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CAPÍTULO II



 

Era o dia do aniversá rio de Charme St. Cyr e a casa estava muito agitada. Lâ mpadas coloridas acompanhavam a entrada de carros e os membros de uma pequena orquestra tinham acabado de chegar com seus instrumentos. O bufê tinha sido arrumado na sala de estar, onde as bebidas iam ser servidas. A sala de visitas estava sem os mó veis e os tapetes, preparada para as danç as. As portas-janelas estavam abertas para o jardim, todo iluminado.

Charme se sentia feliz porque a noite estava boa, e encantada com sua fantasia, que era a de uma dama do sé culo XVIII. A má scara que tinha acabado de desembrulhar era antiga, com o cabo cravejado de pedras preciosas... um presente do novo amigo moreno, com um aspecto um tanto perigoso, que tinha vindo da Cornualha para assistir à festa. Os convidados deviam vir fantasiados. Luana tinha ajudado a enviar a maioria dos convites, mas Charme misteriosamente tinha mandado mais alguns no sá bado.

Luana levantou a má scara até os olhos e observou Charme, perguntando-se novamente se Eduard Talgarth fazia parte dos pianos da irmã.

— Você está com um ar estranho! — Charme quase arrancou a mascara das mã os de Luana. — Seja um amor e leve Taffy para dar uma volta. Ando tã o ocupada que nã o tenho tido tempo para ele.

Luana encontrou o poodle debaixo do piano, latindo para um dos membros da orquestra. Pegou-o no colo e estava saindo pela porta da frente quando o padrasto chegou.

— Onde você vai, Luana?

— Charme pediu que eu levasse Taffy para dar uma volta.

— Ela está animada? — Stephen St. Cyr deu um sorriso. — Bem, nã o demore muito. A festa vai começ ar à s oito e meia.

— As lâ mpadas ficaram muito bonitas.

— Ficaram, sim. — Ele agradou o cachorrinho. — Talgarth vem hoje à noite, Luana. Gostaria que você fosse... mais amá vel. Ele é um homem bastante importante e eu fiquei muito aborrecido naquela noite em que você foi embora correndo. Você nã o precisa ter medo dos homens, Luana. Nã o deve deixar que o erro de sua mã e. . . Bem, você sabe o que quero dizer. Nã o queremos que você fique solteira. — Ele riu, olhando rapidamente para o cabelo avermelhado de Luana que caí a liso até o ombro, como o da mã e. — Você nã o é feia. Tem um ar de duende que alguns homens apreciam muito.

Luana ficou espantada com esta conversa. Seu padrasto nunca lhe havia dito antes que ela tinha bom aspecto.

— Prometo nã o atrapalhar. Eu me afastarei se estiver incomodando.

— Luana! — Os olhos azul-claros estavam brilhando. — Isto nã o é maneira de falar comigo. Só quero o seu bem!

Ele nã o a tratava tã o mal quanto Charme.

— Vou dar uma volta com Taffy perto do rio, mas volto logo — prometeu.

Ele concordou e Luana sentiu que a olhava enquanto descia a escada com o cachorrinho pulando a seu lado. Seu padrasto queria muito que Eduard Talgarth fosse bem recebido, o que significava que ele era rico e talvez até um genro em perspectiva. Luana achava que Charme nã o se casaria por amor. Ela poria o interesse material antes do româ ntico, pois sempre dera a impressã o de que considerava o amor um sentimento rudimentar e selvagem.

Enquanto passeava na margem do rio, Luana começ ou a imaginar, sem querer, o que o cornualê s moreno achava do amor. . . ele parecia també m muito selvagem.

Do outro lado do rio estava o teatro iluminado e ela desejou ardentemente poder conversar de novo com TarquinPowers. Ele agora devia estar no camarim, preparando-se para uma outra peç a. Luana adoraria vê -lo num novo papel, mas nã o ousava deixar de ir à festa de Charme.

Era uma loucura sentir-se tã o româ ntica por causa de um estranho, mas nã o podia se impedir. Era tã o emocionante que ele tivesse reparado nela, sorrido para ela, dito algumas palavras amá veis. Iria se lembrar disso tudo depois que ele deixasse Avendon. . . Naquele instante, percebeu que um carro esporte tinha parado perto do meio-fio e que o motorista estava olhando para ela. O " rosto do homem estava na sombra, mas Luana sentiu o impacto de seu olhar.

