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CAPÍTULO VI



— Iain, você está salvo! Você está salvo!

Brucena nã o conseguia dizer outra coisa durante toda a noite. Foram essas as palavras que pronunciara, quando saí ra correndo em direç ã o a Iain. Sem se importar com sua aparê ncia, atirara-se em seus braç os.

Ele a fitou bem dentro dos olhos e ela nem sequer notou a sujeira que se grudava à sua pele escurecida ou os mulambos que o cobriam.

Sabia apenas que ele voltara para seus braç os e nada mais no mundo tinha importâ ncia.

— Estou bem! — ele disse com toda calma. — Eu a preveni de que você devia confiar em mim.

— Eu fiquei com medo... com tanto medo! Mas você trouxe o garotinho... Como foi que conseguiu?

Olhou para seu amiguinho indu enquanto falava e ele tinha nos lá bios o mesmo sorriso que lhe dirigira, da primeira vez em que se haviam encontrado.

— O nome dele é Azim e está muito cansado. Percorremos uma longa distâ ncia e com muita rapidez.

— Mas a cabra os protegeu — disse Brucena baixinho...

— Pelo que vejo, você está por dentro. Acho que devemos ir para um lugar seguro o mais cedo possí vel e...

Antes que ele pudesse prosseguir Brucena deu um grito.

— Você quer dizer... que está sendo seguido?

— Espero que nã o, mas acho que nã o devemos correr riscos inú teis.

— O primo William e Amelie estã o no bangalô. Vamos para lá imediatamente.

Prosseguiram caminho e formavam um grupo muito estranho: Brucena usando um lindo vestido, lain e o menino parecendo dois mendigos andrajosos e a cabra forç ada a prosseguir, quando tudo o que ela queria era simplesmente deitar.

Azim foi entregue aos cuidados do criado pessoal de primo William, Nasir, que estava com ele há muitos anos. Assim que lain foi se lavar e trocar de roupa, Brucena sentou-se ao lado de Amelie, contando-lhe o quanto tinha ficado assustada.

— É realmente assustador, ma pauvre petite — concordou Amelie -, mas William, por exemplo, fica aborrecido se eu me preocupo muito com ele. Acho que você vai ter de aprender a esconder seus sentimentos, como eu aprendi a fazer desde que nos casamos.

— É muito angustiante saber que algué m a quem se ama está correndo perigo e que nã o se pode fazer nada a respeito...

C’est l’amour — disse Amelie, sorrindo. — O amor é maravilhoso, mas pode també m ser extremamente doloroso.

— É o que descobri — concordou Brucena.

Ficou a imaginar quanta angú stia o futuro lhe reservaria, se ela ficasse apreensiva toda vez que lain estivesse longe dela.

Mas quando ele surgiu na varanda, uniformizado e com a aparê ncia mais inglesa e convencional possí vel, Brucena achou impossí vel imaginar que ainda há pouco ele se assemelhava a um indiano da mais baixa casta.

Certificou-se també m, quando seus olhares se cruzaram, que qualquer sofrimento valia a pena, enquanto ele a amasse.

Apó s o jantar, que lain tornou aliá s muito divertido, contando-lhes com muito humor as peripé cias vividas por ele e Azim a partir do momento que saí ram de Gwalior, os criados tiraram a mesa e saí ram da sala.

Amelie fez o mesmo, seguida pelo marido, e Brucena perguntou a lain em voz baixa:

— Conte-me... o que aconteceu de fato?

Lain veio sentar-se a seu lado e segurou-lhe a mã o.

— Nã o pretendo ser rude, minha querida, ao lhe dizer que nã o costumo comentar o que aconteceu comigo, uma vez que as coisas ficaram para trá s. Acontece poré m que há tantos fatos nesta cruzada em que seu primo e eu estamos engajados, que acho melhor nem tocar no assunto.

— Mas quero saber — insistiu Brucena. — Como foi que você conseguiu aproximar-se de Azim? Com toda certeza o homem que o seqü estrou e tentou me matar... fez o impossí vel para impedi-lo de levar o garoto, nã o?

Lain manteve-se em silê ncio durante alguns instantes e disse:

— Vou tranqü iliza-la de uma vez por todas, dizendo-lhe que ele nã o se encontra em posiç ã o de assustá -la nunca mais!

— Quer dizer... que ele está morto?

— Sim, ele está morto.

Lain mostrou-se relutante em sua afirmativa e Brucena deu um pequeno grito.

— Você o matou! Bem... pelo menos ele nã o roubará mais crianç as e matará suas mã es!

— Você está me parecendo um tanto sanguiná ria, minha querida — observou William Sleeman.

Havia voltado para a sala, sem que Brucena percebesse, e ela assustou-se ao ouvir suas palavras.

— Acho melhor você esquecer o que lain acaba de lhe contar.

Brucena achou que havia uma nota de censura em sua voz edisse rapidamente:

— É exatamente o que lain dizia. Você, no entanto, entende que eu me sinto muito curiosa.

— É uma emoç ã o que precisa ser desencorajada, no que nos diz respeito — comentou William Sleeman. — Preciso conversar com lain e dou-lhe exatamente vinte minutos para que você permaneç a a só s com ele. Sugiro que vá se deitar em seguida, minha cara.

— Oh, primo William! Nã o é justo! Vinte minutos, quando estou esperando há quatro dias... ou há quatro sé culos!

— Vinte minutos! — retrucou o capitã o Sleeman com firmeza, deixando-os a só s.

Brucena voltou-se para lain, com uma pergunta nos lá bios. Ele tomou-a nos braç os, apertou-a contra si e disse:

— Por que perdemos tempo conversando, quando quero beijá -la? Nunca, em toda minha vida, desejei algo com tamanha intensidade!

Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa ele beijou-a, até que ela teve a impressã o que tudo desaparecia, a nã o ser sua pessoa.

Sentiu novamente como se ele a transportasse para a luz do sol e como se eles estivessem envolvidos por uma aura de felicidade que fazia parte da divindade.

Já nã o se sentia mais humana, temerosa e angustiada. Sabiaapenas que os braç os de Iain em torno dela tornavam-na imortal, o mesmo acontecendo com ele.

