Хелпикс

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A intrusa 5 страница



— Que maravilha! — exclamou Alice, olhando para tudo com grande curiosidade. — Quem dorme aqui, Katerina?

— Um fantasma! — respondeu, pegando Alice pelo braç o e levando-a para uma espé cie de nicho na parede, onde se via um grande retrato a ó leo numa moldura. Alice ficou olhando a jovem do quadro. Ela estava numa praia, tendo atrá s as rochas e as ondas; os cabelos castanhos ao vento e o tecido do vestido lhe modelando o corpo esguio. Tinha os pé s descalç os meio enfiados na areia e um braç o erguido como se estivesse acenando para algué m. Entretanto, o que chamou a atenç ã o de Alice foi o rosto. Nã o exatamente bonito, mas com um ar levemente malicioso na boca vermelha e nos grandes olhos verdes encimados por longas pestanas.

— Quem é ela? — perguntou Alice, sentindo-se subitamente intrusa.

— Seu nome era Timareta — respondeu a governanta olhando mais para Alice do que para o quadro. — O sr. Kassandros mandou fazer esse quadro a partir de uma fotografia comum ampliada muitas vezes para que o pintor pudesse perceber os detalhes. Dá para se ver o anel no dedo dela com pedras da mesma cor dos olhos, o bracelete em seu pulso e a pequena cicatriz na perna.

Alice assentiu com a cabeç a e sem querer levou as mã os ao rosto.

— A senhorita percebeu sua semelhanç a com ela, nã o foi?

— Nã o! — respondeu involuntariamente, como se nã o quisesse acreditar que pudesse existir semelhanç a entre ela e a moç a do retrato, morta em circunstâ ncias tã o trá gicas.

— Mas há uma semelhanç a nos olhos, no formato da boca e nos cabelos. Eu percebi logo que a senhorita chegou e acho que foi por isso que ele a trouxe para cá.

— Nã o! — exclamou Alice, sacudindo a cabeç a. — Nã o é essa a razã o, asseguro-lhe. Ele amava Timareta... Oh, isso é absurdo! Eu estou aqui em fé rias e vou aproveitar para fazer uns desenhos na ilha. Sou desenhista, apesar de nã o ter a categoria do pintor deste quadro. Ele é realmente bom, mas nã o vejo semelhanç a alguma comigo!

— Há uma semelhanç a, sim — insistiu Katerina. — Mas agora temos de ir embora antes que o sr. Kassandros nos veja aqui.

Alice afastou-se do retrato enquanto Katerina apagava a luz. Mais uma vez olhou o quadro. Era uma espé cie de santuá rio para a moç a com quem Stefan ia se casar. Lá estavam os vidros de perfume e os cosmé ticos que ela deveria usar para ficar bonita para ele; o armá rio com suas roupas e muitas outras coisas que ele devia ter comprado para ela.

— Espere, os armá rios estã o vazios? — perguntou Alice. Em seguida, levada por um impulso, atravessou o quarto e abriu uma das portas do armá rio que ia até o teto. Sua respiraç ã o parou. Havia apenas um vestido, de noiva, em renda cor de marfim, todo bordado. Alice fechou a porta do armá rio.

— Por que ele nã o aceita o fato de que ela está morta e que tudo isto só serve para manter viva a tristeza? Nada vai fazer com que ela volte, nada!

— Quem pode dizer? — Katerina olhou longamente o corpo esbelto de Alice. — Existem homens que, tendo amado muito, se casam com suas recordaç õ es, ou entã o procuram algué m que possa fazê -los reviver essa recordaç ã o. O patrã o ainda é jovem; ele e Timareta eram adolescentes quando se conheceram. Só tinha vinte e quatro anos quando ela morreu.

— Você está querendo dizer que acha que eu posso tomar o lugar dela? — perguntou Alice. — E acha que é por isso que estou aqui?

— E nã o é, senhorita?

Alice sacudiu a cabeç a e seus cabelos se soltaram. Sentiu necessidade de prendê -los imediatamente. Saiu entã o do quarto e ficou aliviada quando Katerina trancou a porta.

