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CAPÍTULO II



 

 

Na manhã seguinte, ao tomar café, Joel indagou à dona do hotel onde morava o coronel Frenshaw. — O senhor é amigo dele? — perguntou a mulher, com curiosidade. Joel continuou a comer o grapefruit com mais determinaç ã o que apetite.

— Nã o amigo, exatamente. Conheç o algué m que mora na casa.

— Nã o é Andrew, por acaso?

Joel levantou a cabeç a e afastou o cabelo da testa.

— Andrew? Nã o. Nã o conheç o ningué m com esse nome. A mulher franziu os lá bios.

— Ah, pensei que o senhor o conhecesse. Andrew é o secretá rio do coronel. Uma rapaz muito educado. Vem aqui algumas vezes nos fins de semana.

— Ah, sim? — Joel hesitou um momento. — Nã o, infelizmente nã o o conheç o. A pessoa a que me refiro é a governante do coronel.

— Ah! — exclamou a mulher com surpresa. — Rachel Gilmour.

— Exatamente — disse Joel afastando os olhos.

— Eu só a conheç o de vista. Ela nã o costuma vir aqui, e eu també m nã o sou de sair muito.

— Entendo. — Joel pensou rapidamente antes de indagar. — Há outras pessoas trabalhando na casa?

— Que eu saiba, nã o. Apenas o coronel, o secretá rio e Rachel, naturalmente. Nã o posso dizer que Sara trabalhe na casa...

— A filha de Rachel?

— O senhor a conhece, provavelmente...

Joel nã o disse nada. Entã o Rachel tinha uma filha chamada Sara. Nã o podia imaginá -la mã e de uma menina.

— A senhora ia me dizer onde fica a casa...

A mulher balanç ou a cabeç a, retirou o pratinho de grapefruit e colocou um outro prato na frente dele, com presunto, ovos es­talados, salsichas e tomate. Normalmente Joel teria apreciado a refeiç ã o matutina substancial, mas naquela manhã, apó s uma noi­te mal dormida, as frituras nã o lhe pareceram muito apetitosas. Tinha que fazer um esforç o, mesmo assim, e começ ou pelo presunto.

— E muito fá cil encontrar a casa do coronel — disse a mulher, fitando-o com atenç ã o. — Basta seguir a rua principal por mais ou menos um quiló metro, e logo vai encontrar o casarã o. A sua esquerda. E a ú nica casa nas redondezas.

— Ó timo, nã o vou me esquecer. Muito obrigado pela informaç ã o. Joel serviu-se de uma segunda xí cara, de café e olhou com o

canto dos olhos para o reló gio de pulso. Passavam das oito. Nove horas era muito cedo para fazer uma visita? Primeiro pensou te­lefonar, mas depois desistiu da idé ia. Queria fazer uma surpresa a Rachel. Queria ter a satisfaç ã o de criticá -la pessoalmente pelo projeto absurdo que pretendia realizar.

Terminado o café, Joel agradeceu à senhora Ellie pela hospitali­dade e pagou a conta do hotel, deixando uma gorjeta generosa para os empregados. Apanhou a mala no quarto e levou-a para o carro.

Estava uma manhã gostosa de març o. Guardou o casaco grosso no carro e vestiu o paletó esporte, que combinava com a calç a azul-marinho de camurç a. A luz do dia, a pracinha em frente ao hotel tinha mais encanto que à noite. Os canteiros das casas es­tavam floridos e todos os pré dios tinham uma aparê ncia bem cui­dada e limpa. Dois cachorros estavam sentados ao lado do chafariz que fazia parte da igreja. Ao ouvir o carrilhã o bater as horas, olhou para o reló gio de pulso. Estava na hora de enfrentar a si­tuaç ã o e desejava estar mais bem disposto.

Abriu a porta do carro e sentou-se na direç ã o do Mercedes esporte. O motor pegou na primeira, e um sorriso de satisfaç ã o desfez as linhas fundas entre as sobrancelhas.

