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CAPÍTULO IX



 

O rugido do mar, as ondas enormes que arrebentavam nas pedras, espalhando espuma — esta era a mú sica de St. Avrell. Sempre que ia à praia, Luana lembrava-se do menino que Tarquin havia sido, procurando conchinhas naquela regiã o e imaginando que os rochedos eram cavaleiros vigiando.

Era estranho como nã o podia fugir dele, por mais longe que fosse. E quando ouvia o barulho ritmado do mar, parecia escutar sua voz: " Você acha que eu també m nã o tenho medo, ninfa querida? Que nã o vou sofrer ao me despedir de você? ''

Mas ele nã o tinha sofrido quando se despediu dela. . . e agora o oceano os separava.

Luana correu pela praia, perseguida pelo piar dos pá ssaros. Ela nã o podia pensar em Tarquin durante aquelas fé rias, que tinham dado uma reviravolta tã o estranha. Nã o só estava hospedada no castelo, como també m posava para a está tua de Ondina. Para seu alí vio, Eduard permitiu que Patrí cia assistisse à s sessõ es. Era como se estivesse posando para um artista, só que ele trabalhava com argila, usando as mã os há beis para modelar suas feiç õ es e os contornos de sua silhueta esbelta reclinada numa pedra que havia sido trazida da praia.

També m tinha havido o problema do que vestir. Embora Jim Lovibond tivesse trazido a maior parte das roupas delas, Eduard havia achado os vestidos de Luana muito modernos, acrescentando que ela tinha que usar alguma coisa muito leve, como a neblina que vinha do mar.

Obedecendo à s ordens, Medevil trouxe uma arca enorme de um dos só tã os e, quando a abriu, as duas prenderam a respiraç ã o. A arca estava cheia de cortes de uma seda tã o leve que passaria por um anel.

Luana sentiu-se compelida a olhar para Eduard, encostado na lareira, um charuto entre os dentes. O sorriso que ele deu fez com que ela se perguntasse se nã o teria havido uma moç a especial na vida dele, uma moç a muito bonita. Nascida para ser envolta naquelas sedas orientais.

— Um plantador de café — ele contou — encomendou um enxoval para a noiva, mas quando chegamos na ilha onde morava, no Pandora, um de seus empregados foi a bordo para avisar que nã o descarregá ssemos a carga encomendada por seu patrã o. A moç a havia escrito que ia se casar com outro homem, pois nã o agü entaria morar na ilha. A arca ficou no Pandora até que eu voltasse para a Cornualha. Veja se encontra alguma coisa para usar para mim, Luana.

Ela corou, ajoelhando-se ao lado da arca de sedas, que estava sendo remexida sem nenhum cuidado por Patrí cia. A menina nã o entendia como era triste um homem querer oferecer tanta coisa para uma mulher e receber em troca apenas uma carta fria dizendo que ela nã o o amava suficientemente para ir morar na ilha.

— Nã o é maravilhoso? — Patrí cia enrolou-se num corte de seda da cor do mar.

— Nã o é assim que se usa um sá ri. — Com o charuto preso entre os dentes, Eduard ajeitou a seda em torno do corpo de Patrí cia. — Agora você está tã o bonita quanto uma danç arina oriental.

Patrí cia sorriu, começ ando a danç ar pela sala.

— Quer que eu pose para você?

— Você nã o ficaria quieta nem um minuto. Eu acabaria fazendo uma escultura olhando para quatro lugares ao mesmo tempo, com braç os e pernas por toda a parte. Vamos esperar que você fique mais velha e um pouco mais sossegada.

— Como Luana? — Patrí cia lanç ou um olhar travesso para sua companheira, que estava admirando uma peç a de tule.

— Posso fazer uma espé cie de tú nica grega com este tecido — disse ela. — E tã o bonito! Parece uma nuvem prateada iluminada pelo sol!

Como Eduard nã o respondesse, ela o olhou, para ver sua reaç ã o. O coraç ã o de Luana bateu agitado, pois ele a fitava com uma expressã o intensa, do outro lado da sala. Ela podia imaginar o que estava pensando.

Talvez que ela nunca ficaria tã o atraente quanto as jovens que danç avam nos templos orientais.

