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CAPÍTULO V



 

Cesare saiu do escritó rio de Marco Cortina, no coraç ã o de Fondaco dei Tedeschi. Ele caminhava pela multidã o que parecia nunca e dispersar a nenhuma hora do dia, dirigindo-se para a ponte Rialto. Misturando-se aos turistas, era capaz de passar quase sem ser notado, e isso lhe servia admiravelmente. Nã o queria chamar a atenç ã o sobre sua presenç a nessa parte da cidade.

Passando pela ponte, ele foi pelas inú meras calç adas e becos, na direç ã o da praç a Sã o Marcos. Olhou seu reló gio; eram quase onze horas e ele tinha prometido encontrar Celeste em um dos café s de calç ada que existem no quarteirã o. Ela faria algumas compras antes disso, coisa que ele achou muito conveniente. Era importante que encontrasse Marco e lhe passasse asinformaç õ es sobre o que tinha descoberto.

Pensava també m na bobagem de ter permitido que as hó spedes de sua avó permanecessem no palá cio, quando tanta coisa estava em jogo. Agora, a menos que se comportasse indelicadamente, o que nã o era de seu feitio, teria que aceitar a presenç a delas o melhor que podia. Ele duvidava que algué m acreditasse em sua completa Indiferenç a com relaç ã o aos planos de sua avó, e sua tentativa de se fingir interessado por sua enteada tinha falhado desastrosamente.

Lembrando-se da tarde que tinha passado com Emma, dois dias atrá s, ele se amaldiç oava novamente. Tinha cometido um gesto completamente idiota e estú pido e tinha apenas conseguido destruir qualquer amizade que pudesse vir a ter com a mocinha. Mocinha? Nã o tinha havido nada de infantil na maciez e suavidade de seu corpo quando ele a tinha apertado nos braç os, e a reaç ã o dela tinha sido violentamente adulta.

Ele admitia um tanto cinicamente que, em qualquer outra circunstâ ncia, poderia achar bastante divertido ter um caso com Emma. A simplicidade da garota tinha agido estranhamente sobre ele, e até teria gostado de levar a experiê ncia mais adiante. Celeste era outra coisa. Era muito linda, muito rica e sua idade estava pró xima da dele. Sentia que ela estava bem interessada nele para rapidamente estreitar as relaç õ es de ambos para algo mais profundo, mas pela primeira vez em sua vida, seu desejo de posse estava entorpecido. Conhecera em sua vida muitas mulheres bonitas: de fato, sempre tinha considerado a beleza fundamental para o desejo fí sico, mas parecia que agora estava descobrindo que nã o era assim. A menina Emma nã o era bonita, mas seu corpo alto e esguio como o de uma manequim era bastante desejá vel, embora ela nã o se desse conta disso. Seus cabelos, macios como seda e perfumados, pareciam pedir para ser acariciados. Ele tinha sentido as mã os macias e imaginou o prazer que lhe dariam deslizando sobre seu corpo, e també m toda a sensualidade que ela poderia experimentar em seus braç os.

— Cesare! Cesare! — ele dizia a si mesmo irritado. — Que tipo de homem você se tornou, para ficar tã o envolvido por uma garota de apenas dezenove anos. Pense nos seus quarenta! — Em sua autocrí tica, pouco importava que esse envolvimento pudesse ser puramente mental, alé m de fí sico, pois sua religiã o, que ele levava a sé rio, pregava que o pensamento era tã o pecaminoso quanto a aç ã o. Chegou à praç a e acendeu um cigarro antes de ir encontrar Celeste, tentando controlar estes pensamentos que o perturbavam. Sua ú nica esperanç a contra seus sentidos desgovernados era se envolver com Celeste, para que ela tirasse de sua cabeç a todos os devaneios relacionados a Emma Maxwell. Mas isso representava um tipo diferente de perigo.

Celeste estava esperando por ele, tomando um drinque e segurando um longo cigarro americano entre seus dedos de unhas perfeitas e vermelhas. Usava um vestido de linho azul, com mangas trê s quartos, decote redondo. Seus cabelos, nã o muito longos, eram levemente encaracolados. Uma transparente e pequenina echarpe de chiffon estava amarrada de lado sobre seu pescoç o. Era jovem, linda e elegante e tinha completo controle de si mesma. Ela o olhou com prazer, quando ele parou diante de sua mesa.

— Vidal! Você está atrasado! Já sã o onze e cinco. — Seu tom era levemente reprovador.

— Sinto muito. Fiquei retido mais do que esperava. — Cesare sentou-se ao lado dela, chamando o garç om com um estalar de dedos.

— Estou perdoado?

Celeste deixou que ele pegasse sua mã o.

— Como é você, eu perdô o. Onde esteve?

— Resolvendo negó cios — respondeu com naturalidade. — Agora, que vai tomar? O mesmo? Mais tarde Celeste sugeriu que eles poderiam ir visitar a basí lica.

— Tem certeza mesmo que quer ir? — Cesare parecia relutante.

— É claro, meu querido. Nã o posso vir a Veneza sem ir ver a Basí lica.