Seguindo a orientaç ã o da mulher, nã o teve dificuldade em tomar a rua indicada e, pouco depois de afastar-se do lugarejo, encontrou a casa de pedras que devia ser a residê ncia do coronel. Pela fumaç a que saí a da chaminé, era evidente que algué m estava acordado. Avistou uma caminhonete parada na entrada. O portã o de ferro estava apenas encostado, e qualquer um podia entrar. Estacionou o carro defronte da casa, incerto se ia deixá -lo ali ou nã o. Em seguida, soltou o pé do freio e manobrou o carro na rua, indo estacionar atrá s da caminhonete.

Sua chegada foi recebida apenas pelos latidos insistentes do ca­chorro nos fundos do quintal. Saiu do carro e observou um momento as janelas fechadas no andar de cima. Entã o era ali que Rachel morava... Há quanto tempo? Nos ú ltimos dois ou trê s anos, talvez. Depois que o marido morrera, provavelmente. Francis dissera que Rachel era viú va. E o marido? Por que Rachel se casara com ele? Amava-o? Nesse caso, amava com mais facilidade do que ele...

Afastou os pensamentos aflitivos da cabeç a e aproximou-se da porta. Apertou o botã o da campainha e aguardou algué m aparecer, com os mú sculos do estô mago tensos. Ouviu a campainha ecoar dentro de casa e desejou que ningué m estivesse dormindo. Aquele barulho podia acordar um morto.

Durante alguns segundos pensou que nã o havia ningué m em casa ou que ningué m acordara ainda, mas a fumaç a da chaminé e o carro parado na passagem pareciam sugerir o contrá rio. De fato, apó s uma espera interminá vel, ouviu passos que se aproxi­mavam e viu a porta de vidro fosco abrir-se finalmente. Um rapaz observou-o em silê ncio. Um rapaz magro, de cabelos ruivos, com uma pequena barba e bigode que lhe davam à fisionomia uma aparê ncia mais madura.

— Pois nã o?

Joel olhou surpreso para o rapaz. Esperava que Rachel abrisse a porta, e agora nã o sabia o que dizer. Tomou coragem e perguntou rapidamente:

— Rachel está?

— Rachel?

O rapaz franziu as sobrancelhas, e havia um leve indí cio de hostilidade na maneira como pronunciou o nome. Joel sentiu a tentaç ã o de segurá -lo pelo colarinho, mas controlou-se a tempo.

— Gostaria de falar com ela.

O rapaz mostrou-se visivelmente contrariado.

— Ria está ocupada, no momento. Nã o poderia passar mais tarde? Joel dominou sua impaciê ncia.

— Por favor, diga a ela que Joel Kingdom está aqui. Tenho certeza que vai me receber.

— Joel Kingdom? — repetiu o rapaz com frieza. — Você é parente de James Kingdom?

— Sou, por quê? — disse Joel, avanç ando um passo. — Vai dar meu recado?

O rapaz balanç ou os ombros e atravessou o vestí bulo amplo da casa. Joel apoiou-se na porta e o observou durante alguns segun­dos. Aquele era o tal secretá rio que a mulher falara. Era mais moç o do que imaginava. Qual seria o relacionamento que mantinha com Rachel?

Voltou a cabeç a e examinou distraidamente os canteiros que havia na passagem. Algué m cortara a grama recentemente, e as azalé ias logo estariam crescidas, enfeitando a entrada. Avistou um objeto em­baixo de um pé, algo que fora vermelho antes, mas que estava agora coberto de barro e de folhas secas. Parecia um carrinho de brinquedo. Apertou os lá bios. Da menina... de Sara, provavelmente. — Você queria me ver?

A voz baixa soou nas suas costas inesperadamente. Voltou-se com um gesto brusco da cabeç a. Nã o ouvira ningué m se aproximar. Rachel estava parada no meio da porta, com as mã os nos bolsos do avental que usava por cima da calç a comprida e da blusa esporte aberta no peito. O rosto estava mais fino do que se lembrava, corado em alguns pontos e muito pá lido em outros. O corpo també m parecia mais esguio, mas os cabelos, os cabelos louros prateados, onde afundara tantas vezes a cabeç a, estavam belos como sempre, embora estivessem presos no alto da cabeç a, sem muita elegâ ncia. Joel endireitou-se devagar, enquanto examinava-a demoradamente, e sentiu-se envaidecido pela maneira como ela reagiu a seu olhar insistente.

— Ora, vejam só! — exclamou com um sorriso irô nico no canto da boca. — Rachel em carne e osso!

