?

Helen ouviu indignada a pergunta.

— Desculpe, mas acho que isso nã o é da sua conta!

— Eu sei que nã o é, mas estou curioso para saber. Satisfaç a esse capricho de algué m que nã o reside mais no mundo de onde você veio...

Helen mirou-o atentamente, perplexa. Que palavras estranhas! Por mais que aquela regiã o fosse isolada no inverno, nã o estava distante da civilizaç ã o. A menos que fosse essa sua intenç ã o.

— Meu pai quer dirigir minha vida — disse lentamente. — Mas eu tenho vinte e dois anos e sou muito independente, como você comentou há pouco. Nó s dois discordamos sobre um determinado assunto.

— Imagino que seja algo importante para fazê -la viajar mais de quatrocentos quilô metros em pleno inverno! De qualquer maneira, respeito seu segredo...

Helen encarou-o sem saber o que dizer. Era uma pequena concessã o, no fundo. Inclinando-se para repor a xí cara vazia na bandeja, acrescentou:

— E você? Nã o acha muito triste viver sozinho aqui?

Os cí lios espessos quase encobriam os olhos castanhos e ela nã o podia perceber melhor sua expressã o.

— Sou uma pessoa muito desinteressante, que nã o aprecia o social. Aceita mais chá?

Helen balanç ou a cabeç a negativamente.

— Por que você está se esquivando a responder minha pergunta? — insistiu, com impaciê ncia.

— Estou mesmo? — repetiu o homem com voz delicada, se bem que os olhos castanhos tivessem uma expressã o curiosamente atenta.

— Você sabe que sim! — exclamou Helen franzindo a testa. — Eu conheç o seu rosto de algum lugar. Posso jurar que já o vi antes... em carne e osso ou num filme.

— Muito obrigado por essa quase lisonja — disse com ironia. — Você me deixa envaidecido. Pensei que isso fosse uma prerrogativa feminina.

Ele podia embaraç á -la facilmente, pensou Helen com irritaç ã o. Era uma experiê ncia nova.

— Você entendeu perfeitamente o que eu quis dizer. Acho que eu já vi seu rosto em algum lugar.

O homem pareceu entediado com a insistê ncia. Levantou-se e esfregou a coxa como se uma dor o incomodasse. Caminhou em seguida em direç ã o à janela da sala e puxou a cortina cor de vinho sobre as vidraç as.

Lá fora estava escuro e os flocos de neve caí am continuamente. A paisagem do inverno provocou um sentimento repentino de solidã o em Helen. Pensou que teria sido preferí vel pedir ao dono da casa para consertar o carro, em vez de aceitar a hospitalidade que lhe oferecera. Informada por ele, chegaria facilmente a um lugarejo qualquer, onde passaria a noite. Procurou, no entanto, afastar esses pensamentos. Estava se comportando de maneira ridí cula ao imaginar que havia algo estranho no convite do homem. Alé m disso, devia estar muito agradecida a ele, que lhe salvara praticamente a vida!

— Bolt nã o vai se demorar com sua bagagem — disse o dono da casa afastando-se da janela. — Ele vai lhe mostrar seu quarto quando voltar. O jantar aqui costuma ser servido à s oito horas. Espero que você me dê o prazer de sua companhia.

Helen ajeitou-se na cadeira com nervosismo. O homem estava realmente decidido a nã o lhe responder. O movimento brusco que ela fez assustou o guepardo, que levantou a cabeç a e olhou em sua direç ã o. Os olhos que a encaravam eram curiosamente semelhantes aos do dono, e ela lembrou-se involuntariamente dos contos que ouvira em crianç a. Algumas bruxas moravam sozinhas na companhia de bichos. Quem era esse homem que vivia numa solidã o suntuosa? Que mancava e criava um animal selvagem dentro de casa? Quem sabe ela tinha perdido os sentidos na neve e aquilo era algum pesadelo fantá stico que antecedia a morte?

Mexeu-se nervosamente com esse pensamento e o guepardo deu um rugido baixo. O dono da casa aproximou-se da lareira e murmurou palavras carinhosas para o animal, enquanto olhava para Helen.

— O que foi? — indagou com a voz macia.

Helen balanç ou a cabeç a e com a vista percorreu a sala. A peç a era acolhedora e nã o inspirava absolutamente nenhuma sensaç ã o inquietante. Tinha uma austeridade masculina, uma total ausê ncia de frivolidades. Havia trofé us de caç a pendurados nas paredes revestidas de madeira, espadas e armas antigas, diversas peç as decorativas que Helen sabia serem antigü idades valiosas. A sala dava a impressã o de tranqü ilidade e conforto. Aquele homem, fosse quem fosse, era um indiví duo de gosto requintado, mas nã o podia entender como algué m vivia naquela solidã o. Era pintor, escultor, artista? Quem mais podia desejar uma existê ncia desse gê nero?

