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CAPÍTULO VIII



O castelo delineava-se na penumbra, um amontoado de telhados, paredes em diversos planos e torres com janelas estreitas; quando entraram no pá tio, havia tochas acesas.

Luana estava fascinada; mas, ao ver uma figura alta que se aproximava da charrete, preparou-se para enfrentar Eduard Talgarth.

— Você demorou muito para trazer minhas convidadas — disse ele a Medevil, mas logo viu o estado em que as duas estavam.

— Meu Deus, o que houve com você s? Por acaso Medevil entrou em algum atoleiro enquanto vinham para cá?

— Houve um deslizamento de terra em cima do chalé. — Patrí cia deu um espirro. — Está num estado horrí vel, por isso espero que você nos deixe ficar aqui por algum tempo.

— Você s estavam no chalé? — Ele olhou imediatamente para Luana, percebendo seu cabelo despenteado, os olhos arregalados e o tremor de sua boca.

— Fomos passar o dia em Mawgan-in-Vale. Entramos num moinho velho quando a chuva começ ou a cair. . . Quando chegamos em casa, o chalé estava tã o danificado que Medevil nos trouxe para cá. Você nã o se importa?

— Importar? — Ele parecia irritado. — O que você acha que sou, srta. Perry, um homem de pedra das charnecas? Estou muito satisfeito por ter um teto para lhes oferecer.

— Muito obrigada.

— Nã o há de quê. — Ele olhou para Patrí cia e deu uma risada. — Você s serã o minhas presas de guerra, hein? Entrem no castelo. A lareira está acesa e Medevil vai fazer seu grogue de rum, enquanto Jancey prepara o banho. Logo você s vã o estar se sentindo melhor.

Patrí cia desceu da charrete e entrou correndo no castelo, pela porta que Eduard tinha deixado aberta. Entã o ele estendeu a mã o para Luana, que a ignorou. . . e pagou por isto. As pedras ainda estavam molhadas e, quando pulou da charrete, ela escorregou e teria caí do no chã o se Eduard nã o a segurasse. Por um instante ficou tã o perto daquele homem que sentiu perder a identidade, tomando-se o destroç o de um naufrá gio, que ele podia pegar e jogar fora. Nunca tinha tido aquela sensaç ã o antes, e o instinto lhe preveniu para nã o lutar, pois poderia despertar uma faí sca primitiva naquele homem. Ele riu suavemente.

— Parece que você gosta de pisar em lugares que devia evitar. Agora peç a-me para soltá -la.

— Quer que eu suplique? — Enquanto falava isso, Luana sentiu que seu coraç ã o batia como uma ave aprisionada.

— Sim, quero ver como é que fica sua voz quando pede um pouco de misericó rdia para o homem de pedra.

— Sr. Talgarth, estou preocupada com Patrí cia e gostaria de providenciar para que ela fosse se deitar o mais depressa possí vel. Ela nã o é forte e teve uma gripe horrí vel pouco antes de vir para cá.

— Está bem. Vamos fazer um trato. Chame-me de Eduard que eu a solto.

— Você está agindo como uma crianç a!

— Como você, Luana. Você me trata como se eu fosse um homem perigoso, mas nã o passo de um camarada comum, com um gê nio muito agradá vel.

— Comum, foi que você disse?

— Para um cornualê s com um pouco de sangue bretã o. . . À s vezes parecemos piratas mal-encarados, mas você nã o deve deixar que isto a perturbe. — Os dentes dele brilharam num sorriso irô nico. — A maneira como você fica perturbada quando me aproximo está me deixando curioso, Luana. Talvez você goste de mim sem saber.

— Garanto que nã o.

— Vamos, como é que você pode ter tanta certeza? E por que nega logo que algué m possa me apreciar? Vou ter que forç á -la a gostar de mim?

— Você está perdendo o seu tempo!

— Há um tremor nervoso em sua voz, Luana. E seus olhos estã o arregalados, de tanta apreensã o que você está sentindo. Jurou nã o se apaixonar de novo só porque suas asas se queimaram com a primeira

chama? Isso acontece com todo mundo.

— Como aconteceu com você. . . e Charme?

— Sua linda irmã de criaç ã o. — Ele a abraç ou com forç a, como se estivesse lembrando de uma mulher mais atraente. — Ela ficaria perfeita neste castelo, você nã o concorda? As salas antigas ressurgiriam com seu bom gosto e num instante o castelo ficaria uma beleza. Os bailes e as reuniõ es de fim de semana, do tempo da minha avó, recomeç ariam e todo mundo aplaudiria a noiva que escolhi. É uma pena que uma histó ria tã o româ ntica nã o tenha se tornado realidade. Você gostaria que eu fosse seu cunhado, Luana?

