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CAPÍTULO IX
Emma nã o viu o conde no dia seguinte. Permaneceu em seus aposentos até a hora do jantar. Celeste e Cesare saí ram enquanto estava se vestindo e a condessa disse que eles tinham ido jantar com amigos, mas nã o se referiu nem uma vez ao ferimento. Emma també m nã o fez perguntas e assim jantaram praticamente em silê ncio. Depois, a condessa disse que tinha algumas cartas para escrever e desculpando-se, retirou-se. Na manhã seguinte, Emma foi fazer compras com Anna. A velha empregada gostou da companhia da jovem, que a ajudou a carregar os pacotes e cestas de compras. Emma comprou mais dois vestidos a seu gosto, caso saí sse novamente com Antô nio Vencare, embora se sentisse tã o desanimada que preferia que o jovem italiano nã o a procurasse de novo. Gostaria de passear por onde quisesse durante o dia e ficar em casa à noite. Estava decidida a nã o impor sua presenç a a Celeste ou ao conde novamente. Logo Celeste conseguiria se casar com Cesare e ela teria permissã o para voltar à Inglaterra e à sua vida tranqü ila no hospital. Pouco antes da hora do almoç o, ela entrou no salã o e deu com o conde no pequeno bar, servindo-se de uí sque. Emma ia voltar imediatamente, mas ele disse: — Bem, Emma! Ficou perturbada pelo fato de eu estar bebendo a esta hora do dia? Ela olhou para ele e notou que estava pá lido, apesar do bronzeado, e que segurava seu braç o esquerdo rigidamente. Como sempre, no entanto, estava irresistivelmente atraente e Emma sentiu o rosto queimar ao se lembrar do ú ltimo encontro que tiveram. Ela sabia que nã o era só a beleza de Cesare que a atraí a, mas sim a vibrante sensualidade magné tica que emanava dele, envolvendo-a e fazendo-a desejar aquelas mã os fortes e morenas correndo sobre seu corpo. Apesar de tudo, disse apenas: — O que você faz nã o é da minha conta. — Ela procurou um cigarro. Ele lhe estendeu um maç o e ela tirou um, nervosa, com a mã e trê mula pela proximidade, permitindo que ele o acendesse. Entã o, soltando uma baforada, foi até a porta que dava para as arcadas. Estava um dia maravilhoso e uma leve brisa balanç ava as lonas das pequenas embarcaç õ es que passavam pelo canal. Sentia fortemente a presenç a dele, que tanto a perturbava. Logo ele se aproximou, ficou bem atrá s dela, olhando para o vazio. — Creio que devo me desculpar pelo meu comportamento daquela tarde — ele murmurou suavemente. — Isso nã o é necessá rio — respondeu, fria. — Já... eu já esqueci tudo isso. Nã o foi a primeira vez que algué m tomou liberdades comigo. — Talvez nã o. . . mas eu nã o gosto da atitude infantil que você adota quando está em minha companhia. Você age o tempo todo como se eu estivesse prestes a saltar sobre você. — Está imaginando coisas, conde Cesare. Apenas sinto que minha presenç a aqui é claramente indesejá vel e eu gostaria que houvesse um jeito qualquer de livrá -lo de mim. — Você está certa — disse finalmente. — Eu també m gostaria que houvesse um modo de você deixar o palá cio, mas nã o pelas razõ es que está imaginando. Emma empalideceu. — Sinto nã o poder agradecer-lhe por isso. O conde estudava pensativo a ponta acesa do charuto. — É em seu bem estar que estou pensando — disse com voz grave, mas suave. — Oh, realmente...! — Sim, realmente, Emma, acredite em mim. — Nã o, obrigada. — Ela o interrompeu, virando as costas para ele. — Em todo caso, você está esquecendo nosso trato; combinamos nã o trocar uma palavra alé m dos indispensá veis cumprimentos que a boa educaç ã o exige. Os olhos dele escureceram, demonstrando seu desapontamento. Deu um passo na direç ã o dela, segurou-a pelos ombros e obrigou-a a se virar para ele. O