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CAPÍTULO X
Voltaram em silê ncio. Emma estava confusa demais para falar, enquanto o conde parecia mergulhado dentro de seus pró prios pensamentos, que, por sua expressã o sombria, nã o deviam ser agradá veis. Era cedo quando saí ram e agora já era o meio da tarde. Emma temia a cena que Celeste certamente iria fazer. E seria difí cil chegar até seu quarto sem encontrar com ela ou com a condessa. Contudo, quando chegavam perto do palá cio, Cesare virou a lancha para um canal muito estreito, ladeado por altas paredes de pedra, com janelas gradeadas logo acima da linha d'á gua. Era um lugar escuro e bastante misterioso. Eles se aproximaram de um arco baixo que dava passagem apenas para o barco, entã o tiveram quese abaixar, até chegar a uma espé cie de caverna escura, cheia de caixas e engradados, cheirando a mofo. — Onde nó s estamos? — ela perguntou curiosa. — É o porã o do palá cio? Cesare apenas balanç ou a cabeç a. — Parte dele. Uma saí da que meus antepassados usavam para escapar, em caso de perigo. Saí ram do barco e subiram uma escada de madeira que rangia a cada passo, até uma porta que se abria para dentro de uma larga câ mara. Lá havia uma enorme pia, barris e uma longa mesa de madeira, agora desfazendo-se pelo tempo. Cesare carregava o pacote de compras, mas mesmo assim, ela logo se sentiu cansada e ele teve que parar para esperar que Emma se recuperasse um pouco. Saí ram da câ mara por outra porta, que levava a outra escada estreita. Quando atingiram o topo, Cesare abriu a porta dupla que dava para a longa galeria dos quartos e disse: — Bem... estamos quase lá. Vamos entrar pela cozinha. Há uma passagem que leva até seu quarto. Nã o terá dificuldade de entrar sem ser notada. — Obrigada — disse Emma. — Anna queria esses vegetais para o almoç o. Deve ter ficado muito tempo esperando por eles. Provavelmente teve que se arranjar com outra coisa. O que a condessa vai dizer? — A condessa nã o precisa saber — ele respondeu baixinho. — Pode deixar as coisas com Anna, quando passarmos. Eu falo com ela depois. Anna ficou surpresa quando eles entraram pela cozinha, mas logo avisou: — A signora Vaughan esteve perguntando por você. Eu disse que tinha ido fazer umas compras para mim, mas. . . acho que ela nã o acreditou no que eu disse. — Oh, Deus! — Suspirou. — Bem, se ela perguntar agora, pode dizer que estou trocando de roupa. — Si, signorina. Quando Emma se dirigiu para seu quarto, os olhos do conde estavam tã o enigmá ticos que ela desejou saber o que ele estaria pensando. A ligaç ã o deles tinha se tornado í ntima e, de alguma maneira, estranhamente distante. Nã o sabia na realidade a impressã o real que tinha dela. À s vezes, a tratava como uma crianç a teimosa; outras vezes, parecia desejá -la como mulher, despertando nela as violentas emoç õ es que até entã o desconhecia. O destino parecia decidido a jogá -los um para o outro, interligando suas vidas, fossem quais fossem as consequê ncias. Enquanto isso, Celeste os vigiava, como um espí rito maligno que detinha todas as cartas daquele jogo, capaz de jogá -las com crueldade para acabar vencendo. E mesmo que numa hipó tese remota o conde gostasse dela, Celeste iria se tornar a pró xima condessa Cesare que, com seus recursos, faria o palá cio recuperar toda a sua antiga majestade. Emma tomou um banho e vestiu-se pensando se seria capaz de casar com um homem só pelo seu dinheiro. O que valia tal sacrifí cio? As posses seriam mais importantes do que as pessoas? Qualquer meio justificaria os fins? Esta