— Como deixei a casa dos St. Cyr, acho que isto nã o teria nenhuma importâ ncia.

Ele continuava abraç ando-a como se nã o fosse largá -la nunca mais.

— Entã o você nã o vai mais voltar para lá?

— Nunca mais.

— Para onde irá, quando o verã o terminar?

— Para Londres.

Ele examinou o rosto dela, a luz das tochas em seus olhos, acentuando os â ngulos de seu rosto moreno.

— Hugh Strathernmoralá.

— Sim.

— Neste caso, é melhor deixá -la ir para junto da filha dele antes que você morra de ansiedade em meus braç os. Há só mais uma coisa.

— Sabia que tinha que haver.

— Por favor, fique à vontade em minha casa. Tenho certeza de que você tem imaginaç ã o suficiente para apreciar a histó ria româ ntica do castelo e a construç ã o, feita em granito da Cornualha. Explore à vontade e nã o deixe que o acidente que aconteceu com o chalé a perturbe.

Enquanto falava, ele a soltou e entraram juntos no castelo. Foi como se estivessem voltando no tempo. O hall era majestoso, iluminado por lustres e pelo fogo que refletia nos lambris de madeira. Em cima da escada havia uma galeria pitorescamente antiquada. O chã o era coberto por um tapete grosso de cores suaves. As paredes estavam cheias de quadros grandes, a mobí lia parecia francesa e num canto havia um aparador com uma garrafa de vinho e alguns copos. Patrí cia, aninhada numa poltrona, esquentava os pé s na lareira. Ela sorriu para Eduard.

— Estou me sentindo como uma donzela libertada, no castelo de Lancelot.

— Estava dizendo para Luana que você s duas podem ficar no castelo o tempo que quiserem. A casa, os jardins e a praia sã o de você s. . . mas nã o vã o entrar na á gua quando a maré estiver cheia. É perigoso, pois há pedras embaixo.

Ele olhou para Luana, depois aproximou do fogo um banquinho de veludo azul.

— Por favor, sente-se. Medevil vai preparar os grogues enquanto falo com Jancey, minha governanta. Você s vã o achá -la um pouco ranzinza, mas é uma boa pessoa.

Ele foi para o hall e Luana sentou-se no banquinho perto do fogo.

Numa noite como aquela, em que a brisa do mar unia-se ao vento da charneca, era bom estar entre paredes espessas e seguras.  

 O fogo crepitava e podia-se ouvir o mar rodopiando em redor das pedras submersas.

— Nã o é um lugar fascinante? — Patrí cia murmurou, como se os retratos pudessem ouvir. — Você gosta daquela taç a de prata no consolo da lareira? Eduard a ganhou com aquela luta. E olhe aquele veleiro. . . Ele esculpiu tudo com as pró prias mã os e as velas sã o de seda. Quando vim aqui com Pops, no ano passado, nã o podia imaginar que acabaria hospedada no castelo.

— Só enquanto o chalé estiver inabitá vel — Luana avisou.

— Isso vai levar uma semana ou duas. Ele a chamou de Luana e fez com que seu nome soasse tã o bonito... Por que você nã o gosta de Eduard, apesar de ele ser tã o amá vel conosco? Você está fingindo que nã o gosta dele? Os adultos à s vezes agem assim.

— Há pessoas com as quais temos que nos acostumar, outras das quais gostamos em apenas uma hora. — Luana inclinou-se para o fogo e o cabelo castanho-avermelhado encobriu seu rosto e seus olhos pensativos. — Em Avendon ele parecia mundano e cí nico como os amigos da minha irmã de criaç ã o. Aqui em St. Avrell ele é diferente, e ainda nã o descobri qual é o verdadeiro Eduard Talgarth.

— Bem — disse Patrí cia, com muita sensatez —, acho que ele fica mais à vontade na Cornualha do que em qualquer outro lugar.

— Um homem que viajou pelo mundo inteiro? — Luana olhou para o veleiro e o imaginou no leme de seu navio nas á guas ensolaradas das í ndias, dando ordens para a tripulaç ã o, o vento em seu cabelo preto como as asas de um corvo, seus olhos refletindo o azul do mar. Ele estava muito pró ximo dos elementos da natureza e nisto estava seu fascí nio e seu perigo, pois como podia algué m agarrar uma onda, ou um raio, ou as asas de uma á guia?

