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CAPÍTULO X



 

 

Abriu os olhos para a luz brilhante que doí a na vista. Nã o sabia onde estava. O teto era liso e pintado de branco, e tudo em volta parecia ser da mesma cor. Era por isso que doí a nos olhos.

Piscou e sentiu uma pontada nas tê mporas, depois vá rias outras dores e contraç õ es pelo corpo inteiro. Quando tentou mover-se, nã o o conseguiu. Estava deitada numa cama estreita e o cobertor estava tã o apertado que nã o podia se mexer.

Antes que gritasse ou chamasse por algué m, um rosto surgiu ao seu lado, sobre a parede branca e brilhante do fundo.

— Como está se sentindo? — perguntou uma voz feminina. Focalizou o rosto sorridente com dificuldade. Nã o conhecia aquela fisionomia, e o que havia na cabeç a da mulher? Um boné? Um boné de enfermeira?

— Sara!... — exclamou com a voz angustiada. — Onde está Sara?

— Sara está bem — disse a enfermeira, tranquilizando-a. — Foi você que nos deu um susto.

Rachel tornou a fechar os olhos. Uma sonolê ncia invencí vel apo­derou-se de seu corpo e nã o tinha forç a nem vontade para combatê -la.

— Sara... — repetiu de novo, com ansiedade. — Sara...

Na vez seguinte que abriu os olhos as paredes nã o pareciam tã o brancas quanto antes, mas talvez fosse porque era dia, lá fora. Franziu a testa e procurou pensar. O que estava fazendo ali? Se era um hospital, por que estava ali? Mas o esforç o para refletir fazia a cabeç a doer.

— Está se sentindo melhor?

A voz era masculina, o rosto de um homem de idade, coberto de rugas.

— O que estou fazendo aqui? — perguntou ela com ansiedade. O homem de avental branco fez sinal para a enfermeira e a mulher molhou os lá bios dela com um lí quido. Era frio e a sensaç ã o foi agradá vel,

— Procure descansar, Nã o fale muito. Logo estará melhor — disse o homem de avental branco.

— Por que..! onde estou?

— Está num hospital. Nã o se lembra de ter caí do da escada? Rachel franziu a testa. Caí do de uma escada? Respirou fundo:

— Ah, Joel. O apartamento de Joel!

— Sara... — balbuciou com dificuldade. — Onde está Sara?

— Está bem, nã o se preocupe.

— Eu quero vê -la. Onde ela está?

— Ela está bem. A senhora nã o pode receber visitas, por en­quanto — disse o homem, levantando a coberta para tomar o pulso.

— Daqui a alguns dias poderá ver sua filha.

— Onde ela está?

— Está na casa do pai.

Do pai? De Joel! No apartamento de Joel!, pensou, atô nita. Tentou mover-se mas nã o conseguiu, e as lá grimas rolaram pelos olhos. A dor na cabeç a estava diminuindo, Ah, meu Deus, o que ela tinha? Por que nã o podia mover-se? Estava paralisada? Tinha que refletir... refletir. Mas pensar doí a. O rosto do homem estava se tornando embaç ado, distante e, quando soltou o pulso, o braç o caiu pesadamente em cima da cama. Se pudesse levantá -lo de novo... A escuridã o estava limitando seu campo de visã o. Tinha que perguntar, perguntar a algué m...

Piscou os olhos. Havia algué m ao lado da cama. Mas nã o era possí vel. Onde estava o homem de branco... e a enfermeira? O homem que estava sentado ao lado da cama nã o estava de branco. Estava com um casaco de couro e uma camisa escura por baixo. Parecia inclinado sobre ela numa posiç ã o incó moda, e podia sentir os dedos dele sobre os seus. Moveu os dedos para sentir o contato. Experi­mentou uma sensaç ã o de alí vio. Podia mover os dedos, pelo menos. O movimento chamou a atenç ã o do homem, que levantou a cabeç a e examinou-a com atenç ã o. Era Joel. Ela o reconheceu ime­diatamente, embora ele estivesse com a fisionomia abatida e des­feita, a barba crescida. Tornou a piscar. A ú nica luz do quarto vinha do abajur na mesinha-de-cabeceira. Era noite novamente. Dormira o dia inteiro, pelo visto.

— Rachel — murmurou ele, inclinando-se sobre ela. — Rachel, você está acordada?

Ela moveu os lá bios.

— Estou... — Um pensamento terrí vel lhe ocorreu. Se Joel es­tava ali... — Joel, onde está Sara?

Ele se endireitou na cadeira e segurou a mã o dela entre as suas.

— Nã o se preocupe, benzinho — disse, acariciando-lhe o pulso. — Sara está em casa.

— Quando vou poder vê -la?

— Logo, logo.

