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CAPÍTULO XII



 

 

O conde vestia-se vagarosamente depois do banho, imaginando o que ia fazer agora. Nã o tinha conseguido dormir, os acontecimentos do dia repassavam em sua mente, se embaralhando como um filme confuso. Se, se, se! Se sua avó nã o dependesse tanto dele para a restauraç ã o do palá cio; se ele nã o tivesse permitido que Marco Cortina o envolvesse nessa situaç ã o que agora ameaç a destruir a todos; se ele nã o tivesse conhecido Emma e se comportado completamente fora de seus padrõ es, se apaixonando por ela. Pois isso era exatamente o que tinha acontecido. Apesar de tentar se livrar desse sentimento, a perspectiva de uma vida sem Emma o enchia de horror.

Ele nã o se importava mais com a diferenç a de idade; ela era quente, macia, amorosa e totalmente feminina, a mã e ideal para seus filhos. Mas como ia conseguir se desembaraç ar dessa verdadeira rede de intrigas em que tinha se metido? Nã o via saí das, e ainda havia entre eles Celeste e sua avó, que queriam empurrá -lo para um casamento forç ado. Vestiu-se e abriu a porta de seu quarto. Os apartamentos pareciam silenciosos demais para essa hora da manhã. Passava um pouco das nove e sua avó geralmente já estava de pé a esta hora.

Entrando na cozinha, foi até Anna que estava de pé perto de uma mesa larga, mexendo numa tijela de massa de panquecas. Ela movia o braç o, mas olhava para frente, distraí da. Entã o, Cesare lhe cochichou: — Anna! Há algo errado?

Ela deu um pulo, assustada, e olhou de lado.

— Oh, senhor! — exclamou. — Estou contente por já estar de pé. Eu nã o sei se há algo errado ou nã o, estou tã o confusa!

Cesare sentiu um aperto de apreensã o.

— Entã o me diga! O que está preocupando você?

Anna balanç ou a cabeç a.

— Quando fui ao quarto da condessa esta manhã, ela estava dormindo profundamente. Fiquei preocupada e tentei acordá -la, mas ela nã o acordou.

Cesare ficou mortalmente pá lido.

— Ela está viva?

— Penso que sim. Pelo menos... Oh, senhor, eu nã o tenho certeza!

— Entã o por que nã o me acordou? — Cesare ia saindo apressado pela porta.   

— Senhor!

— Bem... fale logo Anna.

— A srta. Maxwell...

— O que foi?

— Ela... ela se foi!

— Se foi? — Cesare exclamou, incré dulo. — Ela foi para onde?

— Eu nã o sei. De volta para a Inglaterra, acho. Ela pediu a Giulio para levá -la até a estaç ã o, mas quando ele veio pegar a bagagem, ela tinha desaparecido.

Cesare fez um gesto de desâ nimo.

— Deus, Anna! Você guarda coisas estranhas para você mesma! Mas espere, preciso ir ver vovó primeiro.

Ele entrou no quarto da avó, devagar, e aproximou-se da cama. A velhinha parecia pequena e frá gil, mas felizmente respirava. Cesare puxou uma das pesadas cortinas de brocado e olhou-a ansiosamente. A respiraç ã o da condessa era fraca e o rosto estava pá lido. Enquanto Cesare a olhava, ela abriu os olhos.

— Ah, Cesare! — disse baixinho. — Estou muito cansada esta manhã... nã o creio que vá me levantar.

— Está bem, condessa — ele disse carinhosamente, sorrindo para Ia. — O que houve? Tem feito muitas noitadas? — brincou.

— É... algo assim — respondeu com voz cansada. — Mas... nã o, Cesare... nã o vá embora ainda. Preciso falar com você.

— Muito bem, condessa. — Cesare sentou-se ao lado dela, tomando a mã ozinha magra entre suas mã os fortes e morenas.

— O que é?

— Estou preocupada, Cesare, muito preocupada — ela disse. — É sobre Celeste!

