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CAPÍTULO VIII



 

Netta estava enjoada na viagem de volta à Inglaterra.

Depois da fuga traumatizante de Lak, foi quase ridiculamente simples conseguir as passagens, quando chegaram a um porto. Apesar dos dois estarem com um aspecto pouco recomendá vel e da inexistê ncia de bagagem, uma vez mais o nome de Jos pareceu funcionar como um passaporte, e logo depois de ele falar com os agentes de embarque, já estavam a bordo de um navio, começ ando a longa viagem de volta à casa.

— É um navio de carga, com um nú mero limitado de acomodaç õ es para passageiros, mas é melhor embarcarmos o mais rá pido possí vel — explicou Jos, mostrando as passagens.

Netta examinou a cabina pequena, com um ú nico leito, onde ficaria instalada durante a travessia do mar.

— Onde... — começ ou a perguntar e parou. Tinha feito a mesma pergunta na caverna, mas desta vez a resposta tinha que ser diferente. O leito era pequeno, funcional, mas, definitivamente, só dava para uma pessoa.

— As acomodaç õ es para cavalheiros ficam ao lado da popa. — Como sempre Jos leu seus pensamentos com facilidade e sorriu quando ela corou.

— Só queria saber... — Netta ficou irritada.

— Bem, agora já sabe. Nã o se preocupe, nã o estarei muito longe. E

m pouco tempo ficou bem claro que o navio em que viajavamnã o era nenhum transatlâ ntico. A primeira tempestade os atingiu logodepois que tinham almoç ado, um comida muito boa, que Netta tinha saboreado com prazer. O barco começ ou a jogar horrivelmente.

— Acho que nã o devia ter comido tanto — disse Netta, sentindo-se indisposta. — Vou até a cabina para descansar um pouco.

De repente, tudo o que tinha comido pareceu entrar em guerra. Ela correu para o camarote e mal entrou quando começ ou a vomitar.

— Cabelos vermelhos e rosto esverdeados até que combinam bem — observou Jos, com ar interessado, olhando da porta.

— Vá embora — gemeu Netta.

— Nã o há outro lugar para onde eu possa ir, o convé s está cheio de carga.

— Vá para qualquer lugar. Atire-se no mar, se quiser, mas deixe-me em paz! — gemeu Netta e começ ou a engasgar e a se sentir enjoada mais uma vez.

Jos, ao invé s de seguir suas sugestõ es pouco gentis, atravessou o camarote e foi ajudá -la, até passar o pior. Depois, carregou-a até o leito e umedeceu o seu rosto com á gua fria antes de sair.

Ele voltou mais tarde. Netta nã o sabia quanto tempo havia passado, e estava desanimada demais para se importar. Só queria ficar sozinha. O medo que Jos descobrisse as pedras preciosas em volta da sua cintura a fazia sentir-se ainda pior.

Jos levantou a cabeç a de Netta para trocar o travesseiro.

— Deixe-me sozinha, posso cuidar de mim mesma — murmurou, lamentando a promessa que havia feito a Ranjit, de entregar as jó ias em seguranç a no banco de Londres. Se nã o fosse pelas pedras poderia cair num sono abenç oado. Se nã o fosse por elas poderia até suportar os cuidados de Jos. Sob outras circunstâ ncias, dizia seu coraç ã o traiç oeiro, poderia até se deliciar com eles. Fez o possí vel para ficar indiferente ao toque dos braç os dele, desprezando a si mesma pelo desejo de se aninhar contra seu peito, esquecendo-se completamente de Ranjit, das jó ias e de todo o resto do mundo.

É por causa da fraqueza, logo vai passar, insistia seu cé rebro cansado. Desista, dizia seu coraç ã o, entregue-se... Netta virou o rosto para outro lado, lutando contra as lá grimas que teimavam querer escorrer pela sua face. Nã o desejava que Jos a visse chorando, nã oia admitir que ele percebesse o quanto o amava, um homem que havia se casado com ela por necessidade, nã o por amor. Que amava outra mulher.

— Estou com sede. — Talvez Jos saí sse de perto dela para ir buscar á gua.

Ele saiu, de fato, mas logo voltou, trazendo um suco de frutas.

— Beba devagar.

Netta bebeu com relutâ ncia. O suco era doce e estava gelado, mas, mesmo assim, nã o conseguiu fazer com que se sentisse melhor. Começ ou a mexer nos botõ es da camisa, tentando abri-los para deixar entra mais ar, mas seus dedos fracos se recusavam a cumprir essa simples tarefa.

— Deixe comigo — Jos abriu-os, afastando o tecido da pele escaldante de Netta. — Ficaria mais confortá vel se abrisse o zí per de calç a també m, parece que o có s está muito apertado.

— Nã o, pode deixar. — Netta tentou afastar as mã os dele.

— Nã o seja boba, nã o vou despi-la. — E, ignorando os protestos de Netta, ele abria o zí per e passou os dedos sob o có s da calç a, afastando-o da sua cintura. — Assim vai se sentir mais confortá vel... — começ ou, e depois fez uma pausa.

Ele descobriu tudo! Mesmo antes que seus dedos passassem por toda a extensã o do có s, Netta soube que ele já tinha percebido. Jos começ ou a apalpar o tecido, inicialmente com um ar pensativo, que logo se transformou em compreensã o, e depois a raiva tomou conta de seu rosto.

— Você estava com as pedras o tempo todo! — Seus olhos estavam duros e acusadores. — Você me deixou pensar que estavam escondidas no hotel. Arriscou nossas vidas ao trazê -las. Devia ter me contado!

— Você teria me obrigado a devolvê -las para partirmos em seguranç a! — Apesar da sua fraqueza, Netta esforç ou-se para se levantar dos travesseiros e enfrentou Jos com um ar de desafio. — Foi você quem achou que eu as tinha deixado no hotel. Eu nã o disse nada. E nã o contei que estava com elas porque nã o era problema seu — disse, com firmeza. — As jó ias sã o responsabilidade minha, nã o sua.

— Agora també m sã o de minha responsabilidade, assim como você.

— No instante em que atracarmos, você estará livre disso. Vou devolver seu anel assim que chegarmos em terra. Pensando bem, vou devolvê -lo agora! — Netta fez um movimento para tirá -lo.

— Deixe-o onde está. — Seus dedos se fecharam sobre os dela com uma forç a tã o grande que Netta até estremeceu. — Você nã o vai se afastar nem um centí metro de perto de mim até que as pedras estejam depositadas num banco e, enquanto estiver comigo, vai usar o meu anel. Tenho o direito...