Kachel moveu-se com impaciê ncia e sentiu que havia algo amar­rado na cabeç a. Franziu a testa, levantou o braç o livre e passou a mã o pela cabeç a. Estava envolta em ataduras e nã o podia pegar nenhum dos fios de cabelo que desciam pelos ombros quando estava deitada. O couro cabeludo estava muito sensí vel e voltou os olhos aterrorizados em direç ã o a Joel.

— Por que estou com esta atadura na cabeç a?

— Nã o lembra mais? — perguntou ele, com ternura.

— Lembro que caí da escada... Bati com os braç os e as pernas nos degraus...

Joel levou a mã o dela aos lá bios e encostou o rosto na palma aberta.

— Foi por culpa minha — murmurou, com a voz comovida. — Minha culpa! Você estava fugindo de mim... Ah, Rachel, eu fiquei desesperado, estes dias...

— Dias? — balbuciou perplexa.

— Faz uma semana que você está aqui.

— Uma semana?

— Procure descansar — disse Joel, estendendo a mã o e tocando nos lá bios rachados. — Eu vou dizer à enfermeira que você acordou.

Rachel segurou-o pela mã o, antes que se levantasse da cadeira.

— Fique mais um pouco, por favor... Como posso estar aqui há tanto tempo? Eu nã o lembro de nada...

Joel deu um suspiro e voltou a sentar-se na cadeira.

— Você ficou inconsciente vá rios dias. Depois foi operada.

— Operada? Fui operada na cabeç a? Eles rasparam meus cabelos? Estava se tornando nervosa e Joel acalmou-a com firmeza.

— Rachel, eu vou chamar o mé dico.

— Nã o, nã o! — murmurou com um soluç o. — Eles rasparam minha cabeç a? Responda, Joel! Eles rasparam minha cabeç a?

— Foram obrigados. Havia uma hemorragia interna. — Deu um suspiro fundo. — Mas você vai ficar boa. Os cabelos vã o crescer novamente, vã o ser bonitos como antes.

As lá grimas rolavam pelas faces, no momento em que Joel se afastou e saiu à procura da enfermeira. Quando o mé dico entrou no quarto, acompanhado da irmã, Joel nã o estava com eles.

Nas vinte e quatro horas seguintes, Rachel compreendeu que tivera muita sorte, ao escapar com vida do acidente, e que a cabeç a raspada era um fato insignificante, comparado com a paralisia provocada pela hemorragia cerebral. Estava muito fraca e abatida, mas, pelo menos, podia mover-se lentamente, e a dor de cabeç a estava mais suportá vel. Perguntou por Sara, quando podia vê -la e onde estava, mas as respostas que davam eram vagas e nã o tinha forç a suficiente para insistir.

Dois dias depois estava bem melhor. Começ ou a alimentar-se com apetite e as energias estavam voltando lentamente- Podia falar, sem sentir-se muito cansada, e, apoiada nos travesseiros, passava horas admirando o jardim do hospital pela janela aberta.

— Quando vou ver Sara? — perguntou ao mé dico, na vez se­guinte que foi examiná -la.

— Infelizmente, a senhora nã o pode vê -la agora porque Sara també m está no hospital.

— Fazendo o tratamento?

— Nã o, Sara foi operada, como estava previsto.

— Operada? — perguntou Rachel, atô nita.

— Sara recebeu o transplante do rim na semana passada e a operaç ã o foi muito bem-sucedida.

— Há uma semana? — repetiu Rachel, sem poder compreender.

— Pode ficar tranquila. Nã o há motivo para preocupaç ã o. Ela está em boas mã os.

— Mas como pode ter sido operada? Quem deu a autorizaç ã o?

— Como a senhora já havia autorizado antes a operaç ã o, o mé dico decidiu operá -la quando surgiu a oportunidade. Alé m disso, o pai dela autorizou.

Rachel voltou a cabeç a no travesseiro.

— Quer dizer que James voltou da Alemanha?

— Nã o sabia que ele tinha viajado — disse o mé dico surpreso. Rachel deu um suspiro. O mé dico naturalmente pensava que se referia a Joel.

— Nã o tem importâ ncia — disse, com a voz cansada. — E Sara está bem?

— Muito bem. Sua filha teve muita sorte. Tem todas as opor­tunidades, agora, de levar uma vida normal.

Apertou os lá bios com forç a. Entã o a operaç ã o fora feita. Podia adivinhar quem estava por trá s disso: James Kingdom. Talvez Joel houvesse comunicado suas dú vidas ao pai, talvez James te­messe que ela, Rachel, podia ter as mesmas dú vidas. E nã o era verdade que fraquejara? Nã o fora esse o motivo da frustraç ã o que sentira durante a conversa com Joel? Ele nã o expressara os receios que ela pró pria nutria?