— O que você quer, Joel? Estou ocupada no momento e nã o posso perder tempo.

Falou rapidamente, sem fazer uma pausa, e olhou por cima dos ombros para algué m que estava atrá s. Joel avistou o rapaz de barba, no fundo da sala, e sentiu um movimento de impaciê ncia.

— Mande esse cara embora e venha aqui fora conversar comigo! — disse com irritaç ã o. — Nã o posso conversar diante desse ca­marada aí!

— Rachel!

Andrew fez menç ã o de se aproximar. Rachel acenou com a mã o para ele se afastar.

— Você quer uma explicaç ã o, é isso?

— Exatamente. Você acertou em cheio.

— James prometeu que nã o ia contar nada...

— Ah, é?

— Mas contou, pelo visto.

— Perdã o. Nã o foi ele. Francis viu você s dois juntos.

— Ah, nã o!

— Ah, sim! — exclamou Joel, encarando-a com frieza. — Como é? Você vai mandar esse seu amiguinho embora, ou espera que eu mande?

— Joel, eu estou realmente ocupada no momento. Nã o posso conversar com você agora. O coronel está esperando o café e eu...

— Rachel, eu vim aqui para conversar com você! Ela torceu as mã os com nervosismo.

— Está bom, Joel, está bom. Eu vou conversar com você. Mas nã o agora. Nã o aqui. E nã o desse jeito. — Olhou novamente para trá s. — Você nã o pode voltar outra hora? Hoje à tarde, por exemplo?

Joel enfiou as mã os no bolso do casaco para nã o segurá -la e sacudi-la até os dentes rangerem. Viajara trezentos quiló metros para saber a verdade e ela o contemplava, impassí vel, da porta, e falava em fazer o café para o coronel! Mas nã o adiantava perder a calma e fazer uma cena. Na realidade, ela tinha todo o direito de se recusar a recebê -lo, enquanto ele nã o tinha nenhum. Estava numa casa particular. Sem a permissã o expressa do dono. Poderia ser posto na rua, inclusive por aquele maldito secretá rio.

Controlou-se com dificuldade.

— Muito bem, hoje à tarde. A que horas? Rachel balanç ou os ombros com nervosismo,

— Nã o sei... As duas e meia talvez...

— As duas em ponto — disse Joel com o rosto fechado. Sem dar mais uma palavra, caminhou para o carro. Bateu a porta com forç a, ligou o motor o pisou com toda forç a no acelerador, tendo o prazer infantil de atirar pedrinhas na caminhonete estacionada na passagem.

Passou a manhã à beira de um riacho que encontrou na estrada. Nã o voltou ao hotel onde dormira à noite, contentando-se em beber a lata de cerveja que guardara no porta-luva quando sentiu sede pela uma da tarde. A cerveja estava morna. Ele fez uma careta quando limpou a boca com as costas da mã o. Se havia algo que detestava era cerveja morna.

Em compensaç ã o, o sol estava gostoso enquanto descansava à beira do riacho. Se Erica estivesse ali, diria que estava estragando a roupa deitado em cima da relva. É rica era dona de uma butique e estava sempre preocupada com as roupas que vestia.

Faltavam quinze para as duas quando se levantou, sacudiu a roupa e voltou para o carro. O cé u tornara-se encoberto na ú ltima meia hora e, ao entrar no Mercedes, sentiu alguns pingos grossos no rosto. Fez uma careta contrariada, manobrou o carro e voltou na mes­ma direç ã o que viera. No momento em que chegou ao alto da ladeira, de onde podia avistar a forma cinzenta da casa, estava chovendo forte. Estacionou o carro atrá s da caminhonete, como da primeira vez, e, em lugar de descer e ir até a porta, tocou a buzina. Nã o era uma atitude muito delicada, mas seus sentimentos no momento nã o lhe permitiam nenhuma fraqueza ou compaixã o.

Passaram-se alguns minutos e ningué m apareceu. Sua irritaç ã o aumentou. Que fim ela levou? pensou com raiva. Rachel sabia que viria de qualquer maneira, com chuva ou sem chuva. Por que nã o estava esperando por ele?