— Sim, use isso — ele disse muito devagar. — Faç a uma saia cheia de panos, para dar efeito de farrapos. Ondina vivia na praia e estava apaixonada pelo prí ncipe que morava no castelo. Ela nã o deve ser sofisticada. . . e sim ter um ar de inocê ncia. As pessoas que possuem magia geralmente nã o se dã o conta disso.

— Gosto da histó ria de Ondina. . . combina tanto com Luana. — Patrí cia ligou o rá dio e a mú sica pô s fim à conversa.

Eduard chamou Medevil e pediu que ele trouxesse uma garrafa de vinho.

— Nã o é sempre que tenho convidados, por isso quero comemorar.

A vida aqui deve ser muito solitá ria, Luana pensou. O castelo ficava afastado das outras casas e Eduard tinha dito que perdera o contato com as pessoas que conhecia. Ele havia partido para praias distantes quando tinha dezenove anos e o castelo ficara vazio durante muito tempo.

Mas naquela noite havia mú sica. As lâ mpadas estavam acesas, o mar e as charnecas afastados pelas cortinas de brocado. Pouco depois Medevil trouxe o vinho.

 As teias de aranha em redor da garrafa causavam a impressã o de que o vinho estivera na adega desde a é poca dos contrabandistas.

— Nã o franza o nariz — Eduard disse para Patrí cia, enquanto despejava o vinho numa garrafa do mais fino cristal. — O vinho fica melhor quando envelhece e este lote foi guardado por meu avô, assim que veio da Franç a. Havia muitos Talgarth naquela é poca, Minha avó gostava de dar festas e na mesa de banquetes, na sala de jantar, havia lugar para cem pessoas. Danç avam a noite toda, tomavam champanhe no café da manhã e depois atravessavam a charneca a cavalo para abrir o apetite para novos jantares e mais danç as.

— Devia ser sensacional, com todos os candelabros acesos e os

mú sicos tocando na galeria. — Os olhos de Patrí cia estavam brilhando. — Você nã o pode começ ar tudo de novo?

Ele sacudiu a cabeç a, mas por um momento Luana notou melancolia em seus olhos, como se quisesse voltar de alguma maneira aos dias felizes do passado. Mas Charme o rejeitara. Luana tinha visto o retrato da avó dele na saleta onde costumava escrever suas cartas. Uma criatura sorridente, cheia de vida. Com uma massa de cabelos loiros, enormes olhos azuis e jó ias brilhando no pescoç o branco, ela havia feito um grande rombo na fortuna dos Talgarth. Seu filho — o pai de Eduard — havia herdado da mã e o gosto pelos amigos e por uma vida agitada, e no fim o castelo e as jó ias da famí lia foram vendidos para pagar suas dí vidas de jogo.

Eduard serviu as duas de vinho. Patrí cia estava emocionada.

— Posso fazer um brinde? — ela perguntou. — Por favor, deixe!

— É claro que pode. Raramente tenho companhia, e duas hó spedes tã o bonitas podem ordenar o que quiserem a este marinheiro rude.

— Nã o acho que você seja nem um pouco rude — Patrí cia protestou. — Você é tã o galante quanto aquele outro Talgarth de antigamente.

— Você é muito amá vel. — Ele sorriu, mas sem provocar Patrí cia.

Nã o estava com aquela expressã o irô nica e seu olhar pousou com suavidade na menina, que ainda era desajeitada, mas que em um ou dois anos poderia virar a cabeç a de um rapaz com seus olhos verdes e seu sorriso malicioso. Sendo filha de um amigo, Patrí cia viria sempre ao castelo, e ele queria companhia.

Luana ficou um pouco chocada ao constatar isso, mas nã o havia nada que pudesse fazer. Patrí cia nã o escondia que gostava dele e Eduard nã o seria o primeiro homem a se casar com uma moç a muito mais jovem.

— E agora, o nosso brinde — disse Patrí cia.

— O vinho tem sua razã o de ser, ou nã o existiriam uvas nas parreiras.

O amor tem sua razã o de ser, ou nã o existiriam as mulheres. Pronto!

Ele levantou as sobrancelhas e ergueu o copo, primeiro para Patrí cia, mais lentamente para Luana, os olhos brilhando, atrevidos, conservando para ela uma faí sca de zombaria e nã o aquela expressã o suave que dirigiu para Patrí cia.