Entã o eles seguiram uma fila de turistas e entraram no mundo da arquitetura veneziana e bizantina, incrustada de má rmore e maravilhosos mosaicos dourados. Havia tã o maravilhosa profusã o de está tuas e pinturas que era difí cil para qualquer pessoa ver tudo de uma vez.

— Partes desta igreja datam do sé culo IX — comentou Cesare, olhando para Celeste. O que viu nã o era nada parecido com o encanto que ele tinha observado no rosto de Emma, mas sim uma expressã o meio aborrecida, como se toda a beleza que a rodeava nã o tocasse emocionalmente.

— Velhos pré dios nã o sã o o meu fraco — comentou Celeste com algum alí vio, quando Cesare sugeriu que ela já tinha visto o suficiente por um dia. — Sabe, eu simplesmente nã o consigo cair em ê xtase como certas pessoas quando vejo pinturas — ela continuou. — Quero dizer, eu possuo alguns quadros famosos que pertenceram ao meu falecido marido Clifford, mas creio que olho para eles mais como um investimento. — Deu um risinho infantil. — Você entende muito de pinturas, Vidal?

— Um pouco — ele respondeu, um tanto friamente.

— Eu ofendi você, Vidal? Nã o tive essa intenç ã o, honestamente querido, mas acho que sou moderna demais. Me dê vidro, concreto e uma boa madeira e estarei feliz.

Cesare balanç ou a cabeç a.

Non importa — replicou, pela primeira vez esquecendo e falando em italiano com ela. Celeste ficou irritada percebendo que em alguma coisa o tinha desapontado.

Ela enfiou o braç o no dele.

— Vidal, onde estamos indo agora? Você me falou em almoç o, eu creio.

— Almoç o? — Vidal sacudiu os ombros. — Entã o vamos voltar ao palá cio para almoç ar?

Celeste percebeu que era melhor nã o argumentar sobre isso. — Está bem, mas vamos de gô ndola, sim?

— Se assim deseja...

A gô ndola movia-se devagar sobre as á guas calmas e Celeste relaxou, satisfeita por ter Cesare ao seu lado. Os assentos almofadados eram muito confortá veis e bastante estreitos para facilitar uma aproximaç ã o, o que era bastante româ ntico, principalmente à noite. Contudo era pleno meio-dia, mas assim mesmo Celeste estava bem consciente do homem ao seu lado e tinha certeza de que ele nã o podia ignorar sua presenç a.

— Cesare — ela murmurou, se desculpando. — Sinto muito, sei que aborreci você, mas nã o sou assim. Diga que me perdoa.

Vidal Cesare olhou para ela. Assim de perto, em plena luz do sol ele podia ver as pequenas rugas que se formavam ao redor dos olhos e nos cantos da boca de Celeste, revelando que ela nã o era tã o jovem assim quanto queria aparentar. Mas ainda era bastante atraente e bonita e ele nã o seria um homem se nã o pensasse assim. Mas por uma razã o inexplicá vel, ela lhe era repulsiva. Era difí cil para Cesare inclinar-se galantemente, permitindo que ela pousasse seus lá bios no rosto dele.

— Vidal — ela disse baixo. — Você sabe por que sua avó me chamou aqui, nã o sabe?

— Sim, eu sei.

— Entã o?

— Acho que nã o devemos apressar as coisas, Celeste — ele respondeu gentilmente. — Vamos devagar. Nó s temos todo o tempo do mundo.

Os olhos de Celeste se apertaram. Era uma coisa nova para ela ser rejeitada; sempre fora ela a dar as cartas. Ela se endireitou no assento e afastou-se dele, ficando sentada rigidamente, embora houvesse duas manchas coloridas em seu rosto, coisa que Emma teria sido capaz de diagnosticar como um primeiro sinal de explosã o. Mas ela nã o ia perder a calma; isso nã o funcionaria com ele, nunca. Nã o pelo monos até que estivessem casados. Entã o, quando ela fosse a condessa Cesare, ele nã o seria capaz de tratá -la dessa maneira.

Cesare a olhava de lado, meio intrigado com sua atitude. Ela agia como uma crianç a ultrajada, simplesmente porque as coisas nã o estavam indo exatamente a seu gosto. Mordendo os lá bios em um esforç o para controlar seu gê nio, ela disse: — Nã o existem umas ilhas ao redor onde se pode ir tomar banho de mar? E Murano? Nã o é lá que fazem aqueles maravilhosos cristais?

Cesare acendeu vagarosamente um cigarro. — Sim. Existem algumas ilhas. Há també m o Lido.

— Nã o. Algum lugar retirado. Banhar-se no meio de uma multidã o nã o me atrai nada. Preferia algum lugar deserto para fazermos um piquenique. Podemos fazer isso, Vidal? Talvez amanhã?

Cesare fechou os olhos, irritados com a fumaç a do cigarro.

— Quer dizer. . . apenas nó s dois?

— Por que nã o?