Luana nã o podia imaginar o momento em que fosse se sentir à vontade com ele. Sua natureza arisca retraí a-se diante do domí nio que ele exercia, como um salgueiro que se protege do vento com seu manto de folhas.

Foi um alí vio quando Medevil entrou na sala com duas canecas fumegantes numa bandeja. O ar perfumou-se de rum, especiarias e limã o.

— Isto acaba com os resfriados. Nã o franza o nariz para este rum, srta. Patrí cia, porque é de boa qualidade. Faç a de conta que é uma poç ã o má gica e beba tudo.

— Você deve sentir falta de sua ilha ensolarada, nã o é, Medevil, onde crescem á rvores exó ticas e a cana-de-aç ú car?

Ele ficou pensativo, os olhos pretos brilhando com as recordaç õ es de lugares e experiê ncias ligadas ao homem que servia há muitos anos.

— A cana-de-aç ú car nã o dá na charneca, mas o mar bate como um tambor embaixo da minha janela, por isto estou feliz de passar aqui as minhas outras cinco vidas.

— Cinco, Medevil? — Luana estava intrigada.

— Já perdi duas, senhorita Uma numa luta num porto, quando o patrã o me carregou como se eu fosse um saco de batatas e me levou para o navio com uma faca entre as costelas. Ele tirou a faca, limpou o buraco com uí sque e me fez gritar tanto que voltei a viver. Na outra vez, um tubarã o quis me comer e o capitã o lutou com o bicho e me carregou de volta para o navio. Achei que devia ficar com ele. Sem ele, é perigo certo. Sem meu patrã o, viveria triste na ilha onde cresce a cana-de-aç ú car.

Luana comoveu-se com a lealdade do marinheiro, apesar da vontade de fugir daquele homem admirado por todo mundo.

Eduard voltou naquele momento com Jancey, que as levou para dois quartos que se comunicavam, no andar superior do castelo. Pouco depois, já tinham tomado banho e vestido camisolas quentes. Patrí cia achou que a cama era grande demais para ela e ficou com medo de que houvesse ratos nos armá rios enormes.

— Posso dormir com você, Luana? — ela pediu.

— Venha, entã o. — Luana riu do espetá culo cô mico das duas na cama imensa, que era persa, com incrustaç õ es que combinavam com a mobí lia decorada com dragõ es entalhados. Certamente naquela cama nunca haviam dormido duas jovens desamparadas, com o cabelo tranç ado e camisolas compridas!

Patrí cia deu uma risada nervosa e, naquele momento, a porta se abriu e Jancey entrou com uma bandeja com vá rios pratos cobertos.

— Você nã o gostou de seu quarto? — Ela olhou para Patrí cia com uma expressã o severa no rosto.

— É muito grande e eu ficava pensando no fantasma do castelo.

— Os fantasmas nã o fazem mal a ningué m, menina, eles sã o feitos de superstiç ã o e de sombras. — Jancey colocou a bandeja entre as duas. — Sã o as pessoas que causam problemas.

— Lamento que nossa chegada tenha aumentado seu trabalho. . . — Luana tentou se desculpar. — Posso arrumar nossos quartos e ajudá -la na cozinha.

— Nã o preciso de você fazendo bagunç a na minha cozinha. — Jancey lanç ou um olhar penetrante para Luana, que nã o parecia muito mais velha do que Patrí cia. — Você s nã o sã o culpadas pelo que aconteceu com o chalé. Foi coisa da natureza, de modo que nã o há mais nada a fazer.

Comam logo, antes que a comida esfrie.

Luana destampou os pratos e encontrou galinha ensopada com bolinhos muito delicados; como sobremesa, um pudim que parecia delicioso.

Sorriu para Jancey, agradecendo a refeiç ã o.

— O sr. Talgarth mandou que eu fizesse alguma coisa quente e substanciosa, por isso comam tudo. — A governanta foi embora e Patrí cia olhou para Luana.

— Nã o gosto muito dessa mulher. E també m nã o gosto de bolinhos!

— Coma um ou dois. Fazem bem para resfriados. — Luana sorriu, encorajando-a. — Lá embaixo você me disse que estava gostando muito de ficar aqui no castelo. Já mudou de idé ia? Neste caso podemos arranjar um quarto em Pencarne.