Mas isto agora era assunto do passado. Sara recebera o trans­plante do rim. Estava se recuperando. A operaç ã o fora bem-suce­dida, como o mé dico dissera. Talvez tudo desse certo, no fim. Agora James tinha motivos de sobra para impedir Joel de tirar sua filha. Mas por que nã o sentia nenhum prazer com isso?

Nos dias seguintes, pensou que Joel fosse aparecer. Ficou sur­presa, por isso, quando a enfermeira anunciou a visita de É rica.

Muito elegante no vestido preto de crepe, com um maç o de flores na mã o, É rica entrou no quarto austero do hospital com a desenvoltura de um modelo de moda. Somente Rachel notou que o vestido preto era adequado para a ocasiã o.

— Olá, Rachel — disse, deixando o buquê em cima da cama.

— Você está melhor?

— Estou um pouco melhor, obrigada. — Rachel despediu a en­fermeira com um movimento da cabeç a. — Nã o esperava sua visita.

— Posso sentar-me?

— Apanhe aquela cadeira ali.

— Obrigada. — Eriç a sentou-se confortá vel mente e cruzou as pernas. — Joel me pediu para lhe fazer uma visitinha.

— Ah, sim? — perguntou Rachel com o rosto tenso.

— Ele nã o tem tempo. Está trabalhando muito. Mas pensa sempre em você e em Sara...

— Em Sara?

— Você sabe, naturalmente, que ela foi operada...

— Sim, o mé dico me contou.

— Foi Joel que autorizou a operaç ã o.

— Joel?

— Você nã o sabia?

— Nã o, nã o sabia — disse, alisando a colcha com nervosismo.

— Você viu Sara depois da operaç ã o?

— Naturalmente. Joel vai todos os dias ao hospital e eu o acom­panho quando posso. — Fez uma pausa e examinou-a com atenç ã o.

— O que foi que aconteceu, Rachel? Você está pá lida...

Rachel fez um esforç o para manter a voz calma.

— Por que você veio aqui, É rica? O que está querendo me dizer?

— Mas eu lhe disse antes, Rachel. Joel me pediu para lhe fazer uma visita.

— Por quê? Ele sabe que nã o me importo a mí nima com suas visitas! — exclamou com irritaç ã o.

— Ah, Rachel, por que você quer fazer segredo para mim? — Nã o sei o que você quer dizer com isso.

— Aposto que sabe. Você pode fingir para os outros que nã o se importa com Joel, mas nã o para mim! Nó s duas sofremos da mesma doenç a, Rachel, e eu conheç o os sintomas na ponta dos dedos.

Rachel deu um suspiro fundo. Suas forç as nã o davam para discutir esse assunto com É rica.

— Você está redondamente enganada. Nã o sinto nada por Joel, a nã o ser desprezo. Você pode transmitir esse recado.

— E Sara?

— O que Sara tem a ver com isso?

— Você deseja conservá -la, nã o é verdade?

— Evidente que sim.

— Entã o case-se com James, Rachel, antes que você a perca. Rachel observou-a com curiosidade.

— Por que você se importa com isso?

— Nã o adivinha? Eu nã o gosto de mancas, Rachel. Nã o sã o meu gê nero. A idé ia de cuidar de uma crianç a nã o me agrada especialmente. Mas se Joel estiver decidido a adotar Sara... — Inclinou a cabeç a para o lado. — Entende, agora?

— Ele nã o vai adotá -la... ele nã o pode!

— Olhe, eu nã o estou tã o certa assim. As coisas mudam muito rapidamente na vida de uma crianç a. Sara gosta muito de Joel e nã o preciso dizer o que ele sente por ela...

— Joel nã o vai adotar Sara de maneira nenhuma. Eu vou me casar com James logo que ele sair do hospital.

— Logo que ele sair do hospital? — perguntou É rica, espantada. — Do que você está falando?

Rachel ajeitou-se no travesseiro, A cabeç a estava começ ando a latejar e desejava que É rica fosse embora o quanto antes. Era um esforç o demasiado para ela. Passou as mã os pelos olhos e ouviu É rica perguntar com ansiedade:

— Rachel? Rachel? Você está bem?

Quando voltou a si, a irmã estava ao seu lado, observando-a com atenç ã o.

— Você está melhor, meu bem? Ah, que susto você me deu...

— Ela foi embora? — balbuciou Rachel.

— Foi, mas deixou essas flores para você. A irmã Teresa apanhou o buque de rosas e cravos em cima da cama.

— Vou colocá -lo num vaso com á gua.

— Nã o! — exclamou Rachel com a voz aflita. — Por favor, irmã, leve-as embora. Dê essas flores para algué m ou guarde-as para si, se desejar. Eu nã o quero ver essas flores no meu quarto.