esforç o com o braç o ferido o fez gemer de dor. Entã o Cesare a soltou depressa, pressionando o braç o, com o punho fechado. — Cesare! Esse braç o devia estar em uma tipó ia, apoiado. — O que você entende disso? — disse com os dentes apertados. — Muito mais do que você pensa. Levou pontos? Tomou antibió ticos? — Ora, nã o venha praticar seu treinamento de primeiros-socorros comigo! — ele resmungou, enxugando a testa com as costas da mã o. — Nã o é apenas um treinamento desse tipo — ela respondeu zangada. — Eu. . . — Emma! — A voz de Celeste interrompeu-a. — O que pensa que está fazendo? — Fazendo? — Emma virou-se para ela. — Nã o estou fazendo nada. O conde sente dores, é só! Celeste ignorou-a e aproximou-se de Cesare. — Querido! O que houve? Emma machucou seu braç o? — Nã o! — ele respondeu rudemente. — Ela nã o fez nada. Absolutamente nada! Entã o Emma saiu dali. Nã o aguentava ver o conde com dores, nem suportava ver Celeste fazendo o papel de um anjo celestial como ironicamente seu nome sugeria. Isso era tã o... tã o horrivelmente artificial. Muitos dias se passaram sem que Emma visse muito sua madrasta ou o conde Cesare. E quando o via, tomava cuidado para que nã o ficassem juntos. Antô nio apareceu novamente e fez reservas para levar Emma a uma apresentaç ã o da ó pera " Pagliacci" no teatro Fenice. Eles gostaram muito, e Emma ficou agradavelmente surpreendida, porque até entã o, nunca se sentira muito atraí da por este gê nero de mú sica. Mas os cená rios e figurinos, combinados com as vozes harmoniosas dos cantores a encantaram. Antô nio parecia gostar de sua companhia e em outra ocasiã o levou-a para conhecer a mã e dele, o pai e as trê s irmã s. Embora ela tivesse achado a tia do conde bastante agradá vel, queria evitar esse tipo de aproximaç ã o. Os dias passavam e, para desapontamento da condessa, as relaç õ es entre Cesare e Celeste pareciam nã o se estreitar. Apesar de se tratar de um casamento de conveniê ncia, ainda assim, devia haver sinais de progresso. Em seus momentos de solidã o Emma sofria pensando tanto em Cesare quanto em voltar à Inglaterra. As paredes brancas do hospital pareciam agora uma lembranç a muito distante e o charme de Veneza e daquele velho palá cio estavam começ ando a contagiá -la com seu encanto. Cerca de dez dias depois do acidente de Cesare, Emma estava saindo para fazer compras a pedido de Anna, em uma manhã bem cedinho, quando encontrou o conde saindo da pequena ante-sala que tanto a tinha intrigado no primeiro dia. —Buon giorno signorina — ele cumprimentou. — Come sta? — Bene, grazie — ela respondeu em italiano, secamente, e teria passado direto se ele nã o tivesse parado diante dela. — Bene — ele disse. — Agora, onde está indo? — Nã o é absolutamente da sua conta. O conde pareceu aborrecido. — Como se atreve a falar comigo dessa maneira? — exclamou, sé rio. — Repito: Onde está indo? — Apenas fazer compras para Anna. Giulio está esperando por mim na lancha. Posso ir agora, signor conde? Ele ficou de lado para que ela passasse. — Espere! Eu també m tenho negó cios na cidade. Vou levar você. — Bem. . . . se insiste. . . — concordou, mal-humorada. Passou rá pida por ele, abrindo ela mesma a porta da frente, e sem querer, esbarrou no braç o dele. Percebeu que Cesare sentiu muita dor, apesar de ser evidente que tentava se controlar. — Oh, Deus! Machuquei você! Ele apenas sacudiu a cabeç a, mas nã o disse nada, indo para junto dela até o ancoradouro. Em alguns momentos já estava refeito, lidando com os controles do barco. — Entre — ele disse. Emma sentia-se culpada pela sua imprudê ncia. E preocupada. Por que Cesare nã o procurava um mé dico? E por que ele nã o tinha avisado a