Luana tomou um gole do vinho, depois virou-se para uma vitrine com uma coleç ã o de objetos que ele tinha trazido de suas viagens. Peç as de jade de cores raras, um pequeno pagode entalhado no marfim, um í dolo com olhos de pedras preciosas, e amuletos com pequenas inscriç õ es em letras minú sculas.

Olhou para o seu anel de escaravelho, com a inscriç ã o embaixo da asa. . . em vez de felicidade, o anel trouxera apenas má sorte. Parecia que tinha algum feitiç o. . . pois nã o era possí vel que uma peç a tã o bonita pudesse trazer tanto azar.

— Admirando os meus jades?

Ela estremeceu quando Eduard parou a seu lado.

— Sim. . . sã o muito bonitos. Nã o imaginava que o jade pudesse ter tantas cores.

— Estas coisas sã o muito evocativas. Lembram-me as festas fluviais com os barcos cheios de flores, gongos, templos em ruí nas e lagos com carpas douradas. — Ele abriu o vidro da vitrine e pegou um galho de flores de cerejeira, feito de jade, delicado como a brisa. — Esta peç a é muito antiga. Veja, tem uma presilha por baixo, de modo que pode ser presa no cabelo. A flor de cerejeira simbolizava o amor na velha China, e pode ser que este enfeite tenha sido usado pela amada de um mandarim, que o cercava de atenç õ es, trazendo chá, abanando-o com um leque de marfim ou ouvindo versos a seus pé s.

Luana o olhou, pois ele sempre a surpreendia quando falava assim, mostrando seu interesse pelas pequenas coisas e pelas tradiç õ es antigas.

— Você gostaria que as mulheres ainda fossem assim?

— Obedecendo ao menor capricho do homem? — ele perguntou devagar. — Seria muito agradá vel ter uma escrava apaixonada, mas prefiro uma moç a inteligente que saiba apreciar uma boa conversa. Que me dê o inferno. . . e prometa o paraí so.

Ele recolocou o jade no lugar e tirou duas pulseiras delicadas com um pequeno Buda de ouro pendurado em cada uma delas.

— Por favor, aceite esta lembranç a minha. — Ele deixou cair uma das pulseiras na mã o de Luana, depois foi até Patrí cia, prendendo a outra em seu pulso. Fez tudo com muita elegâ ncia, enquanto Luana ficava parada ao lado da mesa com os dedos fechados em redor do Buda. . . o deus da tranqü ilidade e da reflexã o.

— Oh, Eduard, é linda! — Patrí cia enlaç ou o pescoç o dele com os braç os e deu um beijo no rosto moreno. — Você é meu homem favorito. . . Por favor, espere até que eu cresç a, senã o entro para um convento!

Ele riu, enquanto ela brincava com a pulseira.

— Quando você ficar mais velha, Patrí cia, vou lembrá -la desta noite e você vai rir da mocinha que queria ir para o convento. Você terá tudo o que sonhou.

— Os sonhos tornam-se realidade?

— Para os que tê m o coraç ã o jovem, minha flor, e à s vezes para aqueles que precisam de amor porque nunca amaram. Mas já está na hora de você e Luana irem para a cama.

— Já? — ela protestou.

— Já sã o mais de dez horas e você está com cara de sono. — Ele olhou para Luana e sorriu, embora seus olhos estivessem sombrios. — Você s duas estã o dormindo bem aqui no castelo? Nã o se preocupem com o nosso fantasma. De acordo com a lenda, só assombra os Talgarth, e eu ocupo os cô modos onde dizem que ele aparece. Ele é um exilado solitá rio, como eu.

— Mas seu lar é na Cornualha. . .

— Nasci na Cornualha, mas nosso lar é onde está nosso coraç ã o. E agora desejo-lhes uma boa noite. . . Você s nã o querem tomar leite quente?

— Leite quente me lembra o colé gio! — Patrí cia franziu o nariz.

— Que coisa horrí vel! — Ele estava acendendo um de seus charutos finos, como se pretendesse ficar fumando sozinho no salã o ou passear até o roseiral, onde o ar estaria perfumado.

— Obrigada pelo presente — disse Luana, um tanto embaraç ada.

— Nã o há de quê. — Os olhos dele provocaram-na atravé s da fumaç a. — Dizem que dar objetos valiosos para uma pessoa estranha atrai boa sorte para a casa. Você ainda se sente uma estranha?

