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CAPÍTULO II



Um raio de sol penetrou pela fresta da cor­tina, fazendo com que o homem deitado na cama erguesse um braç o para proteger os olhos. Embora novembro já houvesse chegado, os dias continuavam enso­larados, apesar de frios.

— Droga! — ele praguejou, rolando para o lado, a fim de fugir da claridade.

Entã o, sentiu o braç o esbarrar em um corpo quente e suspirou, irritado, pois deu-se conta de que estava na cama de Lacey Sheridan. Que horas seriam? Nã o se lembrava de muita coisa, desde a noite anterior.

— Você é insaciá vel, sabia?

A voz sonolenta de Lacey indicou que seus movimentos descuidados haviam sido mal interpretados, e ele retirou rapidamente a mã o dos quadris generosos.

Apesar da terrí vel dor de cabeç a, levantou-se e, poucos segundos depois, o quarto parou de girar. Exceto por uma necessidade desesperada de usar o banheiro, encontrava-se em forma relativamente boa.

— Nã o vá.

O pedido de Lacey foi ignorado, quando ele saiu do ba­nheiro, procurando pelas roupas.

— Volte a dormir — ele aconselhou, enquanto vestia a calç a.

— Nã o quero voltar a dormir — Lacey protestou com voz sedutora. — Alex, por que a pressa? Volte para a cama. Ainda nem sã o dez horas.

Alex apanhou a camisa e vestiu-a, se dizer nada.

— Estou falando com você, Alex. — O tom de Lacey tornou-se ressentido. — Pensei que fô ssemos conversar so­bre Sheridan Fancy. Você nã o é o ú nico garanhã o de King's Montford. Í amos discutir a possibilidade de ele també m co­brir algumas é guas.

Alex quase se encolheu ao ouvir tamanha vulgaridade. Apesar de todo o dinheiro que herdara, depois da morte do marido, Lacey continuava grosseira. Tomara aulas de elo­cuç ã o e o pró prio Edward tentara instilar na esposa algum refinamento. Lacey, poré m, jamais seria uma dama, pois gostava demais de chocar as pessoas.

— Preciso ir — declarou, calç ando as botas.

— Você nã o está me ouvindo, Alex — ela insistiu, defi­nitivamente irritada. — Sabe que detesto quando age assim. Por que nã o toma um banho e, depois...

— Nã o. Preciso conversar com Guthrie. Uma mulher mar­cou uma entrevista para esta manhã.

— Que mulher? — ela inquiriu, segurando-o pelo braç o. — Alex, por que está me tratando tã o mal? Parecia tã o apaixonado, ontem à noite.

Alex reprimiu um gemido de frustraç ã o. Na noite anterior, fora até lá na melhor das intenç õ es. Sheridan's Fancy, o ga­ranhã o de Lacey, era exatamente o que ele precisava para melhorar a qualidade de seus pró prios cavalos. Por isso, ele fora preparado para fazer qualquer coisa para conseguir um acordo. Agora, poré m, via a situaç ã o de um ponto de vista diferente, uma vez que sua amizade com Edward Sheridan fora manchada pelo envolvimento com a viú va. Lacey tinha quase a idade para ser sua mã e, alé m disso, ele nã o queria se envolver com ningué m. Enquanto nã o recuperasse Rachel, nã o teria a menor chance de retomar uma vida normal.

Desvencilhando-se de Lacey, vestiu o paletó.

— Você nã o a conhece — respondeu. — Trata-se de uma candidata a secretá ria. Preciso ir, Lace. Telefonarei mais tarde.

— Estarei esperando.

— Prometo — Alex disse, disposto a evitar uma cena. Roç ou os lá bios nos dela, somente para mostrar que nã o guardava qualquer ressentimento. Entã o, com gestos impa­cientes, saiu.

Ao entrar no haras, avistou um carro desconhecido, estacionado perto dos está bulos, e calculou ser da mulher que Guthrie desejava entrevistar. Desde que a administraç ã o do haras havia sido computadorizada, o gerente contratara vá rias jovens para fazer o trabalho que ele fazia antes, ale­gando estar velho demais para aprender os segredos da informá tica. Infelizmente, suas maneiras bruscas haviam levado todas elas a desistirem do emprego em pouco tempo. Alex nã o sentia a menor disposiç ã o de participar de mais uma entrevista, mas prometera a Guthrie que compareceria e já estava quinze minutos atrasado.

Abriu a porta do Range Rover, mas, quando ia sair do carro, Guthrie saiu de seu escritó rio, acompanhado por uma mulher. Teria a entrevista terminado? Hesitou, dividido entre o desejo de nã o se envolver e uma certa curiosidade sobre a candidata. Definitivamente, a entrevista fora curta.

De onde estava, verificou que a moç a era mais jovem que a ú ltima funcioná ria, embora nã o fosse uma adolescente.

Vestindo calç a preta justa e casaco de lã, tinha cabelos loiros e cacheados, e parecia estar mais perto dos trinta anos do que dos vinte.