Foi entã o que uma fotografia pendurada na parede, atrá s da escrivaninha, chamou sua atenç ã o. Nã o podia distinguir todos os detalhes, de onde estava, sobretudo na meia-luz da sala, mas o que viu foi suficiente para concluir que era uma ampliaç ã o fotográ fica de um acidente de automó vel, um amontoado medonho de seres humanos e de má quinas que bloqueavam a pista, enquanto fragmentos de metal estavam espalhados por toda parte. Era uma foto em branco e preto, tã o realista, que retratava perfeitamente toda a feiú ra e brutalidade do acidente.

Helen dirigiu o olhar espantado para o homem que estava de pé, numa posiç ã o rí gida, ao lado do sofá. Os olhos castanhos estavam frios. Ela sabia porque o homem assumira repentinamente um ar distante. Ele adivinhara que as suspeitas anteriores dela, referentes à sua identidade, estavam confirmadas. Era um dos automobilistas envolvidos no desastre. Nã o fora um acidente comum, dos que ocorrem diariamente nas estradas. Aquele acidente acontecera há seis anos numa pista de competiç ã o na Alemanha, em Nurburgring, exatamente.

— Eu sei quem você é — disse Helen lentamente, com a fisionomia pensativa, levantando-se da cadeira. — Você é Dominic Lyall, piloto de corridas!

A rigidez desapareceu do corpo magro. O homem apoiou-se no encosto do sofá, enquanto segurava as almofadas bordadas de veludo.

— Você acertou. Eu sou Dominic Lyall, mas nã o sou mais piloto de competiç ã o.

— Mas foi. Lembro que meu pai falava muito de você. Ele o admirava tremendamente antes do... do...

— Antes do desastre?

— Ele pensou... as pessoas pensavam que você tinha desaparecido. Meu pai disse... muitas pessoas disseram...

— Que eu tinha morrido? Ouvi esse boato. Meus ferimentos foram graves e eu preferi nã o desmentir os rumores. Nã o há nada mais triste do que um í dolo esquecido...

— Mas nã o foi isso... negou Helen com vivacidade. — O acidente foi um acaso terrí vel. Ningué m foi culpado. Os jornais...

— Eu disse que me culpava pelo acidente? — perguntou Dominic com a voz fria.

— Nã o, nã o disse, mas... — Helen mordeu o lá bio. — Meu pai era um grande admirador seu. Ele ainda tem algumas fotos suas na biblioteca lá de casa. E havia milhares de outros como ele. Você acha que foi correto deixar toda essa gente pensar que você morreu?

Dominic endireitou-se e fez massagem na perna dolorida.

— E eu, nã o conto? Eu nã o tenho o direito de levar uma vida tranqü ila só porque numa é poca me exibi diante do pú blico?

Helen ficou um momento indecisa, sem saber o que responder.

— Nã o sei. Acho apenas que é uma pena nã o haver outros pilotos talentosos como você para servir de exemplo aos mais jovens...

— Tudo isso acabou — disse Dominic, passando os dedos entre os cabelos louros. — Você nã o pode entender o que se passou.

— Quem sabe? — disse Helen levantando a cabeç a.

Bem, de qualquer maneira... — Ele deu um suspiro fundo. — De qualquer maneira, é uma pena que você tenha a memó ria tã o boa. Eu pensei que uma menina de dezesseis anos estivesse mais in teressada nos í dolos da mú sica popular do que nos pilotos de competiç ã o.

— Como eu lhe disse antes, meu pai me levava à s corridas.

— Ah, sim, seu pai... — Dominic fechou os olhos, pensativamente. — Uma estranha ocorrê ncia.

— O que você quer dizer com isso?

Dominic Lyall balanç ou os ombros com um gesto de indiferenç a.

— Eu pensei que fosse ó bvio.

— Oquê?

Fixou-a com seu olhar penetrante, sem piscar os olhos.

— O fato de você me reconhecer, evidentemente. Um fato muito... muito lamentá vel. Infelizmente, você nã o poderá partir daqui amanhã cedo, como pretendia...


CAPITULO II

 

Durante vá rios minutos nã o se ouviu um suspiro na sala. Helen nã o podia acreditar que entendera corretamente as palavras de Dominic, mas havia algo na fisionomia severa que confirmava sua suspeita.

— Você está brincando! — exclamou por fim.

— Nã o, nã o estou!