Havia em seu coraç ã o um enlevo tã o doce, tã o perfeito, que se sentia integrada a tudo o que havia de mais belo no mundo.

Somente quando Iain descolou seus lá bios dos dela, Brucena conseguiu dizer, com uma voz que parecia vir de muito e muito longe:

— Eu amo você loucamente! E ainda nã o consigo acreditar que isto me aconteceu tã o de repente!

— Eu me surpreendi pensando a mesma coisa nestes ú ltimos dias. Quando Azim e eu escalá vamos rochedos, cruzá vamos rios e nos escondí amos à noite debaixo das mangueiras, senti o tempo todo que você estava a meu lado, me guiando, me ajudando, e por mais perigos que corrê ssemos, permanecemos incó lumes, pois você se encontrava conosco.

— Você se sentiu realmente assim?

— É impossí vel explicar o quanto você tornou minha vida diferente. Antes eu vivia muito só e acreditava querer que minha vida fosse sempre assim, auto-suficiente, nã o dependendo de nada e de ningué m, a nã o ser de mim mesmo. Agora, tudo mudou, pois conheci uma linda jovem que olhou para mim com uma expressã o de zanga no olhar.

— Estava zangada, sim — reconheceu Brucena -, mas nã o durou muito. Queria que você... gostasse de mim.

— Nã o somente gosto, como acho que você é a criatura mais maravilhosa que jamais existiu. Nã o deve mais haver incompreensõ es entre nó s.

— E como seria possí vel haver? Por favor... por favor... cuide-se. Se algo lhe acontecer, eu...

— Você precisa aprender a confiar em mim.

— Você bem sabe que eu quero... mas é muito difí cil... pois sinto medo por você.

Ele tornou a beijá -la e ela nã o conseguiu dizer mais nada. Com muita relutâ ncia, Iain afastou-se dela, dizendo:

— Meu superior está à minha espera.

— Nã o é justo, da parte de William, separar você de mim.

— Acho que ele tem algo importante a me comunicar e eu també m tenho muitas coisas para lhe dizer. É preciso que você aprenda a ser a mulher de um soldado, querida.

Ele a tomou novamente nos braç os e um pouco mais tarde, pensando no que ele lhe dissera, Brucena sentiu que Iain havia falado a sé rio.

Como mulher de um soldado, devia aprender que seu dever vinha em primeiro lugar.

Deitada em um karpoy pequeno e estreito, em um quarto pouco maior do que uma caixa, Brucena constatou que por mais que protestasse, ela se dispunha a fazer o que quer que lhe pedissem, contanto que pudesse casar-se com Iain. Costumava pensar com frequê ncia no homem com quem se casaria um dia, mas ele sempre permanecera no anonimato. Mesmo em sua imaginaç ã o era um rosto desprovido de quaisquer traç os.

Agora Iain preenchia seu mundo. Sabia que seus sonhos tinham se transformado em realidade e que seus ideais materializavam-se em um ú nico homem.

" Devia saber instintivamente que ele estava em alguma parte do mundo à minha espera e é por isso que nunca pude admitir sequer por um momento a idé ia de desposar lorde Rawthorne ou algué m como ele, por mais que Amelie desejasse", pensava Brucena, " e acho que no fundo do coraç ã o jamais desejei altas posiç õ es, poder ou riqueza e sempre pensei que o amor era a ú nica coisa que valia a pena. "

O primo William teria dito que aquilo fazia parte do sangue româ ntico da Cornualha, que ela trazia em suas veias, e que Iain era um daqueles heró is de contos de fada que sua mã e lhe narrava, quando ela era menina.

Eles haviam permanecido arraigados em seu subconsciente e os homens que ela havia encontrado, bem como os homens que pensou poder encontrar algum dia na vida eram contrapostos aos cavaleiros, santos e ao rei guerreiro que faziam parte da histó ria da Cornualha.

— Acho que um dia o primo William será considerado um heró i devido ao que ele fez em relaç ã o à eliminaç ã o dos thugs, mas Iain també m desempenhará um outro papel no desenvolvimento da Í ndia— dizia para si mesma.

Imaginava o que poderia ser quando foi vencida pelo sono. Quando abriu os olhos, já era manhã.

Levantou-se rapidamente da cama, pois sabia que quanto mais depressa se vestisse, mais cedo veria Iain e desejava aquilo mais do que tudo. Agora que ele os alcanç ara, partiriam para Saugar o mais rapidamente possí vel.

Quando chegaram a casa branca rodeada por flores, foram saudados por sorrisos e reverê ncias dos criados. Brucena sentiu que voltava realmente para seu lar.

Nasir, o criado do primo William, já sugerira que o cozinheiro do bangalô ficaria muito feliz em adotar Azim.

Era muito dedicado à sua mulher, que já lhe dera dois filhos e trê s filhas, todos com idade suficiente para deixar sua casa.

— Ainda é moç a — disse Nasir -, mas nã o pode ter mais filhos. Isto lhe causa um grande pesar.

— Conversarei com eles a esse respeito — prometeu o capitã o Sleeman. — Gosto muito deles e acho que Azim se sentiria muito feliz em sua companhia.

Brucena, quase tristonha, sentiu que ele era um menino tã o querido que ela mesma gostaria de adotá -lo. Sabia també m que semelhante idé ia apresentaria inú meras dificuldades e era suficientemente sensata para perceber que o menino seria mais feliz com as pessoas de sua pró pria casta.

Ele gostou muito da viagem de volta a Saugar nã o só porque nã o precisou andar pois Iain o havia carregado a maior parte do tempo como també m porque lhe permitiram sentar-se na carruagem, ao lado do cocheiro.

Isto deixou o menino encantado e proporcionou mais espaç o na carruagem para Amelie.

Brucena també m ajudou a resolver o problema declarando que gostaria de viajar a cavalo, imitando a intenç ã o de Iain.

Providenciaram um cavalo para ela e ambos cavalgaram ao lado da carruagem, a fim de evitar a poeira, ou um pouco adiante dela, enquanto o destacamento da cavalaria os seguia.

Alé m de ser uma alegria cavalgar ao lado de Iain, Brucena sentia-se feliz també m por estar de volta.