— vou ficar só uma semana — disse ela para Katerina. — Depois volto para a Inglaterra. Nã o pretendo ficar aqui só porque possa existir uma leve semelhanç a entre eu e a pessoa que o sr. Kassandros amou. Isto é, ainda ama, pelo que pude ver naquele quarto. Nenhuma mulher vai poder substituí -la no coraç ã o dele.

— Para um homem, há muito mais coisas alé m do que ele carrega no coraç ã o — disse Katerina, significativamente. Depois perguntou:

— A senhorita nã o quer que eu mande uma moç a para ajudá -la no banho e para se vestir? — Passou as mã os pelos cabelos de Alice e acrescentou: — Ela pode ajudá -la a se pentear també m. Aliá s, a senhorita tem belos cabelos, fortes como os de uma jovem grega. A senhorita só tem sangue inglê s?

— De certa forma. Minha mã e era irlandesa e meu pai inglê s. Mamã e era bonita e mais morena do que eu, apesar de ter o mesmo tipo de pele. Morreu quando eu tinha dezesseis anos. Eu nã o tenho a metade da beleza dela.

— Nã o dê tanta importâ ncia à beleza — disse Katerina com um ar de desdé m. — Há outras coisas mais importantes que revelam a verdadeira mulher. É o que vem de dentro e aparece nos olhos, na boca. Os gregos preferem a paixã o à beleza fí sica.

Alice afastou os cabelos das mã os da governanta com um gesto de cabeç a.

— Eu nã o vou precisar da empregada. Estou acostumada a cuidar de mim e das minhas coisas. Quem trabalha nã o tem esses luxos.

— Como quiser, senhorita. — com um farfalhar de seda, a governanta deixou Alice, que entrou no quarto fechando a porta atrá s de si. Sentia-se confusa depois do que viu no quarto de Timareta e també m pelo que Katerina tinha dito.

Acendeu as luzes e ficou de pé, examinando seu rosto refletido no espelho da penteadeira. Se Katerina tinha percebido alguma semelhanç a dela com Timareta, entã o Stefan teria percebido també m. Mas quando exatamente? Na noite passada, no quarto do hotel, quando ela tinha tentado se parecer com Alberta, naquele penhoar vermelho transparente? Ela se arrependia de ter cedido à tentaç ã o de se tornar parecida com a irmã. Se tivesse posto os ó culos e vestido sua roupa costumeira, talvez ele nã o percebesse a semelhanç a, se é que de fato essa semelhanç a existia.

Alice deu um suspiro profundo e se sentou aos pé s da cama, olhando para o tapete. Será que Stefan ia cumprir sua promessa de deixá -la partir depois de receber a resposta de Alberta? Ela se lembrou do que Katerina tinha dito momentos atrá s: ”Para um homem, há muitas coisas alé m do que ele carrega no coraç ã o”. Considerando o que tinha acontecido no Phaedra, chegou à conclusã o de que a governanta estava com a razã o. Agora percebia o porquê de determinadas atitudes de Stefan. De certa forma o misté rio estava parcialmente resolvido. Seus cabelos, o brilho ingé nuo dos seus olhos, da mesma cor dos de Timareta, tudo isso tinha despertado impulsos que estavam adormecidos nele. Nã o era realmente ela, Alice Sheldon, quem despertava sua paixã o: era o desejo de ter Timareta novamente nos braç os. Beijar sua boca, sentir seu corpo delgado, possuir aquilo que a morte tinha lhe privado.

Alice sentiu que estava presa a alguma coisa mais complexa, que nã o ia ser fá cil livrar-se dele como havia pensado. Olhou para o reló gio de pulso e viu que já era tarde. Tinha que se aprontar rá pido para o jantar. À quela altura dos acontecimentos, seria melhor submeter-se à s vontades de Stefan. Talvez em mais alguns dias ela pudesse achar um jeito de contornar a situaç ã o. Devia existir algué m na ilha que aceitasse dinheiro para levá -la para Atenas. Afinal, o dinheiro nã o era a linguagem universal?