— Oh, nã o! — Patrí cia começ ou a comer depressa. — Quero muito ficar aqui. . . É que eu estou um pouco nervosa esta noite e Jancey nã o é nem um pouco simpá tica. Acho que Eduard nã o a manda embora porque cozinha bem.

— Acho que sim. — Luana inclinou a cabeç a para esconder um sorriso, pois estava se divertindo com os ares de adulta de Patrí cia. — Este ensopado está uma delí cia, nã o é mesmo?

— Hum. . . Você acha que Eduard vem dizer boa-noite para nó s?

— Espero que nã o!

Patrí cia olhou para Luana e riu.

— Acho que você tem vergonha dele!

— Tenho vergonha de ser vista na cama por qualquer homem. Ele nã o ousaria... — Luana interrompeu-se, mordendo o lá bio. Sabia que Eduard Talgarth ousaria muitas coisas e só a idé ia de ser vista por ele, de camisola e com o cabelo tranç ado, já lhe dava vontade de se esconder embaixo das cobertas.

Ficou aflita, com medo de ouvir os passos dele do lado de fora da porta.

 Foi um alí vio quando Jancey foi buscar a bandeja, levando um recado dele. O patrã o desejava que dormissem bem e na manhã seguinte lhes daria os recados enviados de Londres pelo pai de Patrí cia. Ele tinha també m alguma coisa especial para contar à srta. Perry.

— Boa noite para você s duas. — Jancey avanç ou para a porta, tã o perdida no tempo quanto a casa onde trabalhava, com seu vestido  escuro, seu cabelo prateado preso num coque e o molho de chaves na cintura estreita. — Nã o precisam ficar com medo do fantasma do castelo. O patrã o dorme nos aposentos que pertenceram a Eduard, o Valente. A torre em cima do quarto do patrã o é que é assombrada.

A porta fechou-se atrá s dela e as duas arregalaram os olhos.

— E ele nã o tem medo — Patrí cia murmurou.

— Nã o — Luana concordou. — Uma lenda e uma sombra nã o amedrontariam o dono deste castelo. Gostaria de saber. . .

— O que ele tem para lhe contar amanhã?

— Sim. — Luana estava imaginando quem ele teria visto em Londres alé m de Hugh Strathern. — Posso apagar a luz?

— Precisa, mesmo? — Patrí cia estava nervosa.

— Feche os olhos e num instante você vai estar dormindo. — Quando ela apagou a luz, o barulho do mar pareceu ficar mais pró ximo. Pouco depois, ouviu-se os passos irregulares de Medevil apagando as luzes da galeria. Depois um cavalo relinchou na cocheira e a folhagem farfalhou de encontro à parede de pedra do castelo.

O castelo tinha duzentos anos e suas lendas faziam parte de St. Avrell, como seus penhascos de granito e as charnecas que o rodeavam. Havia sido construí do para uma famí lia grande, mas só restava ali um homem solteiro, com empregados fié is, e o cavalo que montava quando o sol se punha. Uma vez ele tinha dito que Luana descobriria que tipo de homem era, se fosse para a Cornualha. Mas ela já sabia. . . ele era corajoso, um pouco mau, e tã o sozinho que poderia se casar apenas para ter uma companheira. Apesar de suas viagens, talvez nunca tivesse encontrado algué m para amar.

 

Quando Luana acordou, o sol já iluminava o quarto. Era ainda muito cedo, mas ela quis se levantar imediatamente, para se familiarizar com o castelo.

Pulou da cama, pegou a roupa e foi se vestir no banheiro, para nã o acordar Patrí cia, que devia dormir mais uma ou duas horas. Na noite anterior ela parecia que ia ficar resfriada. Luana estava inquieta e, depois de fazer a toalete, vestiu o sué ter e a saia escocesa, já limpos e secos, e saiu do quarto sem fazer barulho.

Na noite anterior estivera confusa demais para reparar na decoraç ã o do castelo, mas naquela manhã notou a madeira escura da escada que levava ao hall, onde as cadeiras e o banquinho ainda estavam em redor do fogo apagado. Ouviu o barulho do mar e viu que o sol atravessava as longas janelas na extremidade do vestí bulo. Resolveu sair e, a caminho da porta, passou por um reló gio de latã o, usado nos navios, e por um vaso oriental com rosas vermelhas, meio desfolhadas.

Sentiu as batidas do coraç ã o ao se dirigir para o jardim do castelo, que parecia se estender por toda a parte, com á rvores, está tuas e recantos com passarinhos pousados em bancos de madeira. De repente viu um muro, com urzes brancas entre rosas coloridas. Ficou maravilhada, louca de vontade de tocar nas rosas, mas teve medo dos espinhos.