— Eu pensei que talvez sua enteada pudesse també m aproveitar essa oportunidade. Afinal ela nã o tomou um banho de mar desde que chegou aqui. E gente jovem adora uma praia, nã o acha? Celeste passou a lí ngua nos lá bios secos.

— Emma pode se divertir sozinha — replicou asperamente. — Nã o sou sua babá.

— Mesmo assim, penso que nã o é muito delicado deixá -la em casa novamente o dia todo, com minha avó. Sei que elas se dã o muito bem: vovó esteve me contando ontem à noite como Emma é boa aluna, atenta e inteligente. Minha avó está ensinando a ela um pouco sobre arte antiga, como reconhecer certos artistas e coisas assim; sua enteada parece gostar disso.

— Pare de chamá -la de minha enteada — disse Celeste com os dentes apertados.

— Por quê? Ela nã o é?

— Claro que é! Eu nã o traria uma impostora para sua casa.

— Entã o, muito bem! Veja, Celeste, minha cara, você está no palá cio há vá rios dias e durante esse tempo Emma teve poucas oportunidades de sair. Alé m da primeira tarde, é claro. Nó s estivemos juntos na lagoa.

Os olhos de Celeste se tornaram frios e cortantes.

— Até onde eu soube, Emma tinha ido fazer compras, naquela primeira tarde. Como tem feito outras vezes.

Cesare já se perguntava por que diabos teria contado isso a Celeste.

— Eu encontrei com Emma quando saí a. Ela nã o ia fazer nada, nem eu. Entã o me ofereci gentilmente para lhe mostrar um pouco de Veneza. Isso foi tudo.

Celeste olhava para longe, raivosa. Pelo seu maxilar contraí do, Cesare teve certeza de que Emma ia ouvir poucas e boas " gentilezas".

—- Celeste — ele disse, propositadamente em tom meloso e conciliador. — Cara mia, foi um passeio perfeitamente inocente. Que mais podia ser? Se nó s dois vamos nos tornar mais. . . í ntimos, nã o é natural que eu deva conhecer melhor a garota que vai ser. .. bem... també m minha enteada?

Ele enfatizou a palavra de tal modo que Celeste ficou desarmada. Quando ele queria ser charmoso ningué m era capaz de resistir. Quando chegaram, Cesare achou que Celeste provavelmente já tinha esquecido o assunto.

Mas ele teria ficado menos satisfeito se pudesse testemunhar a cena que aconteceu no quarto de Celeste naquela tarde, depois que o almoç o tinha terminado e a condessa foi descansar. Celeste chamou Emma em seu quarto, sob o pretexto de consertar uma lingerie para ela. Assim que a garota fechou a porta, Celeste virou como um gato pronto para pular sobre um rato.

— Sua mentirosa! Tenho vontade de colocar você sobre meus joelhos e te bater. Entã o, sua diabinha, está querendo me fazer de idiota!

— Tente me bater. Celeste. Tente! — respondeu Emma calmamente, aparentando mais tranqü ilidade do que realmente sentia. Era ridí culo imaginar uma criatura pequena como Celeste atacando a eIa, muito mais alta, com um chinelo.

— Nã o banque a esperta comigo, Emma! — avisou Celeste ameaç adoramente.

— Bem, o que é agora? O que há de errado? O que foi que eu fiz para causar tal fú ria?

Saiu com Vidal, e isso está errado! E me disse que esteve fazendo compras.

O rosto de Emma queimava, mas ela conseguiu conservar sua dignidade.

— Uma correç ã o, por favor! Eu disse que ia fazer compras quando saí daqui. Quando eu voltei, você nã o perguntou onde estive.

— Sua petulante! — exclamou Celeste. — É claro que nã o perguntei. Naturalmente achei que tinha ido fazer compras.

— Bem, e daí Celeste? Nã o há nada a contar sobre isso. O conde me levou para dar uma volta de barco. Fomos até a lagoa e voltamos. É tudo. Ele foi muito educado e muito agradá vel e nó s nada fizemos do que pudé ssemos nos envergonhar.

Celeste pareceu ficar ligeiramente mais calma. — Contudo, nã o vai fazer isso de novo, entendeu? Se o conde convidar você novamente, vai recusar, nã o importa o quanto isso pareç a inocente, está entendendo bem?

— Entendi que você é uma mulher muito ciumenta — respondeu Emma. — Ah, porque nã o me deixa voltar para casa, para a Inglaterra? Nã o estou fazendo nada aqui! Me deixe ir embora, por favor! — Está fazendo muita coisa do meu interesse! — retrucou Celeste, começ ando a parecer mais convencida agora. — O conde me disse que a condessa está gostando de você, e que está lhe ensinando um pouco de arte.

— Sobre pinturas. Tintoretto e Canaletto fizeram muitos de seus trabalhos aqui. A condessa está me falando sobre eles. É muito interessante. Mas ainda assim, gostaria muito de voltar para casa.

— Quem determina quando você vai para casa sou eu! — Celeste concluiu com aspereza. — Agora pode sair. Quero descansar. Tive uma manhã bastante agitada.



  

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