Ela abriu as malas e tirou as roupas que Stefan tinha guardado de qualquer jeito. Ele tinha pedido que ela usasse um vestido atraente e que deixasse os cabelos soltos. Alice sentiu tentaç ã o de fazer justamente o contrá rio. Mas lembrou-se de que ele seria capaz de obrigá -la a mudar de roupa mesmo que ela derrubasse a casa de tanto gritar. E os criados iam continuar seus trabalhos como se nada estivesse acontecendo. Segundo os gregos, as mulheres gostam de ser maltratadas e depois cortejadas.

Alice percebeu que tinha de aguentar o diabo para poder contentá -lo e pensando nisso escolheu um de seus mais sofisticados vestidos. Era de chiffon, com estampa imitando manchas de tigre. Tinha um decote nas costas que ia até a cintura e era para ser usado com quase nada por baixo. Era um vestido tí pico de Berta e Alice ficou imaginando se teria coragem de usá -lo.. Seria o mesmo que estar pedindo que Stefan a tomasse nos braç os e a seduzisse. Acariciou o tecido transparente e concluiu que era justamente sua timidez em usar esse tipo de roupa que excitava Stefan. Talvez se ela chegasse com mais seguranç a ele perderia a vontade de querer escandalizá -la, como se sua influê ncia parecesse falsa.

Katerina estava errada em pensar que Stefan gostasse que ela se parecesse com Timareta. Ao contrá rio, ele tinha raiva disso... Qual seria sua reaç ã o quando Berta revelasse a verdade em seu telegrama? Apertou o vestido nervosamente. Sua semelhanç a com Timareta poderia fazer com que a situaç ã o mudasse. Ela nã o podia suportar o olhar dele procurando nela um fantasma de cabelos longos que acenava para ele de uma praia distante da qual nunca mais ia voltar!

Alice desejou nã o se parecer com Timareta; se possí vel queria imitar Berta naquele vestido de chiffon ousado. Sim, ela ia usar aquele vestido como uma armadura contra o homem que a odiava mas que ao mesmo tempo a queria ao alcance de suas mã os vingadoras... ou como substituta de uma mulher que se prendia a ele com os dedos macilentos da morte.

Ela deixou o vestido estendido na cama junto com uma lingerie de seda. Tirou de uma sacola um par de sandá lias de saltos muito altos e abriu a frasqueira onde guardava as poucas jó ias que tinha. Brincou com um colar de pedras azuis que havia comprado em Londres e depois escolheu uma corrente com uma medalha em forma de coraç ã o com uma cruz incrustada em cima. Parecia apropriada para o jantar, como se ela pudesse protegê -la do demó nio que a esperava.

Tomou banho ainda com a sensaç ã o de absurdo, mergulhada no perfume dos ó leos de banho e na leveza daquela á gua que parecia vir de alguma fonte oculta nas colinas da ilha. Geralmente, ela era rá pida para se aprontar, mas agora, tentando imitar a irmã nos mí nimos detalhes, precisava de mais tempo. Prendeu o cabelo num coque como os que Berta usava com pequenos cachos caindo suavemente pelos lados do rosto. Esse estilo de cabelo normalmente nã o lhe ia bem, mas com o vestido de chiffon que deixava à mostra o seu colo muito branco o efeito era notá vel.

Quando fechou o zí per do vestido e pô s a corrente no pescoç o, Alice mal pô de crer que era ela mesma no espelho. Mesmo sem ó culos podia perceber a transformaç ã o. Os saltos altos faziam com que ela parecesse mais flexí vel e a lingerie reduzida fazia com que o vestido assentasse sedutoramente em seu corpo delgado, marcando levemente o busto e os quadris.

Caminhou pelo quarto para se acostumar com o salto alto das sandá lias e com a sensaç ã o de nudez. Ela nunca tinha parecido tã o ousada, mas estava com medo de nã o ter coragem para ir até o fim. Estava em meio a esses pensamentos quando bateram à porta. Seu coraç ã o disparou. A porta se abriu e uma jovem com uniforme de empregada entrou.

— Ah, a senhorita já está pronta! — Seu inglê s nã o era tã o bom quanto o da governanta, mas era compreensí vel. Ela usava pequenos brincos de ouro nas orelhas e seus olhos negros e curiosos lembravam muito os de Katerina. Alice imaginou que deveriam ser parentes.