polí cia sobre o ataque? Celeste també m nã o tocava no assunto, o que nã o era nada comum. Talvez o conde a tivesse tapeado com alguma histó ria qualquer. Em todo caso, tudo isso era perturbador e intrigante. — Sobre o que está pensando? — ele perguntou, quando entravam no Grande Canal. — Em você, se quer saber a verdade. Seu braç o ainda nã o está curado completamente, está? — Isso é assunto meu. — Nã o, nã o é. Está se comportando como uma crianç a. Nã o sabe que pode ter uma gangrena? Você pode perder o braç o! — Coisa pouco prová vel. — Pode acontecer! Já vi casos assim! — Já mesmo? Onde? Ah, posso adivinhar. Você deve ser uma daquelas damas da sociedade que visitam os hospitais para impressionar os doentes, e que para exibirem algum conhecimento fazem diagnó stico de tudo, desde dor de dentes até gravidez! — Você é simplesmente insuportá vel. Ela havia falado demais, pensou, e se Celeste soubesse disso iria ficar furiosa. — Onde vai fazer as compras? — ele perguntou, mudando de assunto. — Onde você está indo? — Como você gosta tanto de dizer, isso é da minha conta. Emma corou, explicando: — Nã o quis dizer isso, Quis dizer que pode me largar onde for mais fá cil para você. — Tudo bem. Vamos deixar a lancha perto do Rialto. Pode me encontrar ali mesmo, vamos dizer... — ele olhou o reló gio — daqui a duas horas. — Muito bem — concordou, e dali em diante nã o conversaram mais. Era muito excitante fazer compras sozinhas. Quando Giulio a trazia, geralmente a acompanhava para carregar os pacotes. Naquele dia, ela sentia-se independente e livre. Escolheu os peixes e os vegetais que Anna havia pedido que ela comprasse no mercado. Depois, como tinha bastante tempo, ficou andando sem destino, olhando as vitrines e pensando nos presentes que levaria para as enfermeiras do hospital, quando voltasse. Perto da hora combinada para a volta, começ ou a se dirigir ao lugar onde o conde tinha deixado a lancha. Para chegar até lá, entrou por uma estreita passagem, uma via que levava até a á gua, encontrando apenas uma entrada privativa no final. Já procurava outro acesso, quando viu dois homens, ambos bem morenos, provavelmente italianos e mal-encarados, avanç ando ameaç adoramente na direç ã o dela. Deu alguns passos para trá s, sem entender o que estava acontecendo. Aquilo nã o podia estar acontecendo com ela! Nã o em pleno coraç ã o de Veneza. Se eles esperavam que ela fosse uma turista rica, iam ter uma surpresa desagradá vel. Tinha gastado todo o dinheiro que Anna tinha dado, restando apenas umas poucas liras em sua bolsa. Suas costas bateram na parede do depó sito que bloqueava sua escapada, e ela olhou alé m dos homens inutilmente, apenas para ver a curva da estreita passagem, escondida da vista da rua. Um dos homens disse alguma coisa em italiano ao seu parceiro e o outro sorriu baixinho. Quem seriam esses homens? E o que queriam com ela. O homem falou em italiano com ela. — Non capisco — Emma disse devagar. — Nã o entendo. — Ah, inglese! — disse o homem, chegando mais perto dela. — A signorina Maxwell, si? Emma concordou, confusa. Estava tonta de medo e percebeu que mesmo que houvesse uma oportunidade de escapar, nã o iria conseguir, pois suas pernas nã o a levariam a parte alguma. — Bene, bene... — O homem sorriu, revelando dentes estragados. — O que querem? Quem sã o você s? Nã o tenho dinheiro — ela disse, desesperada. — Temos uma mensagem para o signor conde — um deles falou, colocando seu rosto bem perto do de Emma, enquanto seu companheiro se encostava contra a parede, os braç os cruzados, apenas observando a cena. — Uma... uma mensagem? — Si. . . uma mensagem. . . — O homem tirou do bolso um objeto que com um clique se