Taffy saiu correndo em direç ã o ao carro estacionado e ela teve que se virar para chamar o cã ozinho. Foi entã o que viu o homem. Ele estava inclinado, brincando com Taffy, que abanava a cauda em sinal de reconhecimento.

Luana ficou aborrecida quando reconheceu o rosto celta moreno e vigoroso, o cabelo preto agitado pela brisa. Taffy estava apoiado nas patas traseiras, cheirando a mã o de Eduard Talgarth.

— Boa tarde, srta. Perry — disse ele. — Parece que o MaskTheatre a fascina. — Havia um pouco de zombaria na voz dele, como se estivesse caç oando.

— Trago sempre Taffy aqui para correr por entre as á rvores. O campo fica um pouco distante.

— Você deveria conhecer a Cornualha. . . Taffy ia adorar, pois poderia correr à vontade pelas charnecas. Quilô metros delas, cobertas de urzes suficientemente altas para encobrir uma moç a, imagine um poodle.

— Acho que nunca terei o prazer, sr. Talgarth, de me esconder nas urzes da Cornualha.

— Quem pode dizer o que vai acontecer, Luana Perry? A vida dá voltas estranhas, mas você é ainda muito moç a para saber.

— Tenho dezenove anos e sempre soube que a vida pode ser bem triste, sr. Talgarth.

— As pessoas geralmente compensam de uma maneira ou de outra a perda de alguma coisa amada — disse ele, como se lembrasse da conversa que havia tido com St. Cyr. — Com você é o teatro, nã o é?

— Sim — ela respondeu sucintamente, pois nã o queria conversar com um amigo de Charme sobre um assunto que podia acabar em TarquinPowers.

Que piada! Ela estava ali, toda alvoroç ada só porque um ator lhe sorriu e lhe dirigiu algumas palavras. . . migalhas que sobravam do banquete que ele provavelmente partilhava com as atrizes mais encantadoras.

— Preciso voltar para casa. . . a festa já deve estar começ ando e ainda nem estou vestida! — Ela se inclinou para prender a correia na coleira de Taffy, mas Eduard Talgarth abriu a porta do carro e o poodle entrou, acomodando-se no banco da frente. — Ora! — Luana. levantou os olhos, encontrando o olhar dominador que ele lhe dirigiu enquanto abria a porta do carro.

— Pode entrar, menina. Estou indo para a festa e você s dois vã o chegar mais depressa se você me suportar por uns cinco ou dez minutos.

Vamos, faç a um esforç o!

Ela corou; numa outra ocasiã o teria se afastado, indo a pé e deixando que ele levasse o cachorro para casa. Mas já estava ficando tarde e o há bito de fazer a vontade de Charme era forte demais para ser ignorado.

Entrou no carro, sentindo a maciez do couro do estofamento e o roç ar do braç o de Talgarth, que fechava a porta.

Taffy estava sentado entre os dois e a brisa tocava o rosto de Luana. Ela ainda se voltou para olhar o teatro, mas logo se lembrou do brilho que havia nos olhos de Talgarth quando perguntou se ela compensava suas perdas com o teatro.

— O senhor nã o está usando fantasia — comentou. — Charme queria que todo mundo fosse fantasiado.

 — Nã o gosto desse tipo de coisa. Sua irmã vai ter que me desculpar, pois vim da Cornualha e lá nã o costumo ir a festas.

— Ela vai fazer corri que o senhor ponha uma má scara — avisou, — Vamos ter que usar má scaras até a meia-noite.

— Rendo-me, entã o! — Ele sorriu. — De qualquer maneira, a maioria das pessoas usa alguma espé cie de má scara a maior parte do tempo. É raro encontrar algué m totalmente franco.

— Se as pessoas nã o fossem um pouco reservadas, seriam muito menos interessantes.

— Menina sabida! — Olhou-a diretamente, um olhar que durou um segundo, mas que a deixou com a impressã o de que ele era um homem muito profundo, capaz de muitas coisas... inclusive de um rapto.

— O senhor passou a casa onde moro! — exclamou.

— E mesmo... — Ele fez uma manobra muito há bil e pouco depois estacionava o Lancia. Uma mú sica de danç a estava tocando. A festa tinha começ ado.