— Celeste? O que há com ela? Ah, está querendo dizer sobre o que houve a noite passada? Nã o se preocupe com isso, vovó. Posso manobrá -la.

— Eu sei que pode, Cesare. Eu sei que ela vai casar com você apesar de seus defeitos. Mas... mas, Cesare, nã o tenho mais certeza se é isso que deve fazer.

— De que está falando?

— O palá cio, Cesare. Ele é tã o importante assim, Cesare? É mais importante que você, que sua felicidade?

— Vovó... — ele começ ou a dizer impaciente, mas ela segurou sua mã o.

— Nã o, espere, Cesare! Ouç a primeiro! Estou muito velha e nã o creio que vá viver muito mais. Sua felicidade é uma coisa muito importante para mim. Fiquei aqui deitada a noite toda pensando e me preocupando. Você nã o ama Celeste, nã o pode amá -la. Ela é fria e mercená ria e tenho receio que depois que eu me for, este palá cio se torne uma corrente em seu pescoç o e uma espada na mã o de Celeste, que vai usá -la cada vez que as coisas nã o andarem como ela quer.

— Eu já disse a você para nã o se preocupar. Posso manobrar Celeste!

A condessa suspirou fundo.

— Sim, sim, talvez possa. Mas que tipo de vida será essa? Viver sob ameaç as constantemente, como por certo vai ser? Nã o, Cesare, nã o posso aprovar isso... nã o vou aguentar!

— Condessa, condessa! — ele ralhou. — Acalme-se, vamos! Quem andou pondo essas idé ias na sua cabecinha, hein? Celeste? Parece pouco prová vel.

— Nã o, nã o Celeste. Essa garota... Emma. Ela é inocente, apesar de viver com aquela mulher. Celeste vai fazer tudo para arruinar a vida dela també m, estou certa. Elas nã o vivem o tipo de vida que Celeste quer aparentar para nó s, nã o! À s vezes imagino se alguma vez ela se importou com Emma, antes de virem para cá.

— Emma! — disse Cesare, se lembrando do que Anna havia dito. — Condessa, preciso deixar você um pouco. Há... há algo urgente que preciso fazer. Descanse agora.

— Antes de ir, Cesare, me prometa uma coisa.

— Se puder, prometo.

— Que se você encontrar algué m que ama... se você já tiver encontrado algué m que ama... nã o deixe que o palá cio atrapalhe seus planos. Eu imploro. Estou velha demais para me importar com isso agora. E este pré dio estará sempre aqui, o que quer que aconteç a. O governo tomará conta dele. Se nã o tiver isso sobre seus ombros, levará uma vida normal. Cesare, você nã o será rico, mas nã o vai morrer de fome. Por favor, pense nisso.

— Está bem, condessa. Vou pensar nisso. Agora, seja boazinha e relaxe aqui até que eu volte.

Ele sorriu carinhosamente para ela, mas quando fechou a porta do quarto, seu rosto tornou-se sombrio. Emma era agora sua preocupaç ã o principal e ele tinha í mpetos de bater com a cabeç a na parede por nã o ter percebido que o orgulho dela nã o permitiria que continuasse ali, embora, na verdade, nã o tivesse acontecido nada entre eles. Ela tentaria escapar e com isso colocaria sua vida em risco.

Voltou depressa para a cozinha, onde Anna conversava com Giulio. Fechou a porta e disse: — A condessa está bem, mas muito fraca. Ela vai ficar na cama. Mas agora eu quero saber toda essa histó ria sobre Emma, direitinho e depressa.

— É simples — Anna respondeu sacudindo os ombros. — A senhorita veio tomar café muito cedo e me disse que queria sair sem ver ningué m. Ela pediu para que Giulio a levasse até a estaç ã o ferroviá ria, pois queria voltar à Inglaterra. Me contou que era enfermeira em um hospital lá, e que reassumiria seu lugar.

— E depois?

— Giulio veio buscar as malas, mas ela já tinha ido! A lancha nã o estava lá. Ela deve ter decidido ir sozinha e isso é muito estranho.