— Você já usou de seus direitos na caverna! — Netta fez um esforç o supremo para controlar as lá grimas, mas nã o pô de evitar o tremor em sua voz.

Jos a tinha possuí do, a tinha usado, quando tudo o que queria era Tara. Nunca poderia perdoá -lo por isso e també m nunca iria se perdoar por ter correspondido, por ter acreditado nele, por ter sido tã o imbecil a ponto de se entregar antes mesmo de tentar avaliar se havia algo por trá s daquelas carí cias.

— Ainda bem que já telegrafei para o Ministé rio do Interior avisando de nossa chegada.

— O que o ministé rio tem a ver conosco? — Netta tinha se esquecido da ocupaç ã o de Jos em Lak.

— Eles já avisaram a alfâ ndega.

— Alfâ ndega? — Netta ficou olhando espantada para Jos, esque­cendo temporariamente as desavenç as. Nem tinha pensado nisso.

— No caso de nã o ter lhe ocorrido, estaremos entrando na Inglaterra sem bagagem, sem documentos e sem qualquer tipo de identificaç ã o. Os funcioná rios da alfâ ndega vã o querer explicaç õ es.

— E o ministé rio vai nos liberar? — O medo começ ou a tomar conta de Netta. E se fossem revistados? Como explicaria a posse das pedras preciosas? Com Lak em estado de sí tio ningué m conseguiria entrar em contato com Ranjit para que confirmasse a sua histó ria.

— O ministé rio vai dar ordem para que me liberem — Jos enfatizou o " me" — e, como minha esposa, penso que també m você terá passagem livre. Pense nisso, e fique com o anel — terminou friamente.

Alguns dias depois, Netta juntou-se a Jos no tombadilho e viu a costa da Inglaterra se aproximando. Sentiu-se tomada mais uma vez pelo medo e pela inseguranç a.

Deve ser por causa dos apuros em Lak, desta horrí vel viagem que fizemos, pensou, tentando enganar-se. Nem mesmo a fuga dos rebeldes tinha causado tal efeito. Mal podia pensar que teria que passar pela alfâ ndega e suas pernas começ avam a tremer.

— Quando sairmos, fique perto de mim e nã o diga uma só palavra. Eu cuidarei de tudo — disse Jos, sem maiores rodeios.

Desta vez ele nã o vai precisar me beijar para eu ficar de boca fechada, pensou Netta, cheia de amargura. Estava tã o nervosa que sua lí ngua parecia paralisada, e nã o poderia falar nem que quisesse.

Assim que desembarcaram, Jos dirigiu-se ao primeiro oficial da alfâ ndega que encontrou.

— Fomos informados de sua chegada, sr. de Courcey. — O homem observou o rosto pá lido de Netta com um olhar cheio de gentileza. — Parece que sua senhora passou por um mau pedaç o. Fiquem aqui, por favor, verei se seu carro já chegou. — Ele apontou uma cadeira para Netta e saiu.

Retornou logo depois:

— Seu motorista está esperando lá fora. Logo vai estar em casa, senhora — disse com um sorriso amá vel.

Que casa? Ora, em Londres, é claro, disse a mente de Netta. Em Thimbles, ao lado de Jos, implorou seu coraç ã o.

— O banco de Ranjit fica em Chelsea — disse enquanto entravam no carro.

— Acho que é tarde demais para irmos ao banco, madame — observou o motorista. — Alé m disso, estamos em vé spera de feriado.

— Isso significa que ficarã o uns dias fechados — disse Jos.

— Entã o vou deixá -las no cofre do meu pai. — Netta deu o seu endereç o e afundou-se no banco da limusine, sentindo-se extremamente deprimida.

Quando chegaram, a governanta abriu a porta e seu rosto mostrou a mesma expressã o desconcertada com que Wendy recebera Netta quando ela apareceu na embaixada, em Lak.

— Nã o a esperava tã o cedo, senhorita.

— O que está acontecendo? — Netta examinou o hall e a sala, que estavam completamente vazios, sem nenhuma mobí lia.

— Sã o os cupins, senhorita.

— Cupins? Mas nó s só í amos mudar a decoraç ã o de alguns cô modos.

— É, de fato, mas quando os homens se puseram a trabalhar, viram que os assoalhos e a maioria das peç as em madeira estava infestada de cupins. Seu pai, entã o, mandou fazer uma reforma geral. Toda a mobí lia foi mandada para um depó sito, já que o sr. Vaughan ia ficar vá rias semanas fora, na conferê ncia de Amsterdam, e a senhorita nã o ia voltar logo...

— Quer dizer que nã o há nada no cofre?

— Tudo foi mandado para o banco, senhorita.

— E minhas roupas? — Mais do que tudo Netta precisava trocar de roupa.

— Foram para o depó sito junto com a mobí lia. A senhorita vai precisar entrar em contato com seu pai para conseguir uma ordem para retirá -las de lá. Sabe, nã o a esperá vamos tã o cedo...

Netta ficou olhando para o rosto da governanta sem saber o que dizer. Mesmo aqui, em sua pró pria terra, continuava como uma refugiada. Nã o tinha onde guardar as pedras preciosas, nã o tinha uma ú nica peç a de roupa para vestir e nem mesmo um teto para se abrigar.

— Vou procurar um hotel — disse Netta, mas imediatamente percebeu que isso seria impossí vel. Como poderia entrar num hotel no estado em que estava, malvestida, sem documentos ou bagagem?

— Nã o sei o que sugerir — disse a governanta, nervosa e preo­cupada. — Talvez a casa de uma amiga...

— Nã o há problema — interrompeu Jos. — Minha esposa vai comigo, para nossa casa.

— Sua... esposa?

Netta teve vontade de esbofeteá -lo. Os olhos da governanta procura­ram imediatamente a mã o esquerda da moç a com um ar chocado.

— Nó s nos casamos em Lak, é uma longa histó ria. — Netta procurou evitar maiores explicaç õ es.

— Parece ter sido um casamento muito apressado — disse a mulher, com um olhar da reprovaç ã o. — Nã o fomos informados de nada. Seu pai já está sabendo disso, srta. Netta? — A governanta falou no mesmo tom de voz que costumava usar quando Netta era crianç a e fazia alguma travessura.