— Acho melhor entrar por trá s. — Luana abriu a porta e, enquanto saí a do carro, sentiu os olhos azuis da cor do mar de Eduard Talgarth, que a fitavam. O vento havia desmanchado o cabelo dele, que caí a sobre uma sobrancelha, sempre levantada, dando-lhe um ar ligeiramente irô nico. Ele sorriu, desfazendo a impressã o de autoridade que emanava de seu rosto. Nã o se podia dizer que fosse bonito, mas a forç a de seus traç os e aquele toque de inflexibilidade faziam dele um homem difí cil de se esquecer. Era como os corsá rios da Cornualha de muito tempo atrá s; os contrabandistas que traziam conhaque e rendas da Bretanha, escondendo-os nas cavernas com passagens cavadas na pedra que levavam a velhas mansõ es sombrias em cima de penhascos.

Aqueles homens morenos, foras-da-lei, tinham cruzado os mares, negociando com todos os tipos de mercadorias, algumas exó ticas, outras contrabandeadas.

Lembrou-se das palavras de Charme: " Ele deixou o mar para morar numa casa, na Cornualha, que pertence há muitos anos à sua famí lia. As pessoas de Penzance dizem que é um- lugar estranho. Uma casa no estilo francê s, chamada Castelo de St. Avrell. Havia um prí ncipe francê s que fugiu de uma revolta. Dizem que ele construiu a casa para a francesa com quem ia se casar. A mã e de Eduard é bretã ''.

— Que fantasia você vai usar esta noite? — ele perguntou com voz fria, como se achasse que ela era uma crianç a que adorava se fantasiar.

— Nã o deve perguntar, sr. Talgarth. — Ela já estava fora do carro. — Faz parte do divertimento tentar adivinhar quem é quem.

— Talvez eu devesse usar um lenç o vermelho amarrado na cabeç a. — Ela aprovou, como se tivesse lido seus pensamentos. — Nã o ficaria bem?

— Sim — ela admitiu francamente. — O senhor daria um pirata muito bom.

— Eles nã o eram bons, Luana Perry. Pegavam o que era dos outros.

Ela pensou em Simon Fox, que estava namorando sua irmã de criaç ã o há quase um ano; mas nã o era da sua conta se um estranho vinha da Cornualha com a intenç ã o de fugir com Charme. Quando ele a visse naquela noite, vestida de dama antiga, ia querer que ela fosse morar no Castelo de St. Avrell. Provavelmente ele era muito rico e Charme se achava suficientemente bonita para atrair um homem de posses.

— Preciso entrar! — Luana se afastou correndo, com Taffy atrá s.

Por volta de onze e meia, a casa estava repleta de gente. Danç avam na sala de visitas; alguns pares estavam sentados na escada, comendo sanduí ches ou bolo. Figuras mascaradas passeavam por entre as á rvores.

A festa estava sendo um enorme sucesso e muitas fantasias eram criativas e interessantes.

Um homem estava parado ao lado da porta da sala de estar. Usando uma tú nica hú ngara abotoada nos ombros, calç as -justas e botas de cano alto. Uma capa forrada de cetim vermelho envolvia seu corpo alto e magro, e uma má scara de veludo negro escondia seu rosto quase inteiramente.

Luana nã o conseguia tirar os olhos dele. Ela estava no bufê, com um pã ozinho recheado de salsicha em uma das mã os e um refrigerante na outra. Usava uma fantasia de Pierrete, com todo o cabelo escondido dentro de um chapé u pontudo e sua má scara prateada no rosto. Uma pequena meia-lua de prata estava presa em sua face esquerda, na covinha.

Lentamente ela deu uma mordida no pã ozinho. Parecia muito tí mida assim sozinha e seu coraç ã o começ ou a bater mais depressa quando o homem vestido de hú ngaro se aproximou. Ele vinha para junto dela, decidido, e Luana o reconheceu com todas as fibras de seu corpo jovem.

— Concordo com você. — A voz era quente e grave. — Pã ezinhos recheados com salsicha sã o irresistí veis.

Ela conhecia aquela mã o expressiva, o anel no dedo mé dio, a magia daquela voz. Quando ele deu uma mordida no pã ozinho, ela caiu na risada.

— É você! — ela murmurou, numa espé cie de encantamento.

— À s suas ordens, Pierrete. — TarquinPowers inclinou-se galantemente. — O pã ozinho está excelente. Acho que vou pegar outro.

Representar me abre o apetite, e eu acabei vindo para cá com algumas pessoas, sem trocar de roupa. O convite dizia que a festa era à fantasia, por isto aqui estou!