— Minha tia achou que eu devia vir para ver se a senhorita precisava de ajuda — acrescentou. — E talvez levá -la até a sala de jantar.

— É bondade sua — disse Alice ajeitando uma prega do vestido. Ela sentiu uma grande vontade de mudar de roupa mas a garota estava ali com a porta aberta esperando e ia parecer meio estranho se de repente ela fosse se trocar.

— A senhorita está linda — disse a criada, olhando Alice com admiraç ã o. — Esse vestido é de Paris, srta. Sheldon?

— Nã o, eu o comprei em Londres — respondeu Alice surpresa, pois era a primeira vez que algué m elogiava sua elegâ ncia. — Nó s temos boas lojas lá.

— Claro! — A jovem sorriu. — Eu tenho um irmã o que tem um restaurante em Londres e eu quero ir para lá trabalhar com ele. A senhorita nã o acha que falo bem inglê s?

— Seu inglê s é muito bom. — Alice sorriu pensativa. — Eu gostaria de falar sua lí ngua tã o bem quanto você fala a minha.

— Grego é muito difí cil, a menos que se aprenda desde crianç a.

— Ela olhou muito atentamente para o rosto de Alice, como se sua tia tivesse comentado a semelhanç a de Alice com Timareta.

— É a primeira vez que visita uma ilha grega? — perguntou.

— Sim! — Alice foi até a penteadeira para pegar o lenç o de chiffon a fim de disfarç ar o medo que sentia de Stefan Kassandros, que se fazia passar por inocente anfitriã o na frente de todos.

— Você sabe se o sr. Kassandros mandou algué m levar um telegrama para o continente?

— Sim. Faz uma hora, srta. Sheldon. O barco estava livre e Theo, o piloto da lancha, levou uma mensagem especial.

— Oh, que bom! — Alice sorriu aliviada. — Esse telegrama tem a ver com minha volta para Londres daqui a uma semana.

— A senhorita vai ficar só uma semana? — perguntou espantada.

— Sim, só uma semana — confirmou Alice, como se para convencer a si pró pria. — Aliá s, como você se chama?

— Meu nome é Hesta. — Seus olhos negros examinaram com curiosidade a cama de Alice, que estava em ordem. — Uma vez, trabalhei para uma senhora do consulado inglê s em Atenas. Ela era muito desordeira e deixava as roupas jogadas em toda parte. A senhorita é muito ordeira.

— Eu sempre cuidei de mim mesma e me acostumei a manter as coisas em ordem para poupar trabalho. — Afinal, ela era isso mesmo. Uma jovem meticulosa e correta que tinha se metido com gente estranha de uma ilha grega. — Eu tenho muito trabalho me esperando na Inglaterra e nã o posso ficar perdendo tempo. Sou desenhista de histó rias de amor.

— Minha tia disse que a senhorita é artista. Deve ser muito inteligente.

— Nem um pouco! — Alice deu uma risada. — É apenas uma habilidade que tenho e que uso para sobreviver. Eu gostaria de ter um verdadeiro trabalho artí stico, mas isso é virtude rara. Muitas pessoas podem pintar, mas sã o poucos os que possuem talento.

— Como o do quadro do quarto do corredor, nã o? — comentou Hesta, com os olhos fixos em Alice. — Ele é muito estranho, nã o acha?

— Maravilhoso. — Alice nã o pretendia falar sobre o quadro e saiu do quarto, apagando a luz. — É melhor você me mostrar o caminho para a sala. Nã o quero que o sr. Kassandros me espere por muito tempo.

Elas desceram e quando chegaram ao pé da escada, Hesta adiantou-se em direç ã o a uma porta oval e abriu-a para que Alice passasse.