Seu quarto, tã o confortá vel, parecia-lhe muito satisfató rio, apó s enfrentar a austeridade dos bangalô s e a criada que sempre estava à sua disposiç ã o já havia preparado tudo, inclusive um banho, luxo inusitado que nã o era proporcionado aos viajantes.

Usando um de seus mais belos vestidos, dirigiu-se à sala de estar, excitada com a perspectiva de encontrar-se com Iain. Fora-lhe comunicado que Amelie nã o pretendia jantar com eles e se retirara para seus aposentos.

Para sua grande alegria encontrou Iain sozinho na sala de visitas. Estava extremamente elegante em seu uniforme de Lanceiro de Bengala e quando seus olhares se cruzaram, ela nã o conseguiu deixar de sair correndo em sua direç ã o.

— Você está lindí ssima, querida, aliá s, como sempre! — exclamou Iain.

— Espero que você sempre pense assim. Posso lhe dizer o quanto você está bonito? Você nã o ficará muito convencido?

— Sou o homem mais convencido do mundo, pois você me ama.

Puxou-a para junto dele e ela ergueu o rosto, à espera que seuslá bios tocassem os dela. Ele a contemplou durante um bom momento, antes de beijá -la longa e apaixonadamente, o que fez com que seu coraç ã o batesse tumultuosamente. Brucena queria ficar bem juntinho dele e desejava que ele continuasse a beijá -la, mas para sua grande surpresa ele largou-a e conduziu-a até o sofá. Enquanto se sentavam ele disse:

— Preciso lhe declarar algo, querida.

— De que se trata?

Pelo tom com que ele se expressava intuiu que se tratava de algo sé rio. Parte da exaltaç ã o que seus beijos haviam despertado nela dissipou-se, como se ela tivesse sido tocada por um vento frio.

— Seu primo e eu teremos de partir amanhã bem cedinho.

— Partir? Mas nó s acabamos de chegar! Você nã o pode ir embora tã o depressa!

— Nã o podemos deixar de fazê -lo.

— Mas por quê? Por quê? Primo William há de compreender que você precisa de um descanso!

Iain desviou o olhar e ela sentiu que ele escolhia as palavras, imaginando o quanto poderia lhe dizer.

Estavam tã o pró ximos um do outro que ela quase podia ler seus pensamentos. Tomada de uma sú bita intuiç ã o, Brucena perguntou:

— Sua partida tem algo a ver com os thugs? Trata-se de algo que você descobriu durante sua estadia em Gwalior?

— Nã o quero que você faç a perguntas.

— Mas eu tenho de saber! É a verdade, nã o é mesmo? — insistiu Brucena. — Você trouxe ao primo William informaç õ es valiosas e ele tem de agir imediatamente.

Iain sorriu.

— Você nã o somente é linda, como també m muito inteligente, meu amor. Talvez algum dia isto seja muito valioso para mim. No momento, quero apenas que você confie em mim.

— Pois entã o confie você també m em mim e conte-me o que está acontecendo!

— Se eu o fizesse estaria traindo segredos que nã o pertencem apenas a mim. Posso apenas lhe dizer que é importante agirmos imediatamente. Deixo a você imaginar o resto.

Exercendo um esforç o sobre-humano, Brucena mordeu o lá bio e evitou protestar.

Tinha certeza, sem que Iain tivesse de lhe fornecer maiores detalhes, de que quando ele estivera disfarç ado, em Gwalior, havia descoberto o paradeiro de numerosos thugs, que ainda se encontravam em seu pró prio territó rio.

Era evidente que precisavam ser detidos antes que pudessem assassinar outros viajantes inocentes. Retardar a aç ã o significaria permitir sua fuga para Gwalior, onde Iain e primo William nã o poderiam penetrar.

Devido a seu amor por Iain e querendo agradá -lo, Brucena fez um esforç o e disse:

— Eu... compreendo.

Havia muita ternura no rosto de Iain quando ele declarou:

— Sabia que podia confiar em você. Quando tudo isto terminar e eu estiver de volta, prometo que a primeira coisa que faremos é planejar nosso casamento. Nã o tenho a menor intenç ã o de esperar muito tempo e logo você se tornará minha mulher.

Notou o brilho que se estampava no olhar de Brucena e achou que nenhuma mulher poderia ser tã o encantadora quanto ela.

Pô s-se entã o a beijá -la até ouvirem passos que se aproximavam. William Sleeman entrou na sala, vestido para o jantar.

Como já haviam se despedido na vé spera, Brucena, que já acordara antes do dia nascer, nã o saiu do quarto, ouvindo poré m quando Iain e primo William se afastaram a cavalo.

Sabia que sua missã o era extremamente sé ria, pois haviam levado todo o regimento de Cavalaria, deixando apenas quatro sipaios da Infantaria, sob o comando de um cabo, para tomar conta do bangalô.

Seu pai lhe falara, na Escó cia, sobre aquele destacamento que ele denominava jocosamente " o exé rcito particular de primo William". Brucena achou que haveria de ser algo muito adequado.

No entanto, ao chegar à Í ndia, ficou sabendo que a regiã osob sua jurisdiç ã o era duas vezes maior do que a Inglaterra, Escó cia e Gales.

Agora, muito infeliz, disse a si mesma que seu primo e Iain nã o contavam com homens em quantidade suficiente para eliminar uma forç a hostil.

E se os thugs fossem tã o numerosos que chegassem a ponto de massacrá -los?

Pensar que Iain pudesse ser estrangulado por meio de um lenç o amarelo, desaparecendo em seguida sem deixar o menor traç o, era algo de tã o terrí vel que Brucena teve vontade de gritar e sair correndo de seu quarto, suplicando a ele que nã o a abandonasse.

Sabia, no entanto, que ele ficaria chocado e desprezaria semelhante fraqueza. Permaneceu portanto em seu quarto, ouvindo-o afastar-se e cravando as unhas na palma da mã o, até sentir uma dor aguda.

Lá de fora vinha o barulho dos arreios que tilintavam, o som das patas dos cavalos no chã o de terra batida e vozes que emitiam ordens bem baixinho. Adivinhou o momento em que Iain e primo William saí ram do bangalô e montaram em seus cavalos.

Os primeiros clarõ es da aurora apontavam no horizonte e as ú ltimas estrelas feneciam no firmamento. Partiram a galope e ela ficou prestando atenç ã o, até que tudo se tornou silencioso.