— O sr. Vaughan será informado assim que voltar de sua viagem — disse Jos num tom amá vel, mas que deixava claro que nã o tinha a mí nima intenç ã o de dar maiores explicaç õ es à governanta, mesmo que ela fosse quase um membro de famí lia. Ele cumprimentou a mulher com um sinal de cabeç a, pegou o braç o de Netta e conduziu-a até o carro.

— Como poderei entrar em contato com a senhorita, caso seu pai telefone? — perguntou a mulher, ainda parada perto da porta e com uma expressã o de surpresa.

— Estaremos em Thimbles, em Long Minton — respondeu Jos, com firmeza.

— Avisarei assim que estiver num hotel — disse Netta, de longe, entrando no carro.

Seus olhos se cruzavam com os de Jos que pareciam duas adagas, cheios de obstinaç ã o e desafio. Netta afundou-se no banco, afastan­do-se o mais possí vel dele. Sentiu seu modo frio, mas recusou-se a enfrentá -lo. Estavam na Inglaterra agora, e a " lua-de-mel", se é que podia usar esse termo, já tinha terminado. Podia voltar ao seu antigo estilo de vida, à sua independê ncia. Nã o teria mais que sofrer humilhaç õ es para se manter viva e segura.

— Onde pretende almoç ar, senhor? — O chofer falou como se eles estivessem vestidos com suas melhores roupas, saindo para um acontecimento social.

Netta sentiu vontade de rir. Tudo parecia irreal. Os rebeldes, a fumaç a, o aviã o partindo no ú ltimo instante, a caverna... nã o queria pensar na caverna. O rio, os peixes, a horrí vel viagem de volta no navio cargueiro... E agora, aquele carro luxuoso percorrendo as ruas movimentadas de Londres.

— Vamos nos entregar aos cuidados da sra. Berry, acho que é o melhor que temos a fazer.

— Pois nã o, senhor. Telefonei a ela assim que chegaram, alertando-a da possibilidade de o senhor querer jantar.

Jos parecia comandar o mesmo tipo de serviç o instantâ neo em sua casa, tal como tinha acontecido em Lak, percebeu Netta; sentira-se pouco à vontade só de pensar na necessidade de entrar num restaurante do modo como estavam vestidos, chamando a atenç ã o de todos. Por isso, aquele nome, srta. Berry, trouxe-lhe algum alí vio. Deviam estar indo para um pequeno restaurante caseiro afastado da cidade, que Jos costumava freqü entar. O carro já estava saindo das ruas movimentadas de Londres, dirigindo-se para o campo.

Talvez fosse uma hospedaria! Que ó tima idé ia! Netta sentiu-se mais animada com essa nova possibilidade. Todos os seus problemas estariam resolvidos. Poderia ficar num quarto até terminarem os feriados, e depois voltaria para Londres, poria as jó ias no banco, compraria roupas novas e iria para um hotel, até que seu pai voltasse e a reforma da casa estivesse terminada.

Como fui tã o boba em nã o pensar numa soluç ã o desse tipo antes, pensou Netta, reprovando a si mesma. A tensã o nervosa, provocada pelos ú ltimos acontecimentos, tinha embotado sua mente, tinha feito com que tudo parecesse impossí vel de ser resolvido. Agora a sua vida estava voltando ao normal, estava em seu pró prio paí s, perto de casa, poderia cuidar muito bem de si mesma. Sentiu-se envolvida numa onda de otimismo.

O problema do casamento seria resolvido em bem pouco tempo. Assim que as pedras preciosas estivessem no cofre de Ranjit, devol­veria o anel a Jos e daria iní cio aos procedimentos necessá rios para a anulaç ã o. Nã o ia esperar que Jos tomasse a iniciativa e queria mostrar a ele que nã o se importava com o que havia acontecido. Só desejava se ver livre, para poder esquecer todos aqueles episó dios desagradá veis.

Esquecer? Netta sentiu os olhos, se enchendo de lá grimas e virou o rosto para a janela do carro, a fim de que Jos nã o percebesseA limusine continuava rodando pela estrada, entrando cada vez mú s no campo.

— Estamos muito longe da cidade. Afinal, onde é que fica essa hospedaria da sra. Berry?

Ela sabia qual seria a resposta antes mesmo de Jos falar. Percebeu o que estava acontecendo, assim que viu seu olhar cheio de seguranç a e autoridade, que acendeu uma chama de raiva dentro dela, afastando toda a fome, o cansaç o e até mesmo a tristeza que sentia em seu coraç ã o.

— A sra. Berry é a governanta de Thimbles — disse Jos friamente. — Vamos almoç ar em casa.

— Sua casa...

Netta engasgou com as palavras. Estava tã o furiosa que nã o con­seguia falar. Engoliu em seco e ia começ ar de novo, quando lembrou-se do motorista. O orgulho a impediu de discutir na frente de um empregado. Jos sabia disso e tinha se aproveitado da situaç ã o, escolhendo o momento certo de dizer para onde estavam indo, impedindo-a de fazer qualquer protesto.

— Como teve coragem! — murmurou, cheia de raiva. Sentia-se praticamente seqü estrada.

— Thimbles é muito mais confortá vel do que um hotel — Jos falou com toda a calma. — E, alé m disso, vã o cuidar melhor de você lá.

Netta teve vontade de gritar de ó dio, e o teria feito se nã o fosse pela presenç a do chofer. De repente, empalideceu quando se lembrou da nova situaç ã o difí cil que teria de enfrentar.

Nã o tinha uma ú nica peç a de roupa consigo a nã o ser a que estava usando, toda manchada e amassada. E estava indo para Thimbles, como esposa de Jos, para ser apresentada à sua famí lia. E para conhecer Tara...

— Lá está Thimbles.

A voz de Jos chegou até Netta, quebrando o silê ncio que ela tinha conseguido manter.

— Ali, veja pelo espaç o entre as á rvores — Jos falava num tom tranqü ilo, coloquial, como se nem estivesse percebendo que ela estava furiosa, e isso foi a ú ltima gota para fazê -la perder o controle. Virou-se para ele, começ ando a abrir a boca para deixar sair uma torrente de acusaç õ es.

— Vou parar o carro por alguns instantes, madame, daqui se tem uma ó tima vista da casa — disse o chofer, sem imaginar que tinha interrompido uma verdadeira tempestade de palavras.

Netta nã o queria ver a vista, poderia ter dispensado a gentileza do homem. Nã o via a hora de chegar a Thimbles para terminar com toda a sua ansiedade. Seus nervos estavam tensos demais por ter de conhecer a famí lia de Jos. Nem mesmo sabia se eles viviam em Thimbles, ele nunca havia dito nada sobre a sua vida pessoal. Só tinha mencionado o nome de Tara...