— Muito obrigada. — Alice entrou ansiosa, mas viu que Stefan ainda nã o estava lá. Hesta ficou olhando para ela e depois saiu deixando a porta entreaberta. O coraç ã o batia descompassado debaixo do vestido leve. Da grande lareira vinha o perfume do cipreste queimado. Ela se sentiu reconfortada com o calor da sala, esquecendo-se de que Stefan estaria ali para examiná -la naquele vestido sem mangas e de decote até a cintura. Para afastá -lo do pensamento, ficou observando a sala. A suave claridade das arandelas se refletia nos painé is da parede. Cortinas bordadas cobriam as janelas e cadeiras torneadas circundavam uma mesa redonda posta para o jantar, com enormes candelabros de prata, copos de cristal e um arranjo de fré sias e samambaias do campo num velho cesto colocado no centro da mesa.

Nos cantos da sala viam-se armá rios embutidos de madeira e, em seus pequenos nichos, í cones em madeira incrustada de vá rias cores. No chã o, um rico tapete grego numa mescla só bria de cores. Era uma sala fascinante, completamente diferente. com sua sensibilidade artí stica, Alice notou que, como todo o resto da casa, a sala estava decorada com gosto. Entretanto, havia somente um ornamento que parecia deslocado. Alice se aproximou para examiná -lo. Era uma curiosa lâ mpada que devia ter pertencido a algum quarto infantil. Ela passou a mã o pelo bronze. Será que tinha sido de Stefan quando ele era crianç a? Talvez tivesse sido uma crianç a solitá ria, já que tinha perdido o pai quando tinha nove anos de idade. Ele tinha amadurecido depressa por causa disso. Era ainda um rapazinho quando se apaixonou por Timareta, uma menina da aldeia que teve de partir para trabalhar como enfermeira, levando no coraç ã o um sonho que nunca se realizaria. Sua mã o acenando para ele na praia era como um espinho no seu coraç ã o. Alice permaneceu junto à lâ mpada e sentiu um leve calafrio percorrer-lhe a espinha.

Ela se virou e, parado na porta, estava Stefan Kassandros, que tinha chegado sem fazer barulho e estava olhando para ela imersa nos seus pensamentos. Sua simples presenç a revelava seu temperamento indominá vel; a pele morena contrastando com o smoking vinho sobre a calç a preta, e uma gravata borboleta sobre a camisa imaculadamente branca. com sua chegada, a sala se tornou viva e cheia de vibraç õ es e Alice se retesou quando ele se aproximou para examiná -la dos pé s à cabeç a.

— Esse vestido é uma vergonha! Você parece uma traç a de tigre.

— Uma traç a que se meteu em complicaç õ es — replicou, levando um susto quando ele a agarrou pelos pulsos e a virou para ver o profundo decote nas costas.

— Entã o você decidiu que eu gostaria de jantar com uma mundana? Se nã o fô ssemos jantar sozinhos, eu lhe pediria que fosse tirar essas roupas.

— Mas nã o foi você que pediu para usar alguma coisa mais frí vola?

— disse ela quase sem respirar. — Você é um homem meio contraditó rio, nã o?

— Eu sou grego — retrucou decidido. — Esse decote deixa ver até o traseiro!

— Se eu me vestisse como de costume, você acharia alguma coisa para criticar. — Alice tentou se livrar dele, mas ele a segurou com forç a. — Um dia desses o senhor vai ter de aceitar o fato de que eu sou Alice Sheldon e mais ningué m.

— A resposta ao telegrama vai me dizer quem é você! — ele a encarou. — Eu mandei que enviassem o telegrama e o portador vai trazer os ó culos que ficaram no hotel. Você vai precisar deles para desenhar, nã o?

— Obrigada — disse secamente. Bem que ele podia ter reagido de outra forma sobre a sua roupa. Parecia que mesmo num elegante vestido de chiffon lhe faltava o ingrediente que atraí a a atenç ã o dos homens.

— Olhe para mim! — Ele segurou-lhe o queixo para que ela o olhasse bem nos olhos. — Eu sou grego e nã o aceito facilmente a insolê ncia de uma mulher.

— Mas eu nã o estou sendo insolente — protestou. — Você mandou que eu vestisse alguma coisa diferente para o jantar e foi o que eu fiz.

— Mas está parecendo que você se desvestiu para o jantar respondeu de cara fechada. — Se você acha que com isso está me excitando, o que devo fazer entã o? Provocar um outro desmaio?

— Eu vou me trocar se este vestido nã o lhe agrada — disse Alice com o rosto vermelho. — Só leva alguns minutos.