Para Luana, a festa encheu-se de repente de estrelas e de fanfarras. Nã o imaginava que sua irmã de criaç ã o tivesse convidado TarquinPowers e outros membros da companhia para a sua festa, e aquilo era uma surpresa maravilhosa. Involuntá ria, é claro, pois Charme nã o sabia que Luana conhecia o ator.

— Você vai querer alguma coisa mais forte do que refrigerante, nã o é? — disse ela e, sorrindo, levou-o para uma mesa onde havia garrafas de vinho, vodca e uí sque. — Sirva-se, sr. Powers.

— É melhor nã o jogar o copo na lareira, nã o é?

— Moro aqui — ela explicou, sorrindo, e logo ficou espantada quando ele a envolveu com um braç o, convidando-a para danç ar.

A pista estava muito cheia, de modo que mal saí ram do lugar. Mas só isto já era excitante e Luana ficou assustada com a maneira como reagia à quela proximidade. Quando ele falava com ela, os lá bios pró ximos de seu ouvido, sentia-se indefesa, à mercê de alguma coisa que devia combater. Ele era TarquinPowers, nã o um rapazinho de Avendon, que ela podia amar.

Amar. . . quando esta palavra chegou em seu coraç ã o, sentiu que Charme a olhava, por isso achou melhor fingir que nã o conhecia seu par.

Charme estava parada com o convidado da Cornualha, que tinha consentido em pô r uma má scara, mas que se destacava como uma pedra num jardim no seu discreto smoking preto.

Ele olhava para Luana e, pela maneira como levantou a sobrancelha, pensativo, ela percebeu timidamente que o cornualê s tinha reconhecido seu par. Era o olhar de um homem do mar, penetrante e treinado para enxergar mais do que as outras pessoas. O que estaria vendo agora? Uma jovem ingê nua apaixonando-se por um homem que nem podia pretender conquistar?

— Vamos sair daqui. — Tarquin saiu danç ando com ela pelas portas-janelas. Depois pegou na mã o dela e andaram um pouco pelo jardim, até uma á rvore cheia de flores.

— Uma linda noite de primavera, Pierrete. — Ele afastou um ramo de flores para ver a lua nova. — Você já nã o quis recostar-se na lua nova? Pois é ali que um Pierrô deve ficar, longe da multidã o, um pouco triste, mas encantador.

— Estou contente porque o senhor gostou da minha fantasia.

— Você nã o deve ser formal comigo, Pierrete. Chame-me de Quin, como os amigos.

— Você se incomodaria. . . — ela esmagou uma flor, um pouco nervosa — se eu o chamasse de Tarquin? Gosto do nome.

— Pode me chamar do jeito que quiser — ele respondeu, divertido. — O teatro está cheio de " querido" e " meu amor" e algumas mulheres até me chamam de " bruto".

— Mas por quê? — Luana nã o podia acreditar que ele merecesse isso.

— Por vá rias razõ es. Supõ e-se que os atores româ nticos sejam muito namoradores, dentro e fora do palco.

— E você é namorador?

— Nã o, Luana. — Agora ele estava falando com seriedade e seus olhos brilhantes prenderam os dela. De repente, um casal se aproximou à s gargalhadas, rodeou a á rvore e depois passou entre eles. Tarquin tirou a má scara; seu rosto, iluminado pelo luar, mostrava sinais de tensã o.

— Vamos sair desta casa de loucos. Onde podemos ir?

— Pela porta lateral, em cinco minutos estaremos no rio.

— Vamos, entã o!

— Podemos ir assim? — Ela riu enquanto tirava o chapé u, soltando os cabelos.

— Sim, por que nã o? — Ele a pegou pela mã o e saí ram da festa de Charme, afastando-se rapidamente da casa, como se tivessem muito pouco tempo para ficar juntos.

— Você se incomoda se eu a raptar?

Luana sacudiu a cabeç a, pensando rapidamente naquele outro homem que parecia capaz de fugir com uma moç a. Com outras moç as, nunca com ela. Entretanto lá estava ela, à meia-noite, com o cabelo voando enquanto corria com Tarquin em direç ã o ao rio.

Estremeceu, mais de excitaç ã o do que de frio, e Tarquin envolveu-a com a capa, mas ela nã o teve coragem de levantar os olhos. As mã os dele, quando â tocaram, pareciam as mã os de algué m apaixonado, mas seria loucura sonhar que ele queria mais que uma amiga, algué m com quem pudesse falar sobre cisnes e torres.