A enfermeira franziu a testa.

— Eu pensei que a visita fosse uma amiga sua.

Rachel movimentou-se com impaciê ncia, sentindo a cabeç a li­geiramente tonta.

— É apenas uma conhecida. Por favor, irmã, leve essas flores embora. Esse perfume está me enjoando.

A condiç ã o fí sica de Rachel apresentou melhora nos dias se­guintes, mas seu estado emocional sofreu um declí nio sensí vel. Esperava a visita de James de uma hora para a outra. Tã o logo recebesse alta no hospital, passaria para vê -la. Ela sabia que o doador de rim podia deixar o hospital duas semanas depois da operaç ã o. Rachel estava desesperada para ver Sara, mas o hospital onde a menina estava era distante do seu. Tinha que se resignar com o fato de só poder vê -la depois de receber alta no hospital. Entretanto, logo que se sentiu capaz de escrever algumas linhas, mandou um bilhete para Sara e recebeu um outro em resposta, escrito provavelmente pela enfermeira que cuidava da menina.

 

Querida mamã e, fiquei triste ao saber que você está doente també m e estou com muita saudade sua, Joel disse que você está melhor. Tio James també m veio me ver, mas eu gosto mais das visitas de Joel. O mé dico disse que vou sair do hospital nos pró ximos dias e logo que estiver boa vou fazer uma visita a você. Beijos e abraç os. Sara.

 

Com os olhos rasos d'á gua, Rachel releu o bilhete pela terceira vez. James dissera alguma coisa a Sara sobre o casamento para breve? Por que Sara dizia que gostava mais das visitas de Joel?

Guardou o bilhete no envelope. Se James tinha ido visitar Sara, era sinal de que viria visitá -la um dia desses. E entã o...

No dia seguinte a irmã entrou no quarto com a expressã o interrogativa.

— Uma visita para você, meu bem.

Rachel passou com nervosismo as mã os pela cabeç a.

— Estou com uma cara muito feia, irmã?

— Ah, você tem razã o de se importar com a aparê ncia, bem

— disse a irmã com um sorriso. — Ele é um homem muito bonito. A ú ltima vez que esteve aqui, as enfermeiras ficaram loucas...

— Ele quem? — perguntou Rachel, espantada. — Espere um instante, irmã! — exclamou, ao ver a enfermeira dirigir-se para a porta. — E o pai ou o filho que está aí?

— O filho, naturalmente — disse a irmã, com um sorriso de compreensã o.

— Escute, irmã, eu nã o desejo recebê -lo — disse Rachel com a voz aflita. — Nã o estou me sentindo muito bem.

— Mas, filha, foi ele que a trouxe para cá. Foi ele que escolheu o mé dico para sua operaç ã o. O dr. Frazer é o maior especialista em cirurgia do cé rebro. Foi ele que providenciou tudo e que nã o se afastou um minuto do hospital, até você sair da mesa de ope­raç ã o. Você nã o acha que ele merece um pouco de consideraç ã o?

— Desculpe, irmã, mas nã o estou em condiç õ es de vê -lo.

— Mas, meu bem...

Rachel levantou a cabeç a com o rosto febril, os olhos estranha­mente brilhantes.

— Eu tenho obrigaç ã o de vê -lo, irmã? Faz parte do regulamento? A enfermeira deu um suspiro de resignaç ã o.

— Nã o, nã o faz. — Balanç ou a cabeç a tristemente. — Se você realmente nã o deseja...

— Isso mesmo. Eu nã o desejo recebê -lo. Diga a ele que estou muito grata por tudo o que fez por mim, mas que nã o temos mais nada para conversar um com o outro.

Ela esperava que Joel nã o fosse aceitar a recusa e entrasse furioso pelo quarto a dentro a fim de saber o que tinha acontecido. Mas ele foi embora simplesmente e Rachel sentiu vontade de cho­rar. O que se passava com ela? Joel deixara sua posiç ã o bem ciara. James e É rica també m nã o tinham feito segredo. Joel estava decidido a adotar Sara e somente James oferecia uma alternativa. Uma alternativa que ela estava disposta a aceitar.

Joel tornou a passar trê s vezes pelo hospital, na semana se­guinte, mas Rachel recusou-se a recebê -lo. Todas as vezes que isso sucedia, ela tinha a impressã o de que estava perdendo uma parte de si mesma, e este sentimento a enchia de desespero. Desde a visita de É rica, pensava em Joel como no homem que desejava separá -la de Sara, mas, no í ntimo do coraç ã o, a agonia que sofria nã o tinha nada a ver com a filha. As mú sicas de amor que ouvia no rá dio, a exuberâ ncia da natureza florida que avistava pela janela, avivavam as emoç õ es que ela procurava inutilmente negar. Tentava se convencer de que o relacionamento í ntimo com o homem que amara desesperadamente — o pai de sua filha — teria consequê ncias de­sastrosas. Ela nunca deixara de amá -lo, essa era a verdade, mas desprezava amargamente sua loucura. Quanto mais cedo casasse com James e se afastasse da ó rbita de Joel, tanto melhor seria.