— Que ar puro! Jos respirou profundamente e escorregou pelo assento do carro até chegar mais perto da janela do lado de Netta, abrindo-a.

Netta sentiu o toque de seu ombro no dela e procurou se afastar, desejando que houvesse mais espaç o entre ela e a porta. O contato com o corpo de Jos fez com que seu coraç ã o começ asse a bater mais rá pido, mostrando a ela, de maneira evidente, que estava completa­mente errada ao pensar que podia esquecer de tudo o que tinha acontecido em Lak.

— Mesmo no inverno, quando as á rvores estã o sem folhas, a vista é bonita.

Sem querer, Netta começ ou a olhar na direç ã o que ele apontava. Viu os canteiros de lí rios amarelos que acompanhavam a estrada e quase perdeu a respiraç ã o. Eles a faziam lembrar da cerimô nia do seu casamento. Os vasos que tinham sido postos na embaixada, aquele perfume penetrante que nunca iria esquecer també m eram de lí rios, exó ticos, diferentes, mas ainda assim parecidos com os que estava vendo agora.

Um enorme milharal começ ava logo depois da cerca e se estendia, descendo suavemente, até a beira de um rio de á guas lí mpidas que brilhavam ao sol. Na outra margem, havia um gramado muito verde que aos poucos ia dando lugar a um bosque cortado por uma alameda graciosa. Era por entre essas á rvores que se podia ver a casa.

— É de estilo Tudor — observou Netta, e ficou até surpresa de ouvir sua pró pria voz falando num tom normal, que nã o denunciava o tumulto de sentimentos que havia dentro dela.

Ningué m, por mais aborrecido ou mal-humorado que estivesse, podia ficar indiferente a tal encanto, e seus olhos se deliciaram, obser­vando as linhas antigas da casa, com o madeirame escuro formando desenhos geomé tricos nas paredes de tijolos pintados de branco, tã o serena e agradá vel naquele cená rio silvestre.

— A construç ã o foi iniciada pelo primeiro Joseph de Courcey, quando voltou da guerra. Depois foi terminada pelo primeiro filho dele. Desde essa é poca ela vem sofrendo alteraç õ es e modificaç õ es. Foi " crescendo", como costumamos dizer. — Jos sorriu.

Quando o carro estacionou em frente da casa, Netta pô de inspe­cioná -la mais de perto.

— Devo dizer que ela " cresceu" muito. E está linda! — disse, incapaz de conter a admiraç ã o.

Percebia-se perfeitamente que todas as reformas e modernizaç õ es tinham sido planejadas com extremo cuidado, mantendo o conceitooriginal da construç ã o, de modo que a casa formava um todo extrema­mente harmonioso.

Jos ia dizer alguma coisa quando ouviram latidos desesperados que vinham de uma construç ã o um pouco afastada da casa e que se assemelhava a um tipo de está bulo. Ele ficou parado, ouvindo, e depois murmurou, quase para si mesmo.

— Será que ele se lembra?

— Os cachorros nã o esquecem, senhor, mesmo quando sã o muito novos — disse o motorista, com um ar de seguranç a. — Will Dyer continuou o treinamento dela enquanto o senhor esteve fora e basta uma palavra dele para ela ficar quieta. — O homem deu um sorriso tolerante. — Pelo barulho que está fazendo, deve ter reconhecido a sua voz.

— Vamos tentar. — Jos assobiou e ficou esperando. O latido parou e depois começ ou novamente, quase histé rico, até que algué m abriu a porta do está bulo. Um corpo magro e avermelhado passou pela primeira abertura e veio correndo na direç ã o de Jos.

Nã o havia dú vida que o cachorro se lembrava. Jos abaixou-se, apoiou um joelho na terra e estendeu os braç os com um sorriso deliciado. O setter irlandê s, ainda bastante novo, atirou-se nele, aba­nando a cauda, lambendo seu dono, alegre, ganindo rouco e baixinho, sem deixar dú vidas de que o estava reconhecendo.

Netta sentiu um nó na garganta. Esse era um lado de Jos que ela nã o conhecia, um lado cheio de ternura e afeiç ã o, tã o diferente daquele que ele mostrava a ela, como se estivesse sempre envolto por uma casca de orgulho e auto-suficiê ncia. Uma onda de ciú mes tomou conta de Netta enquanto o via abraç ando o cachorro, sem esconder seu carinho por ele. Jos també m a havia abraç ado, mas seu afeto tinha sido só fingimento, cuja ú nica intenç ã o tinha sido silenciá -la.

— Vamos ver como ela aceitou o treinamento de Will. — Jos se pô s em pé, pegou na mã o de Netta e afastou-se em direç ã o à casa. Seu toque era indiferente, impessoal, sua atenç ã o estava totalmente concentrada no cachorro. — Fique! — ele ordenou, e Netta levantou a cabeç a, surpresa. Onde o tinha ouvido dizer isso antes?

Jos continuou andando e depois fez uma pausa. Olhou para trá s para onde o setter estava, ao lado do carro, tremendo, implorando com os olhos para seu dono deixá -lo chegar perto dele.

— Fique, Tara. Fique! — ele ordenou firmemente.

— Tara? Você o chamou de Tara?

— É. Tara é o nome dela. — Jos deu uma risada, divertindo-se com o efeito daquela bomba. — Quem você pensou que era Tara? Lembra-se? Eu disse que você s duas tinham a mesma cor.

Agora Netta estava entendendo por que havia um brilho divertido nos olhos dele quando tinha dito aquilo. Realmente, o pê lo do animal tinha a mesma cor dos seus cabelos. Sentiu o ó dio comprimindo seu peito, como se fosse uma camisa-de-forç a impedindo-a de respirar. Mais uma vez Jos a tinha enganado deliberadamente, caç oando dela, fazendo-a sofrer, castigando-a dias e dias com tristeza, tormento e incerteza,

— Você... como pô de...

— Jos! Que alegria, querido!

Primeiro, tinha sido o chofer que o livrara de uma torrente furiosa de palavras, agora era aquela moç a. Ela abriu a porta e foi correndo na direç ã o de Jos. Algué m da famí lia? Uma irmã, talvez? A moç a ignorou a presenç a de Netta; mas ela teve a estranha sensaç ã o de que aqueles olhos azuis nã o estavam perdendo um detalhe sequer da sua pessoa, das suas roupas, e ela se sentiu dez vezes mais mal­trapilha do que estava, em contraste com a elegâ ncia da outra. Ela usava um vestido de linho verde-pá lido, sandá lias de saltos muito altos e seus cabelos loiros estavam penteados com arte, sem um fio fora do lugar.

