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CAPÍTULO XIII



 

 

O dia parecia interminá vel. O banco onde Emma estava sentada com um dos sequetradores era duro como pedra e ela estava tonta e gelada de desespero. Nã o havia luz ou aquecimento nesse lugar enorme, e apesar disso tudo, sabia que ainda devia dar graç as a Deus, pois até agora sua presenç a fora praticamente ignorada pelo chefã o. Mas ele nã o via saí da para seu caso e se sentia desesperada.

O que mais a angustiava era pensar que, se desaparecesse, ningué m ia se importar com isso. A velha condessa, quem sabe, podia gastar um pensamento pela jovem para quem tinha sido uma professora de arte; mas ningué m mais. Depois do que tinha acontecido na ú ltima noite, Celeste nã o sentiria nada senã o ó dio por ela e o conde certamente ia ficar aliviado por nã o vê -la mais por perto atrapalhando seus planos.

Um homem chamado Kavir saí ra há algumas horas para entregar ao conde uma mensagem sobre o rapto, mas ainda nã o tinha voltado. Emma pensava se Cesare iria chegar. Estava se tornando evidente que o tal sindicato lidava com coisas como armas e drogas e ela nã o poderia amar um homem envolvido com a desgraç a e a morte, nã o importa quanto atraente ele fosse.

Ela suspeitava de que eles lidavam com tó xicos; as referê ncias à injeç õ es e encomendas indicavam algo assim. Certamente foi por isso que Cesare ficou tã o zangado quando ela descobriu aquele equipamento de mergulho na caixa de violã o.

Algumas coisas começ avam a se encaixar. O conde Cesare tinha deixado de explicar muitas vezes seu comportamento; seu desaparecimento naquela tarde que passaram na logoa, e os ataques que ele e ela sofreram. Tudo estava se tornando dolorosamente claro, embora ela nã o quisesse acreditar. Ainda parecia impossí vel que Cesare pudesse se aliar com um homem como esse Sidi Ben Mouhli.

Soltou um suspiro e imediatamente Mouhli olhou para ela.

— Talvez esteja ficando impaciente, srta. Maxwell — ele disse sorrindo maliciosamente. — Nã o vai ter muito que esperar, sossegue. O galante conde Cesare é um cavalheiro um tanto lerdo, mas ele virá, nã o tema. Ele virá.

— E quando ele chegar? — A voz de Emma mal saí a.

— Quando ele chegar, teremos uma pequena brincadeira. O bom conde já teve sua vez. Agora é a hora de ele perder uma rodada, ou talvez todas, quem sabe? Ningué m me trai. ... ningué m!

— O que quer que o conde tenha feito nã o é do meu interesse — respondeu Emma tremendo. — Se eu tivesse sabido antes. . .

— Quer dizer que nã o sabia nada de todo este jogo? Nisso eu mal posso acreditar. Mas veja, o conde tem a impressã o de que me tapeou. Ele dispõ e de uma carga da qual você mesma infelizmente tem o nú mero marcado em seu ombro. Essa carga tem o valor de muitos milhares de dó lares e parece que o conde quer brincar comigo. Mas entã o certas informaç õ es chegaram ao meu conhecimento que provaram o que eu tinha começ ado a suspeitar. Esse seu querido Cesare nã o é um dos nossos, mas sim um astuto, à s vezes um pouco estú pido, membro do Serviç o de Inteligê ncia Italiano.

Apesar da situaç ã o extremamente perigosa em que se achava, seu coraç ã o pulou de alegria. Entã o ela nã o tinha se enganado, afinal! Cesare nã o era membro daquela quadrilha de contrabando de drogas.

Entã o veja, srta. Maxwell, quando seu bom amigo entrar aqui, sem suspeitar de nada, estará em perigo iminente. Nã o haverá uma chance de ele sair livre daqui, sabendo quem eu sou.

— Mas se ele é membro do Serviç o de Inteligê ncia, certamente qualquer informaç ã o que ele possui será do conhecimento de outros membros da organizaç ã o.

Mouhli deu de ombros.

— Apenas uma coisa. Ningué m mais sabe sobre seus contatos; ningué m sabe seu esconderijo. Kavir vai descobri-lo e trazê -lo para mim. E nã o pense em truques moç a! Nã o somos tã o estú pidos quanto pensam.

Emma começ ou a se desesperar. Tudo que Mouhli tinha dito era verdade, e parecia imprová vel que nenhum dos dois sairia dali com vida.