era uma pergunta que ela se fazia nesses ú ltimos dias, e sempre sua resposta era a mesma: nã o! Para Emma, um lar, uma famí lia, comida e umas economias para algum divertimento constituí am a felicidade da vida. Era uma româ ntica e seus amigos sempre a criticavam por isso. A sala de Marco Cortina, que ele chamava de escritó rio, estava situada no coraç ã o do apinhado Fondaco dei Tedeschi. Mas apesar disso, com as paredes à prova de som dois andares acima da rua, as pessoas poderiam sentir-se lá dentro tã o isoladas como se estivessem numa ilha deserta. Aquele local tinha sido escolhido a dedo, é claro. Ningué m esperaria encontrar num lugar tã o central uma rede de comunicaç õ es e de arquivos, guardados em um cofre segurí ssimo, bem como um dedicado grupo de homens e mulheres, cujas vidas tinham sido arruinadas pela sua ligaç ã o com a organizaç ã o. Sempre que Cesare visitava os " escritó rios" sentia a satisfaç ã o í ntima de que ele, pelo menos, os ajudava de um certo modo. Tinham se passado dois dias desde o ataque a Emma, mas ele nã o tinha feito contato com Cortina até agora. Havia olhos demais vigiando-o e ouvidos nos lugares mais inesperados. Por isso ele estava usando Celeste como um tipo de cobertura, Ele tinha ido com ela e Giulio até o centro, na lancha, e deixado o barco perto do Rialto. E para ter a chance de resolver os problemas sozinho, pediu a Giulio que levasse Celeste até a Casa do Ouro, que ela queria ir visitar. Quando inesperadamente comunicou que precisava ir sozinho até o Rialto, ela protestou violentamente, mas ele foi assim mesmo. Marco o recebeu efusivamente em seu escritó rio, que Cesare conhecia tã o bem. Havia mapas nas paredes e quadros indicando a posiç ã o de outros escritó rios da companhia, arquivos abertos para consultas que qualquer visitante quisesse fazer; de fato, tudo indicava que ali funcionava uma respeitá vel companhia de seguros, em nada revelando sua verdadeira identidade. — Sente-se, amigo. — Convidou o homem enorme, indicando uma poltrona baixa e servindo dois drinques, entregando um a Cesare. — Algum problema? — Receio que sim — disse Cesare, saboreando o conhaque. — Humm. .. isto é bom! Ele aceitou també m um charuto e disse: — A jovem que está hospedada no palá cio, Emma Maxwell, foi atacada há dois dias em uma viela perto do Rialto. Eram dois homens, cuja descriç ã o é comum, mas posso adivinhar que se trata de Ravelli e Moreno. Eles nã o a feriram seriamente, embora seu ombro esteja muito cortado. Cortina apertou os dentes no charuto. — Porcos! — ele murmurou baixo. — Porcos degenerados! — A coisa mais importante ainda está por vir — comentou Cesare. — Eles escreveram à faca um nú mero em seu ombro: um, cinco, sete.. — Um, cinco, sete. — Cortina batia com o pé no chã o. — Mas esse é o nú mero... Deus! Como eles podiam saber? — Ora, Marco, nó s sabemos já há algum tempo que eles me procuravam. Nada foi dito, mas eu sinto isso! Desde que a ú ltima encomenda desapareceu com Paulo Ferenze, meus dias estã o contados. Eles nã o sã o tolos, meu amigo. Procuram o mais pró ximo e mais prová vel suspeito. Eu! — Mas ainda nã o sabemos o paradeiro de Hassan Ben Mouhli! — exclamou Cortina zangado. — Se eu pudesse pô r minhas mã os nele... sua missã o estaria completa. — Minha avó simplesmente amarrou minhas mã os; me tornou vulnerá vel. É uma situaç ã o difí cil e que eu gostaria de mudar, mas nã o posso. Como pensar em casamento agora, com esse caso ainda pendente e se tornando cada vez mais perigoso! — Acalme-se, Cesare! — disse Cortina, sacudindo a