Por fim chegaram diante do teatro, agora escuro e vazio. Um cisne solitá rio nadava à luz do luar, como um fantasma.

— Como é que você se sente num palco, diante de uma platé ia cheia?

— É terrí vel — ele respondeu imediatamente. — Nos primeiros momentos, é como se eu estivesse no inferno, no dia do juí zo finai.

 Mesmo o ator mais experiente acha que vai esquecer as falas, tropeç ar em alguma coisa, desagradar os espectadores. O alí vio imenso quando se começ a a falar, a alegria quando se sente o calor da platé ia. . . é tangí vel, Luana, como o sal no ar do mar. É uma sensaç ã o maravilhosa. Nã o se deseja nada mais. Atinge-se as estrelas.

Quando ela olhou o perfil delineado pelo luar contra o cé u escuro, percebeu que o amava acima de tudo, desde o momento em que o ouviu falar pela primeira vez, tocando seu coraç ã o tã o sedento de amor.

Eles se olharam por um instante.

— Você nã o se parece com sua irmã — disse ele com ternura.

— Bem, nã o somos parentes. O pai dela casou-se com minha mã e, mas fora isto temos muito pouco em comum. Charme é considerada a beldade de Avendon, mas, embora eu admire a beleza dela, nã o nos damos muito bem. É o caso do animalzinho de estimaç ã o que vive junto de um gatinho sem dono. Charme gosta de almofadas e de creme, mas eu me contentaria com... — Luana mordeu o lá bio, pois estava para dizer " afeiç ã o". Ningué m a amava desde a morte da mã e, apenas cuidavam dela no sentido material.

Tarquin ouvia atentamente e de repente Luana estava se abrindo:

— Nã o quero ser ingrata aos St. Cyr. Stephen foi bom para Catarina, minha mã e. Nunca conheci meu pai. Tudo o que sei é que era soldado e Catarina o amava. Sempre disse que ele pretendia se casar com ela, mas foi mandado para fora do paí s e pouco depois foi morto. Ela era empregada na casa da mã e dele, por isto nã o ousou contar seu segredo a ningué m. Preferiu ir embora e, durante sete anos, fomos felizes vivendo juntas, apesar de pobres, até que ela se casou com Stephen St. Cyr. Enquanto eu estava num colé gio interno, minha mã e ficou doente e morreu. . . Tarquin, você acha que devo me envergonhar porque meus pais nã o eram casados? Charme pensa que sim. Ela acha embaraç oso viver comigo.

— Na vida, as coisas muito vistosas geralmente sã o vazias, Luana, sã o velas diante do sol. — Tarquin acompanhou o contorno do rosto dela com os dedos. — Uma crianç a nascida do amor é o pró prio amor, Pierrete. É como uma taç a cinzelada com os mais belos desenhos. Cheia até a borda com um vinho té pido. É o que somos, Luana... o que fazemos de nó s mesmos é que conta.

Ouvindo estas palavras, ela soube imediatamente que nunca mais se magoaria com as palavras da irmã de criaç ã o. Parecia um sonho que estivesse ali com o grande TarquinPowers. Tinha a sensaç ã o de que correspondia a alguma necessidade dele; uma volta à juventude, talvez, em busca da inocê ncia perdida.

" Você deveria se chamar Alice", Charme lhe havia dito uma vez. " Num momento parece que você está no Paí s das Maravilhas, e no momento  seguinte é como se estivesse tomando chá com o Chapeleiro Maluco. "

Luana sorriu consigo mesma. Charme nã o percebia que a vida era uma maravilha e, ao mesmo tempo, uma loucura?

— Por que você está sorrindo? — Tarquin tocou-lhe o rosto e ela estremeceu, pois nã o estava acostumada com isso.

— Gostaria de saber se minha irmã percebeu que fugimos da festa.

— Espero que sim. Isto lhe ensinará que o encanto dela nã o é tudo e que as fadas pequeninas tê m muito mais magia.

— Como é que você sabe disso?