abriu em uma faca de lâ mina longa, que reluziu ao sol. Sorriu para Emma como se fosse lhe dar um presente muito desejado, e entã o encostou a lâ mina contra o rosto dela. Emma sentiu o frio da lâ mina e pensou que fosse desmaiar. Seus joelhos fraquejaram e todo o esforç o para gritar ou falar parecia ter desaparecido. — Si, um recado — ele repetiu. — Um a que ele possa dar mais atenç ã o do que tem dado até agora. — Você s. . . você s vã o me mat. . . matar? O sorriso do homem se abriu. — Quem meteu isso na sua cabeç a? — O estranho caç oou, e olhou para a faca. — Ah, capisco a faca! Isso perturba você, signorina? Mil desculpas. Ele deu um passo para trá s e a faca caiu no chã o ao seu lado quando ele abaixou o braç o. Emma suspirou aliviada. — Qual. . . Qual é a mensagem? — perguntou tentando se recuperar. Sua ú nica chance era manter a calma. O outro homem disse alguma coisa para seu companheiro, e os olhos dele correram por Emma de cima a baixo. Ela gelou, imaginando perfeitamente o que estava sendo proposto. Mas parece que o homem da faca discordou, porque balanç ou a cabeç a gesticulando violentamente, e começ ou a despejar uma torrente de palavras que Emma tentou inutilmente entender. Eles falavam em um dialeto, napolitano talvez, e muito rá pido. Conseguiu apenas entender abbiame fretta... non ho tempo... o que, ela sabia, significava que tinham pressa. — Agora, signorina — disse o homem —, estou acreditando que nã o sabe por que está aqui, mas minha mensagem ao conde vai fazer com que ele entenda muito bem... Chegando mais perto, ele agarrou um punhado de cabelos dela, forç ando-lhe a cabeç a para trá s. Entã o, devagarinho, desabotoou os primeiros botõ es da blusa, revelando um ombro nu, e com delicada precisã o cortou-o com sua faca afiada. Vá rios cortes, em vá rias direç õ es. Com um grito de dor, Emma viu tudo escurecer e desmaiou. Quando voltou a si, estava tonta e enjoada. Por um momento ficou deitada nas pedras da viela, nã o entendendo onde se encontrava, ou por que se sentia tã o mal. Entã o foi recuperando a memó ria. Com dedos trê mulos, puxou o decote do sué ter para baixo do ferimento e tentou olhar seu ombro, o melhor que conseguiu. O sangue estava secando agora, e nã o havia perigo de perder mais. Contudo, até onde podia ver, o homem parecia ter feito suas iniciais na sua pele. Pegou um lenç o na bolsa, limpou o sangue da mã o e colocou-o sobre o ferimento, como um tampã o. Felizmente, o sué ter era cor de laranja, e o sangue nã o sobressaí a demais. Nã o podia aparecer na rua principal daquele jeito, pois certamente chamaria a atenç ã o e a polí cia seria chamada. Aí entã o era bem possí vel que o outro incidente viesse à tona e ela nã o podia permitir que isso acontecesse. Se o conde nã o desejava revelar o que aconteceu na outra noite, ela nã o podia traí -lo. Passou a mã o pelos cabelos colocando-os em ordem e apanhou do chã o seu saco de compras. Colocou-o no braç o, levantando-o bem alto para esconder a mancha de sangue na blusa, e foi andando devagarinho para a rua. Seu ombro latejava e doí a, mas era possí vel agir com naturalidade se ela se esforç asse. Avistou o conde que andava para cima e para baixo no cais, impacientemente, esperando por ela. Veio ao seu encontro quando a viu aparecer na esquina. Ao se aproximar, puxou o punho da camisa e mostrou a ela o reló gio no pulso. — Dio! — disse zangado. — Onde se meteu? Estou esperando há uma hora! — Uma hora? — ela perguntou como num eco. Teria passado tanto tempo? — Sinto muito. Aconteceu algo que me atrasou. — Ela balanç ou um pouco o corpo e o conde logo segurou seu braç o. — O que foi? Me dê esse pacote. Foi entã o que ele notou a