— Nosso jantar está para ser servido. — Ele notou a medalha que Alice trazia no pescoç o. — Parece que você quer atrair o demó nio e ao mesmo tempo afugentá -lo!

Alice sentiu um calor pelo corpo. Ele tinha adivinhado o que ela havia pensado quando resolveu usar a medalha. Controlou-se para nã o perguntar se ele esperava jantar com um fantasma. Era claro que na primeira noite no hotel e depois no barco ele devia ter achado que ela se parecia muito com Timareta. O que ele nã o tinha gostado realmente é que ela, com aquele vestido e com aquele penteado, deixara de se parecer com a moç a. Esse desgosto ele demonstrava no rosto quando afastou a cadeira de espaldar alto para ela se sentar. Ao fazer isso, uma prega do vestido de Alice prendeu-se em sua calç a preta, fazendo transpassar uma espé cie de magnetismo entre os dois.

— Desculpe-me. — Alice procurou afastar o chiffon da sua roupa e o tocou sem querer, sentindo um arrepio lhe subir pelo corpo.

— Nã o tem de quê.

Sentiu a respiraç ã o quente de Stefan em sua nuca. Virou a cabeç a para olhá -lo e viu um sorriso caç oí sta em seus lá bios. — Espero que nã o pense que o toquei de propó sito!

— À s vezes fazemos coisas que nã o pensamos fazer conscientemente — disse ele. — Você é desconcertante, Alicia. Tem impulsos e anseios que você mesma desconhece.

— Você me faz parecer muito importante, mas a explicaç ã o é fá cil; eu sou como um arame farpado que nã o atrai ningué m.

— Eu poderia dizer que me sinto muito atraí do.

— Só porque você pensa que... — Alice mordeu os lá bios.

— Eu sempre quis ser como minha irmã Berta. Acho que foi por isso que comprei este vestido, pensando que me faria sentir como ela. Mas nunca chegarei a me parecer com Berta.

— Ela é dessas que usam vestidos desse tipo? — com intenç ã o deliberada ele deslizou sua mã o pelas costas de Alice, fazendo com que ela sentisse uma espé cie de choque elé trico. Ele riu e dirigiu-se para sua cadeira, de onde ficou olhando para ela com malí cia atravé s do arranjo de fré sias.

— Você é mais jovem do que sua irmã?

— Eu sou alguns anos mais velha. — Ainda podia sentir o toque de seus dedos.

— Gozado, pelo que você tem falado dela, sempre achei que fosse mais velha e mais vivida.

— Ela é mais jovem e mais vivida do que eu — respondeu Alice ressentida. — Nó s nã o nos parecemos em nada. Eu sempre tive inveja dela, para dizer a verdade. Ela é capaz de gozar a vida sem levar nada a sé rio.

— Uma dessas borboletas, hein? — ele fez um movimento de asas com as mã os. — E você o que é, Alicia? Um camaleã o, por acaso?

— Nã o há nada diferente em mim — respondeu. — Eu sempre fui muito sé ria e por isso nunca fui popular entre os rapazes. As pessoas gostavam de me comparar com minha irmã; eu era a coruja de ó culos e ela a gatinha mimada de todos. Eu achava melhor ganhar um estojo de lá pis do que um bracelete ou um prendedor de cabelos.

— E a coruja e a gatinha nunca brigaram? — perguntou ele, olhando fixamente para ela. Alice negou.

— Eu nã o ligava quando diziam que eu tinha ciú mes e fingia que nã o me importava quando Berta mostrava seus presentes na escola.

— Seria melhor que você brigasse e exigisse um bracelete també m.

— Eu nã o era desse tipo. — Inconscientemente, Alice levou a mã o à medalha no pescoç o. — Mas com o tempo, arranjei meu pró prio dinheiro e comprei minhas pró prias jó ias.

— Essa foi você que comprou? — perguntou, mostrando a medalha. — Percebo que ela tem algum simbolismo para você. É o seu coraç ã o guardado, hein? O coraç ã o que você protege para nã o ser ferido. Como ele deve ter sofrido nos tempos de escola!