— Entã o é isso! — disse Cesare. — Por Deus, Anna, por que nã o me acordou?

— Senhor! — exclamou Anna. — ela foi muito clara dizendo que o senhor nã o devia saber de sua partida e eu nã o podia trair a confianç a dela em mim.

— Mas quando a lancha desapareceu, nenhum de você s pensou por quê? Afinal de contas, eu nã o creio que Emma saiba dirigir um barco desses. Deus! Alguma coisa sé ria pode ter acontecido a ela!

Giulio estava transtornado.

— O senhor pensa que a senhorita pode ter sido levada por algué m? — A voz de Anna tremeu e sumiu. — Isso nã o me ocorreu, senhor.

— Entã o devia ter ocorrido — Cesare disse zangado. — Vamos, trate de arranjar outra lancha e vá até o terminal. Se nã o houver sinal dela por lá, me chame neste nú mero, imediatamente, entendeu? — Ele deu a Giulio um pedaç o de papel com o nú mero do telefone.

— Sim, senhor. Vou o mais depressa possí vel.

Depois que Giulio saiu, Cesare foi até seu quarto e tirou o paletó, vestindo um sué ter de malha fina. Em seguida, abriu um pequeno cofre atrá s de um quadro na parede e de lá tirou um revó lver que colocou em um bolso escondido no cinto de sua calç a. Saiu do quarto, fechando a porta e entrou no salã o dos apartamentos. Para sua surpresa Celeste estava lá, de pé na janela, fumando nervosamente. Ela se virou quando ele entrou, encolhendo-se um pouco, com a estranha expressã o do rosto dele.

— Bem, Cesare — ela disse baixo. — Como está hoje?

— Nada melhor por ver você agora — retrucou. — Nã o posso falar com você neste momento, Celeste. Existem coisas que devem ser feitas imediatamente.

— Por quê? O que está havendo? Onde estã o todos hoje?

— Anna vai contar a você — ele disse, abrindo a porta do corredor para sair. Entã o virou-se, pensou um pouco e disse: — Se precisa de alguma ocupaç ã o, sugiro que arrume suas malas. Creio que há, vagas no hotel Danieli. Talvez consiga ter de volta sua antiga suí te.

— Cesare! — Celeste estava assustada. — O que quer dizer com isso?

— Nã o é ó bvio? — A expressã o do conde era irô nica — Você nã o é mais bem-vinda em minha casa. É só!

Fechou a porta antes que ela pudesse dizer qualquer coisa e desceu rapidamente os degraus para o hall de baixo. Foi desviando pelas vá rias vielas e ruas secundá rias, até o canal onde estava o consultó rio de Domenico. Entrando, subiu as escadas e passou pela sala de espera vazia. Usando uma chave, abriu a porta interna e entrou na sala de Domenico. Esta també m estava vazia. Fechou a porta, trancando-a. Entã o, abriu um armá rio na parede, que aparentava ser apenas um gabinete de instrumentos cirú rgicos. Mas quando Cesare pressionou o lado direito da prateleira, todo o compartimento se virou para diante, revelando um rá dio transmissor.

Cesare sentou-se em um banquinho, ligou o aparelho e procurou a frequê ncia desejada, para usar uma linha direta com Marco Cortina. Quando Marco respondeu, Cesare disse simplesmente: — Transporte B.

Entã o desligou o transmissor, trancou o armá rio e colocou as chaves no bolso. Andou impaciente pela sala por alguns minutos, depois olhou no reló gio e saiu, fechando tudo atrá s de si. Lá fora estava começ ando a chover e tudo parecia cinzento e feio. Alguns segundos depois, ele ouviu o som de um motor vindo em sua direç ã o e foi andando rapidamente atrá s dos arcos, até ocanal. Entrou silenciosamente na lancha e foi até a cabine em baixo, depois de um breve aceno para o piloto.

Marco Cortina esperava por ele com um cigarro preso entre os dentes. Apertaram as mã os.