cabeç a. — Precisamos pensar com cuidado! Como você mesmo diz, as coisas estã o fervendo e é possí vel que nosso amigo Ben Mouhli mostre sua cara logo, logo. — Penso que isso é muito pouco prová vel. Afinal de contas ele sabe que nó s o procuramos. — Mas ele nã o sabe, meu amigo! — Cortina inclinou-se para a frente. — Cesare, com sua reputaç ã o, a polí cia é o ú ltimo amigo que eles vã o pensar que você tem. Nã o, ainda sou de opiniã o que eles imaginam que você tentou dispor do carregamento, você sabe. Nã o percebe que tudo indica isso? A coisa nunca foi recuperada e eles ainda nã o foram detidos ou vigiados. Eles sabem que você pode mandar prendê -los, se quiser. Nã o, Cesare meu amigo, eles estã o esperando que você faç a o primeiro movimento. para dispor desse carregamento. Estou convencido que Ben Mouhli nã o suspeita que nó s sabemos que ele está envolvido nisso tudo. E outra coisa: se ele pensa que você está tentando ir em frente sozinho, vai achar você, sem dú vida alguma. Cesare levantou-se de repente. — Nã o percebe, Marco, que isso é a ú ltima coisa que eu quero neste momento? Tenho que pensar em Emma e Celeste. Se eles feriram Emma uma vez, podem fazê -lo de novo e tudo indica que nã o vai ser um ataque sem conseqü ê ncias maiores numa segunda vez. Eles estã o apenas me avisando, Marco. Eles querem esse carregamento, ou entã o... Marco levantou-se també m e começ ou a andar impaciente pela sala. — Nã o pode tirar essas mulheres do seu caminho? Homem, todos os nossos planos nã o podem ir á gua abaixo por causa de duas mulheres para quem você está pouco ligando. Livre-se delas! Prometa casar com Celeste, se for necessá rio, mas tire as duas do palá cio! — Isso é mais fá cil dizer do que fazer. Minha avó as convidou e nã o pode simplesmente pedir a elas para irem embora! E qual é a razã o que eu posso alegar? Somente a verdade... — E isso, é claro, está completamente fora de cogitaç ã o. Nã o podia ter impedido que viessem? Em primeiro lugar, por que concordou com isso? — Você sabe muito bem que minha avó só me avisou quando as duas já estavam em Veneza, no Danieli. Tarde demais para que eu pudesse interferir. Marco voltou à sua mesa e encarou Cesare, com as mã os apoiadas no tampo. — Cesare — ele disse —, se elas nã o podem ir embora, entã o tê m que correr o risco! O que significa isso para você? Uma mulher a mais ou a menos! Este negó cio é quente demais para darmos para trá s agora. Se elas forem mortas, nã o vã o partir seu coraç ã o, tenho certeza. Cesare ficou branco. — Nã o, Marco. Nã o posso concordar com isso nunca! — Por que, meu Deus? Em nome dos cé us, por que, Cesare? Eu tenho ouvido dizer que você trata as mulheres de um modo que elas desejam estar mortas quando você se cansa delas! Mulheres que fariam tudo para ficar com o belo conde! Mas você se enjoa delas e as põ e de lado em trê s tempos. Pode negar isso? Cesare levantou os ombros. — Entã o é isso! Eu sou cruel e nã o posso negar. — Entã o por que arrisca todos os nossos planos por duas mulheres que nada significam para você? Cesare foi até a janela e ficou olhando atravé s das persianas para a rua apinhada de gente. Ele sentia nojo de si mesmo. Tudo o que Marco disse era a pura verdade; ele tinha brincado demais com os sentimentos alheios. Mas també m nã o era o ú nico culpado. A maioria das mulheres com quem tinha feito amor nã o pediam nada alé m disso. Sua posiç ã o, seu tí tulo, mais sua suposta riqueza faziam as mulheres correrem atrá s dele. E ele era apenas humano, pensava, tentando se justificar. O que o impressionava