— Mas por quê? Por quê?

— Isso també m é evidente. Eu nã o gostaria que ningué m soubesse que estou vivo e que moro neste lugar isolado.

Helen nã o quis admitir o sentimento de pâ nico que fermentava dentro de seu peito.

— Mas eu nã o vou contar isso a ningué m! — protestou, repetindo as palavras que já ouvira nos filmes, quando a mocinha se via encurralada por algum fugitivo da lei. Dominic, poré m, nã o era um marginal... a nã o ser do mundo!

—Sinto muito, mas nã o posso correr esse risco. A tentaç ã o de contar a seu pai que estou vivo e morando na regiã o dos lagos será muito forte...

— Juro que nã o! — negou Helen, torcendo as mã os com nervosismo. — De qualquer maneira, você nã o pode me manter presa aqui... isso é ilegal!

—Ah, é? — indagou Dominic com um sorriso exasperante.

— É uma loucura! Meu pai vai procurar por mim e acabará batendo aqui!

— Você disse antes que ele jamais iria procurá -la aqui. ~

— No começ o, nã o. Mas se nã o me encontrar em outra parte..:

— Nesse meio tempo, você estará livre para voltar.

— Como? Nã o entendo!

— Estou fazendo preparativos para sair do paí s. Até lá, você vai ficar aqui.

— Mas isso pode levar meses! — exclamou Helen com a voz aflita.

— Algumas semanas no má ximo — concedeu Dominic secamente.

A porta abriu-se bruscamente atrá s dela e Helen voltou-se com nervosismo. Bolt estava em pé junto à soleira, os ombros largos cobertos de neve.

— Ah. você já está de volta! — disse Dominic com uma cordialidade que nã o demonstrara por Helen. — Encontrou o carro?

— Encontrei. As malas estã o no corredor. Vou tirar o capote e depois posso levar a moç a ao quarto de hó spedes.

— Perfeito. Por falar nisso, nossa convidada se chama Helen. Ela vai permanecer conosco mais tempo do que contava.

Helen nã o tinha idé ia da mensagem trocada entre os dois. Mas a ú nica demonstraç ã o de surpresa de Bolt foi um ligeiro movimento das sobrancelhas. Deixou as chaves do carro em cima da mesinha e balanç ou a cabeç a.

— Pois nã o.

— Vou guardar as chaves — comentou Dominic. — Mais tarde eu explico a situaç ã o...

— Pois nã o.

Bolt era irritantemente submisso e Helen, que observava em silê ncio a troca de palavras entre os dois homens, estava a ponto de chorar. Impossí vel que aquilo fosse verdade. Nã o podia ser! Dominic nã o estava falando sé rio quando disse que pretendia mantê -la ali até embarcar para fora do paí s.

— Nã o quero ver meu quarto! — explodiu Helen por fim. Com a voz chorosa. — Você nã o pode me prender aqui!

Dominic deu um sorriso cruel.

— Quem vai me impedir?

— Eu vou fugir!

— De novo?

— Vou pedir socorro na casa de algué m. Vou telefonar de algum lugar!

— Nã o há telefone por perto.

— Na cidade tem que ter uma cabine telefô nica!

— Você sabe o caminho para chegar lá ?

— Nã o, mas vou acabar achando.

— Com essa neve encobrindo a estrada?

Ela deu um soluç o de desespero.

— Você está louco! Louco! — Tomou fô lego. — Olhe, eu nã o quero ficar aqui. Quero ir para um hotel. Prometo que nã o vou contar a ningué m que estive aqui. Deixe-me ir. Eu prometo!

— Impossí vel. — Dominic voltou-se para Bolt. — Precisamos rebocar o carro dela amanhã cedo. Antes que a neve endureç a.

Bolt balanç ou a cabeç a.

— Pode deixar. Farei isso logo que acordar.

Helen sentiu uma frustraç ã o medonha. Nã o havia maneira de sair daquela casa, fugir daquela situaç ã o absurda. Ela havia pronunciado sua pró pria condenaç ã o. Se nã o houvesse contado a Dominic que fugira de casa se nã o o tivesse reconhecido... se, se, se...

— Você nã o pode me impedir de fugir! — declarou de repente, com os olhos brilhantes.

— Eu nã o tentaria se fosse você — disse Dominic, flexionando os mú sculos das costas.

Havia um olhar de fadiga na fisionomia magra e Helen notou com uma sensaç ã o de alí vio que ele estava exausto de ficar em pé. Felizmente, ele nã o era tã o ivulnerá vel como dava a parecer. Por outro lado, quase sem perceber, ela começ ou a sentir compaixã o por aquele homem indefeso, defeituoso, que fugira do mundo e procurara refugiar-se num lugar completamente isolado.