Respirou aliviada, por isso, quando a irmã Teresa anunciou, alguns dias depois, a visita de James. Estava sentada numa ca­deira ao lado da janela, lendo uma revista, quando a irmã entrou no quarto com a notí cia.

— Uma visita para você, meu bem. Desta vez é quem você estava esperando.

— Ah, sim! — disse Rachel, levando as mã os, com nervosismo, à s ataduras na cabeç a.

James estava bem disposto como sempre. Rachel imaginava que a operaç ã o teria algum efeito sobre ele, mas nã o causara a menor diferenç a, pelo visto. Estava muito elegante, no terno cinza de homem de negó cios. Entrou lentamente no quarto, com um olhar de admiraç ã o para o corpo esguio no robe azul-claro, e in­clinou-se para beijá -la no rosto.

— Como você está, Rachel? — perguntou, depositando-lhe o maç o de rosas brancas em cima dos joelhos.

Rachel apontou para a cadeira em frente à sua e James sen­tou-se ali.

— As rosas sã o muito bonitas — disse Rachel, admirando o maç o de flores.

James examinou-a com atenç ã o.

— Como você está se sentindo?

— Ah! — Levantou a cabeç a. — Estou melhor agora. Bem me­lhor. O mé dico disse que vou receber alta dentro de alguns dias.

— E quem vai tomar conta de você em casa? Rachel corou ligeiramente.

— Eu dou um jeito.

— Você viu Sara?

— Nã o, ainda nã o. Mas logo ela virá aqui. — Fez uma pausa, sem jeito. — James... eu nã o sei como agradecer-lhe...

— Agradecer-me? — indagou, com as sobrancelhas arqueadas.

— Pela operaç ã o. Minha vinda para o hospital atrapalhou tudo, nã o? Desculpe.

James observou-a em silê ncio durante alguns segundos. Em seguida perguntou:

— Você nã o esteve com Joel?

— Só na noite em que fui operada. Soube que ele me trouxe para cá.

— Sim, foi ele — disse James com o rosto pensativo. — Por que você desceu correndo a escada do edifí cio?

— Joel nã o contou? — perguntou Rachel, com um sorriso sem graç a. — Tivemos uma briga... sobre a adoç ã o de Sara.

— Ele ainda deseja adotá -la.

— Eu sei disso. — Apertou os lá bios. — Mas você nã o vai deixar que ele faç a isso, nã o é verdade? — Torceu o caule da flor. — Você prometeu que...

Interrompeu o que ia dizer e James pareceu acordar do deva­neio, quando se inclinou para a frente e segurou as mã os dela.

— Rachel, você gostaria de casar o mais rapidamente possí vel? Rachel balanç ou a cabeç a.

— Foi isso o que combinamos, nã o'?

— Sim, foi isso, — James deu um suspiro fundo. — Foi exa-tamente isso,

— Eu desejo casar-me e dar uma famí lia a Sara. Você pode dar isso a ela, James.

James levantou-se da cadeira e começ ou a andar pensativa­mente pela quarto.

— Poderí amos nos casar aqui? — perguntou em voz baixa.

— No hospital? Com esta cara que eu estou?

— Que importâ ncia tem? Se for o que você deseja...

Rachel procurou pensar coerentemente. Se casasse com James nã o haveria mais recuo. A idé ia era terrí vel. Por outro lado, se queria manter Sara consigo...

— Está bem, entã o — disse, com um pequeno movimento da cabeç a. — Faç a como você achar melhor.

— Vou dar um jeito — exclamou James, com a arrogâ ncia que lhe era habitual.

— Como está Sara? — perguntou depois de um momento. James examinou-a atentamente durante alguns segundos, pro­curando adivinhar os motivos da pergunta, e respondeu por fim:

— Sara está muito bem. O transplante foi um sucesso absoluto.

— Eu fiquei tã o contente! — disse Rachel com a voz emocionada. — Quando ela vai passar por aqui?

— Muito em breve — disse James. Aproximou-se dela. — O que você acha de a empregada ficar no apartamento e cuidar de Sara?

— Ah, seria ó timo. Pelo menos Sara já a conhece. Estou com tanta saudade dela. Faz tanto tempo que nã o a vejo...