agora, poré m, é que estava achando incrivelmente difí cil se livrar da lembranç a de um suave e dó cil corpo jovem, que o tinha perturbado mais do que supunha que algué m pudesse perturbar. E logo ele, que sempre preferiu as mulheres mais velhas e experientes. Lembrava de cada detalhe do corpo de Emma: o verde de seus olhos, a maciez de seus cabelos, as delicadas curvas de seu corpo jovem, e sua boca generosa, larga e macia, com seu beijo quente e sensual. Ele se desprezava por sentir-se assim, mas nada adiantava. As lembranç as permaneciam, perturbando seu sono, seus planos. Nã o podia permitir que Marco pusesse a vida de Emma em perigo, nã o importava quanto suas preocupaç õ es pudessem ser importantes. Tinha decidido nã o tocar nela nunca mais, relembrando continuamente a si mesmo que ela ainda era uma crianç a. Ele virou e encostou na moldura da janela. — Nã o adianta, Marco. Nã o posso fazer isso — ele disse gravemente. — Mas por quê? Você afinal ama aquela viú va? — Nã o! — A resposta de Cesare foi cortante. — Entã o quem? Bom Deus, certamente nã o está interessado na menininha? Eu soube que ela é um pouco jovem demais para você! — E é mesmo! — Cesare respondeu rudemente. — Nã o é nada disso, Marco, mas ela é um pouco mais do que uma crianç a. Nã o posso ser responsá vel por uma ameaç a à sua vida! — Está bem, está bem. Entã o saia do palá cio, ou nã o vou me responsabilizar pelo que acontecer, Cesare. Nã o há nada que eu possa fazer sobre o que virá em seguida. Certamente pode entender isso, nã o? Cesare concordou. — Preciso pensar num jeito. — Ele concordou suspirando. — Minha avó nã o é uma pessoa que se deixe enganar facilmente. Tem que haver uma boa razã o. Nessa noite, ele levou Celeste novamente ao cassino. Antô nio tinha levado Emma a um festival de mú sica e a condessa tinha demonstrado seu desejo de se deitar cedo. Estava uma noite maravilhosa e a gô ndola trouxe Celeste e Cesare para casa, com sua lanterna brilhando como um farol dentro da noite. — Nã o é româ ntico? — murmurou Celeste chegando mais perto dele, quando se sentaram nas almofadas. Cesare se encolheu um pouco, quando o movimento fez doer seu braç o ferido. Mas Celeste nem percebeu. — Querido — ela continuou. — Nã o acha que devemos estudar mais seriamente nossas relaç õ es? Emma e eu estamos aqui já há trê s semanas, e penso que nos conhecemos bastante um ao outro para termos certeza de que nosso casamento nã o será nenhum fracasso. Alé m de tudo, eu sempre sonhei casar em junho. Nã o há nada para nos impedir, há? Cesare balanç ou a cabeç a e Celeste ficou contente, — Agora - ela murmurou —, me beije, Vidal. Ele abaixou a cabeç a e a beijou com uma estranha sensaç ã o de desgosto. Os lá bios dela se abriram ansiosamente para receber os dele e ela passou os braç os ao redor do pescoç o dele, forç ando-o a sentir mais o calor de seu corpo, atravé s do tecido fino de seu vestido. Ele a soltou impaciente, mas Celeste sentia-se excitada e triunfante. — Oh, Vidal! — ela disse apaixonadamente. — Nã o me deixe esta noite. Tenho estado tã o sozinha desde a morte de Clifford. Preciso de você! Cesare endireitou-se, fingindo estar preocupado com as aparê ncias. Nã o desejava Celeste, apesar de reconhecer que era uma mulher bonita, quente e apaixonada. Mas ali estava a oportunidade ideal: se pudesse convencer Celeste esta noite de que o casamento deles seria logo uma realidade, tentaria sugerir que elas fossem passar uns dias em Ravenna para lhe dar tempo de sair da confusã o em que havia se metido. Alé m disso, ficar longe