— Nã o fique tã o preocupada, ma chè rie — disse Amelie, com certa energia.

O sol começ ava a esquentar e os jardineiros molhavam o gramado e as flores.

— Como você consegue permanecer tã o calma e imperturbá vel? — perguntou Brucena, ressentida.

— O meu William é um homem muito esperto — respondeu Amelie em francê s — e Iain Huntley també m. Já dominaram, prenderam ou eliminaram centenas de thugs. Nã o acredito que esta expediç ã o seja diferente das demais.

Brucena suspirou.

— A ú nica diferenç a é que agora estou envolvida nesta histó ria. Esta expediç ã o, para mim, é mais importante e mais aterrorizadora do que qualquer outra que eles tenham empreendido no passado.

— Você acabará se acostumando — garantiu Amelie.

— Espero que sim.

Nã o havia, poré m, otimismo no tom com que Brucena se exprimira. Ficou perdida em seus pensamentos, imaginando o que poderia estar acontecendo, quando Azim veio do alojamento dos criados, trazendo-lhe algumas flores.

Inclinou-se diante dela, obedecendo provavelmente aos ensinamentos de seus pais adotivos, e entregou-lhe as flores. Quando ela ajoelhou-se e tomou-o nos braç os ele sorriu, com aquela mesma expressã o tã o doce que atraí ra a atenç ã o de Brucena na primeira vez que se encontraram.

— Você se sente feliz? — perguntou em urdu.

Ele fez que sim e mostrou-lhe o pequeno novelo de seda que ela lhe dera e um assovio de madeira, que os indianos esculpem para as crianç as.

O menino estava evidentemente encantado com seus haveres e exibiu-os, soprando no assovio muitas e muitas vezes. Vendo, entã o, um dos jardineiros que trabalhava ali perto, saiu correndo da varanda, a fim de lhe mostrar seus brinquedos.

— Ele é um menino tã o bonzinho... — disse Brucena.

— A mulher do cozinheiro ficou muito feliz. Hoje de manhã veio me procurar, chorando de alegria, e contou-me que agora que tê m Azim, seu marido nã o deseja mais tomar uma nova mulher.

— Imaginei que já estava satisfeito, com toda aquela filharada?

— Uma famí lia numerosa é sinal de prosperidade e nosso cozinheiro é muito consciente da importâ ncia de ser empregado de William.

Brucena riu.

— Agora sei que quanto mais filhos meus criados tiverem, maior a posiç ã o social de Iain!

— Talvez um dia você tenha de administrar uma residê ncia oficial e isto significa centenas de criados sob seu comando.

— Você ainda pretende um futuro glorioso para mim, nã o é, Amelie? Nã o precisa se preocupar. Nã o conseguiria me sentir mais feliz do que me sinto agora, mesmo que Iain fosse nomeado governador-geral.

— Espero que, de uma maneira ou de outra, você ainda venha a ser chamada de milady — retrucou Amelie, disposta a nã o abrir mã o de suas convicç õ es.

Naquele momento, ouviu-se o barulho de cavalos que se aproximavam. Brucena olhou para Amelie e disseram quase ao mesmo tempo:

— Lorde Rawthorne!

Brucena o havia esquecido completamente, bem como sua promessa de visitá -los. Em sua ansiedade por Iain e diante da alegria de sua volta sã o e salvo na noite anterior, lorde Rawthorne e qualquer outra pessoa haviam deixado de existir.

Pela alameda, rodava uma carruagem na qual encontrava-se uma figura familiar e atrá s vinha uma escolta da Cavalaria de Gwalior.

" Que aborrecimento! ", pensou Brucena. " Por que ele haveria de aparecer justamente agora? Sobretudo neste momento, em que o primo William se acha ausente... "

Sabia que ele haveria de criar problemas e pensou rapidamente se seria possí vel para ela e Amelie recolherem-se a seus quartos e anunciarem que se encontravam indispostas.

Antes que conseguisse chegar a uma decisã o, era tarde demais.

Lorde Rawthorne veio ter com elas na varanda e tentava mostrar-se o mais agradá vel possí vel, mas sem deixar de lado o excesso de autoconfianç a misturado com um toque de arrogâ ncia.

— Sinto muito, milorde, mas meu marido partiu em missã o e portanto nã o pode recebê -lo — disse Amelie.

— É uma pena que ele esteja ausente, poré m fico muito contente ao verificar que a senhora e a srta. Nairn se encontram aqui.

Seu olhar nã o se desviava de Brucena, enquanto falava e era mais do que evidente que ele estava interessado unicamente em sua presenç a. Ela receou que ele se mostrasse uma pessoa difí cil e nã o se enganou.

Lorde Rawthorne fez-lhe elogios rasgados, sem se importar com a presenç a de Amelie e quando elas se retiraram para seus aposentos, a fim de se preparar para o jantar, Brucena disse:

— Pelo amor de Deus, nã o me deixe sozinha com ele.

— Acho que seria muita sensatez de sua parte dizer-lhe que você está noiva. Isto pelo menos arrefeceria um pouco seu ardor.

— Duvido, mas pretendo fazê -lo no momento que surgir uma oportunidade.

Nã o acrescentou que temia aquele momento, pois nã o tinha certeza da reaç ã o de lorde Rawthorne.

Durante o jantar, ele nã o tirou os olhos dela e foi com a maior dificuldade que ela conseguiu manter um diá logo entre os trê s.

— Vamos deixá -lo entregue a seu cá lice de vinho do Porto, milorde — disse Amelie assim que acabaram de jantar, levantando-se da mesa.

Lorde Rawthorne retrucou:

— Nã o desejo ficar a só s. Vou juntar-me à s senhoras na salade estar e tomarei meu Porto lá, se bem que um copo de conhaque gozaria mais de minha preferê ncia, no momento.

O criado, que falava inglê s, compreendeu o que ele queria e seguiu-os até a sala de estar, carregando uma garrafa de conhaque, que deixou ao lado de lorde Rawthorne.

Brucena olhou o reló gio de parede, imaginando quanto tempo levariam em conversas banais, antes que ela pudesse dizer que desejava recolher-se.