Bolt percebeu també m o incô modo do patrã o e, com a familiaridade de anos de serviç o, adiantou-se ao seu desejo.

— Está na hora da massagem. Vou descer logo que levar a moç a ao quarto de hó spedes.

Dominic voltou-se para Helen com uma espé cie de resignaç ã o irô nica no olhar.

— Está vendo? Sou como uma má quina velha que precisa o tempo todo de reparos. Nã o é mesmo, Bolt?

— Você nã o é velho! — exclamou Helen sem pensar.

— Como nã o? Tenho quase o dobro de sua idade — disse Dominic com uma careta, provocada por uma pontada forte no mú sculo. — Eu volto num minuto...

Ele saiu do quarto puxando a perna pesadamente. Bolt observou-o afastar-se com uma expressã o de admiraç ã o no rosto e Helen sentiu-se uma intrusa naquela casa. O guepardo, por sua vez, levantou-se silenciosamente e acompanhou o dono.

— Um minutinho só — disse Bolt, desabotoando o capote. — Vou mostrar seu quarto.

Helen queria protestar. Devia protestar, repetir uma infinidade de vezes que aquilo era um absurdo, que os dois nã o podiam mantê -la ali contra sua vontade, que acabaria encontrando uma maneira de fugir. Mas nã o disse nada. Em vez disso, deixou que Bolt apanhasse as malas no corredor e o seguiu em direç ã o à escada, coberta com uma passadeira marrom-escuro.

No fim do primeiro lance, havia uma janela circular que dava para os fundos da casa. Era difí cil enxergar alguma coisa com os flocos de neve que caí am lentamente, mas o brilho ofuscante dava uma iluminaç ã o artificial à paisagem.

No alto da escada havia um corredor comprido que levava aos quartos. Helen admirou o belo lustre de cristal pendurado no teto. Bolt tomou a direita e passou por diversas portas fechadas antes de parar diante do quarto de hó spedes. Abriu a porta, acendeu a luz e afastou-se para ela entrar.

O assoalho estava coberto com um carpete verde-claro. A mesma cor, com tonalidades diferentes, repetia-se na colcha e nas cortinas pesadas que cobriam as janelas. A cama, o espelho de trê s faces na penteadeira, o armá rio grande, com diversas gavetas, eram de mogno escuro, ligeiramente mais altos que os mó veis tradicionais a que Helen estava acostumada, mas ficavam bem no aposento de pé -direito alto. Um aquecedor estava ligado perto da janela e o quarto todo estava deliciosamente aquecido.

Bolt apontou para a porta junto do armá rio, na outra extremidade do quarto.

— O banheiro fica ali — explicou, olhando em volta para ver se estava tudo em ordem. — Coloquei garrafas. de á gua quente na cama para aquecer o lenç ol.

Helen mordeu o lá bio.

— Muito obrigada, Bolt. — Ela nã o entendia como podia aceitar a situaç ã o com tanta calma! — Ah, uma pergunta! — exclamou, quando Bolt se preparava para sair do quarto. — Você vai fechar a porta a chave?

Bolt sorriu e apontou para a fechadura. Entã o ela percebeu que a chave estava por dentro.

Depois que Bolt saiu, Helen aproximou-se da janela, puxou as cortinas para os lados e espiou para fora. O quarto ficava no fundo da casa, mas tudo que avistou foram algumas á rvores cobertas de neve. Soltou a cortina e voltou-se para observar seus domí nios.

Nenhum quarto de hotel era mais luxuoso e confortá vel do que aquele. Parecia uma ironia! Quanto mais pensava nisso, tanto mais fantá stica lhe parecia a situaç ã o. Passou as mã os ú midas nos lados da calç a. Quanto tempo passaria ali? A tal viagem de Dominic seria para breve?

Andou nervosamente de um lado para o outro do quarto, procurando distrair o sentimento de pâ nico que voltava a persegui-la. Dominic estava falando seriamente ou queria apenas assustá -la, para divertir-se à sua custa? Era prová vel que sim, embora parecesse um homem educado e de boas maneiras. Como podia querer manté -la contra sua vontade ali? Que tipo de vida levara nos ú ltimos anos que destruí ra completamente seus escrú pulos de consciê ncia?

Olhou o reló gio de pulso. Passava das seis. Dominic dissera que o jantar era servido à s oito. No momento, poré m, nã o tinha o menor apetite. O que ele fora fazer? Que tipo de tratamento era esse que Bolt lhe aplicava?