Montes de laquê, pensou Netta, mal-humorada, sentindo uma onda de ciú mes quando viu a moç a se atirar no pescoç o de Jos. No entanto, logo sentiu uma ponta de satisfaç ã o quando percebeu que ele nã o parecia tã o entusiasmado com a presenç a daquela loira, quase tã o alta quanto ele, magra, toda angulosa. Ainda assim, notou que ele a beijou com bastante afeto, o que fez Netta sentir-se mais desconfortá vel.

— É ó timo estar de volta — disse Jos alegremente e virou-se para Netta. — Quero que conheç a minha prima Caroline, Netta.

Quer dizer que era uma prima, nã o irmã. Apesar de dizer a si mesma que nã o tinha nenhum direito em ser possessiva, nã o pô de evitar uma má vontade em chegar perto deles.

— Oh... alô. — A moç a virou o olhar na direç ã o de Netta como se tivesse notado a sua presenç a naquele instante.

A grosseria deve ser um traç o da famí lia, pensou Netta. Tal como Jos na primeira vez em que tinham sido apresentados, a moç a nã o estendeu a mã o para cumprimentá -la.

— Venha, vamos entrar. — Caroline passou o braç o pelo de Jos e virou-se para entrar na casa sem nem mesmo olhar para Netta.

Está agindo como se fosse a dona da casa, pensou Netta, está fazendo com que eu me sinta como uma estranha. Bem, nã o importa, é verdade mesmo. Logo estarei longe daqui e eles ficarã o à vontade.

Os dois foram se dirigindo para a porta e Netta teve que apressar o passo para nã o ser deixada para trá s.

— Venha! — Ela estalou os dedos para o cachorro. Pelo menos Tara abanou o rabo para mim, pensou, e sentiu-se imensamente confortada quando o animal respondeu ao seu chamado.

— Parece que ela gostou da senhora, madame — sorriu o chofer. — Isso nã o é comum, ela só obedece ao patrã o e a Will Dyer.

— Ela só quer ficar perto de Jos, é isso — disse Caroline. — Fique quieta. Tara! Ela está muito assanhada.

Caroline fez um sinal irritado com a mã o. Tara pensou que a moç a estava querendo brincar e atirou-se sobre ela com um latido alegre, pondo as patas em seu vestido. A moç a recuou e apoiou-se em Jos como se o cachorro fosse um imenso urso que a estivesse atacando e um sorriso de desdé m apareceu nos lá bios de Netta. A prima Caroline nã o estava perdendo qualquer oportunidade para mostrar que tinha toda a intimidade com Jos.

— Sente, Tara. — Ele acalmou Tara, com voz firme.

— Veja só o meu vestido, está todo sujo! — gemeu Caroline. — Vou ter que trocar de roupa.

— Nã o foi nada, é só um pouco de poeira. — Netta já estava perdendo a paciê ncia com todo aquele espetá culo.

— Você nã o devia ter chamado o cachorro — disse Jos com um ar aborrecido.

— Sr. Jos, que bom tê -lo em casa novamente! — Uma figura gorda e sorridente apareceu na porta da casa e o rosto de Jos se iluminou, cheio de alegria.

— Sra. Berry! — Ele beijou a mulher de cabelos brancos em ambas as faces, de tal maneira que Netta suspeitou que ela estava com a famí lia há muito tempo. — Estou morrendo de fome!

— Fiz tudo o que o senhor gosta, e vai estar servido num minuto. Enquanto Johnson for levando a bagagem...

— Nã o temos nenhuma bagagem — disse Jos alegremente. — Mal conseguimos escapar com nossas vidas. — E virando-se para a prima disse: — Caroline, será que pode arranjar algumas roupas para Netta? As lojas, estã o todas fechadas por causa do feriado e nã o podemos comprar nada.

Só mesmo um homem poderia imaginar que as roupas de Caroline serviriam em mim, pensou Netta, e recusou prontamente a sugestã o, preferia vestir trapos do que aceitar qualquer coisa daquela mulher antipá tica.

— Somos de tamanho completamente diferente, querido — disse Caroline. — Sua amiguinha é muito pequenina. — A moç a falou com uma expressã o que fez Netta se sentir uma anã.

— Acho que as roupas da srta. Rosemary servirã o perfeitamente— disse a sra. Berry, intervindo na conversa com seu modo bonachã o.

— As duas tê m a mesma constituiç ã o delicada, e tenho certeza de que encontraremos alguma coisa bonita para ela vestir. Se quiser vir comigo, senhorita... hum...

— É uma boa idé ia — concordou Caroline. — E enquanto ela estiver se vestindo, Jos e eu vamos ter uma longa conversa. Fique à vontade, senhorita...

Ela estava enfrentando a mesma dificuldade da governanta. Jos nã o tinha feito as apresentaç õ es. Netta ficou furiosa com a falta de consideraç ã o. Ele começ ou a abrir a boca para falar, mas ela se adiantou.

— Nã o sou senhorita, sou a sra. de Courcey, a esposa de Jos. — Netta falou em tom bem claro.

— O quê?

As sobrancelhas artisticamente pintadas de Caroline se ergueram cheias de surpresa e ela se virou para Jos com uma expressã o magoada.

— Você nã o me disse que estava pensando em casar, Jos querido. Por que nã o me avisou? — Os olhos azuis se voltaram, calculistas, para Netta. Jos, sendo homem, nem percebeu.

— Nó s mesmos nã o sabí amos do casamento meia hora antes da cerimô nia — explicou Netta, sem dar tempo para Jos falar. Nã o via motivo para esconder o que havia acontecido e queria deixar bem claro, desde o começ o, que ia tentar resolver aquela situaç ã o o mais breve possí vel. — Depois do casamento, estivemos ocupados demais fugindo dos rebeldes para pensar em comunicar aos parentes e amigos.

Nã o estava olhando para Jos, mas tinha certeza de que ele nã o tinha gostado de ela se adiantar nas explicaç õ es.

Bem, pensou com satisfaç ã o, ele nã o tinha feito a mesma coisa com a nossa governanta? Olho por olho, dente por dente.

— Venha, sra. de Courcey, vamos subir para procurar alguma coisa para a senhora vestir. — A voz da sra. Berry interrompeu o silê ncio desconfortá vel que tinha se seguido à s palavras de Netta.