Nã o sabia o que responder. Inú meras vezes, em sua vida, ela se sentira como uma estranha, de modo que um olhar ou um gesto podiam despertar de novo essa sensaç ã o. E o fato de Eduard lhe dar a pulseira e o berloque nã o tinha nenhum significado especial. Luana nã o queria que ele colocasse a corrente em redor de seu pulso, mas, mesmo assim, a maneira fria com que Eduard deu o presente lembrou-lhe vivamente a adolescê ncia, quando Charme era muito mais bem tratada e cada presente que Luana recebia significava mais uma obrigaç ã o para com seu padrasto.

Ela nã o queria nada de ningué m, se nã o fosse dado de boa vontade.

Mas já tinha agradecido a Eduard, e sabia que nã o devia provocá -lo se nã o estivesse preparada para a luta. Naquela noite sentia-se indefesa e, quando ele deu um passo em sua direç ã o, percebeu que seus joelhos tremiam.

— Que foi que aconteceu? — ele perguntou em voz baixa. — Fiz alguma coisa que a magoou? Acho que nã o, Luana. Você é imune a qualquer coisa que eu possa fazer. Sou apenas aquele cornualê s desagradá vel que tem a capacidade de ler seus pensamentos. Sei o que você está pensando neste instante.

— Nã o acredito!

— Mas sei, Luana. Você está pensando em Avendon e nas humilhaç õ es por que passou. Sempre no segundo plano, sentada na sombra, observando o drama e o desejo na vida das outras pessoas. Depois você teve seu pró prio drama, mas a cortina se abaixou; neste momento você está se sentindo magoada e revoltada. Você nã o quer mais ficar de fora. . . Você quer ser amada, nã o é, Luana?

— Como você ousa? — Lutando com uma fraqueza estranha nas pernas, ela procurou fugir do homem moreno e alto, com olhos penetrantes por trá s da fumaç a do charuto. — Patrí cia, vou dormir! Você nã o vem?

— Estava só dando mais uma olhada na arca, Luana, você me faz um vestido com uma destas sedas?

— Sim, querida, amanhã.

— Boa noite, Luana — disse Eduard, cortando a conversa. — Bons sonhos.

— Eu. . . — Ela queria dizer que o odiava. Era horrí vel ser tã o transparente para um homem, como se nã o lhe pudesse esconder nenhum segredo.

— Nã o diga nada — ele recomendou, com voz lenta. — Você pode se arrepender.

— Você é incorrigí vel! — Ela jogou a cabeç a para trá s, girou nos calcanhares e saiu da sala. Já estava no meio da escada quando Patrí cia a alcanç ou.

— Você tornou a brigar com ele! — ela acusou. — Nã o sei como você pode!

— É muito fá cil. Ele é o demô nio mais presunç oso que já tive a infelicidade de encontrar. Foi capitã o de um navio por tanto tempo que acha que pode mandar em todo mundo, como fazia com a tripulaç ã o. Coitado! Com certeza pensavam que eram chefiados pelo Capitã o Gancho!

— Você é engraç ada, Luana.

— Ainda bem que você aprecia o meu humor, mas nã o pretendia fazer graç a. Quanto mais cedo o chalé ficar pronto, melhor. Poderemos entã o arrumar nossas malas e deixar este lugar... e aquele homem.

— Ele deu uma pulseira para cada uma de nó s. Gostei tanto da minha que acho que vou dormir com ela. — Patrí cia olhou para o braç o. — Ele ia me dar um anel, mas acho que só vai dar quando eu ficar mais velha. E muito significativo um homem dar um anel a uma moç a. . . embora tenha ouvido dizer que na Espanha dar uma pulseira é uma prova de amor. Seria sensacional se Eduard pretendesse se casar com uma de nó s.

Luana colocou sua pulseira na penteadeira. O idolozinho brilhou com a luz da lâ mpada, lembrando-lhe que a raiva era uma insensatez e que somente a reflexã o trazia sabedoria. Mas aquele homem era tã o desagradá vel. . . nem mesmo Charme, com suas observaç õ es maldosas, irritava tanto Luana como aquele demô nio alto, com olhos azuis e tã o profundos que ela se sentia afogar quando ele a olhava.