Com um suspiro de impaciê ncia, abriu a porta e saiu debaixo de chuva. Correu até o alpendre, e no momento em que chegou lá, ofegante e molhado, a porta se abriu e Rachel apareceu. Ela mostrou-se surpresa ao vê -lo, mas Joel podia jurar que estava esperando por ele, há alguns minutos, atrá s da porta.

— Muito inteligente da sua parte. Mas meio infantil, nã o acha? Ela levantou os olhos inocentes e castanhos na sua direç ã o. — Do que você está falando?

Joel abriu a boca para dizer um desaforo mas controlou-se a tempo. Balanç ou a cabeç a e olhou rapidamente para a roupa dela. Rachel estava com a mesma calç a comprida desbotada que vestia de manhã, mas o avental fora substituí do por um casaco grosso. O verde-escuro acentuava a palidez do rosto e, durante um mo­mento, sentiu um impulso de compaixã o por ela.

— Você prefere que traga o carro mais perto?

— Nã o precisa. Estou acostumada a apanhar chuva. Vamos? Tomou a iniciativa e saiu debaixo do alpendre. Joel correu na

sua frente para abrir a porta. Rachel sentou-se no banco sem olhar para ele, que bateu a porta com mais forç a do que era ne­cessá rio, antes de dar volta correndo e instalar-se ao lado dela. Joel examinou os ombros molhados do casaco e, como estavam ensopados, despiu-o e atirou-o em cima do banco de trá s. Sugeriu que ela fizesse o mesmo, mas Rachel recusou, em silê ncio. Joel ligou o carro, deu marcha a ré e parou junto ao portã o, quando ela disse:

— Onde vamos? Tenho que estar de volta dentro de uma hora.

— Uma hora? — repetiu, fixando-a com o canto dos olhos.

— É. Sara vai acordar e tenho que estar de volta.

Joel nã o fez nenhum comentá rio. Tomou a estrada e rumou rapidamente para o local à beira do riacho onde passara a manhã.

Podia estacionar o carro fora da estrada e era bastante longe de tudo. Rachel nã o falou nada durante o percurso, e Joel imaginou que estava preparando a resposta que daria.

Quando chegaram ao riacho, Joel estacionou o carro e acendeu automaticamente uma cigarrilha. Deu uma tragada comprida e abaixou a janela pela metade para soprar a fumaç a para fora.

— Entã o? — disse finalmente. — Que histó ria é essa? Rachel juntou as mã os em cima do colo.

— Qual?

— Nã o se faç a de ingé nua, Rachel. Você sabe perfeitamente do que estou falando. Como você conheceu meu pai?

— Eu conheç o James há muitos anos, Joel. Você sabe disso. Joel mordeu com impaciê ncia a ponta da cigarrilha.

— Por que eu a apresentei a ele? Essa nã o pega! Posso contar nos dedos as vezes que você s se encontraram... Nó s dois nunca fomos muito amigos e você sabe disso.

— Eu disse apenas que conheç o seu pai há muitos anos.

— Eu sei disso.

— Eu sei que você sabe. — Dobrou os dedos na palma da mã o. — Por que você acha tã o extraordiná rio que James tenha me pedido em casamento? Ele sempre gostou de mim.

— Rachel, pelo amor de Deus! — murmurou Joel, com a boca tensa.

— Ah, Joel, pare com isso! Pare com isso! — Pô s as mã os nos ouvidos. — Por que você veio aqui? O que você pretende? Tudo entre nó s terminou há muito tempo. Você sabe disso. Você nã o tem nenhum direito de se meter na minha vida.

— Nã o tenho? — exclamou furioso. — Quer dizer que nã o tenho? Essa é boa! Você acha realmente que pode se casar com meu pai sem provocar nenhuma reaç ã o em mim?

— O que isso tem a ver com você?

— Você quer ser minha madrasta, é isso? Você gosta do meu pai como gostou de mim? Ah, vamos, Rachel, desembucha. O que está acontecendo? Você está querendo se vingar de mim? Ou pre­tende mostrar como poderia ter sido nosso casamento?

— E se for? — explodiu com raiva. — O que você vai fazer para me impedir?

Durante um momento de silê ncio, Joel olhou pela janela aberta para a chuva que caí a. Nã o podia acreditar! Simplesmente nã o podia! Rachel nã o era assim antes. Mas fazia anos que estavam separados. Ela casara depois disso, tivera um filho. Que vida levara desde entã o para estar agindo dessa forma?