mancha escura em seu sué ter. — Mamma mia! Está ferida! Emma, me diga, o que aconteceu? — Po... podemos entrar no barco primeiro? — disse com voz fraca e ele concordou depressa. — É claro. Entre, venha! Ele jogou o saco de compras num banco, pagou o menino que havia tomado conta da lancha e ajudou Emma a entrar. Desamarrou a corda e deu partida ao motor, pulando para o lado dela. Emma caiu sentada no banco de madeira, que tomava a parte traseira e tentou reunir suas forç as. Seu nervosismo tinha passado; agora ela estava novamente com Cesare. Ele lhe dava confianç a e por um momento ela relaxou completamente. Aceitou um cigarro que ele lhe deu, e suspirou aliviada. — Agora — ele disse, controlando o barco e conservando os olhos na passagem, bastante movimentada à quela hora —, me conte o que aconteceu. Emma contou o melhor que conseguiu. Agora, tudo parecia bastante fantá stico e apenas a dor em seu ombro a lembrava que nã o tinha sonhado. Quando terminou, ela disse: — E afinal nã o houve mensagem alguma. Cesare sacudiu a cabeç a. — Houve sim uma mensagem, signorina — ele disse muito sé rio. — Ou devo dizer... um aviso. Eles sabiam que eu iria entender, Emma. Ela jogou a ponta do cigarro na á gua escura. Era tudo incompreensí vel para ela. Algué m tinha raiva do conde Cesare e seu envolvimento tinha sido inteiramente casual. Emma tinha a impressã o de que, se Celeste estivesse com Cesare, teria sido ela a ví tima. — Nã o acha que é tempo de me contar por que todas essas coisas estã o acontecendo? — ela perguntou, sentindo-se mais forte. — Nã o. Nunca será tempo. Quanto menos souber, melhor. Se esses homens tivessem pensado que você estava de algum modo envolvida neste caso, agora estaria morta! — Deve estar brincando! — Mas você nã o está rindo, Emma. Isto nã o é uma brincadeira. E, por favor, só porque você foi testemunha de vá rias circunstâ ncias, todas completamente isoladas, nã o tente analisá -las nem juntá -las. Ponha tudo isso para fora de sua cabeç a, por favor. Isso tudo logo estará terminado, eu espero. Emma sacudiu a cabeç a. — Pelo amor de Deus! Como posso explicar isto... — ela indicava o ombro — para Celeste? — Ela tem necessariamente que ver? — Mas o ferimento precisa de cuidados. — Isso você vai ter, imediatamente. Deve ter notado que nã o estou indo para o palá cio. Tenho um amigo... — sua voz se perdeu quando ele passou por baixo de uma ponte que cruzava o canal estreito por onde navegavam. Eles pararam ao lado de um ancoradouro diante de um armazé m. Emma viu-se em um pá tio de pedras, do qual saí am vá rios peque, nos caminhos e vielas. Ela seguia Cesare por uma dessas vielas, onde havia uma casa, de frente para uma rua estreita. Nã o era uma zona muito agradá vel, mas quando o conde abriu a porta da casa para que ela entrasse, viu-se em um hall acarpetado, com um candelabro de cristal suspenso sobre uma arcada de madeira polida. Uma escada levava para as salas do primeiro andar e um letreiro numa das portas indicava: " Dottore Luciano Domenico. " Cesare entrou sem cerimô nia em um salã o de espera, completamente vazio. Atravessaram o salã o e bateram na porta da sala seguinte. Imediatamente uma voz mandou que entrassem e ele fez um sinal para que Emma o seguisse. Luciano Domenico era um homem um pouco mais velho do que Cesare. Nã o tã o alto, mas de corpo mais forte. Sorriu e Emma simpatizou imediatamente com o mé dico. — Ah, Cesare! — ele disse saudando-o, e levantou-se de uma grande mesa e veio apertar a mã o dele. — Come sta? Cesare falou em italiano, explicando tudo. — Entã o, signorina — disse em inglê s. — Feriu seu braç o? Emma olhou para Cesare. Ele fez um breve sinal para ela e disse: — Nã o