Estava resolvida! Assim que Jim viesse dizer que o chalé estava pronto, ela e Patrí cia iriam embora do castelo. Mas enquanto isto, tinha que tirar o melhor partido de uma situaç ã o tensa e perturbadora.

Enquanto se despia, percebeu que Patrí cia tinha ido dormir no outro quarto, embora tivesse deixado a porta de comunicaç ã o aberta.

— Boa noite, Patrí cia. Durma bem.

— Boa noite — ela resmungou.

Luana suspirou, deitando-se na cama enorme. Como podia explicar a Patrí cia que os antagonismos eram tã o naturais quanto as afeiç õ es? Que, embora tentasse, nã o ficava à vontade com Eduard Talgarth? Ele fazia com que ela se sentisse inexperiente e tola, como se seu amor por Tarquin tivesse sido uma criancice e nã o o acontecimento mais importante de sua vida. Luana nã o tem mais nada a que se apegar, se nã o pudesse acreditar que Tarquin també m a havia amado.

Antes de apagar a luz, tocou no idolozinho e fez uma promessa: tentaria ficar amiga de Eduard. Havia ocasiõ es em que ela o achava interessante, especialmente quando ele falava do Oriente, revelando cultura e até delicadeza.

Estava sorrindo quando adormeceu. . . delicadeza era uma palavra engraç ada quando aplicada ao dono do castelo.

 

Depois que Luana acabava de posar para a Ondina, ela e Patrí cia podiam passear à vontade pelo castelo e pelas redondezas. Descobriram uma quadra de tê nis em boas condiç õ es e chegaram a jogar um pouco, até que Eduard apareceu, desafiando-as para uma partida. Ele jogava muito bem e as fez correr tanto pela quadra que acabaram exaustas de tanto rir e tiveram que ser reconfortadas com refrescos.

Usavam també m a charrete e muitas vezes Eduard as levava para ver os pontos româ nticos da Cornualha. Visitaram as ruí nas do castelo de Tintagei, onde lendas antigas pareciam pairar no ar, ao lado de velhos fantasmas.

Foram à igrejinha das seis virtudes e Luana percebeu um sorriso nos lá bios de Eduard quando examinavam as figuras nos vitrais antigos.

— Qual delas você prefere? — ela perguntou sem querer.

— A esperanç a — ele respondeu —, pois abrange todas as outras virtudes.

— Fé e caridade — Luana murmurou. — Justiç a, exaltaç ã o e alegria.

 Uma mulher assim teria que ser um anjo. Tenho certeza de que você nã o espera encontrar um anjo. — As cores dos vitrais refletiam-se em seu rosto.

— Você acha que um anjo nã o me aceitaria?

— Se ela o amasse. — Luana afastou-se para examinar um cavaleiro de pedra que tinha atraí do a atenç ã o de Patrí cia.

 

Nos dias que se seguiram, muitas vezes a charrete cortou as charnecas, o som dos sininhos misturando-se à s risadas e o vento avivando a cor do rosto das duas jovens.

Naquele dia estavam na baí a Constantine e Eduard falava de suas viagens a Patrí cia, enquanto Luana ouvia, pensativa. Se ele nã o encontrasse nada que o prendesse ao castelo, ia voltar para aquelas ilhas exó ticas, ela tinha certeza.

— Olhem! — Ele se levantou num salto. — Há uma foca naquele rochedo!

— Nã o há uma lenda que diz que as sereias costumam se transformar em focas? — Luana virou a cabeç a para olhá -lo e, ao perceber que ele també m a fitava, sentiu que uma faí sca elé trica percorria seu corpo.

Aquele homem tinha vivido em ilhas pagas e ela o imaginou brincando no mar com uma moç a, muito alegres, depois carregando-a nos braç os até uma casinha com telhado de palha.

— Você está parecendo uma sereia com o vestido grudado no corpo e o cabelo preso.

— Muito obrigada pelo cumprimento!

— Nã o estou querendo ser engraç ado. — A voz de Eduard estava extremamente suave. — As sereias costumam seduzir os homens, e os marinheiros sã o mais suscetí veis ao seu encanto do que as outras pessoas.