Entrou no roseiral por uma porta que havia no muro.

 Nã o esperava encontrar um lugar tã o bonito. O perfume era intoxicante. As rosas cresciam numa mistura incrí vel de cores, e tudo parecia um sonho. Ainda havia gotas de orvalho nas pé talas e pequenas aranhas douradas paradas em suas teias. Luana se perguntou se Talgarth costumava ir à quele lugar româ ntico. Havia visto rosas no hall do castelo e um homem que trabalhava com as mã os podia gostar de flores.

Saiu pela outra porta e encontrou um atalho que levava aos penhascos cobertos de grama,  que dominavam o mar, onde ondas enormes

brilhavam ao sol como se fossem de cristal. Ajoelhou-se num banco para admirar a paisagem. O vento salgado desmanchava seu cabelo e avivava a cor de seus lá bios; pouco depois viu alguma coisa na rebentaç ã o das ondas e, assustada, percebeu que era um homem. Ela e Patrí cia haviam sido avisadas para nã o nadar quando as ondas estivessem altas, mas Eduard Talgarth nã o se preocupava com a forç a e com o perigo do mar de St. Avrell, pois cortava as ondas com braç adas longas. Sua cabeç a escura e seu corpo esbelto apareceram por um momento, depois foram cobertos pela á gua e Luana achou que ele nã o iria aparecer mais.

Prendeu a respiraç ã o, esperando vê -lo de novo. Evidentemente ele nadava muito bem, mas e se fosse pego por uma corrente em redor das pedras? E se batesse a cabeç a e desaparecesse para sempre?

Ajoelhada, tentava ver por entre a espuma das ondas de cristal.

Procurou um braç o levantado, o calç ã o azul, o cabelo escuro. Sua ansiedade aumentava a cada minuto, quando ouviu uma voz profunda cantando.

Já estava em pé quando ele apareceu, delineando-se por um instante de encontro ao cé u azul e dourado. O cabelo preto estava molhado e despenteado; Eduard usava um sué ter branco de gola olí mpica e uma calç a preta, que encompridava ainda mais suas pernas. Trazia na mã o o calç ã o molhado e, assim que a viu, interrompeu a canç ã o, com as palavras " minha querida" ainda nos lá bios.

— Bom dia! — ele exclamou. — Você é madrugadora. . .

— Entã o você está aqui! — Ela olhou para ele, atrapalhada tanto pela canç ã o que ele estava cantando como por sua ansiedade por causa de um homem que conhecia o mar muito bem. Evidentemente ele tinha saí do da á gua e ido até alguma caverna, onde trocou de roupa.

— Estou acostumado a nadar de manhã cedo. Pulava do Pandora para nadar no mar... — Ele parou ao lado dela e, antes que Luana pudesse impedir, tirou alguma coisa que estava presa em seu cabelo. Era uma pé tala de rosa, cor de sangue. — Você esteve em meu roseiral, hein?

— Espero que você nã o se incomode. . .

— Incomodar? — Ele a olhou com curiosidade. — Parece que você me acha uma espé cie de bicho-papã o, Luana. Para você, todas as minhas portas estã o abertas. Foi uma surpresa agradá vel encontrar o jardim encantado do ogre?

— Nã o é raro um homem do mar gostar de plantas?

— Sempre gostei do contato com a madeira, o metal ou com coisas vivas. Queria ser escultor, mas neste caso teria demorado muito para ganhar dinheiro. — Os olhos de Eduard prenderam os dela. — Você nã o ficou chocada com uma afirmaç ã o tã o mercená ria?

— Nã o, nestas circunstâ ncias — ela admitiu. As mã os dele eram finas, firmes e queimadas pelo sol dos tró picos. — Ouvi dizer que o castelo caiu em mã os de estranhos e que você tinha que recuperá -lo para os Talgarth.

— Só há um, no momento -— disse devagar.

Luana acompanhou o olhar que ele lanç ou para os torreõ es do castelo, a torre redonda de um lado, como uma galeria. Notou o trabalho de ferro nas janelas estreitas e a bandeira do navio tremulando ao vento sobre a estrutura admirá vel, que iria durar mais um sé culo porque havia sido feita de pedra da Cornualha.

— É a bandeira do meu navio favorito, o Pandora — ele explicou. — Ele está agora num dique seco em PortPerryn, pois pode ser que um dia eu volte para o mar. Quem é que pode saber?