De repente ouviu-se uma rá pida batida na porta e Mouhli gesticulou para o homem ao lado dela, que imediatamente colocou sua mã o grossa e suja sobre a boca de Emma. Quando um dos homens foi abrir, outros dois entraram; um era Kavir e o outro era Cesare, olhando indolentemente para os lados, quando seguiu o outro. Ele parecia extremamente confiante e Emma se remexeu para lhe chamar a atenç ã o.

Cesare olhou rapidamente pelo quarto, parando na figura alta e maciç a de Mouhli, de pé diante da mesa, e do outro homem do outro lado, enquanto Emma lutava para se livrar. Com suprema seguranç a ele cruzou o quarto até Mouhli e o cumprimentou.

— Finalmente nos encontramos. Estarei cumprimentando Sidi Hassan Ben Mouhli?

Os olhos de Mouhli brilharam.

— Está. E você é notavelmente frio, considerando sua situaç ã o insustentá vel.

— Insustentá vel? — O conde sacudiu os ombros. — Espero que nã o!

— Frio, mas nã o convincente — respondeu Mouhli, recuperando-se.

Os olhos do conde se apertaram.

— Minha missã o aqui é resgatar a mocinha — ele respondeu rapidamente. — Mas nesse processo nã o há razã o pela qual nã o possamos fazer algo de bom um ao outro.

Signor conde, está me fazendo bem, apenas estando aqui — retrucou Mouhli suavemente, estalando os dedos. — Quer tomar um copo de vinho?

— Obrigado, mas nã o. — O conde Cesare colocou a mã o no bolso e imediatamente o cano de uma arma foi colocado em suas costas com um clique.

Os homens revistaram minuciosamente o conde e retiraram uma arma de um coldre sob o ombro.

— Espere — disse Mouhli. — O que ia tirar do seu bolso? Cesare sorriu.

— Apenas isto — ele disse, e atirou um saco de pano sobre a mesa, diante de Mouhli, que o abriu cautelosamente, examinou o conteú do com atenç ã o e franziu a testa.

—- Erva — ele disse devagar. Entã o fechou o saco. — Obrigado, conde Cesare. Isso vai, na verdade, aumentar meu dé bito com você, mas infelizmente é um pouco tarde para tentar recuperar suas perdas. Sua presenç a aqui me satisfaz completamente. Meus negó cios em Veneza estã o encerrados agora, ou melhor, estarã o quando você e sua acompanhante forem descartados.

O rosto de Cesare nã o traí a seus pensamentos.

— Eu sei tudo sobre você, signor conde. Tudo! Nã o adianta blefar mais — disse Mouhli.

Emma olhava desesperadamente para Cesare e quando ele olhou para ela, finalmente perdeu um pouco de sua frieza.

— Pode parecer que eu tenha me comportado um tanto estupidamente, Mouhli — ele disse devagar.

— É... parece que sim — ele concordou.

Subitamente a porta foi aberta e um homem entrou afobado.

— Há homens por toda parte! Estamos cercados!

Sidi Hassan Ben Mouhli levantou rapidamente.

— Como foi isso? Onde estavam os guardas? Certamente os canais estavam vigiados!

— Devia ter perguntado ao seu homem Kavir, onde ele me encontrou — o conde disse a Mouhli. — Ele lhe teria dito que eu estava a caminho daqui, para encontrar você. Ele nã o parou para perguntar se eu tinha encontrado algué m em meu caminho.

— Quer dizer... — Mouhli bateu seu punho fechado na mesa com estrondo. — Imbecil! Idiota! — Ele olhava para Kavir. — Virou-se para Cesare. — Em outras circunstâ ncias nó s terí amos sido aliados — ele disse surpreendentemente. — Você tem qualidades que eu admiro. Infelizmente você foi longe demais!

Ele puxou um pequeno revó lver de dentro das dobras de sua vestimenta e apontou-a para o conde. — Au revoir e arrivederci conde! — ele murmurou e, para horror de Emma, puxou o gatilho. Cesare caiu pesadamente no chã o.

— Você o matou! — gritava Emma, ignorando o homem que tentava evitar que ela corresse até Cesare e caí sse ajoelhada ao lado dele.

— O que aconteceu? — ele disse frio. — Traidores nã o merecem uma execuç ã o?

— Ele nã o é traidor! — Emma chorava, levantando a cabeç a de Cesare nas mã os.

— Você s sã o os traidores!

Os olhos de Mouhli escureceram e Emma sentiu uma pancada na cabeç a. — Ningué m fala comigo desse jeito — ele disse violentamente. — Garotinha inglesa! Mas talvez nã o devamos desperdiç ar o dia. Talvez você deva me divertir um pouco. . .