— Bem... — disse Marco — o que aconteceu?

Cesare explicou e acendeu um cigarro.

— Acha que estou sendo cauteloso demais?

— Talvez sim, talvez nã o. Está apaixonado pela garota, nã o está?

— Que diabos! Esqueç a minhas razõ es! Ela está em perigo, nã o acha? Ou será que realmente foi embora para a Inglaterra?

— Há um boato correndo que Ben Mouhli está na cidade — Marco disse. — Penso que provavelmente você está certo: ele a pegou!

— Oh, Deus! — Cesare sentiu seu estô mago embrulhar. — Por quê?

— Obviamente para fazer você ir procurá -la.

— E se eu nã o for? Quero dizer, eles nã o podem saber se eu me importo com ela o suficiente para colocar minha vida em perigo.

— Nã o podem, é? Ela é hó spede de sua casa. É ló gico que eles supõ em que você vai tentar encontrá -la. É desagradá vel que eles tenham feito a coisa dessa maneira. Significa que vamos ter que abrir o jogo. Eu nã o queria que isso acontecesse.

— E temos alternativa? — Cesare jogou fora o cigarro. — Eu vou sozinho.

— Isso é ridí culo! — disse Cortina violentamente. — Nã o teria a menor chance. Mouhli tem mais de uma dú zia de homens.

— Eu sei, eu sei. — Cesare andava impaciente pela sala. Estava pensando, tentando desesperadamente encontrar uma soluç ã o. Sua cabeç a parecia querer estourar. Se ele pudesse ter Emma de volta agora, seria capaz de acabar com tudo, sem o menor escrú pulo. Pelo menos acabaria com os planos de sua avó para o palá cio.

— Veja — ele disse finalmente. — Nossa forç a se apoia no fato de que Ben Mouhli pensa que eu nã o gosto de policiais. Ele acredita que estou tentando manobrá -lo para fora do sindicato. Ele sabe que sou responsá vel pelo desaparecimento de Ferenze. Pensa que ainda tenho o carregamento, e apenas espero uma chance para dividi-lo. Se eu for até ele... tenho certeza de que posso achar um meio... Posso tentar um blefe...

— Fantá stico! — murmurou Cortina. — Que idé ia nojenta!

— Tem alguma melhor?

— Ainda nã o. Mas isso nã o quer dizer que nã o existe uma que possa ser encontrada. — Ele suspirou. — Bom Deus, Cesare, quero você vivo! Morto, nã o tem utilidade nenhuma para mim.

— Mas quer també m Ben Mouhlí, nã o quer?

— É claro que quero. Mas há pouca chance de irmos por essas vielas sem chamar a atenç ã o. — Ele apagou o charuto. — Mas Cesare, se pusermos as mã os em Ben Mouhli...

— Isso está fora de cogitaç ã o. Se esses bandidos suspeitarem o que estamos fazendo, Emma nã o sairá viva de lá.

— Está bem. Entã o vá sozinho. Isso vai lhe fazer muito bem a menos que... — Ele parou. — Pode levar uma carga com você. Nã o terá chance sem algo para negocjar com eles.

— Mas isso nã o tem sentido! Se Mouhli me pegar, pega també m a erva. E nã o há nenhuma garantia de que vamos sair de lá com vida.

— Eu sei disso. Tem que tentar convencê -lo de que está simplesmente tentando assumir a direç ã o do sindicato. Entã o, quando ele se convencer disso, você tenta fazer um trato com ele.

— Pouca chance! Entã o o telefone tocou.

Cortina respondeu, falou por alguns momentos e desligou. Era um chamado do controle. Avisaram que Giulio havia telefonado dizendo nã o ter encontrado sinal da srta. Maxwell no terminal de trens. Ningué m com sua aparê ncia foi vista comprando passagem.

— Penso que isso decide tudo, nã o é? — Marco olhou apreensivo para o conde,

— Penso que sim. — Cesare concordou. — Vamos nos mexer.



  

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