Deu um suspiro e disse com a voz calma:

— Por que você desapareceu? O que eu fiz que levou você a sumir desse jeito? Rachel respirou fundo.

— Você ainda pergunta! — Balanç ou a cabeç a com o rosto fe­chado. — De que adianta falar nesse assunto, Joel? O passado está morto. É com o futuro que me preocupo.

— Doa em quem doer!

— Nã o é verdade. Você nã o sabe nada do que aconteceu comigo.

— Entã o me conte.

Rachel alisou as dobras do casaco.

— Joel, eu vou me casar com seu pai. Nada do que você disser vai alterar minha decisã o.

— Você deve estar bem desesperada...

— Estou.

— Por quê? — Voltou-se para examiná -la e notou de novo o rosto magro, os olhos apagados e sem brilho. Nã o era absoluta­mente a expressã o animada de uma noiva. — Você precisa de dinheiro? Se for isso, eu posso lhe dar.

El a fitou-o com desprezo,

— Se eu fosse um homem, você ia levar uma bofetada no rosto por me fazer essa pergunta. Eu nã o me casaria com homem ne­nhum por dinheiro! Ah, você devia ter vergonha de si mesmo, Joel! Você é um bastardo de primeira!

Joel estendeu o braç o e apertou o pulso fino entre os dedos, sentindo os ossos frá geis tremerem dentro de sua mã o. Podia dominá -la fa­cilmente, mas nã o era sua intenç ã o. Nã o era um animal. Tinha cabeç a c desejava usá -la. Mas, naquele momento, desejava apenas feri-la, desejava vê -la contorcer-se de dor, assim como ela o torturava men­talmente. Ela fez uma careta mas nã o gritou. Estava tã o perto dela que podia sentir o perfume quente do corpo, e seus olhos desceram irresistivelmente para a abertura da blusa. Compreendeu no mesmo instante o motivo da excitaç ã o que sentia e, com um sentimento de repugnâ ncia por agir daquela maneira, soltou-a e afundou no banco.

— Eu quero saber a respeito do seu marido e de sua filha. Ele morreu?

— Morreu — murmurou Rachel, esfregando o pulso dolorido.

— Como ele se chamava?

— Como se chamava? — repetiu surpresa. — Você sabe o nome dele.

— Gilmour? — insistiu Joel com frieza. — Era assim que você o chamava, pelo sobrenome?

— Nã o, claro que nã o. Seu primeiro nome era Alan.

— Alan Gilmour. O que ele fazia? — Rachel fixou-o surpresa. — Qual era sua atividade?

— Isso tem importâ ncia?

— Eu quero saber.

— Era engenheiro — disse com um suspiro. — Trabalhava para o governo.

— Hum. Quanto tempo você s estiveram casados?

— Dois... trê s anos. Por que você quer saber?

Joel també m nã o entendia por que estava tã o curioso, a nã o ser que fosse pela satisfaç ã o sá dica que sentia em forç ã -la a falar sobre algo que devia ser penoso para ela. Atirou a ponta da ci­garrilha pela janela.

— Foi muito difí cil criar a filha sozinha? Foi por isso que você aceitou esse emprego de governante? — Fez uma pausa. — É por isso que você pretende se casar com meu pai? Por amor a Sara?

— Nâ o pronuncie esse nome! — exclamou com í mpeto. — Você nã o conhece minha filha. Você nã o me conhece. Por que nã o vai embora e me deixa em paz?

— Eu quero saber.

— Nã o é da sua conta.

— Claro que é! Eu tenho direito de saber.

— Direito! Direito! Você nã o tem direito nenhum, absolutamen­te nenhum. Você me faltou quando... quando... — A voz diminuiu e ela abaixou o rosto, olhando para as mã os. — Preciso voltar. Quer me levar para casa... por favor?

Joel ajeitou-se no banco e examinou o perfil recortado sobre a janela. Por um momento, apenas por um momento, estivera na iminê ncia de saber a verdade atrá s de tudo aquilo. Mas ela recuara no ú ltimo instante e a frustraç ã o deixou-lhe um gosto amargo na boca. Ficou sentado imó vel, com os punhos cerrados, desejando que ela fosse um homem. Com um homem, nã o teria dó de arrancar a verdade. Mas Rachel nã o era um homem, era muito feminina, pelo contrá rio, e devia encontrar uma outra maneira de aliviar as tensõ es que silenciavam sua lí ngua. Como?