Mas era bonita, ele admitiu com relutâ ncia. Nã o era pos­sí vel saber a cor de seus olhos, mas eles eram grandes, circundados por cí lios mais escuros que os cabelos. Os lá bios eram carnudos e, quando ela falou, Alex surpreendeu-se ao ver o rosto de Guthrie iluminar-se em um sorriso. Ora, quem era ela, afinal?

Decidindo que nã o poderia continuar ali parado, Alex saiu do carro. Tinha de cumprir a promessa feita ao gerente, afinal. O som da porta do carro se fechando chamou a atenç ã o dos dois e, mais uma vez, Guthrie surpreendeu Alex por nã o demonstrar alí vio ao vê -lo. A mulher olhou para Alex e, por um momento, ele imaginou ter visto uma sombra de apreensã o em seu semblante. Poré m, ela logo se recompô s e, quando o gerente os apresentou, ela sorriu com deferê ncia. — Esta é Kate Hughes — o mais velho informou-o, apa­rentemente desejando que ele nã o interferisse. — Este é o patrã o, Kate. Sr. Kellerman. — Voltou a encarar Alex. — Eu estava a caminho dos está bulos, para mostrar o escritó rio a ela.

— Ao que parece, a entrevista foi um sucesso — Alex declarou, pensando que jamais vira Guthrie tã o entusias­mado. — Conhece cavalos, srta. Hughes?

— Nã o muito. Nunca trabalhei em um lugar como este, antes, mas estou interessada no emprego. Tenho bastante prá tica com computadores e gostaria de aprender tudo o que há de interessante, aqui.

Alex foi invadido por uma sensaç ã o estranha, impossí vel de definir. Perguntou-se se o fato de ela ser ainda mais atraente de perto, os olhos cinzentos produzindo um incrí vel contraste com os cabelos loiros, o que o perturbara.

— Onde está trabalhando, no momento? — perguntou.

— Nã o estou... — ela começ ou, mas Guthrie interrom­peu-a, impaciente:

— Já fiz todas essas perguntas a Kate. Se nã o estou enganado, há recados para você em sua casa.

Alex admitiu a derrota. Fosse qual fosse sua opiniã o sobre a srta. Hughes, ou a origem daquela estranha desconfianç a, era evidente que Guthrie a aprovara. E era o gerente quem teria de trabalhar com ela. Se a moç a nã o atendesse à s necessidades do escritó rio, també m seria Guthrie quem a demitiria. Alex nã o poderia fazer qualquer objeç ã o, até por­que, quando decidira contratar uma assistente, permitira que suas simpatias pessoais o dominassem.

— Muito bem — falou. — Deixarei tudo em suas mã os, Sam. Tenho certeza de que sabe o que está fazendo. Foi um prazer conhecê -la, srta. Hughes — dirigiu-se a ela, já voltando para o carro. — Vejo você mais tarde, Sam. Boa sorte.

Quando já dirigia o Range Rover para casa, perguntou-se por que a decisã o de Sam o incomodara tanto. Por que a srta. Hughes lhe provocava tamanho desconforto? Seria a leve semelhanç a com Alicia? E, finalmente, por que ele tinha a sensaç ã o de que contratar Kate Hughes seria um grande erro?

A verdade era que ela o fitara com olhar interessado. Bem, poderia ser mera curiosidade. Evidentemente, ela co­nhecia sua histó ria. Como seria possí vel viver em King’s Montford e nã o ter ouvido os rumores sobre a morte de Pamela? Alé m disso, o comportamento dele depois, só servira para reforç ar as especulaç õ es. Por que ele permitira que os Wyatt levassem Rachel embora?

Ora, nã o poderia pensar neles, no estado de â nimo em que se encontrava. Os atrativos do á lcool ainda eram fá ceis de justificar e a bebida nã o o ajudara, antes. Ao contrá rio, fora justamente por se sentir tã o arrasado pelo que acontecera a Pamela, que Alex buscara conforto na garrafa, permitindo que Conrad Wyatt destruí sse o que restara de sua reputaç ã o.

Uma semana se passou, antes que ele visse Kate Hughes de novo.

Sabia que Guthrie a contratara, pois o velho escocê s, que trabalhava para os Kellerman havia mais de trinta anos, fora enfá tico:

— É uma moç a muito inteligente e será bom termos uma mulher por aqui, de novo.

Alex nã o tinha tanta certeza disso. Exceto por seu rela­cionamento com Lacey, tivera pouco tempo para mulheres, nos ú ltimos anos. Desde a morte de Pamela, tivera de lutar com todas as forç as para manter o haras em funcionamento. Nã o havia a menor dú vida de que as opiniõ es ainda se misturavam quanto à possibilidade de ele ter sido culpado pela morte da esposa, ou nã o.

O que era o maior motivo de sua dificuldade de conseguir a filha de volta.

Quando Pamela morrera, Alex passara algum tempo sem conseguir raciocinar com clareza. Na verdade, nem sabia que ela estava grá vida e a notí cia o deixara ainda mais abalado. Vinham enfrentando problemas e a possibilidade de um divó rcio havia lhe ocorrido. No entanto, Rachel era pouco mais que um bebê, na é poca, e ele se sentira disposto a suportar muita coisa pela filha. Só nã o se dera conta de que Pamela tinha outro homem.