de Emma també m aliviaria a ansiedade tã o desenfreada que andava sentindo. — Mais tarde — ele murmurou para Celeste, que ficou satisfeita. Depois do ú ltimo drinque no salã o, Celeste foi para seu quarto. Os olhos dela insinuavam seu desejo e Cesare fingiu estar tã o ansioso quanto ela. Quando ela saiu, Cesare serviu-se de uma dose dupla de uí sque que engoliu de uma só vez. Nunca havia se desprezado tanto em sua vida, nunca se sentira tã o confuso. Irritado, acendeu um charuto e ficou andando pela sala, incapaz de se acalmar. A porta se abriu com um estalo atrá s dele. Era Emma entrando na sala. Ele olhou para o reló gio: quase duas horas da madrugada. — Eu sei que é tarde — ela disse sem fô lego —, mas Antô nio encontrou alguns amigos e ficamos tomando dú zias de café numa confeitaria na praç a Sã o Marcos. — Ela sorriu. — Foi divertido; havia tanta gente lá e as luzes criavam um clima de conto de fadas. — Sei — Cesare respondeu secamente. — Seu ombro? Nã o dó i mais? — Um pouco. Cheguei a pensar que estivesse inflamado, mas creio que está melhor agora. — Inflamado! Como pode dizer isso com essa calma? justamente você, que deu tantos palpites sobre o meu ferimento! — Eu sei, eu sei! — Emma corou. — Eu já disse; está tudo bem agora. Estou cansada, signore. Boa noite. Antes que Cesare a pudesse deter, ela foi para o quarto. Ele jogou fora o charuto, tirou o paletó e desabotoou a camisa. Tinha que ter cuidado com seu braç o e foi com esforç o que tirou a camisa. Retirou a bandagem que prendia a gase no lugar e viu que o ferimento estava cicatrizando, embora o seu aspecto ainda nã o fosse dos melhores. Ouviu uma batida na porta e se virou irritado. Pensando que fosse Celeste, apertou os pulsos, disse: — Entre! Para seu espanto, era Emma que voltava, fechando a porta novamente e encostando-se nela. Seu rosto estava pá lido e parecia assustada. — O que houve? — ele perguntou, virando de lado para que elanã o visse o ferimento. Emma passou a lí ngua pelos lá bios secos. Nã o esperava que ele já tivesse começ ado a se despir, e a visã o daquele peito nu e bronzeado fez seu coraç ã o bater mais forte. — Eu... eu pensei que... você poderia... dar uma olhada em meu ombro — ela começ ou. — Você é a ú nica pessoa a quem posso pedir isso e gostaria de ter certeza de que tudo está bem. — Sinto... sinto muito se fui rude há pouco, mas estou muito cansada... — Muito bem... entã o... tire a blusa — Cesare disse, sem se alterar. Aproximou-se e soltou a bandagem. Foi entã o que Emma viu a enorme cicatriz no braç o dele. — Oh, Cesare! — exclamou. — Que horrí vel! — Sinto muito se isso lhe dá repulsa — ele disse, retirando a faixa de modo a nã o tocar nela. — Eu ia colocar um curativo limpo quando você entrou. — Nã o é repulsa — Emma protestou. — É que deve doer horrivelmente. — Sem pensar no que fazia, passou os dedos pelo braç o dele, perto da cicatriz, sentindo a firmeza de seus mú sculos e admirando o brilho de sua pele morena e acetinada. — Pelo amor de Deus, Emma — ele murmurou rispidamente. — Nã o me toque assim! A mã o dela caiu imediatamente como se tivesse sido queimada, mas sua respiraç ã o foi se tornando ofegante, enquanto o sangue corria depressa por suas veias. A reaç ã o de Cesare foi brusca, um sinal evidente de que ela nã o lhe era indiferente. Pelo contrá rio. Ele desatou o resto da faixa com a mã o nã o muito firme e virou-a para a luz para poder examinar melhor o ferimento. — Está tudo bem — concluiu um tanto rouco. — Agora saia daqui! Emma olhava para ele, suplicante. Sabia que devia ir, mas nã o