— Agora está em casa, vai tomar um banho, trocar de roupa, comer uma boa refeiç ã o e logo se esquecerá das coisas horrí veis por que passou.

— Nã o vou me demorar por muito tempo — anunciou Netta, em um tom seco. — Vou voltar a Londres assim que os feriados termi­narem.

Ela levantou o queixo e seguiu a figura maternal da sra. Berry sem olhar para Jos ou Caroline. Nã o se atrevia a enfrentar aqueles olhos dourados, que deviam estar gelados de raiva, mas sentiu um certo conforto ao perceber que Tara seguiu-a, atravessando o hall até a escada larga e curva que levava ao andar superior.

— Fique, Tara! — Netta falou automaticamente, paia impedir que o animal a seguisse até o quarto, e sentiu uma pontada de tristeza quando percebeu que tinha repetido as palavras de Jos. Umcansaç o enorme tomou conta dela e teve que se apoiar no corrimã o para subir. Felizmente, a sra. Berry també m estava subindo com alguma dificuldade por causa de seu peso, de modo que nã o estranhou a pausa que Netta fez quando chegou ao alto da escadaria para olhar para baixo.

— Vamos para a sala, querido, ficaremos mais à vontade. — A voz de Caroline chegou até ela e Netta ainda viu o vestido verde desaparecendo por uma porta. Jos começ ou a atravessar o hall para segui-la e, de repente, fez uma pausa como se sentisse que estava sendo observado. Ele parou, levantou a cabeç a e olhou diretamente para Netta.

Ela prendeu a respiraç ã o e sentiu o sangue gelar nas veias. Quis correr, fugir para um lugar onde nã o tivesse que enfrentar o brilho daqueles estranhos olhos dourados, mas nã o conseguiu se mover. Aquele olhar a fazia sentir como se estivesse enraizada ali mesmo. Nã o podia correr e nã o podia afastar os olhos dos dele. E a expressã o que via neles dizia que ela podia afirmar o que quisesse, que iria partir de Thimbles logo depois dos feriados, mas que, na verdade, só iria sair dali quando ele... Jos... decidisse que era hora dela partir.

Quando finalmente Jos baixou seu olhar e seguiu a prima Caroline até a sala de visitas, fechando a pesada porta de carvalho, Netta apoiou-se mais firmemente pois começ ou a tremer. As palmas de suas mã os estavam molhadas e, por um terrí vel minuto, pensou que ia desmaiar.

— A suí te do casal é muito clara, bonita e recebe o sol na parte da manhã.

A voz da sra. Berry trouxe-a de volta à realidade e ela se virou enquanto a governanta abria a porta que ficava no fim do corredor.

Um santuá rio! O quarto lhe pareceu ser a luz no fim de um tú nel, e o alí vio lhe deu forç as para andar até ele. Ter privacidade... um quarto só para ela... Já estava atravessando a porta quando as palavras da sra. Berry penetraram melhor em seu cé rebro.

A suí te do casal?

Netta havia imaginado que iria ser colocada em um quarto de hó spedes, e suas pernas quase falharam de vez quando ela viu as acomodaç õ es que lhe estavam sendo oferecidas. O quarto era enorme e muito claro, tal como a governanta tinha dito, com grandes janelas em duas paredes. Seus pé s se afundaram em um carpete felpudo e, em outra ocasiã o, teria ficado encantada com a beleza da decoraç ã o que misturava perfeitamente peç as antigas e modernas para oferecer o mais luxuoso conforto para o ocupante.

— O banheiro é por aqui, madame. — A sra. Berry mostrava oscô modos com indisfarç ado orgulho. — O banheiro tem comunicaç ã o com o quarto de vestir, por ali.

Netta mal conseguia ouvi-la. A cama atraí a seus olhos como um í mã. Era muito grande, adequada para o tamanho do quarto e estava arrumada. Desta vez nã o teria que perguntar onde Jos ia dormir. Estava perfeitamente claro onde a sra. Berry pensava que eles iam dormir.

— Nã o!

— O que foi, madame?

— Oh... nada. — Netta se recompô s com dificuldade. Como a si a. Berry tinha ficado sabendo? Até o chofer telefonar, nem mesmo sabia que estavam chegando. Talvez o pessoal do Ministé rio do Interior...

— É tã o bom ver a suí te do casal sendo usada novamente — disse a governanta com um sorriso, cheia de alegria. — O velho lorde nunca a usou, era solteirã o. Ela sempre ficava preparada para os pais do sr. Jos quando vinham para cá, mas, infelizmente, eles nã o a usaram muito, pobrezinhos. — Ela balanç ou a cabeç a triste­mente mas logo voltou a sorrir. — Já era tempo de haver uma noiva em Thimbles. Fiquei encantada quando recebi o telegrama do sr. Jos dizendo que finalmente estava voltando para casa e que estava trazendo a esposa com ele, dando ordens para arrumar o quarto do casal.

— Jos telegrafou? — A voz de Netta saiu num sussurro estran­gulado.

Ele nã o tinha dito nem uma palavra sobre isso. Certo, ela tinha passado a maior parte da viagem de cama, prostrada pelo enjô o, mas, mesmo assim, podia ter lhe contado. Nã o, ele devia tê -la con­sultado. Mas, como sempre, ele havia decidido por conta pró pria o que ia fazer, partindo da hipó tese de que ela iria se adaptar aos seus planos.

— Ele nã o lhe contou? — perguntou a sra. Berry com surpresa na voz. — O sr. Jos nã o é do tipo de fazer segredos. Acho que quis fazer uma surpresa. Por um lado, foi bom demorarem essas duas semanas, assim tivemos mais tempo para preparar tudo.

— Viajamos em um navio cargueiro, que parava em todos os portos e era lento, foi por isso que demoramos tanto. O quarto é lindo — disse, com uma sinceridade tã o ó bvia que fez o sorriso da governanta ficar ainda maior.

— Mary já está trazendo as roupas da srta. Rosemary. Ela sempre deixa bastante coisa para nã o precisar trazer muita bagagem.

— Srta. Rosemary? — Netta estava aborrecida. Já que pratica­mente fora levada à forç a, Jos devia pelo menos ter lhe dado uma idé ia das pessoas que faziam parte da famí lia. Era desagradá vel conseguir essas informaç õ es sobre seus parentes atravé s dos empre­gados.