Luana percebeu uma nota de nostalgia em sua voz. . . e també m um pouco de arrebatamento, como se nada fosse capaz de prendê -lo em terra se nã o conseguisse formar uma famí lia no castelo. Será que ele percebia que era preciso mais do que a posse do castelo para transformá -lo num lar? Ele, que talvez tivesse sido cruel com as mulheres que conheceu em suas viagens e que o teriam amado? Nesse instante Eduard sorriu e Luana sentiu-se confusa. A expressã o dele, pouco antes fechada, agora era gentil.

— Todos nó s temos uma personalidade dividida — disse ele. — Todos nó s temos que seguir uma estrela, mas nem sempre seu curso forma uma reta. É como procurar por uma ilha desconhecida; pode-se seguir o mapa apenas durante parte do caminho, depois vai-se por conta pró pria. Muitas vezes nã o se encontra a ilha, mas, se isso acontecer, deve ser o paraí so. . . até que irrompa uma tempestade.

O coraç ã o de Luana estava batendo depressa demais.

— Ontem à noite você mandou me dizer que tinha uma coisa especial para me contar. É sobre Tarquin, nã o é verdade?

— Sim. Ele foi ver Hugh Strathern para fazer um exame final; Hugh lhe deu alta e perguntou se ia viajar para fazer um filme. Ele disse que ia para á Amé rica. . . para ver a mulher.

Houve um silê ncio tenso entre os dois, quebrado apenas pelo piar dos pá ssaros marinhos e pelo barulho das ondas, ritmado, premente, como a dor que tomou conta de Luana. Conhecer Tarquin havia sido como ir a um banquete ao qual nã o esperava comparecer. . . E agora a mesa estava tirada, as velas apagadas, o vinho esquecido na taç a do amor. Ela estremeceu, mas uma mã o quente afastou-a da beira do penhasco.

— Vamos tomar café — Eduard convidou. — Eu mesmo preparo tudo no estú dio que tenho naquela torre pontuda. Para um homem do mar que gosta de plantas, até que sei preparar uma refeiç ã o decente.

Eles caminharam lado a lado pelo atalho que levava ao roseiral. O tempo todo Luana estava consciente da presenç a dele a seu lado, da maneira como Eduard olhava quando o vento levantava sua saia acima dos joelhos e desmanchava seu cabelo. Teve uma vontade irracional de sair correndo, e ele deve ter percebido isto, porque deu uma risada.

— Luana —- ele murmurou. — Você está sempre fugindo, mesmo quando estamos nos dando bem. Você nã o gosta de mim, mas eu quero lhe pedir um favor.

— Um favor? — Luana se virou, afastando-se da porta que havia no muro que cercava o roseiral; em seus olhos havia um apelo para que ele nã o lhe pedisse nada. A troca de favores levava a uma certa intimidade, e ela nã o queria nada com Eduard Talgarth.

Ele abriu a porta do roseiral e novamente ela se viu rodeada pelas flores maravilhosas. Mas desta vez Talgarth estava a seu lado para compartilhar a beleza das rosas, seu perfume intoxicante e seu simbolismo.

— Que favor você acha que vou pedir? Pela expressã o de seus olhos, é alguma coisa horrí vel demais para ser expressa em palavras. Luana — ele tornou a rir —, nã o é um beijo, nem uma proposta de casamento. Você pensou que fosse?

— É claro que nã o!

— Entã o por que está tã o apreensiva? Pode me dar um tapa se eu lhe roubar um beijo e sempre pode dizer nã o se eu a pedir em casamento.

— Por favor, pare de me provocar e diga logo do que se trata.

— Estou provocando, entã o? Você acha que eu quero beijá -la, Luana Perry? Outros homens já quiseram.

— Com certeza você acha divertido falar deste assunto, e está curioso. Você quer descobrir por que Tarquin gostava da minha companhia e por que Hugh Strathern quer se encontrar comigo de novo. Nunca beijei Hugh, se é isto o que você quer saber.

— Mas foi um pouco mais longe com o ator charmoso, hein?

— Nã o... quero falar deste assunto. — Ela agarrou uma rosa, dando um gemido de dor, pois um espinho tinha entrado em seu polegar.