Emma estava horrorizada, mas quando ele falou havia vozes que gritavam lá fora no canal e tiros que estouravam. O homem perto da porta estava aflito e inquieto. — Venha, Sidi — disse o homem chamado Labul. — Nã o temos mais tempo. Temos que escapar.

— Sim, sim — Mouhli concordou. — Estou indo. — Ele agarrou o braç o de Emma. — Venha, você vem comigo!

— Nã o! — Os olhos de Emma estavam arregalados de pavor.

— Mas sim, signorina. Temos um negó cio para terminar entre nó s.

Apesar de suas sú plicas, foi empurrada rudemente pelo quarto e depois para baixo pelas escadas, até o ancoradouro onde a lancha esperava. O homem entrou impaciente, ansioso para ir embora, mas Mouhli parecia relutante. Olhou para uma pilha de caixotes que havia por perto e com deliberada alegria, levantou uma lata de gasolina e esparramou o conteú do sobre a madeira. Entã o acendeu um fó sforo e jogou-o no combustí vel. Houve uma violenta explosã o, e Emma foi jogada contra o lado do barco, batendo a cabeç a com forç a, perdendo o equilí brio e caindo dentro das á guas do canal. Quando voltou à tona, ouviu gritos, enquanto lutava para ficar flutuando a despeito do zumbido em sua cabeç a. Entã o ela viu que as chamas tinham tomado completamente o cais e até o barco estava em fogo. Homens gritavam e gemiam, mergulhando ao redor dela, mas nem a viam, eles pró prios tentando sobreviver. Algué m tinha sido colhido pelas chamas e Emma pensou ter visto as vestes de Ben Mouhli queimando no cais.

Nauseada pelo calor e fumaç a, nadou pela passagem baixa que levava para o canal de fora. Tolhida pelas suas roupas grudadas no corpo e tonta pela batida, ia se afastando com dificuldade. Homens a seguiam, mas ela nã o ligava. A luz do sol estava lá fora e era delicioso sentir o ar fresco bater novamente no rosto. Pensando em Cesare deitado morto no chã o em cima daquele inferno que queimava, sentiu o coraç ã o pesado como chumbo. Nada mais parecia importar, sequer se ela ia viver ou nã o. Todo o sentido tinha sumido de sua vida agora. Flutuava, mas chegando perto do concreto do cais, mã os fortes a levantaram da á gua para a seguranç a. Olhou cegamente para seus salvadores.

— Senhorita Maxwell? Bem, vamos levá -la agora.

— Cesare... — ela começ ou a dizer.

— Vamos achá -lo — eles responderam.

— Mas ele está morto — ela disse com voz entrecortada.

— Nã o, ele nã o está — disse outra voz atrá s dela e um homem grande levantou-lhe o queixo sorrindo.

— Está sim, posso dizer, eu vi! — Ela chorava, soluç ando desesperadamente. — Eu vi... o homem chamado Ben Mouhli o matou. Eu vi!

O homem grande riu. — Será preciso mais do que uma simples bala para matar Vidal Cesare, menina! — ele disse.

Mais tarde, neste mesmo dia, Emma teve permissã o para ver Cesare no hospital. Ele iria passar uns dias lá, embora afirmasse que estava se sentindo perfeitamente bem. A bala tinha passado a centí metros de seu coraç ã o e tinha se alojado em uma costela. Agora já estava fora de perigo. — Você me assustou tanto! — ela murmurou, ficando ao lado da cama, tremendo um pouco.

— Eu assustei a mim mesmo — ele respondeu rindo. — Realmente pensei que tinha morrido.

— Oh, Cesare — ela sussurrou.

— Mouhli certamente nã o esperava por essa, menina.

— Tivemos muita sorte.

— Você, principalmente — disse Cesare. — Eu pelo menos me recuperaria. Se ele tivesse tocado em você... — Sua voz ficou rouca... — Eu... eu pedi a Celeste que fosse embora.

— Pediu? — Ela apertava as mã os, aflita.

— Sim. Era isso o que você queria, nã o era?

— Eu? O que eu tenho a ver com isso?

Cesare tentou se levantar, entã o afundou de novo na cama por causa das dores. — Está bem, Emma — ele disse. — Você pode ir agora. Mas, quando eu sair daqui, nó s teremos um ajuste de contas para fazer.

Emma concordou e saiu, enquanto ainda tinha forç a para ficar em pé. Nã o podia acreditar em tudo isso. Deveria haver outra armadilha preparada para ela. Milagres nã o acontecem!



  

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