— Li num livro — ele respondeu. — Para falar a verdade, no passado costumava ir para a Cornualha, nas fé rias. Havia um lugar em que as pedras pareciam cavaleiros em guarda e as charnecas faziam pensar em histó rias româ nticas. Havia uma rocha enorme com um arco cavado que levava a uma caverna. Era lá que eu guardava a minha coleç ã o de despojos do mar... conchas, pedaç os de quartzo e algas. — Ele fez uma pausa e sorriu, com um braç o no ombro dela. — Estou tentando me lembrar do nome do lugar... o que guardo na memó ria é a casa que ficava nos penhascos. Ningué m morava lá, mas havia um aviso no portã o que dizia " Cuidado, invasores". Acho que era isto o que mais me intrigava. Eu entrei na propriedade e descobri que as janelas estavam fechadas e que havia ninhos de corvos no telhado. Nã o encontrei nem mesmo um caseiro. Era como se o lugar fosse assombrado e ningué m ousasse morar lá.

Luana prendeu a respiraç ã o. Por um momento, sentiu-se tentada a dizer-lhe o nome da casa e do homem que agora morava lá. . . sem temer os fantasmas. Mas preferiu ficar calada.

Ele nã o tinha nada em comum com Eduard Talgarth, disso ela tinha certeza. O cornualê s nã o tinha sensibilidade nenhuma. . .

— Você nunca mais voltou?

— Nã o. — Ele sorriu, pensativo, olhando para o cisne que deslizava em sua vigí lia solitá ria. — Nã o tive tempo, depois que comecei a trabalhar. Primeiro havia a escola de arte dramá tica, depois comecei a carregar cená rios, até que um diretor me deixou entrar em cena levando uma lanç a. Meu primeiro papel falado foi em Jú lio Cé sar. Fiz o soldado que tinha que apunhalar Cassius, e agora o papel de Cassius está no meu repertó rio. É um dos meus favoritos. — Ele deu uma risada, olhando depois para Luana. — Estou aborrecendo você, Pierrete? Você está muito quieta.

— Estou encantada — disse ela imediatamente,, sem poder esconder uma nota de emoç ã o na voz. — Continue.

— Apesar das sardas, Luana, você nã o gostaria de ser atriz?

— Nã o. — Ela olhou para Tarquin, um pouco tí mida ainda, mas sem achar que iria caç oar de suas idé ias.

Ele nã o seria o ator que era se nã o tivesse uma sensibilidade que provavelmente tinha que esconder, ou até combater, pois o mundo do teatro era muito duro, e os sentimentos feridos tinham que ser escondidos por trá s de uma risada alegre ou de um movimento displicente de ombros.

— Adoro o teatro, mas acho que os atores realmente bons já nascem com talento, nã o sã o feitos de uma hora para a outra. Você entende o que quero dizer?

— Uma espé cie de deuses, é isto?

— Sim. — Ela riu. — E acho você maravilhoso, Tarquin.

— Agora estamos ensaiando Hamlet, para encerrar a temporada. Vai ser um espetá culo maravilhoso e muito importante para mim, Luana. É a primeira vez que interpreto Hamlet.

— Você vai se sair maravilhosamente bem, Tarquin.

— Eu quero que seja assim. Pelo menos uma vez na vida um ator quer ter uma atuaç ã o que fique para sempre na memó ria dos espectadores. Ele quer que, muito  tempo depois, as pessoas ainda digam: " Ah, sim, vi quando ele interpretou aquele papel. Foi maravilhoso! " Os atores sã o vaidosos, Pierrete. Gostam de ser adulados mesmo depois de a cortina cair.

— Tarquin. . . — Alguma coisa na voz dele fez com que Luana estremecesse. Sob o luar, seu rosto parecia pensativo e melancó lico. Afinal, ele era tã o vulnerá vel quanto ela. . .

— Eu a amedrontei? — Ele a abraç ou de repente. — Devo levá -la para casa?

— Sim, preciso voltar. . .

— E eu deveria me despedir e nã o voltar nunca mais. — Ele fez uma pausa, acrescentando quase que selvagemente: — Mas nã o quero que seja assim. Quero vê -la de novo, Luana, no domingo. Vamos passear de barco e fazer um piquenique... Está combinado?

— Sim. . . Oh, sim! — Ela estava radiante. — Onde vamos nos encontrar. Você quer que eu leve a comida?

— Vamos nos encontrar no Mill Loft e alugar um barco. Depois eu vou arranjar uma cesta com coxas de peru, pasteizinhos de patê e uma garrafa de vinho.