Imediatamente Eduard pegou a mã o dela, inclinou a cabeç a e, antes que Luana pudesse impedir, sugou o sangue. O tempo todo ele a fitou com aqueles olhos azuis magné ticos e ela sentiu a forç a primitiva que havia naquele homem, aquela capacidade para ser bom ou cruel. Com Eduard nã o havia meio-termo, nem a sofisticaç ã o que fazia com que os outros homens parecessem menos terrí veis. Se ela tivesse sido mordida por urna cobra, ele teria agido da mesma maneira.

— As rosas podem ser perigosas — disse ele calmamente. — Precisei lancetar meu dedo há quinze dias. Doeu ser tocada por meus lá bios?

Ela ficou vermelha, pois ele havia feito o incidente parecer uma cena de amor.

— Obrigada. — Retirou a mã o e olhou para o pontinho vermelho para nã o ter que enfrentar o olhar dele. — Agora já nã o posso mais recusar o favor.

— Nem mesmo se for uma proposta?

Ela o olhou um tanto chocada, mas ele deu uma risada.

— Nã o vá desmaiar, Luana. Posso parecer um pirata com os instintos à flor da pele, mas nã o quero uma moç a apaixonada por outro homem. Nã o é nada demais, quero. apenas fazer um bom negó cio.

Luana sorriu lentamente, pois este era o Talgarth que conhecia: o comerciante que se sentiria muito bem recompensado se Charme St. Cyr tivesse concordado em se casar com ele. Eduard sorriu para ela, com um brilho de curiosidade no olhar. Pouco depois estavam na torre redonda, onde ele tinha seu estú dio. Enquanto subiam a escada em caracol, um gato passou por entre as pernas de Luana, que deu um gritinho de susto.

— E Tinker. Ele costumava viajar conosco no Pandora e, juntamente com Medevil, veio comigo quando deixei o mar. Ele está indo para o porã o, para pegar ratos. — A mã o que segurou o cotovelo dela era forte, mas muito sensí vel, como se cada fibra tivesse vida pró pria, como se a forma dos ossos fosse mais interessante para ele do que a superfí cie.

Como se cada pé tala de rosa fosse mais bonita do que a flor inteira. Como se procurasse recriar a carne e a pé tala em madeira ou em metal.

Ele era um homem estranho e complexo. . . um aventureiro e um sonhador, e Luana ficou admirada quando entrou no estú dio.

 O ar tinha cheiro de madeira e as mesas estavam cobertas de ferramentas e

esculturas; havia també m uma cabeç a de bronze, forte, quase cruel, com a insinuaç ã o de um sorriso nos lá bios atrevidos. . . a cabeç a de Eduard!

— Pode olhar à vontade e, se quiser, pegar també m. — Ele foi para o outro lado da sala redonda, onde havia um armá rio, um fogã ozinho e utensí lios de cozinha.

Ela estudou a cabeç a, percebendo que era uma bela obra de arte, embora faltasse alguma coisa. Virou-se para Eduard em busca da comparaç ã o. Ele a olhou rapidamente enquanto acendia o gá s e quebrava ovos numa frigideira. . . Luana nã o encontrou os olhos azuis como a luz do dia, com cí lios escuros, e logo notou por que a peç a parecia morta em comparaç ã o com o homem.

O que chamava a atenç ã o em Eduard Talgarth era o fato dele ser intensamente vivo, como se ainda estivesse no tombadilho de um navio.

— Bacon com ovos e torradas? — ele perguntou.

Luana concordou, percebendo imediatamente que estava com muita fome.

— Você trabalha muito bem. Esta cabeç a está ó tima.

— Preciso de um modelo mais bonito. — Ele sacudiu os ombros. — Alguma coisa mais leve. Você gosta daquela gaivota?

— Oh, sim. — A peç a era bem mais leve, como se tivesse sido feita com mais amor. — Você gosta de coisas selvagens, nã o é mesmo?

— Você parece surpresa. Estou mais em contato com o que é selvagem do que com o domesticado. . . Pensei que soubesse, ou, pelo menos, imaginasse.

— Nem sempre é fá cil imaginar o que se relaciona com você. — Ela tocou na asa da gaivota. — Mas você ainda nã o me disse qual é o favor que quer de mim.

— Você nã o faz idé ia? Qualquer outra pessoa já teria percebido há muito tempo. Quero que você pose para mim.

Ela o olhou, espantada, enquanto ele transferia os ovos para uma travessa e colocava fatias de bacon na frigideira. O café enchia a sala com seu aroma gostoso.

— Por que você quer que eu pose? Nã o sou bonita.

— Nã o — ele respondeu devagar. — Você nã o é como os brilhantes, o champanhe gelado e as orquí deas.