—  Eu imagino. — James sentou-se na cadeira. — Rachel, eu queria que você me prometesse uma coisa.

— O que é? — perguntou surpresa.

— Nã o receba o Joel quando ele a procurar.

— Pode ficar sossegado, James, Eu nã o vou recebê -lo mais.

— Eu nã o quero que ele a perturbe. Creio que ele já fez demais, num sentido e no outro.

 

 

Apesar de sua promessa de nã o rever Joel, Rachel sentiu-se muito inquieta e nervosa nos dias seguintes. Temia, à s vezes, que Joel aparecesse e discutisse suas intenç õ es com ela; outras vezes preocu­pava-se com o que Sara sofreria ao ser separada do homem de que gostava tanto. Talvez ela fosse egoí sta, negando à filha o direito de escolher. Tinha receio de que Sara preferisse morar com o pai? Sara nã o merecia essa oportunidade? A obrigaç ã o de Rachel para com James nã o incluí a a ida de Sara para a Gré cia. Ele desempenhara seu papel ao doar o rim, e o fato de Rachel ser obrigada agora a desempenhar o seu nã o significava que Sara tinha obrigaç ã o de viajar com eles. Nã o estaria usando a menina para tornar sua vida mais suportá vel na companhia de um homem de que nã o gostava?

Na tarde do segundo dia, Rachel recebeu uma visita inesperada.

No dia anterior o mé dico removera as ataduras da cabeç a e deixara apenas um curativo que protegia a cicatriz. Os cabelos, poré m, eram apenas uma penugem no alto do crâ nio, e por isso ela encomendara à irmã uma peruca comprida que caí a sobre os ombros, mas Rachel nã o tivera ainda a coragem de usá -la. Achava que dava uma im­pressã o mais verdadeira com o curativo no alto da cabeç a.

A irmã Teresa anunciou a visita com uma alegria visí vel.

— Tenho uma surpresa para você, meu bem. Algué m que você deseja muito ver. — A irmã estendeu para Rachel a peruca e o espelho que estavam em cima da mesa-de-cabeceira.

— Quem é? — perguntou Rachel, colocando a peruca. — Nã o é Joel, por acaso?

— Nã o — disse a irmã, balanç ando a cabeç a. — Espere um minuto. Você vai ver.

Ela saiu e voltou alguns minutos depois com uma menina de macacã ozinho vermelho e uma camiseta branca, com uma franja balanç ando sobre o rosto excitado.

— Sara! — exclamou Rachel, sem poder acreditar. — Ah, Sara, com que saudade eu estava de você, minha filha!

A irmã saiu do quarto e as duas ficaram abraç adas durante alguns instantes, trocando beijos e palavras de ternura. Rachel sentou-se finalmente na cadeira e colocou a menina em cima dos joelhos.

— Como você está bem! — exclamou.

— Estou legal — disse Sara com indiferenç a, balanç ando os ombros. — Nã o preciso mais ir ao hospital.

— Eu sei disso, Ah, Sara, eu estava morrendo de saudade de você! ,

— Eu també m senti sua falta — confessou Sara, fazendo festa no rosto da mã e. — Mas todos foram muito camaradas comigo, no hospital. Ganhei uma porç ã o de brinquedos e de jogos. Joel comprou um montã o de coisas para mim. Ele disse que alguns presentes eram para você,

— Ah, é? — perguntou Rachel, sentindo uma pontada no peito. Controlou o tremor da voz e perguntou: — E o tio James, deu algum presente?

Sara torceu o nariz.

— Deu. Trouxe uma caixinha de musica da Alemanha.

— Escute, Sara, você nã o pode julgar as pessoas pelos presentes que elas dã o.

— Eu sei. Mas Joel gosta de mim. Ele disse que eu sou sua garotinha.

— E o que o tio James disse?

— Nã o lembro mais. — Sara mordeu o lá bio. — Eu nã o gosto dele!

— Sara, nã o seja implicante. O tio James nã o podia visitá -la todos os dias, como Joel. Ele estava de cama, você nã o lembra?

— Por quê? — perguntou Sara surpresa.

— Você sabe por quê. O tio James deu a você um rim para você ficar boa.

— Nã o, nã o foi ele que deu — disse Sara com vivacidade. — Foi um menininho... o menininho que morreu no acidente.    

Rachel fitou-a inteiramente confusa.

— Que menininho. Sara?

— O menino que foi atropelado pelo carro. — Balanç ou a cabeç a.

— Ah, mamã e, foi muito triste. O mé dico disse que Deus toma essas decisõ es, e nã o os homens.

— Do que você está falando, Sara?

— Você nã o entendeu, mamã e? — perguntou, com um suspiro de impaciê ncia. — Eu acabei de explicar. Um garotinho foi atropelado, perto do hospital, na noite em que você caiu da escada. Joel disse que os mé dicos procuraram você em toda parte, menos no hospital.