Entã o, para seu grande alí vio, Amelie declarou:

— No momento, isto ainda é um segredo, milorde mas sinto que é nosso amigo e que portanto gostaria de dar os parabé ns a Brucena, pois ela ficou noiva.

Pretendia dar um susto em lorde Rawthorne e conseguiu alcanç ar seu intento.

Ele ficou muito teso e havia quase que um tom de ferocidade em sua voz, quando ele indagou:

— Noiva? E de quem?

— Do major Huntley — replicou Amelie. — Meu marido ficou muito feliz por ela ter dispensado seu afeto a algué m que goza de nossa estima.

— Quer dizer, entã o, que vai casar com Huntley?

A pergunta era dirigida a Brucena e sentindo que ele se exprimia com impertinê ncia, ela alç ou provocantemente o queixo e replicou:

— Como a sra. Sleeman disse, no momento é um segredo; mas anunciaremos o noivado assim que eu escrever para meu pai e que Iain comunicar o fato a seus parentes.

— E quando foi feito o pedido? Por que nã o fiquei sabendo?

As perguntas eram abruptas e pareciam ecoar na sala. Brucenafingiu-se muito surpreendida e declarou:

— Como o senhor já foi informado, tratava-se de um segredo.

Lorde Rawthorne estava indubitavelmente furioso e Brucenaachou que aquele Seria o momento adequado para retirar-se, quando um criado entrou na sala e dirigiu-se a Amelie em voz baixa. Ela levantou-se e disse:

— Desculpem-me, por alguns momentos, mas está aí um homem querendo ver William e em sua ausê ncia sou obrigada a recebê -lo.

Saiu da sala antes que Brucena tivesse a oportunidade de segui-la. Assim que se viram a só s lorde Rawthorne disse:

— É intolerá vel! Nã o tenho a menor intenç ã o de permitir que você despose Huntley!

— Nã o entendo o que o senhor diz!

— Entende perfeitamente! Sabe muito bem que me apaixonei por você no momento em que a vi. E somente porque partiu de Gwalior com tanta pressa que nã o pude conversar com você, conforme pretendia.

— Agora é tarde demais para expressar seus sentimentos, milorde.

— Nã o me arrependo de nada que tenha a lhe declarar. Agora compreendo porque me mantinha à distâ ncia, mas o que aconteceu nã o é irrevogá vel...

— Nã o compreendo o que o senhor está tentando insinuar.

— Pois, entã o, deixe que lhe fale com toda franqueza. Eu a desejo e você se casará comigo!

— O senhor nã o deveria absolutamente ter dito uma coisa destas. Estou noiva de Iain Huntley e pretendo desposá -lo.

— Pois eu lhe digo que farei tudo para impedir este enlace! Como pode desprezar-me por aquele obscuro e insignificante caç ador de thugs?

Se ele nã o tivesse se exprimido com tamanha seriedade e violê ncia até que poderia ser divertido, mas passou de repente pela cabeç a de Brucena que ele teria meios de atingir Iain.

Caso quisesse levar adiante seu ressentimento, poderia intrigá -lo junto a seus superiores. Queixas partidas de personagens importantes tinham tido no passado capital importâ ncia, no sentido de arruinar a carreira de um homem, conforme lhe contara seu pai.

Pareceu-lhe subitamente que devia usar de grande tato a fim de proteger Iain. Desejou que Amelie nã o tivesse dito nada e lorde Rawthorne descobriria mais tarde que ela nã o estava mais livre.

O que estava feito nã o podia ser desfeito e ela devia mostrar-se suficientemente astuta para impedir o lorde de vingar-se do homem a quem ela amava.

— Sinto que devo expressar — disse com bastante hesitaç ã o — o quanto estou honrada por milorde ter pensado em mim da maneira que acaba de enunciar... mas sequer por um momento achei que seria o caso...

— Mas você devia perceber muito bem quais eram minhas intenç õ es!

Brucena sorriu.

— Milorde goza de uma reputaç ã o... Pelo que me dizem, é muito bem-sucedido com as mulheres... Nã o pude imaginar, sequer por um momento, que estivesse falando a sé rio, no que me dizia respeito.

Sabia que as lisonjas haviam desanuviado o ambiente até certo ponto, e apó s uma breve pausa ele declarou:

— Admito que houve certos murmú rios a meu respeito no passado, mas a partir do momento em que a vi constatei que você era uma pessoa diferente.

— Mas como é possí vel? — perguntou Brucena, esboç ando um gesto de impotê ncia com as mã os.

— Eu mesmo gostaria de saber a resposta a esta pergunta. Sei apenas que você me atrai de uma maneira diferente de tudo que senti até agora. Quanto mais a vejo, mais me apaixono por você.

Fez uma pausa e prosseguiu:

— Pretendia dizer-lhe tudo isto no momento em que você chegou a Gwalior. Pensei que lá seria mais româ ntico, naquele ambiente incrí vel do palá cio de Sua Alteza. Você poré m, partiu com tamanha pressa que nã o me deu a menor oportunidade de fazê -lo.

— Sinto muito... muito mesmo — disse Brucena.

— Sente mesmo? É verdade?

Por detrá s de sua pergunta havia uma intenç ã o que nã o lhe passava pela cabeç a e Brucena respondeu rapidamente:

— Sinto muito que tenha tido tanto trabalho por minha causa. Nã o gostaria de modo algum que o senhor fosse infeliz.

— E nã o tenho a menor intenç ã o de sê -lo — ele retrucou com tamanha resoluç ã o que ela se sentiu atemorizada.

Entã o, para seu grande alí vio, Amelie voltou para a sala.

— Nã o era nada muito importante. Trata-se apenas de um comunicado que devo transmitir a meu marido, assim que ele voltar.

Enquanto falava, seu olhar dirigiu-se para Brucena e em seguida para lorde Rawthorne e ela sentiu que havia tensã o no ar.

— Tenho certeza, milorde, que gostaria de recolher-se mais cedo hoje à noite. Gostaria de oferecer-lhe um jantar amanhã, se ainda estiver conosco. Temos vá rios vizinhos que se sentiriam muito honrados em conhecê -lo.

— Seria um prazer, sra. Sleeman — declarou lorde Rawthorne.

Seus olhos, entretanto, nã o se despregavam de Brucena, enquanto ele falava. Ela e Amelie sabiam que seus pensamentos estavam em outro lugar.