A ú nica certeza que lhe restara fora de que o filho que ela carregava no ventre nã o era seu, pois fazia meses que nã o dormiam juntos.

Bem, tudo isso ficara para trá s e, apesar das reservas que sentia, garantira a Guthrie que nã o fazia objeç õ es à contrataç ã o de Kate Hughes.

— No que ela trabalhava, antes de vir para cá? — perguntou.

— Trabalhava para o pai, mas ele morreu há alguns meses.

Alex decidiu nã o perguntar o que o pai dela fazia, pois nã o lhe faltaria oportunidade para descobrir.

Poré m, foi tomado de uma emoç ã o forte e desconhecida quando, dias depois, entrou no está bulo e deparou com a nova funcioná ria colocando feno em uma baia vazia. Nã o era para esse tipo de trabalho que ela fora contratada e tal informalidade o incomodou profundamente. Alguns animais de grande valor ocupavam suas baias e, talvez, ele estivesse certo ao desconfiar da moç a. Teria ela se empregado ali com propó sitos diferentes daqueles que alegara?

Aparentemente, Kate ouviu seus passos, pois endireitou-se em um movimento que ressaltava os seios generosos sob o sué ter. Alex perguntou-se se ela fazia aquilo de propó sito.

As pernas longas e bem torneadas estavam, mais uma vez, envoltas por uma calç a justa e provocante. Tal visã o provocou reaç ã o instantâ nea no corpo de Alex.

Ele franziu o cenho. Tivera uma semana pé ssima. Seu advogado o informara de que a audiê ncia para a recuperaç ã o da custó dia de sua filha fora adiada novamente, graç as à s tá ticas usadas pelos advogados dos Wyatt. Alex nã o queria nem pensar no que estavam dizendo a Rachel. Quanto mais tempo eles conseguissem manter a guarda da menina, maio­res as chances de obterem a custó dia permanente. Já co­meç avam a alegar que Rachel mal conhecia o pai e que a casa dele estava longe de ser adequada a uma crianç a.

Para piorar seu estado de â nimo, Lacey parecia ter se ofendido com a recusa de Alex ao seu ú ltimo convite. Em outras circunstâ ncias, assistir à s corridas de cavalos teria sido uma boa idé ia, mas ele tivera receio de dar a ela a impressã o errada. Gostava de Lacey, tinha certo carinho por ela e agradava-lhe estar em sua companhia. Poré m, no que dizia respeito a Alex, seu relacionamento com ela fun­dava-se, basicamente, em cavalos. Alex desprezava a si mes­mo por permitir que o sexo interferisse na boa amizade de que haviam desfrutado até entã o.

Em consequê ncia de tudo isso, ele nã o se sentiu disposto a ser simpá tico com Kate Hughes.

— O que pensa que está fazendo? — Consultou o reló gio. — Está no seu intervalo para o café, ou o quê?

— Terminei o trabalho que tinha a fazer, o sr. Guthrie estava ocupado com um cliente e percebi que Billy precisava de ajuda — ela respondeu, insolente. — Algum problema?

— Muitos. E nã o sou seu pai, srta. Hughes. Se era assim que costumava falar com ele, é melhor lembrar-se de onde está agora.

— Desculpe-me — ela murmurou, corando até a raiz dos cabelos.

Alex ficou desconsertado.

— Nã o. Sou eu quem deve se desculpar — admitiu. — Nã o costumo desabafar minha dor em meus funcioná rios.

— Sua dor? — ela repetiu, curiosa.

— Nã o exatamente. O que eu realmente quis dizer é que nã o estou no melhor dos humores.

Kate continuou a fitá -lo com interesse, à espera de uma explicaç ã o.      I

— Problemas pessoais — Alex acrescentou.

— Esses sã o os piores — ela comentou com simpatia. — Entã o, nã o vai me demitir?

— Pensarei melhor no assunto — Alex prometeu, maroto, fascinado pelo sorriso que curvou os lá bios dela. — Isso quer dizer que você pretende ficar?

— Por que nã o? Só espero que tenha resolvido os seus problemas, da pró xima vez que nos encontrarmos.

Alex perguntou-se se Kate estaria flertando abertamente com ele e se fora aquele sorriso que desarmara o irascí vel Guthrie.

— Pouco prová vel — replicou, també m sorrindo. Entã o, por nã o gostar de intimidades com funcioná rios, decidiu pô r um fim abrupto à conversa. — Com licenç a — falou, já se afastando.

A imagem dela ficou gravada em sua memó ria pelo resto do dia e ele teve de se esforç ar para nã o pedir maiores informaç õ es sobre Kate a Guthrie. Sabia que poderia, sim­plesmente, consultar os arquivos do organizado gerente, mas decidiu nã o fazê -lo. Afinal, se ela era casada ou solteira, se tinha o há bito de se envolver em relacionamentos passa­geiros, nã o era da sua conta. Alex nã o tinha a menor in­tenç ã o de envolver-se com mulher alguma, especialmente uma que trabalhava em seu haras.



  

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