Rachel estava calma novamente quando o fitou de relance com o canto dos olhos.

— Você vai me levar de volta?

— Ainda nã o — disse Joel com frieza. — Ainda nã o. Forç ou a mente a refletir sobre o que fora dito entre os dois,

procurando encontrar a chave que abria a porta. O que dissera antes que provocara a explosã o de fú ria, quase a ponto de se trair?

Que palavras pronunciara que causaram aquela reaç ã o inesperada? Do que estavam falando? Do marido, Alan? Sim, era disso. E... da filha... Procurou lembrar o que dissera sobre a menina... Foi a sugestã o de que ela pretendia casar por amor da filha? Ia tentar novamente. Acendeu outra cigarrilha e perguntou com voz tranquila:

— Quando vai ser o casamento?

— Nã o tem data marcada — disse Rachel com um suspiro de impaciê ncia. — Dentro de algumas semanas, provavelmente.

— E até lá você vai morar aqui?

— Hum.

Joel controlou sua irritaç ã o.

— E Sara? Ela vai morar com você depois do casamento? Rachel fitou-o com raiva.

— Claro que vai. Onde mais poderia morar? Ah, Joel, pare com isso, pare com isso de uma vez! Preciso voltar. Sara pode acordar de um momento para o outro.

— Seu amiguinho vai cuidar dela se isso acontecer — comentou com frieza. — Ela nã o é mais uma criancinha de colo, nã o é mesmo? Que idade ela tem? Trê s anos? Quatro? Está bastante crescida para entender certas coisas...

Rachel respirou com dificuldade.

— Você vai me levar de volta ou nã o? — insistiu com a voz trê mula.

— E se disser que nã o?

— Posso andar. Nã o sou uma invá lida.

Estendeu a mã o para abrir a porta, mas Joel adiantou-se e segurou a maç aneta com forç a. O braç o dele estava roç ando contra 0 seio e, embora ela recuasse ao contato, ele aproximou-se deliberadamente do seu corpo encolhido junto à porta.

— O que foi, Rachel? — perguntou com ar de zombaria, ao perceber subitamente que tinha uma arma muito mais poderosa que a forç a para excitá -la. — Se você vai ser minha madrasta, que mal há em nos conhecermos melhor? Se nã o estou enganado, você gostava quando a tocava dessa forma...

Ela lutou para se afastar, com a respiraç ã o ofegante. Embora Joel estivesse espantado com a maneira como agia, algo mais forte do que o amor-pró prio obrigava-o a comportar-se daquela forma. Na realidade, a proximidade do corpo encolhido produzia um efeito inquietante sobre ele e, embora o amor nã o estivesse presente, a paixã o começ ava a levantar sua cabeç a. Apesar da aparê ncia aba­tida, do penteado deselegante, das roupas surradas, Rachel era uma mulher muito atraente, e sempre tivera o poder de perturbá -lo fisicamente.

— Solte-me! — gritou com fú ria, o rosto deformado pelo desprezo e pela amargura. — Eu sabia que isso ia acontecer! E só para isso que você serve, seu bruto!

— Por que você diz isso?

— É a pura verdade! — exclamou ofegante. — Você quer ter tudo sem dar nada. O corpo sem a mente. 0 prazer sem o sofrimento.

— Do que você está falando?

Enquanto segurava os ombros dela, refletia consigo que estava atingindo seu objetivo. Mas a razã o lhe dizia que ouviria prova­velmente o que nã o desejava. Sacudiu-a com violê ncia, e os cabelos louros se soltaram do nó que os prendia e caí ram como uma cortina de seda sobre os ombros. Nunca ela parecera mais indefesa, mais desejá vel, e as emoç õ es que estavam adormecidas há muito tempo voltaram a atormentá -lo. Lembrou-se da ú ltima vez que a vira assim, quando os dois se desejavam furiosamente...

— Rachel! — murmurou em voz baixa.

Com um esforç o desesperado ela esquivou-se ao seu beijo.

— Solte-me, seu bruto! — exclamou com raiva. — Nã o toque em mim!