Desejaram-se boa-noite e todos foram para seus respectivos quartos. Brucena nã o se despiu imediatamente, pois sentia-se preocupada e ansiosa, achando que Amelie talvez tivesse agido mal ao comunicar seu noivado com Iain. Imaginou como poderia persuadi-lo a nã o mostrar-se tã o zangado e amargurado, pois caso contrá rio acabaria criando algum problema.

— É um homem por demais imprevisí vel e sinto que de certa maneira, muito perigoso.

Sentia-se tã o agitada que nã o convocou a criada e saiu para a varanda.

Brucena percorreu-a, com seus chinelos de cetim que nã o faziam o menor ruí do. Ao chegar no seu extremo ouviu a voz de lorde Rawthorne.

Ficou surpreendida, pois pensava que naquele momento ele estaria recolhido ao seu quarto, na parte dianteira da casa.

Ouviu-o dizer:

— Devo congratulá -lo pelo modo esplê ndido como assistiu o capitã o Sleeman em sua tarefa gigantesca de eliminar os thugs.

Uma voz de homem respondeu, mas Brucena nã o conseguiu ouvir exatamente o que ele dizia e imaginou quem poderia estar falando, até que lorde Rawthorne prosseguiu:

— É evidente que você nã o será cabo durante muito tempo. Você gosta de pertencer ao Exé rcito?

— Sim, lorde Sahib. É muito interessante.

Agora Brucena sabia com quem lorde Rawthorne estava falando. Era o cabo que tinha ficado para comandar os sipaios.

Sabia que se tratava de um indiano jovem e muito esperto e que, segundo William, cuidaria bem delas em sua ausê ncia.

— Admiro de fato o capitã o Sleeman! — prosseguiu lorde Rawthorne. — Sei que todo mundo, incluindo o governador-geral, está muito impressionado diante do que ele e homens como você conseguiram nesta regiã o.

Brucena ficou muito surpreendida com o que ouvia.

Por que lorde Rawthorne estaria fazendo aqueles elogios esparramados ao cabo?

Tudo aquilo parecia um tanto inusitado.

Havia notado, durante sua estada em Gwalior, que ele tratava os criados como se eles nã o tivessem a menor importâ ncia como indiví duos e estavam lá unicamente para obedecer suas ordens.

— Você deve estar sentindo pena de nã o participar da expediç ã o do capitã o Sleeman. Um jovem ambicioso como você deve gostar de participar da luta ou, melhor dizendo, do morticí nio...

Houve um murmú rio de concordâ ncia da parte do cabo e lorde Rawthorne prosseguiu:

— Nã o se incomode. Tenho certeza de que você nã o se prejudicará por ter ficado aqui e com toda certeza informarei o capitã o e outros oficiais superiores de que você executou seus deveres de modo exemplar.

— Obrigado, lorde sahib.

— Quando é que o capitã o Sleeman estará de volta?

— Nã o sei, lorde sahib.

— Quanto tempo ele levará para chegar a seu destino?

— Nã o é muito longe daqui, lorde sahib.

— Sim, claro! Já me disseram o nome. Deixe-me pensar. Acho os nomes indianos muito difí ceis.

— Selopa, lorde sahib.

— Sim sim, é claro! Que tolice de minha parte... Selopa! Esperarei sua volta com impaciê ncia e tenho certeza de que fará o mesmo, cabo.

— Sim, lorde sahib.

— Boa noite, cabo.

— Boa noite lorde sahib.

Brucena prendeu a respiraç ã o.

Percebeu que lorde Rawthorne havia obtido do cabo a informaç ã o que ele desejava e que se tratava de algo que ela pró pria ignorava.

Selopa... Era para lá que Iain tinha ido. Mas, por que lorde Rawthorne estaria tã o interessado?

Tudo aquilo lhe parecia tã o estranho que seus pensamentos se tumultuaram, tentando resolver um enigma que ela, instintivamente, sabia nã o ter muita importâ ncia.

Voltou para o quarto e encontrou a criada à sua espera.

— Nã o imaginava que viesse dormir tã o cedo, mem sahib — declarou a criada, se desculpando -, caso contrá rio estaria à sua espera.

— Nã o tem importâ ncia. Ainda nã o vou me deitar. Quer ir chamar Nasir para mim? Preciso conversar com ele imediatamente.

— Vou avisá -lo, mem sahib.

A criada desapareceu e Brucena ficou à espera.

Alguns segundos mais tarde, Nasir surgiu na entrada do quarto e ela lhe disse para avanç ar.

Era um homem baixinho, muito ativo e sabia que primo William o considerava muito inteligente.

— Ouç a, Nasir. Quero que você descubra algo para mim. Tome muito cuidado para que ningué m perceba que você está agindo.

Notou, pela expressã o de seu olhar, que Nasir prestava muita atenç ã o.

— Sinto, apesar de poder estar enganada, que lorde Rawthorne poderá enviar hoje à noite um mensageiro, a fim de cumprir uma determinada missã o. Se o fizer, mandará um de seus homens secretamente e com a intenç ã o de que nenhum de nó s saiba que ele partiu.

Fez uma pausa, antes de acrescentar:

— Isto nã o deve acontecer, Nasir.

— Ficarei espreitando, mem sahib.

— Acha que conseguirá?

— Sim, mem sahib.

— Se alguns dos criados de lorde Rawthorne ou algum dos soldados que vieram com ele de Gwalior partir, você deverá me comunicar imediatamente... compreende?

— Sim, mem sahib.

Nasir inclinou-se e deixou o quarto. Brucena recorreu à criada para que ela a ajudasse a despir-se e deitou-se.

«Talvez estivesse enganada», pensou, reclinando-se nos travesseiros, mas as suspeitas que sentira, apó s ouvir lorde Rawthorne falar com o cabo, pareciam aumentar cada vez mais.

Disse no entanto a si mesma que era muito tola. Claro que lorde Rawthorne nã o faria nenhum mal a Iain... Nã o saberia manter a esportiva, chegando ao ponto de recorrer a processos escusos, só porque a desejava?

No entanto, ele dissera com inegá vel determinaç ã o:

— Você se casará comigo! — acrescentando um momento mais tarde que faria tudo para impedi-la de desposar Iain.