— Quer dizer que você recebeu o rim desse menino?

— Isso mesmo! — disse Sara, colocando a pontinha do dedo no queixo de Rachel. — Joel nã o contou nada a você?

Rachel afastou o rosto.

— Eu nã o vi Joel.

— Você nã o viu Joel? — perguntou Sara, espantada. — Ele disse que veio muitas vezes aqui. — Deu um sorriso. — Ele quer contar a você que eu vou ser sua filha,

Rachel afastou Sara dos joelhos e levantou-se da cadeira. De re­pente, uma porç ã o de coisas se tornavam claras. A afirmaç ã o de É rica de que Joel providenciara o transplante, sua confusã o quando Rachel mencionara a hospitalizaç ã o de James e, acima de tudo, a hesitaç ã o de James quando viera visitá -la, ao perceber que Rachel nã o fora informada de nada. Sentiu um nó na garganta. Era por isso que James sugerira antecipar o casamento? Só podia ser. Era por isso també m que ele nã o queria que Rachel encontrasse Joel. A verdade era que James nã o cumprira o acordo até o fim.

Respirou fundo. O pâ nico, com uma forç a incontrolá vel, estava surgindo dentro dela. Se Sara nã o fosse visitá -la, se nã o soubesse a verdade, teria casado com James a troco de nada... a troco de nada... Por nada, realmente? James tinha culpa se Sara recebera o rim de um outro doador? Ele estava decidido a cumprir o acordo, se bem que o acordo nã o era mais necessá rio, agora. Ou era?

Levou as mã os ao rosto quente. Como ficava agora? Havia ainda Joel. O desejo que ele tinha de adotar Sara pairava em sua cabeç a, e estava manifesto em tudo o que Sara dissera desde que entrara no quarto. Ela podia ainda casar-se com James, se desejava manter a filha.

Mas podia fazer isso? E nã o era apenas porque nã o gostava de James. Se nã o amasse mais ningué m, nã o haveria problema. James era um homem agradá vel em muitos sentidos, apesar de sua arro­gâ ncia. Podiam ser felizes juntos. Mas tinha que pensar em Sara. Ela merecia a oportunidade de escolher. Joel tornara sua recuperaç ã o possí vel. Ele tomara a decisã o que ela teria hesitado em tomar. Ela nã o tinha mais o direito exclusivo sobre as afeiç õ es da menina.

— Mamã e! — disse Sara, puxando-a pela manga do robe. — Mamã e, o que você tem?

Rachel voltou-se bruscamente.

— Nã o foi nada, querida. — Levou-a novamente para perto da cadeira. — Sara, venha sentar-se aqui. Eu preciso falar uma coisa com você.

— O que é, mã e? Você parece brava. Você está zangada comigo?

— Zangada com você? Claro que nã o estou, minha filha. — Apertou-a nos braç os com ternura. — Nã o, nã o estou brava com você, boneca. E espero que você també m nã o fique zangada comigo.

— Por que ficaria? — indagou Sara surpresa. Rachel deu um suspiro fundo.

— O que você diria, Sara, se soubesse que Joel é seu pai? Sara abriu a boca espantada.

— Mas meu pai está morto!

— Nã o, ele nã o está. Ele está bem vivo.

— Joel?

Rachel assentiu com a cabeç a.

— Joel é meu papai? Como? Por quê? Por que você nã o mora com ele?

— É uma histó ria muito comprida, Sara. Papai e mamã e dis­cutiram, um dia, e se separaram, e você foi morar comigo.

— E por que ele nunca foi me ver?

Rachel mordeu o lá bio. A explicaç ã o ia ser mais difí cil do que imaginava.

— Ele nã o sabia nada a seu respeito.

— Como? Rachel hesitou.

— Você sabe como os bebê s nascem... e você já viu as mamã es que estã o esperando crianç a...

— Humm. Os bebê s nascem na barriga das mamã es.

— Pois é. Eu nã o sabia que você ia nascer, quando briguei com seu pai.

O rosto de Sara iluminou-se.

— Entã o Joel nã o sabia nada de mim?

— Nã o, nada... até algumas semanas atrá s. Sara deu um sorriso de alegria.

— E agora ele sabe e quer que eu seja sua filha?

— Humm.

— Ah, que bom, mamã e! — Sara parecia radiante com a idé ia. — Agora nó s podemos nos mudar para o apartamento no alto do pré dio! Você viu a sala toda de vidro onde Joel faz as pinturas?

Rachel abaixou a cabeç a.

— Você pode ir morar com ele, se quiser, Sara, Joel quer que você vá. Mas eu nã o posso ir morar lá com você s.