Helen parou diante do espelho e observou sua aparê ncia abatida sem o menor prazer. A calç a estava amassada nos pontos em que enrolara para descer do carro, os cabelos, desgrenhados, o rosto tinha as marcas vermelhas dos galhos que roç aram sua cabeç a quando se enfiou embaixo da cerca para fugir do animal que a perseguia. Levantou a mã o trê mula e segurou um cacho de cabelos pretos. E agora, o que ia fazer?

Apó s certificar-se de que o banheiro fechava por dentro, decidiu-se por um banho de imersã o, para relaxar os nervos. A banheira era imensa, de porcelana branca, com pé s pretos de ferro fundido. A caixa estava cheia de á gua quente e Helen sentiu-se muito mais animada depois do banho gostoso com sais perfumados. Encontrara diversos frascos de sais numa estante de vidro, em cima da pia, e salpicara generosamente a á gua quente antes de entrar na banheira.

Depois de deixar a á gua suja escorrer pelo ralo e arrumar tudo nos seus devidos lugares, Helen enrolou-se numa toalha azul-escuro que a cobria da cabeç a aos pé s. Voltou para o quarto a fim de retirar as roupas limpas da mala.

Foi só entã o que se lembrou que as malas estavam fechadas a chave e que o chaveiro estava em poder de Dominic.

Permaneceu um instante no meio do quarto, descalç a, embrulhada na toalha, sem saber o que fazer. Pensou em sair no corredor e chamar Bolt, mas o fato de estar naqueles trajes sumá rios fez com que desistisse da idé ia. De má vontade, tornou a vestir as roupas que despira e contentou-se em escovar os cabelos e passar uma pintura leve no rosto. A escova, o pente e os cosmé ticos, felizmente, estavam na bolsa a tiracolo. Pelo menos nã o estava mais com a aparê ncia medonha de antes. O pulô ver branco, de gola rulê, que vestia com a calç a comprida, era razoavelmente elegante, e talvez Dominic nã o prestasse atenç ã o nessas coisas. De qualquer maneira, teria que reaver as chaves antes de dormir. Nã o tinha a intenç ã o de deitar nua em pê lo, sem uma camisola pelo menos!

Uma certa apreensã o percorreu-lhe o rosto ao pensar nessa eventualidade. Era pouco prová vel no entanto que algué m a incomodasse durante a noite. A porta fechava por dentro e era bastante pesada para desanimar o intruso mais insistente. Alé m disso, Bolt nã o lhe pareceu ser o tipo de homem que fizesse uma grosseria dessas. Quanto a Dominic...

Passou a lí ngua nos lá bios secos. Nã o queria pensar em Dominic, mas estava sempre pensando. Nã o queria lembrar-se da sensaç ã o esquisita que experimentou quando ele desabotoara o casaco de couro, nem da fascinaç ã o inquietante que inspirava nela. Era repulsa, repetiu corajosamente. Sentia nojo e desprezo por ele. Nã o podia interessar-se por um homem como ele, um aleijado, um homem que nã o hesitava em violentar a vontade dela unicamente para satisfazer seu egoí smo.

Por outro lado, lembrava-se de todos os detalhes de Dominic: a cor dos cabelos, dos olhos castanho-avermelhados, a pele morena, a musculatura do corpo, a maneira como os mú sculos das pernas estavam visí veis por baixo do tecido leve da calç a, as botas de cano longo, a careta de dor quando sentira uma pontada no quadril. Helen prendeu a respiraç ã o. Nã o devia sentir pena dele, nenhuma! Mas sentia, mesmo assim.

Apó s balanç ar a cabeç a para deixar os cabelos assentarem livremente em volta do rosto, abriu a porta do quarto e saiu para o corredor. Apagou a luz com um suspiro e caminhou de cabeç a erguida em direç ã o à escada.

Ao descer no hall, olhou em volta de si desorientada. Que porta levava à sala de estar? Nã o se lembrava mais. Aproximou-se de uma delas ao acaso, mas era apenas um armarinho para guardar roupa embaixo da escada. Fechou a porta rapidamente e tentou uma outra, sentindo-se um pouco como Alice em sua viagem maravilhosa pela toca do coelho. A peç a seguinte era a sala de jantar, onde havia uma mesa redonda coberta com uma toalha branca. Era ali que iam jantar?

Deu um suspiro e, ao ouvir um ruí do atrá s de si, voltou-se assustada. Uma porta abrira do outro lado do hall e Dominic estava em pé na soleira, acompanhado de Sheba.

— Estava esperando por você — disse ele com a voz sonora que ela aprendera a reconhecer tã o bem nos poucos minutos que estava na casa.



  

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