Luana nã o sabia o que responder, por isso preferiu olhar a paisagem, casualmente, como se nã o percebesse que o mar e o cé u combinavam-se para realç ar tudo o que havia de primitivo naquele homem. A pele dele era morena e seu cabelo, preto como o ferro; os ombros largos nunca se curvavam, apesar da carga imposta pela vida.

Foi um alí vio quando a foca mergulhou, nadando embaixo d'á gua com uma rapidez incrí vel.

— A sereia voltou para o seu palá cio submarino. — Luana riu, um pouco sem ar.

— Para se encontrar com o prí ncipe Huldebrand. — Patrí cia fez uma pirueta. — Estas fé rias sã o as melhores que já tive. Amanhã podemos ir a Camelford, onde ficava o palá cio do Rei Arthur?

— Onde você quiser, minha flor. — Eduard sorriu e a luz de seus olhos misturou-se com o brilho do mar. . . duas chamas azuis que ardiam ao mesmo tempo.

— Você é maravilhoso! — Subitamente intimidada, Patrí cia inclinou-se para pegar uma concha, mas imediatamente a jogou longe, pois alguma coisa estava se mexendo dentro dela. Era um caranguejinho, que começ ou a se mover pela areia.

Nisto, Luana notou um monte de penas cinzentas, na entrada de uma das cavernas na encosta do penhasco. Foi ver o que era e descobriu uma gaivota com a asa quebrada. Sabendo que as  gaivotas sã o muito crué is com as que estã o machucadas, Luana foi ver se poderia socorrê -la.

Quando se aproximou da entrada da caverna, a ave saiu de sua apatia, assustou-se e procurou atingi-la com seu bico aguç ado.

— Luana. . . — Mã os fortes seguraram-na, levantando-a da pedra onde ela tinha subido, para colocá -la firmemente na areia.

— Coitada daquela gaivota. . . está ferida!

— Eu sei e vou pegá -la sem ter um olho furado. — Mesmo assim, Eduard machucou-se no pulso enquanto pegava a gaivota, que piava sem parar. — Vamos levá -la para casa, que Medevil cuida da asa dela. Ele sabe tudo sobre animais selvagens. . . Uma vez tivemos um pelicano ferido a bordo do Pandora. Outra vez, um elefantinho, que machucou a tromba e precisou usar uma atadura.

Ele segurou a gaivota com firmeza e Luana dirigiu a charrete até o castelo. Patrí cia queria saber mais coisas sobre o elefante — um presente de um comerciante tailandê s —, que eles tiveram que dar para um zooló gico, pois nã o podia fazer parte da tripulaç ã o do Pandora.

— Foi uma pena. — Eduard sorriu. — Ele ajudava muito quando tí nhamos que descarregar o navio.

Quando chegaram em casa, Medevil tomou conta da gaivota e Luana se ofereceu para cuidar da bicada que Eduard levara no pulso. O ferimento era profundo e poderia inflamar.

— Tenho um estojo para primeiros socorros no meu estú dio — disse, e Luana o acompanhou até lá.

Patrí cia foi ver Medevil cuidar da gaivota. O estú dio estava sombrio, pois a tarde chegava ao fim. Eduard acendeu a luz e tirou o estojo do armá rio. Sentou-se depois num banco alto, enquanto Luana passava um anti-sé ptico no ferimento. Ele nã o se queixou da dor e, por alguma razã o estranha, foi ela quem estremeceu. Olhou-o e Eduard deu aquele sorriso que sempre a deixava insegura.

— Você tem mã os delicadas. Já pensou em se tornar enfermeira?

— Hugh já me perguntou a mesma coisa. — Ela aplicou uma pomada, fazendo depois um curativo. — Você acha que devo ser enfermeira? Talvez seja isto que deva fazer depois destas fé rias, quando voltar para Londres. Talvez possa treinar no hospital onde Hugh trabalha. Acho que ele gostaria que. . .

— Você gosta dele? As moç as costumam se sentir muito atraí das por mé dicos.

— Como os marinheiros pelas sereias?

Ela estava sorrindo, mas prendeu a respiraç ã o quando Eduard a pegou pela cintura, atraindo-a de encontro a seu corpo. Seu rosto estava sé rio, os olhos brilhavam e uma mecha de cabelo caí do na testa aumentava-lhe o ar de atrevimento.

— Posso agradecer da maneira tradicional, Luana? — A voz dele era perigosamente suave. —- Com um beijo?

 



  

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