— Por quê?

— Sara, eu sei que é difí cil entender, mas Joel e eu nã o nos damos muito bem. Alé m disso, ele tem É rica...

— Aquela mulher! — exclamou Sara, com um despeito visí vel. — Eu nã o quero morar com ela...

— Você vai morar com Joel. Você vai ser sua filha, como ele disse. Você gostaria disso, nã o?

— Sem você? — Os lá bios tremeram. — Eu nã o quero me se­parar de você.

Rachel deu um suspiro.

— Bem, você nã o precisa decidir agora. — Piscou os olhos para enxugar as lá grimas que estavam ardendo na vista. — Como você veio até aqui?

— O dr. Lorrimer me trouxe. — Fungou. — Ele disse que quer conversar com você.

— Ah, é? — Rachel passou a mã o pelos cabelos. — Entã o seria melhor você ir chamá -lo.

Sara tocou na peruca com a ponta dos dedos.

— Seus cabelos estã o diferentes, mã e. Nã o estã o macios como antes. Eu nã o gostei.

— Eu també m nã o gostei — disse Rachel, com um sorriso sem graç a. — Isto é uma peruca, Sara. O mé dico raspou minha cabeç a antes da operaç ã o.

Sara ficou intrigada com a notí cia.

— Quer dizer que você está careca?

— Mais ou menos — respondeu Rachel, preferindo que a menina nã o tivesse usado uma palavra tã o crua.

— Posso ver?

— Agora nã o. — Rachel levou-a até a porta. — Vá dizer ao mé dico que você esteve comigo.

A irmã levou Sara para tomar um suco de laranja enquanto o dr. Lorrimer conversava com Rachel sobre os efeitos da operaç ã o. Explicou o tratamento que a menina precisava fazer, esclareceu algumas dú vidas e depois acrescentou:

— Sara teve muita sorte. Se fosse o rim de um adulto, neces­sitaria de um tratamento mais prolongado. Se tudo correr bem, ela poderá levar uma vida perfeitamente normal a partir de agora.

— Eu ouvi dizer que os medicamentos usados apó s o transplante do rim podem afetar o crescimento... — observou Rachel apreensiva.

— Em princí pio, sim. No momento, as té cnicas neste campo ainda sã o um pouco limitadas. Mas estã o melhorando. De fato, o transplante de rim em crianç as ainda está na infâ ncia. Potencial­mente, é um campo muito promissor. — Fez uma pausa. — Sara, felizmente, nã o corre nenhum perigo neste sentido. Ficou hospi­talizada mais tempo do que era necessá rio para termos certeza de que nã o ia surgir nenhuma complicaç ã o.

— Eu nã o sei como agradecer-lhe, dr. Lorrimer.

— Foi um prazer conhecer a mã e e a filha — disse o mé dico com um sorriso. — Sara é uma menina encantadora.

Pouco depois, ao se despedir de Sara, Rachel sentiu um nó na garganta, e até mesmo a menina percebeu sua ansiedade.

— Nã o se preocupe, mamã e — murmurou com os lá bios trê ­mulos. — Eu nã o vou me separar de você.

Naquela noite, poré m, ao lembrar a visita da filha, Rachel ficou na dú vida. Se casasse com James, que tipo de vida podia oferecer, à menina? Somente o amor compensava? Mas Joel nã o amava igualmente a menina?

Na manhã seguinte, tomou uma decisã o. Estava cansada, mas disposta a enfrentar a realidade. Enquanto estivesse presente para dividir a afeiç ã o de Sara, a menina nã o faria jamais uma escolha em favor de Joel. Seria muito mais simples afastar-se esponta­neamente e dar a Joel a oportunidade de ter uma filha. Em algum momento do futuro os dois podiam encontrar-se de novo e Sara estaria bastante crescida para decidir sozinha. Atualmente ela se deixava levar pelas emoç õ es, mas isso mudaria, um dia.

Era uma decisã o grave e que exigia toda sua forç a de vontade e energia. Sozinha, no entanto, podia reiniciar os estudos e o tempo passaria rapidamente, se ela se entregasse de corpo e alma ao tra­balho. Seus olhos estavam ú midos quando lhe ocorreu que algué m tomaria conta de Sara, trocaria suas roupas, escovaria seus cabelos, levaria a menina para a cama — algué m que dividiria todas as pequenas intimidades que antes eram apenas suas. Era preciso, no entanto, nã o ceder ao sentimentalismo. Sara iria esquecê -la, um dia. As crianç as superam rapidamente as crises da separaç ã o. Com Joel para ajudá -la, para diverti-la, para lhe fazer companhia, Sara logo esqueceria a tristeza do passado diante da alegria do presente...

 



  

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