conseguia se mover. Passou algum tempo e entã o, de repente, com um gemido incontido Cesare a puxou para ele, presssionando-a contra seu corpo enrijecido. O selvagem e ardente calor de sua boca encontrou a dela, e ele a beijou muitas vezes. Foram longos, apaixonados beijos que diziam o quanto precisava dela. Quando se abaixou, nem ligando para a dor no braç o, levantou-a, e a levou até sua cama, onde os condes De Cesare tinham dormido desde tempos imemoriais. Emma estava perdida em um mundo de loucas sensaç õ es que negavam qualquer recusa. Ele deitou sobre o corpo frá gil de Emma, o desejo deixando-o mudo à voz da razã o, quando um segundo de lucidez o fez parar. — Emma, você enlouqueceu? Nã o pode me deixar continuar! —- Por quê? — ela perguntou com voz rouca e olhos muito bertos de emoç ã o. Percebeu naquele momento que tentava enganar a si mesma, convencendo-se de que nã o o amava. Agora sabia que adorava desde o primeiro encontro. Entã o, inesperadamente a porta se abriu e Celeste entrou. Ficou ali em pé, olhando para eles atô nita, com uma das mã os na garanta. — Você... sua vagabunda — disse, furiosa, com os olhos cheios ó dio. Emma voltou subitamente à razã o, livrando-se de Cesare e saindo da cama larga, ainda abotoando a blusa. Cesare rolou de costas e sentou-se. — Bem, Celeste — ele disse frio. — Sempre na hora! — Como pode explicar isso, Vidal? — perguntou em tom á cido, controlando sua fú ria. Ele sacudiu a cabeç a e saiu da cama, procurando seu robe de seda azul-escuro que estava nos pé s da cama. — Diga você! — Ele se virou para Emma. Estava zangado com ela, por agir como uma criada apanhada na cama do patrã o, quando tudo o que ele queria era mandar que Celeste fosse para o inferno! Emma estava atordoada. O que Celeste estava fazendo ali, naquela hora? Por que teria ela entrado no quarto daquele jeito, sem bater? Estaria sendo esperada por Cesare? Entã o eles eram realmente amantes? Talvez o que aconteceu com ela se repetisse habitualmente com outras mulheres. Ficou enojada. Saiu correndo dali, as lá grimas molhando seu rosto. Nã o notou que a condessa estava perto da porta e quase caiu sobre ela. — Oh, signora — ela disse. — Me desculpe. — Acalme-se, menina, acalme-se! Fique aqui. Cesare, o que está acontecendo? Ouvi portas abrindo e fechando... Oh, Celeste! — exclamou a condessa. Celeste estava furiosa. Longe de se mostrar envergonhado, Vidal parecia imperturbá vel, disposto a aceitar qualquer explicaç ã o que ela pudesse dar ao caso. E ela poderia suportar tudo, menos ser ridicularizada. — Contessa — ela disse colocando um estudado soluç o no meio da frase e fazendo aparecer um lencinho do bolso do penhoar de cetim estofado. —- Tive um choque terrí vel! Eu ouvi vozes... e fui ver Emma, mas ela nã o estava em seu quarto. Entã o percebi que os sons estavam vindo daqui. Emma tinha a boca seca, enquanto ouvia de cabeç a baixa. Celeste continuou: — Eu... eu tenho que lhe dizer, contessa... seu neto e Emma! — Ela parou para dar mais ê nfase à s palavras. — Eles estavam fazendo amor... — Isso nã o é verdade! — Cesare a cortou com voz fria e rí spida. A condessa parecia horrorizada e Cesare começ ou a ficar impaciente. — Sente-se, vovó, antes que desabe. Vai ficar aí de pé ouvindo essas besteiras, ou quer a verdade? A condessa olhava para o rosto pá lido de Emma. — A verdade, é claro — a mulher pediu com voz trê mula. — Mas Celeste nã o mentiria para mim... — Claro que nã o — começ ou a dizer Celeste, mas foi silenciada por um olhar fulminante de Cesare. — Emma veio ao meu quarto, eu admito — disse Cesare. — E també m admito que perdi a cabeç a. Estive bebendo, ela é muito atraente e eu sou um ser humano, como sabe muito bem. — Eles estavam na cama — disse Celeste com ar de triunfo. — Sim, está vamos — concordou Cesare —, mas nada aconteceu. Nada mesmo! — Espera que sua avó acredite nisso? A condessa franziu a testa. — Devo confessar, Cesare, que conhecendo você como conheç o, isso me parece imprová vel. — Imprová vel! Mas nã o impossí vel — retrucou o conde. — Oh, pelo amor de Deus, por que estou aqui discutindo sobre isso? També m nã o ligo se acredita ou nã o — concluiu sacudindo os ombros. — Cesare! — disse a condessa, magoada. — Bem! Vã o embora, todas você s! Vamos discutir isso pela manhã. Ele pô s Celeste firmemente para fora do quarto e fechou a porta com chave. A condessa olhou primeiro para Celeste e depois para Emma. — Concordo — ela disse — que isto deve ser discutido pela manhã. Emma, minha menina, pode me ajudar a voltar para o meu quarto? — É claro — disse Emma, pegando no braç o da velhinha. O quarto da condessa era menor que o de Celeste e muito arrumado e limpo. Emma ajudou a senhora a ir para a cama e disse: — Há mais alguma coisa que deseja, contessa? — Nã o, exatamente — ela respondeu, segurando Emma pelo pulso, antes que saí sse. — Emma, minha querida menina, nã o está fazendo papel de boba com meu neto, está? — O rosto de Emma queimava como brasa. — Oh, minha querida, nã o vê que tolice isso seria? Alé m da enorme diferenç a de idade, ele nã o é o tipo de homem para... como posso dizer... fazer feliz uma só mulher. Se ele se casar com Celeste, esse casamento será um sucesso. Ela nã o vai esperar que ele lhe prometa fidelidade e nã o tenho dú vida alguma de que ela, por seu lado, vai tirar toda a vantagem da liberdade que ele lhe der. Meu neto está casando com ela pelo dinheiro. Celeste sabe disso e está preparada para aceitar as condiç õ es porque ela quer nosso tí tulo. Nossa famí lia é muito antiga. Ela vai ter sua parte no negó cio. Emma começ ou a protestar, mas a condessa sacudiu a cabeç a. — Nã o, deixe-me terminar. Pode parecer à s vezes que sou uma velha um pouco estú pida talvez, mas ter Celeste aqui tem sido bastante revelador para mim. Percebi que ela é egoí sta e avarenta, ao contrá rio do que imaginei que fosse. Mas o que importa é nosso palá cio e... — cansada, ela se recostou nos travesseiros — estou ficando velha demais para me preocupar tanto, quando o dinheiro está logo aí, tã o perto de nó s. Emma pegou a mã o da senhora e ajoelhou-se ao lado dela. — Contessa, a senhora ama seu neto? — Amá -lo? Cesare? Minha menina, nã o há o que eu nã o faç a por ele. — Entã o como pode esperar que ele case com Celeste? Dinheiro nã o é tudo na vida. — Um casamento arranjado geralmente é bem-sucedido — replicou a velhinha. — O meu foi um casamento arranjado e fomos muito felizes, Vitorio e eu, e nã o tenho a pretensã o de ter sido a ú nica mulher em sua vida. Ele tinha lá suas fraquezas, mas sempre voltou para mim. Emma virou-se para a porta. — Agora preciso ir — disse, desapontada. — Você nã o faria esse tipo de casamento? — Jamais, signora. Quando eu me casar será por amor e apenas por amor. E meu marido deve me amar... e apenas a mim! —- Espero que encontre esse tipo de amor que procura. — Espero mesmo achar — Emma disse, tentando aparentar uma confianç a que nã o sentia. — E nã o se preocupe, signora. Nã o vou impedir que seu neto case com Celeste. Nem poderia, pois creio que ela realmente deseja isso.
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