— E Charme?

— Ela é tudo isso.

— Coitado! Ela nã o veio para o castelo nem para servir de modelo nem como esposa. — Luana deu uma risada. — E o que sou eu, uma substituta?                 

— Você é uma violeta silvestre, Luana, um riacho correndo pelos bosques. — Ele se virou e Luana viu o sinal de uma tempestade nos olhos azuis, o olhar do capitã o de um navio, de um pirata de alto-mar, de um homem que tinha conhecido muitas mulheres e que achava que ela era a mais ingê nua de todas.

— Gostaria de esculpi-la — disse ele. — A jovem Ondina esperando pelo prí ncipe.

— Nã o! — A palavra saiu de dentro dela. — Nã o quero. . . de jeito nenhum!

— Você está sendo infantil.

— E você está sendo cruel!

— Ah, você acha que eu sou cruel?

— Sim. Você quer captar a obsessã o e a dor que há em mim.

— Admito que sua expressã o me intriga, mas o que busco é alguma coisa inata, que nã o tem nada a ver com as má goas da adolescê ncia. — Ele levantou uma sobrancelha enquanto falava. — Você tem muito o que aprender sobre os homens, Luana. E muito mais ainda sobre mim.

De repente o bacon começ ou a queimar e ele foi cuidar disto. Luana tentou afastar as lá grimas, pois seria humilhante chorar diante do homem que, na realidade, nunca tinha amado nada alé m de seus navios, do oceano e da habilidade de suas mã os. Ele queria usar essas mã os para criar uma moç a de pedra para combinar com seu coraç ã o. Pois bem! Ela posaria para uma Ondina que nunca o faria sofrer por amor.

— Quando você quer que eu comece a posar?

Ele colocou a comida nas travessas, o café no bule e puxou uma

cadeira para ela.

— Amanhã, se você quiser ir até o fim. Nunca começ o nada que nã o possa terminar.

— Será uma maneira de pagar sua hospitalidade. — Ela inclinou a cabeç a para o prato. — Você gosta de fazer bons negó cios.

— Você acha que negocio tudo, Luana?

— Nã o é verdade? Você nã o queria comprar uma mulher?

— Sei que compraria se quisesse. — Ele riu. — Como viajante experiente, posso lhe assegurar que vi mulheres serem compradas por uma pé rola ou alguns bodes. Isto nã o a impressiona?

— Se tivesse que ser comprada, preferia que fosse por uma pé rola. Afinal de contas, estamos na Inglaterra e nã o num canto bá rbaro do mundo.

— Você nã o acredita que isto possa acontecer num paí s civilizado como o nosso? — ele perguntou, irô nico.

Ela mordeu o lá bio, lembrando-se da habilidade de Charme em se vender pela oferta mais alta.

— Prefiro acreditar no amor. Nã o imagino uma felicidade real, duradoura, sem amor.

— Ele a tornou feliz?

— Por algum tempo fui muito feliz.

— Chegou a entrever o paraí so, hein?

— Se você entender assim.

  — Talvez um dia, Luana, você abra os olhos para a realidade. — Pois foi real.

— Um sonho parece real, depois acordamos e vemos que nos enganamos. No fim, é muito mais satisfató rio ter a realidade do que um sonho.

— Oh, você nã o entenderia!

  — Nã o mesmo? — Ele parecia divertido. — Por que você pensa assim?

— Você acreditaria se eu lhe falasse sobre Katmandu, sabendo que você esteve lá e eu nã o?

— Você quer dizer que eu teria que me apaixonar primeiro para depois falar sobre o amor? — Ele limpou os lá bios com um guardanapo xadrez. — Quer mais café, Luana?

— Por favor.

— Ainda bem que você gostou do meu café.

-— Estou com muita sede.

— Você está pedindo para levar uma palmada, jovem. — Os olhos dele brilharam ao lhe entregar a xí cara. — Qualquer dia destes. . .

— Você terá que me pegar primeiro.

— É o que pretendo fazer — ele respondeu devagar. — Você ganhará uma palmada ou um beijo. . .

O coraç ã o de Luana quase parou de bater quando ouviu aquilo, mas, ao olhar para ele, Eduard estava pondo aç ú car no café e um raio de sol brilhava em seu rosto, tornando a expressã o indecifrá vel. Aquele rosto celta, moreno e forte... um arrepio percorreu-lhe a espinha, pois aquele era o rosto de um homem que mantinha a palavra!

 



  

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