A sra. Berry nã o parecia achar a situaç ã o inadequada e continuou calmamente:

— A srta. Rosemary é a irmã do sr. Jos. Nó s a chamamos de senhorita, mas ela já é casada e está morando longe daqui. Costuma voltar uma vez por ano para nos visitar. O velho lorde criou os dois, depois que seus pais morreram num acidente de automó vel, quando eram bem pequenos. Foram como filhos para ele.

Isso explicava por que Jos tinha herdado a propriedade e nã o o tí tulo, como Wendy havia lhe contado.

Ainda bem, pensou, seria muito mais fá cil cuidar da anulaç ã o do casamento sendo simplesmente a sra. de Courcey.

— Ah, aí está Mary. Entre, menina, e mostre à sra. de Courcey o que trouxe para ela. — A governanta apresentou uma mocinha com uns dezenove anos, de rosto fresco e rosado, tí pico das moç as do interior. Ela olhou para Netta com um sorriso amigá vel e cheio de interesse.

— Cuide da sra. de Courcey enquanto vou à cozinha. — Depois, virando-se para Netta, a sra. Berry informou: — Eu a chamarei em uns quarenta e cinco minutos, está bem?

— A senhora deve estar morrendo de fome — disse Mary, cheia de simpatia. — Mas vale a pena esperar pela comida da sra. Berry.

— É verdade — confessou Netta —, mas preciso muito mais de um banho do que de uma refeiç ã o.

— Vou aprontar a banheira enquanto a senhora se despe. Olhe, há um roupã o aqui — disse a mocinha, colocando a pilha de roupas sobre a cama. Havia vá rias peç as de lingerie, muito delicadas e alguns vestidos. Um deles despertou a atenç ã o de Netta: era amarelo-pá lido, do mesmo tom daqueles lí rios do Oriente.

— Que lindo! Amarelo-claro é uma de minhas cores favoritas.

— A sra. Berry me disse que a senhora tinha cabelos vermelhos, entã o procurei as cores mais claras.

— E fez muito bem — disse Netta, com um sorriso de agrade­cimento.

Mary entrou no banheiro. Netta tirou a roupa e vestiu o roupã o que també m era num bonito tom de amarelo. Mentalmente Netta abenç oou a cunhada desconhecida que, alé m de ter o seu tamanho, tinha um gosto que parecia combinar muito com o dela.

— O banho está pronto, madame. Vou levar suas roupas para lavar. Nossa! Estã o num estado lamentá vel!

As palavras de Mary causaram um verdadeiro choque em Netta. Nã o podia permitir que ningué m tocasse nelas. O fato de estar em Thimbles lhe tinha dado um falso sentido de seguranç a, mas nã o alterava o valor incalculá vel das pedras preciosas que estavam escon­didas no có s.

— Nã o precisa se preocupar — disse apressadamente, tirando o conjunto das mã os da mocinha. — Eu o lavei no navio e essas manchas nã o vã o sair mais. Nã o faz mal, nã o pretendo usá -lo outra vez, — Procurou uma explicaç ã o para satisfazer a empregada. — É só que... bem... quero guardar isto como lembranç a.

— Ah, a senhora se casou com essa roupa?

— Sim, e ningué m usa outra vez um vestido de casamento nã o é?

— Naturalmente que nã o, madame. Afinal, cada mancha representa uma lembranç a — disse Mary, com um suspiro.

Netta encostou o tecido da calç a em seu rosto, dando graç as pelo romantismo da mocinha, e sentindo as pedras preciosas escondidas no có s.

Quando Mary saiu, Netta guardou o conjunto em uma das gavetas da camiseira. Nã o havia perigo de algué m mexer nele, agora que Mary tinha desistido de pensar em levá -lo.

A á gua do banho estava perfeita, na temperatura exata. Netta deu um suspiro de felicidade e relaxou dentro da banheira. O xampu e o sabonete, com perfume de jasmim, lhe deram uma intensa sensaç ã o de feminilidade. Depois, relutante, saiu da banheira e tomou uma ducha fria que fez com que sentisse uma disposiç ã o que nã o sentia há vá rias semanas.

Mary a estava esperando no quarto e ofereceu-se para ajudá -la a secar e escovar os cabelos. Netta entregou-se aos seus cuidados, sen­tindo-se deliciosamente confortá vel nas roupas de baixo, de seda, que lhe tinham sido emprestadas.

— A sra. Berry disse que a senhora precisa descansar, agora que está em casa.

— Vou ficar muito mais tranqü ila quando souber o que aconteceu com o pessoal da embaixada.

— Estã o todos bem, nã o ficou sabendo? — Mary pareceu ficar surpresa com a ignorâ ncia de Netta. — Saiu nos jornais, a sra. Berry me mostrou. Sei que ela os guardou para mostrar ao sr. Jos. Há uma fotografia dele e outra do embaixador e da esposa.

— Nã o vimos nenhum jornal inglê s desde que saí mos da embai­xada.

— Foi assim que soubemos que o sr. Jos tinha se casado. A reportagem també m dizia que todo o pessoal da embaixada e a famí lia real de Lak tinham chegado à Itá lia em seguranç a. Imagine só, o sr. Jos conhece a famí lia real! — disse Mary, maravilhada. — Mas o jornal ainda informava que nã o se sabia do paradeiro do sr. e da sra. de Courcey, e ficamos muito preocupados. Foi entã o que recebemos o telegrama do sr. Jos dizendo que você s já estavam a caminho.

Quer dizer que todos já estavam sabendo. Afinal, a surpresa, quan­do havia dito que era a esposa de Jos, nã o tinha sido tã o grande. Agora estava entendendo por que tinha achado que Caroline estava fingindo quando fez aquele ar chocado ao ouvir Netta dizer que era a sra. de Courcey.

— A sra. Berry deve ter levado um choque ao saber da notí cia — disse a Mary.

— Ela nã o é de se assustar — disse a mocinha, com uma piscada maliciosa. — Quem levou um choque de verdade foi a srta. Caroline. — Havia uma ponta de satisfaç ã o na voz dela. — Ela veio correndo para cá na mesma manhã em que saiu a notí cia nos jornais, tentando fingir que nã o sabia de nada. Mas eu vi a Gazeta na bagagem dela e a reportagem estava na primeira pá gina, cheia de fotografias!

— Quer dizer que a srta. Caroline nã o mora aqui? — procurou fazer sua voz soar desinteressada.

— Nã o senhora. Acho que aqui nã o é chique o bastante para ela. Gosta de viver em Londres, onde há movimento.