— Eu sobrevivi — disse ela, desviando os olhos, pois nã o gostaria de ver sua infâ ncia revelada com as perguntas incó modas de Stefan. com alí vio, viu chegar o carrinho do jantar empurrado por Hesta, acompanhada de Katerina.

— Está com um cheiro muito bom! — disse Stefan para a governanta, enquanto ela destampava e servia a comida.

— O carneiro está ó timo, patrã o. Veio da fazenda de Aleko, faz poucas horas. O filho dele me disse que as ovelhas tê m sido atacadas por aquele cachorro selvagem. Acha que devemos matá -lo ou nã o sobrará ovelha alguma.

— Eu vou chamar o Aleko para tratar desse assunto. Diga-me, como estã o os preparativos para a festa do casamento da filha dele?

— A casa da fazenda está na maior confusã o — respondeu Katerina sorrindo. — As mulheres só costuram e cozinham. O casamento vai ser ó timo! É pena que o casal vá viajar para Rodhes logo depois do casamento. Como o senhor sabe, o noivo trabalha no jardim de rosas do castelo.

— E ele vai trazer uma nova rosa para juntar-se à s outras? Stefan abriu a garrafa de vinho e Alice sentiu seu olhar sobre ela.

— vou perguntar à filha de Aleko se posso levar minha hó spede ao casamento. Um casamento grego é alegre e colorido, nã o é, Katerina?

Alice sentiu os trê s pares de olhos sobre ela, como se tivessem o mesmo pensamento.

— Nã o se esqueç a, sr. Kassandros, que vou ficar só uma semana no castelo. Volto para a Inglaterra em seguida.

— Quando é o casamento, Katerina?

— Dentro de vinte dias, senhor. Que pena que a senhorita nã o possa ficar!

— É — disse ele, levantando-se para servir vinho a Alice. Ela nã o ousou olhar para ele, já que aquele breve silê ncio estava carregado de significados. Poderia partir se a resposta ao telegrama satisfizesse Stefan.

— Vamos comer — propô s ele.

Logo em seguida, Katerina e a sobrinha voltaram para a cozinha.

— Este vinho se chama Ouro da Á tica — disse ele. — Ela estava tensa, com os olhos fixos no prato com pequenas ostras dentro das conchas, que tinham sido servidas com pã o torrado e manteiga.

— O que elas iam pensar se soubessem que estou aqui contra a vontade? — perguntou fazendo forç a para encará -lo.

— Em quem você imagina que elas acreditariam? Em uma estranha ou em quem elas conhecem há muitos anos e lhes dá emprego? Você sabe muito bem que os gregos sã o fié is. — Stefan levantou o cá lice de vinho e examinou sua cor dourada atravé s do cristal. — Afinal com o que você está preocupada? Você me garantiu que sua irmã vai confirmar aquela histó ria e eu nã o vou quebrar minha promessa.

— Eu nunca tenho certeza com você — respondeu, lembrando-se do retrato no quarto do fim do corredor. Stefan fechou a cara.

— Vamos comer e esquecer por enquanto que nã o gostamos um do outro. Deixe-me levantar um brinde a você, Alicia. Que você nunca colha o figo antes dele estar maduro!

— O que quer dizer com isso? — perguntou, apertando o cá lice.

— Você desconfia de tudo, nã o? Os figos sã o o sí mbolo da fertilidade e devem amadurecer antes de serem colhidos, tal como acontece com o amor e o nascimento de uma crianç a, entendeu?

Alice sentiu o sangue subir ao rosto e baixou a cabeç a tentando pegar uma ostra com o talher de prata.

— Você sabe usá -lo? — perguntou.

— Nã o, mas posso tentar. Nã o sou nenhuma crianç a.

— Mas tem reaç õ es de crianç a. — Ele chegou ao seu lado, tirou-lhe o talher da mã o e mostrou com habilidade como retirar a ostra de sua concha. — Vamos, abra a boca, menininha, deixe que ela lhe escorregue pela garganta. Ostra é afrodisí aco.

Alice fez como ele mandava e engoliu a ostra e o caldo, sentindo um sabor diferente, mas nã o desagradá vel.



  

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