E o que ele poderia fazer?

Ela nã o conseguia acreditar que as suspeitas que surgiam em sua mente nã o passassem de fantasia, mas no entanto lá estavam, por mais que ela tentasse pô -las de lado.

Devia ter começ ado a pegar no sono quando ouviu a porta abrir e instantaneamente sentou-se na cama.

Nasir andou pelo quarto tã o silenciosamente que chegou a seu lado sem que ela ouvisse seus passos. Falou baixinho a seus ouvidos:

— Tinha razã o, mem sahib. Um dos criados de lorde Rawthorne está selando um cavalo.

— Entã o, precisamos ir també m — disse Brucena, rapidamente. — Temos de avisar o capitã o Sleeman e o major Huntley. Você compreende?

— Nó s, mem sahib?

— Você e eu, Nasir. Assim que esse homem partir sele dois cavalos. Espere-me lá na alameda, ao lado dos arbustos. Você conhece o caminho para Selopa?

— Sim, mem sahib.

— Entã o, se apresse!

Nasir saiu do quarto tã o silenciosamente como tinha entrado e Brucena começ ou a despir-se.

Pô s um traje de montaria bem leve, calç ou botas e carregando o chapé u de abas largas na mã o percorreu o corredor e foi até o quarto de Amelie.

Nã o bateu, mas abriu a porta, procurando nã o fazer o menor ruí do. Naquele momento, Amelie perguntou:

— Quem é?

— Brucena.

Amelie sentou-se, surpreendida:

— O que foi, meu bem?

Brucena aproximou-se antes de dizer qualquer coisa. O luar que passava atravé s das cortinas permitiu que ela enxergasse onde pisava.

— Devo ir prevenir primo William e Iain de que eles correm perigo. Acho, apesar de nã o ter certeza, que foi enviado um homem, a fim de alertar os thugs. Eles, em consequê ncia, podem pegá -los desprevenidos e matá -los. Tenho de contar-lhes, Amelie, o que está acontecendo!

Ma chè rie, quem foi que lhe contou uma coisa destas? Como é possí vel?

— Agora nã o há tempo para conversarmos, mas garanto que tenho motivos de sobra para estar assustada. Agora, ouç a, pois é muito importante: lorde Rawthorne nã o deve saber que eu nã o me encontro presente.

— Mas, porquê? O que ele tem a ver com isto?

— Tem tudo a ver. Pelo menos, é o que penso. Amanhã você deve lhe dizer que nã o me sinto bem, que estou com febre. Mande minha criada fingir que estou doente, de cama. Mande servir minha comida no quarto. Nã o deixe ningué m da casa suspeitar que parti.

Qualquer outra mulher teria protestado, mas Amelie, estando casada com William Sleeman, já havia aprendido a enfrentar qualquer tipo de emergê ncia e a fazer poucas perguntas.

— Quem vai com você?

— Nasir.

— Entã o você está bem acompanhada. Só espero que William nã o fique zangado por eu deixá -la partir.

Brucena sorriu e, inclinando-se, beijou o rosto de Amelie.

— Você jamais conseguiria me deter e voltarei assim que puder.

Saiu do quarto, pulou a balaustrada da varanda e foi ao encontrode Nasir na alameda. Ele já estava à sua espera, ao lado dos arbustos, segurando dois cavalos arreados.

Ajudou-a a montar, sem dizer uma palavra, e eles partiram, tomando todo cuidado para que ningué m os ouvisse. Andavam a passo e somente quando se afastaram do bangalô é que se puseram a galopar.

O luar banhava tudo com tons de prata e estava quase tã o claro como se fosse dia.

Pela primeira vez, Brucena sentiu uma sú bita exaltaç ã o apoderar-se de seu ser.

Estava auxiliando Iain e sabia que seu amor por ele a ajudaria a salvá -lo e impedir a destruiç ã o de seus planos e dos planos de primo William.

Estava admirada com a eficiê ncia de Nasir, e os cavalos nã o deram o menor trabalho, desde o momento que partiram até atingirem seu objetivo.

Haviam galopado um bocado antes que Brucena perguntasse:

— Selopa ainda está longe, Nasir?

— Com a velocidade que estamos indo, nã o.

Brucena encarou-o, à espera de uma explicaç ã o, e ele disse:

— O capitã o sahib foi pela estrada principal, para nã o chamar atenç ã o, como patrulha ordiná ria, fazendo inspeç ã o nas prisõ es, indo encontrar oficiais do distrito. Foi sem pressa, ningué m ia achar estranho.

— Claro, compreendo — replicou Brucena, e prosseguiram seu trajeto.

Tinha a sensaç ã o de que Nasir a estava levando pelos lugaresmais selvagens e inabitados da proví ncia, pois raras vezes cruzavam uma estrada e havia muito poucas aldeias.

Moviam-se atravé s de uma regiã o banhada pelo luar e que ela teria achado muito bela, se nã o tivesse sido impelida por uma causa urgente, que a tornava incapaz de pensar em qualquer coisa que nã o fosse o fato de Iain correr perigo naquele momento.

E se ela tivesse se atrasado demais? E se o homem enviado por lorde Rawthorne ao encontro dos thugs chegasse lá antes dela e surpreendesse o primo William e Iain?

Nã o tinha uma idé ia exata de quantos soldados se encontravam com eles e lembrou-se de que certa feita primo William tinha capturado um bando de mais de trezentos thugs reunidos em um só lugar.

Se eles fossem tã o numerosos agora, que chances eles teriam?

Continuaram a todo galope e Nasir ia na frente. Os cavalos reagiam a tudo que era solicitado deles. Brucena ficou contente pelo fato de primo William possuir cavalos daquela qualidade.

Era um capricho seu, mas ela reconheceu que naquele momento nã o poderia haver nada mais providencial.

Apó s cavalgarem durante um tempo que lhe pareceu bastante longo, Nasir recolheu as ré deas e prosseguiu um pouco mais lentamente. Olhava para todos os lados e Brucena imaginou, sem ter necessidade de lhe fazer perguntas, que ele estava à procura de um lugar onde o primo William e Iain teriam possivelmente passado a noite.

Tentou imaginar qual teria sido o plano deles.