— Rachel, Rachel! — Apertou os ombros com mais forç a. — Você nã o precisa ter medo de mim. Eu gostei de você uma vez. Eu nunca a magoei de propó sito...

— Ah, nã o? — Afastou-se dele com o rosto corado. — Você tem a memó ria curta, nã o?

— Por que você diz isso? O que foi que eu fiz? Diga-me. Foi você quem me deixou, lembra? Foi você que deu o fora, que fugiu sem dizer para onde ia! Eu quase enlouqueci. Foi você que en­controu um outro homem para tomar o meu lugar...

— Você nã o entende nada. Você ainda nã o tem idé ia do que estou falando. — Balanç ou a cabeç a com uma expressã o de infe­licidade total. — Sara nã o tem dois ou trê s anos, como você pensa. Ela tem cinco. Cinco anos! Entende agora?

As mã os que apertavam os ombros afrouxaram e as sobrance­lhas se juntaram no alto do nariz formando linhas fundas que sulcavam a testa. Uma horrí vel sensaç ã o de enjô o subia pelo es­tô mago e ele mal percebeu o olhar intenso que ela lhe dirigia. Avaliava, pelo visto, suas reaç õ es, desfrutava a expressã o de horror e de incredulidade que lia nos olhos dele.

— O que você disse? — perguntou com a voz pastosa.

O triunfo de Rachel foi de curta duraç ã o. Balanç ou os ombros com desâ nimo.

— Nã o devia ter contado — murmurou arrependida.

— Nã o devia ter contado? Nã o devia ter contado o quê? — perguntou recuperando-se rapidamente. — Você quer dizer... que essa menina... que Sara é minha filha?

Rachel encarou-o com uma expressã o de derrota.

— De quem mais podia ser?

Ele balanç ou a cabeç a incré dulamente.               

— De seu marido!

— Eu nã o me casei, Joel. Eu trabalho nessa casa nos ú ltimos cinco anos.

Joel quase jogou-a para longe de si ao ligar nervosamente a chave no contato.

— O que você vai fazer? — indagou assustada, o rosto branco como cera.

— O que você acha? — retrucou, respirando com dificuldade.

— Vou levá -la de volta para casa. Vou ver minha filha... se é que Sara é minha filha.

Rachel estendeu a mã o e segurou-o com forç a peio braç o,

— Nã o faç a isso, por favor, nã o faç a isso!

— Tente me impedir!

— Vou mesmo. Vou fazer tudo que estiver ao meu alcance para impedi-lo. Vou recorrer inclusive à justiç a, se for o caso.

A afirmaç ã o alarmou-o momentaneamente, e voltou-se para en- cará -la com desprezo,

— Por quê? Por que nã o posso ver minha filha? Você tem medo que eu a conheç a? Você tem medo que descubra sua mentira?

— Nã o é mentira — murmurou Rachel com um suspiro. — Deixe-me explicar, Joel, deixe-me explicar.

— O que você pode explicar? Rachel balanç ou a cabeç a.

— Por que você quer vê -la? Você nã o gosta de crianç as, Joel. Você sempre disse que nã o gostava.

— Mas agora eu tenho uma, nã o é mesmo?

— E isso é suficiente para chamar Sara de sua filha? — exclamou com o rosto fechado. — Você tem o topete, Joel?

Joel passou os dedos por entre os cabelos. Nã o podia aceitar tudo aquilo. Nã o podia acreditar no que fora dito. Era algum tru­que, uma armadilha que Rachel estava aprontando somente para torturá -lo. Só podia ser.

Procurou manter-se calmo e disse com o rosto sereno.

— Está bom, entã o. Admito que os filhos nã o entravam nos meus planos. Eu sou pintor e nã o babá.

— Exatamente.

— Foi por isso que você fez segredo da existê ncia de Sara du­rante todos esses anos?

Rachel arrancou com nervosismo um fio de cabelo.

— Faç a um esforç o, Joel, e volte ao passado. Qual seria sua reaç ã o, há cinco anos atrá s, se lhe dissesse que estava grá vida?

Joel mexeu-se com impaciê ncia no banco. Há seis anos atrá s estava começ ando na carreira, há seis anos atrá s a ambiç ã o era a forç a que motivava suas aç õ es. Ainda é hoje... mas de maneira diferente. Aliá s, de qualquer modo...