O tom de voz de Mary nã o deixava dú vidas de que nã o gostava de Caroline. Quer dizer que sua intuiç ã o a respeito da prima de Jos era correta, e nã o resultado de seu ciú me.

— Já está bom, Mary. Pode sair enquanto eu me visto.

Netta levou um susto quando ouviu a voz de Jos atrá s delas, e ficou indignada consigo mesma. Já devia ter se acostumado com os modos dele.

— Voltarei para arrumar o quarto, quando a senhora estiver jantando, sra. de Courcey. — Mary parecia nã o ter estranhado o fato de Jos ter entrado sem fazer barulho.

— Nã o mexa no meu conjunto, deixe-o onde pus, na gaveta. — Netta ainda estava preocupada com ele.

— Eu o dei ao sr. Jos, madame. Ele subiu até aqui enquanto a senhora estava tomando banho. Disse que ia guardá -lo em um lugar seguro para ficar sempre como lembranç a. — A mocinha sorriu para Jos, obviamente encantada com todo aquele romantismo.

— Como se atreveu a pegar a minha roupa? — Netta deixou extravasar toda a raiva que estava sentindo, assim que a porta se fechou atrá s da empregada. — Onde foi que a guardou?

— Está no meu cofre, onde ficará até o seu pai voltar.

— Isso poderá levar semanas! — Netta olhou para ele, sem poder acreditar no que estava ouvindo. — Vou levar as jó ias ao banco assim que abrir.

— Nã o, nã o vai. — Jos falou com uma calma tã o cheia de determinaç ã o que a deixou ainda mais furiosa. — Nã o adiantareclamar. — Sua voz ficou rí spida quando Netta começ ou a protestar. — Eu mesmo entregarei as jó ias ao seu pai quando ele chegar. Nã o quero que fique andando por aí carregando coisas que valem metade das jó ias da coroa da Inglaterra. Nã o é seguro para uma moç a.

Como sempre, uma atitude de machã o, pensou Netta, mas antes que pudesse dizer alguma coisa, ele continuou:

— Alé m disso, pretendo ter uma conversa com o seu pai. Acho que ele nã o deve permitir que você sirva de correio em tais incum­bê ncias. É muito perigoso, nem sei o que teria acontecido se tivesse sido descoberta.

— O que eu faç o para meu pai nã o é da sua conta — explodiu Netta, totalmente descontrolada pela atitude machista de Jos. — Sou maior de vinte e um anos e posso fazer o que quiser.

— Talvez pudesse, antes de casar comigo — disse Jos com um ar condescendente, que fez Netta dar um suspiro de raiva. — Mas agora, que é minha esposa, tudo o que fizer é da minha conta.

— Nesse caso, daqui em diante pare de me considerar como sua esposa. — O pouco que restava do autocontrole de Netta acabou de vez, e ela lutou para puxar o anel do dedo. Poré m, na pressa, e por causa do banho, o anel nã o saí a.

— Já lhe disse antes — Jos agarrou as mã os dela e puxou-a para perto dele, cheio de impaciê ncia —, enquanto estiver comigo vai usar o anel. — Sua voz estava tensa e seu rosto contorcido com uma raiva que era igual a de Netta. Olhou para ela com tal dureza que ela até estremeceu. — Eu a trouxe a Thimbles como minha esposa, e, enquanto estiver aqui, vai ter que se sujeitar à s convenç õ es.

— Você me arrastou até aqui contra a minha vontade, e pode ter certeza de que há pelo menos uma convenç ã o que nã o vou aceitar.

Ela sentiu Jos ficar rí gido quando percebeu o que ela estava querendo dizer. Por um breve e tenso segundo, ele apertou suas mã os com tal forç a que Netta pensou que ia quebrá -las. Começ ou a abi a boca para gritar, mas nesse mesmo instante, Jos as soltou e a empurrou para longe dele, como se odiasse tocá -la. Netta perdeu o equilí brio, e caiu sobre a cama.

— Nã o tenho o há bito de forç ar qualquer mulher — disse ele friamente, e virou-se para sair.

— Nã o espere que eu vá lá para baixo! — gritou Netta. — Mary pode trazer alguma coisa para mim aqui mesmo! — Jos parou, ainda de costas para ela. — Acho que vai gostar muito mais de ter sua conversinha particular com Caroline se eu nã o estiver presente!

Ele se virou e a raiva que havia em seu rosto fez Netta se calar. Instintivamente, ela passou a lí ngua em seus lá bios, sentindo-os subitamente ressecados, e um tremor de medo percorreu seu corpo. Suas palavras chegaram até ela como lanç as que estivessem atra­vessando seu corpo.

— E já que mencionou Mary — seu olhar cortante fez com que Netta se sentisse uma borboleta presa num alfinete —, saiba que nã o admito que fique fazendo perguntas aos empregados sobre a famí lia. Se quiser alguma informaç ã o pergunte diretamente a mim.

— Como você nã o disse nada, nã o tive outra opç ã o senã o perguntar aos empregados — Netta defendeu-se com ardor. — Se quiser um relató rio completo de minha conversa com Mary, já lhe adianto que nã o está vamos conversando sobre a sua famí lia, está vamos falando a respeito das notí cias que saí ram nos jornais, sobre Lak. Por acaso acha que també m nã o tenho direito de saber o que aconteceu aos meus amigos?

— Foi por isso que vim até aqui. — Jos se aproximou dela e tirou um papel dobrado do bolso. — A sra. Berry guardou estas pá ginas e, como pretende ficar aqui mesmo, pode usá -las como companhia.

Jos atirou as folhas na direç ã o dela. Elas bateram na cabeceira da cama e se espalharam pelo chã o. Numa delas havia duas fotogra­fias, uma de Harry e Wendy e, na outra, uma de Jos, sorrindo, o rosto cheio de alegria. Netta sentiu um aperto no coraç ã o. Por que ela nunca o via assim? Alegre, feliz, tã o diferente do rosto sombrio que ele sempre mostrava quando falava com ela.

— O jantar será servido mais cedo, dentro de quinze minutos. Mary estará servindo a mesa e nã o vai ter tempo para trazer nada aqui em cima. Se nã o vier para a sala de jantar, vai passar fome.

Jos saiu no seu passo silencioso, que nunca deixava de surpreender Netta, sem lhe dar tempo para pensar numa resposta. Ela ficou sozinha e olhou para a fotografia no jornal. Um soluç o apertou sua garganta. Seria imaginaç ã o, ou o retrato a estava olhando com aquele mesmo olhar cí nico, caç oando dela?

 



  

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