tenha receio, Emma. O doutor é meu amigo. Ele nã o vai fazer perguntas que nã o pode responder, posso garantir. Emma respirou mais aliviada, entã o disse. — Quer examinar meu ombro? — É claro. — O mé dico olhou para Cesare. — Talvez você deva esperar lá fora, meu amigo. — E deu um leve sorriso. O doutor ajudou-a a tirar o sué ter e toda a extensã o do ferimento podia ser vista agora. Felizmente nenhum dos cortes era muito profundo, embora o mé dico dissesse que ela iria ficar com algumas cicatrizes. — Vou fazer o melhor que posso para evitar marcas profundas, é claro — ele disse, acrescentando um medicamento ao algodã o esterilizado. Enquanto era tratada, Emma apertou os dentes e agarrou o braç o da cadeira com forç a para suportar a dor. O mé dico deve ter-lhe aplicado algum anesté sico no local pois minutos depois sentiu adormecer o braç o e conseguiu relaxar um pouco. Quando ele limpou e secou o sangue ao redor, os cortes ficaram bem visí veis, e Emma notou uma expressã o de surpresa no rosto dele. — O que está errado? — Um momento, signorina — ele disse, e abrindo a porta, chamou: — Cesare, entrate, per favore. Emma arregalou os olhos quando o conde entrou e depressa apanhou o sué ter, segurando-o contra o peito, — Calma! — Cesare murmurou, meio irritado quando passou por ela. O doutor estava apontando o ombro dela e juntos examinaram os cortes. — O que houve? Acho que tenho o direito de saber. — Nã o é nada — disse Cesare, apertando os olhos enquanto estudava os cortes que o homem tinha feito na pele macia do ombro dela. — Mas fique descansada, Emma. O homem que fez isso vai ter o castigo que merece. Eu, pessoalmente, vou cuidar disto. — Sua voz era á spera. — Oh, por favor! — Emma segurou a mã o dele. — Nã o corra nenhum risco por minha causa. Nã o estou gravemente ferida. Fiquei mais assustada do que outra coisa e estou grata por estar viva. — Nã o se preocupe, cara. Nã o vou correr riscos. O que aconteceu na outra noite foi um descuido da minha parte. Emma olhou ansiosa para o mé dico, mas o conde sorriu simplesmente. — Você realmente nã o pensou que foi Giulio que tratou do meu braç o, nã o? — É claro que pensei, nã o devia? — Eu devia ter tranquilizado você. — Mas seu braç o ainda dó i. — O seu també m iria doer se tivesse levado vinte pontos — respondeu o mé dico. — Nã o tem um aspecto nada bonito. — Isso eu posso crer. — Emma estremeceu. — Cesare, por que nã o me disse? Ele balanç ou os ombros largos. — É que nó s nã o está vamos nos falando, lembra-se? Emma sorriu. Isso parecia tã o ridí culo agora, depois da intimidade das ú ltimas horas. Depois que o braç o de Emma foi medicado e enfaixado, foram embora. Enquanto andavam de volta até o ancoradouro, Emma puxou a manga de Cesare. — O que foi que o doutor viu... em meu braç o? — ela perguntou. — Por favor! O conde hesitou por um momento, e entã o disse com voz suave. — Nã o adianta guardar segredo. Vai ficar muito evidente quando estiver cicatrizado e você retirar a bandagem. Você vai ver mesmo! Há um nú mero em seu braç o, cara, isso é tudo. Um nú mero. Emma arregalou os olhos. — Um nú mero! Mas por quê? Nã o compreendo. Por que cortar um nú mero em meu braç o? — Você ia tentar compreender, se eu dissesse que é melhor que nã o saiba nada? Emma apertou os lá bios por um momento. A anestesia estava passando e uma dor atordoante tomava conta de seu braç o. Estava nervosa, perturbada, e ainda um pouco assustada. O que tudo aquilo significava? Como ele podia esperar que aceitasse tudo o que tinha acontecido, sem mostrar nenhuma curiosidade? Se havia algum perigo a ser enfrentado, deveria ser avisada. Deveria!
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