— Isso nã o podia acontecer — murmurou por fim. — Você tomava precauç õ es...

— Eu tomava precauç õ es? Ah, essa é boa, essa é realmente fantá stica! Eu devia tomar cuidado para que nada acontecesse, para que nada perturbasse seu prazer! Meu Deus, Joel, você é um monstro de egoí smo! Você é e sempre foi! Está lembrado que eu nã o tinha a menor idé ia do que você pretendia fazer? Eu confiei em você, Joel. Pensei que você gostasse de mim. Eu nã o sabia que você só se interessava por sexo...

— Nã o é verdade, Rachel! Eu gostava de você. Eu a amava realmente. E o que aconteceu... aconteceu porque nó s dois que­rí amos que acontecesse.

— É mentira! — Rachel exclamou, colocando as mã os nos ou­vidos, para nã o ouvir.

— E a pura verdade! — berrou com fú ria. — Eu queria dividir minha vida com você...

— Dividir sua vida comigo? Morar comigo, era isso que você queria!

— Talvez nã o pensasse nisso no iní cio, mas algum dia...

—... Você encontraria uma outra mulher!

— Nã o, juro que nã o. Um dia me casaria com você.

— Como você é bonzinho, Joel!

— Rachel, o casamento nã o fazia parte dos meus planos na é poca.

— E os filhos nã o fazem parte dos seus planos nunca!

Joel passou a mã o pela nuca. Estava desorientado, confuso. Nâ o podia refletir com clareza sobre o caso.

—  As situaç õ es alteram as coisas — murmurou.

— O que você quer dizer com isso?

— Quero dizer que... se Sara for realmente minha filha... tenho que alterar meus planos.

Rachel encarou-o fixamente, com os olhos contraí dos.

— Do que você está falando?

— Que vamos nos casar, naturalmente.

— Casar? Casar? — Ela caiu na gargalhada — Eu nã o me casaria com você nem que fosse o ú ltimo homem na face da terra. Como você pode ser tã o convencido? Você acredita sinceramente que eu me casaria com você depois de tudo que aconteceu? Joel segurou-a com forç a pelo braç o.

— Sua opiniã o nã o me interessa no momento.

— Ah, nã o? E o que seu pai diria a respeito disso? Por um segundo Joel esqueceu o motivo da viagem.

— A opiniã o do meu pai nã o tem a menor importâ ncia. Se a filha for minha, é minha e de mais ningué m.

— Sara nã o é um objeto, Joel. É uma pessoa humana. Uma pessoa muito especial, para seu governo. E você nã o tem nenhum direito sobre ela,

— Como nã o tenho?

— Sara é minha filha. Você desempenhou quando muito um papei secundá rio na fecundaç ã o, mas nã o pode provar nada.

— Ela nã o se parece comigo?

— E sua cara, se você quer saber.

Joel sentiu um espasmo na boca do estô mago. Desejava deses-peradamente ver a menina...

— Nesse caso, vai ser fá cil provar a paternidade.

— Vou negar tudo — exclamou Rachel com animaç ã o. — Posso dizer inclusive que ela é filha de James.

Joel sentiu o impulso incontrolá vel de agredi-la. A tentaç ã o foi tã o grande que abriu bruscamente a porta do carro e saiu debaixo de chuva, respirando fundo o ar frio e ú mido do campo aberto. Só faltava essa... Torturá -lo dizendo que a filha era do pai!

Minutos depois, ao voltar para o carro, estava mais calmo.

— Faç o questã o de conhecer minha filha — disse com firmeza. — Nada vai me demover desse desejo.

Rachel guardou silê ncio durante um momento e acrescentou, por fim, em voz baixa:

— O que vai adiantar?

Joel fechou os olhos um instante, em agonia, torturado por emoç õ es que ameaç avam dominá -lo. Os ú ltimos quinze minutos tinham sido uma verdadeira tortura mental, e sua cabeç a doí a terrivelmente. O que ela pretendia fazer?

— Você é uma mulher sem coraç ã o — murmurou por fim. — O que aconteceu com você que a mudou tanto?

— Você sabe a resposta — disse com frieza. — Agora me leve de volta para casa.

 

 



  

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