Com toda certeza atacariam de surpresa. Como, poré m, pretendiam surpreender os thugs no ato de estrangular viajantes, se os atacassem com todo o impacto de um destacamento da Cavalaria, com os soldados carregando suas lanç as?

— Talvez eu esteja agindo como uma tola — pensou Brucena, subitamente, possuí da por um certo desespero. — Quem sabe neste momento ele está dormindo em algum acampamento, tranquilamente abrigado?

Sabia entretanto que aquilo era muito pouco prová vel e Nasir subitamente apeou e lhe fez um sinal para que ela fizesse o mesmo.

Nã o lhe dirigiu uma palavra e Brucena lembrou que o som das vozes se propagava com mais facilidade durante a noite e portanto poderiam revelar seu paradeiro.

Apeou e seguiu Nasir, que levava seu cavalo para debaixo de algumas á rvores muito copadas.

Quando se aproximou descobriu que ele amarrava as ré deas no tronco de uma á rvore e ela fez o mesmo. Nasir levou o dedo aos lá bios e foi em frente. Brucena, levantando a saia, seguiu-o, sem indagar onde iam, mas tentando nã o fazer o menor ruí do e sabendo que seu coraç ã o disparava.

Começ aram a descer atravé s da mata, o que os forç ava a caminhar lentamente, até que de repente Brucena viu um grupo de viajantes acampado.

Havia cavalos com as patas amarradas, de modo que nã o pudessem se afastar, um camelo ajoelhado, mas com a Cabeç a muito alta e em torno dos animais notava-se numerosas formas, que ela sabia ser de homens cobertos com seus cobertores e mantas.

Um pouco de lado e mais pró ximo à s á rvores havia duas tendas, pequenas e baixas.

Era o tipo de abrigo usado por viajantes de uma certa classe social, que se sentiam importantes demais para dormir ao lado de seus homens, mas que ainda assim nã o eram suficientemente importantes para se abrigarem sob as grandes e imponentes tendas pertencentes aos ricos mercadores ou sahibs.

Nasir permaneceu parado durante algum tempo e de repente pô s-se de joelhos e começ ou a engatinhar em direç ã o à s tendas. Fez um sinal para que ela o seguisse e Brucena també m se ajoelhou.

Queria lhe perguntar o que ele estava fazendo.

As pessoas, que estavam acampadas eram viajantes e nã o soldados. Subitamente passou-lhe pela cabeç a que se primo William e Iain pretendessem capturar os thugs, eles poderiam apresentar-se como suas ví timas. Disfarç ar-se-iam de viajantes... Era essa a armadilha que eles preparavam!

Sentiu que o medo lhe invadia, mas ao notar que Nasir prosseguia engatinhando morro abaixo com uma calma e um silê ncio que eram fruto de uma longa experiê ncia, percebeu que precisava tomar todo cuidado a fim de nã o fazer nenhum ruí do que chamasse a atenç ã o.

Tinha a impressã o que todas as folhas em que pisava estalavam, como se uma espingarda estivesse disparando, e que todo graveto que se quebrava ressoava como um tiro de canhã o.

De repente, quando menos percebeu, já estavam a alguns metros das tendas.

Nasir voltou a cabeç a e levantou a mã o. Adivinhou que era um sinal para ela permanecer onde se encontrava. Ele sentiu que ela havia entendido e lentamente, muito lentamente, foi adiante e levantou a aba da tenda diante dele.

Os galhos das á rvores até certo ponto escondiam o luar e Brucena viu que ele entrava na tenda, tã o sinuosamente quanto uma serpente. Viu-se inteiramente a só s.

Prestou atenç ã o para ver se ouvia alguma voz, mas o silê ncio era completo.

Entrou em pâ nico ao pensar que Nasir talvez tivesse entrado no lugar errado. Quem sabe os ocupantes da tenda imaginassem que ele fosse um ladrã o e o matassem!

De repente, Nasir saiu da tenda. Sorriu para ela e fez-lhe um sinal. Brucena avanç ou mais um pouco e Nasir, de bruç os, avanç ou em direç ã o à outra tenda, levantando novamente a aba e desaparecendo lá dentro.

Assustada, poré m obediente, Brucena percorreu a pequena distâ ncia que ia do arvoredo à tenda. Quando chegou junto a ela algué m lhe estendeu a mã o e seu coraç ã o quase parou.

Era a mã o de lain! Ele a puxou para dentro da tenda e alguns segundos mais tarde Brucena estava em seus braç os.

Ele entã o começ ou a beijá -la, até que ela se esqueceu de tudo, exceto o fato de que estava novamente com ele. Sabia que nã o precisava sentir nenhum temor, pois estava novamente apertada de encontro a seu coraç ã o.

Seus lá bios se descolaram e em um tom de voz tã o baixo que ela teve de prestar a má xima atenç ã o a fim de ouvir, ele perguntou:

— Como é que você foi tã o corajosa a ponto de correr tantos riscos e vir me ajudar?

Ao ouvi-lo falar, sentiu que seus beijos tinham esvaziado inteiramente sua mente, deixando nela unicamente o enlevo que ele lhe provocava.

Exprimindo-se com voz tã o baixa quanto a dele, Brucena começ ou a lhe narrar todas as suas suspeitas.

— Foi um gesto maravilhoso de sua parte, querida, mas nã o quero que você permaneç a aqui, em meio ao perigo. Se houver tempo, acho que Nasir deve levá -la de volta.

— Nã o, nã o! — murmurou Brucena. — Nã o quero deixá -lo.

Enlaç ou-lhe o pescoç o, dizendo:

— Nã o sinto medo, agora que estou com você. Só receio quando você nã o está presente.

— Acho que você deve voltar, mas é seu primo quem deve decidir. Nasir está lhe contando por que foi que você veio.

Naquele momento ouvia-se uma voz que dava ordens rí spidas, apó s o que seguiu-se uma barulhada infernal. Com a rapidez de um raio, lain abriu a tenda e foi para fora.

Brucena quis gritar, mas nenhum ruí do lhe escapava da garganta. Entã o, viu-se inteiramente a só s, ouvindo os ruí dos aterrorizantes que sabia pertencerem à vida ou à morte.

A quem eles se destinariam?

 



  

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