— Você gosta de fazer tudo com classe. — Ela sorriu e em seus olhos havia ansiedade, como se ainda nã o pudesse conceber que estava entrando na vida dele, mesmo por algumas horas.

— Espero que nã o haja um namorado... — ele murmurou. — Algum Romeu muito jovem. . .

— Nã o — ela respondeu depressa, sem conseguir esconder a alegria que estava sentindo. — Nã o há ningué m. . . e eu gostaria muito de passear de barco com você.

— Entã o está combinado. Vamos seguir a correnteza e ver o que acontece. — Antes que Luana pudesse falar de novo, ele roç ou os lá bios na luazinha prateada que ela tinha no rosto. — Você sabe isto tudo, apesar de ser quase uma menina.

— O quê, Tarquin? — Seu coraç ã o batia desesperadamente, pois sabia que podia ficar muito ferida caso se apaixonasse por aquele homem. Mas queria amá -lo, aceitar os momentos que ele podia lhe oferecer fora do teatro e com eles viver uma vida de sonho.

— Que me sinto muito sozinho, Luana, mesmo quando estou rodeado de gente. Acho que você já compreendeu isso. Você pensa com o coraç ã o, nã o é verdade?

— Sim. — Lembrou-se de Catarina, que també m era assim. Lembrou també m que, naquele mesmo dia, St. Cyr havia dito que ela nã o devia ter medo dos homens por causa do erro de sua mã e. Como podia temer alguma coisa nos braç os de Tarquin se só sentia felicidade?

— Preciso levar você para casa. Vai chover de novo.

Voltaram correndo. Quase todos os carros tinham ido embora, muitas lâ mpadas coloridas estavam apagadas e algué m tocava um disco.

— Nã o se esqueç a — Tarquin murmurou, apertando a mã o de Luana.

— Nã o. — Ela lhe entregou a capa, sentindo-se emocionada com o segredo que partilhavam.

Ningué m podia saber que ia passear no domingo com TarquinPowers.

A curiosidade dos outros só estragaria o que para eles era maravilhoso. Ele se foi. Entrou correndo e, no hall, encontrou Charme que se despedia do cornualê s.

— Luana?

— Uma festa ó tima, Charme! -— Ela deu um sorriso travesso. — O senhor també m se divertiu, sr. Talgarth? — Virou-se para ele, o cabelo muito liso, os olhos brilhando de felicidade.

— E você?

Luana percebeu pelo seu olhar, tã o penetrante, que ele tinha notado que saí ra com Tarquin.

— Sim, muito. — Nos olhos dela havia desafio, pois que direito tinha ele, um estranho, de censurá -la? Será que achava que ela devia ficar num canto, recebendo apenas a caridade dos St. Cyr? Como o odiava! Ele era arrogante. . . um daqueles homens que pensavam que só os privilegiados tinham direito a amar. — O senhor vai ficar muito tempo em Avendon? — ela perguntou com voz muito Ma. — Ou está ansioso para voltar para seu castelo?

Ele estreitou os olhos e por um instante ficaram sozinhos, pois Charme estava conversando com amigos do pai. Levantando a cabeç a, Talgarth a fitou, as sobrancelhas pretas formando uma linha perigosa, os olhos brilhando como fogo.

— Há dois tipos de pessoas — disse ele suavemente. — Os dó ceis e os selvagens, e, se algum dia você for para a Cornualha, vai descobrir como sou.

— Posso imaginar — ela respondeu com indiferenç a. — Mas nã o pretendo ir visitá -lo nem à sua esposa.

— Nã o sou casado, srta. Perry.

— Mas vai se casar, nã o é mesmo? — Ela virou nos calcanhares e subiu correndo a escada.

Sabia que tipo de homem era, e chegou a ter pena de Charme, que teria que enfrentá -lo. Ele podia ser generoso com seus presentes, mas nã o iria mudar seus há bitos por causa de uma mulher, mesmo que a desejasse. A mulher teria que fazer suas vontades e Luana nã o podia imaginar a irmã numa regiã o como a Cornualha, mesmo morando num castelo.

— Tarquin — ela murmurou já em seu quarto, sentando-se perto da janela. Uma tempestade estava se formando. Ao sentir o vento que batia em seu rosto, lembrou-se do beijo do ator, apagando de seus pensamentos a figura de Eduard Talgarth e a raiva que ele tinha provocado.

Dentro de quatro dias veria Tarquin de novo.



  

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