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CAPÍTULO VII



 

— Quem é Tara?

Netta nã o pretendia perguntar, mas, dentro dela, a dú vida, a incerteza e a fú ria estavam se debatendo, e tinham alcanç ado propor­ç õ es alarmantes fazendo-a querer, alternadamente, se vingar de Jos e da moç a desconhecida que ele pedia para ficar. Finalmente, quando começ ou a amanhecer, tomou uma decisã o.

Nã o vou perguntar nada, nem mesmo vou deixar que perceba que estou interessada. Assim que chegarmos à Inglaterra devolverei o anel e cada um de nó s irá para o seu lado. Ele poderá ficar com essa tal de Tara e eu ficarei livre.

No entanto, quando Jos abriu os olhos, depois de um sono calmo que tinha se seguido à quela noite de agonia, Netta nã o conseguiu se conter e logo perguntou:

— Quem é Tara?

Teve vontade de morder a lí ngua depois de ter feito a pergunta, mas era tarde demais. Jos, que já havia voltado ao seu estado normal, olhou-a com olhos alertas e brilhantes e perguntou, interessado:

— O que sabe sobre Tara?

— Nada — respondeu secamente, mas, quando ele continuou olhando para ela com seus olhos dourados, curiosos e penetrantes, Netta acrescentou relutantemente: — Você esteve delirando na noite passada e ficou chamando por ela, seja lá quem for. — Netta encolheu os ombros e tentou parecer indiferente, fingindo nã o percebero entendimento no rosto dele e o ar divertido que começ ou a aparecer em seus olhos.

— Você duas tê m a mesma cor.

— Mesma cor? De cabelo, quer dizer?

— Mais ou menos isso. — Jos deu uma risadinha e seus olhos se iluminaram com um brilho malicioso.

— Você precisa comer. Tem que recuperar suas forç as. — Netta começ ou a mexer na sacola de provisõ es, mudando de assunto e tentando afastar a imagem que estava se formando em sua mente, a visã o de uma mulher alta, elegante e de cabelos avermelhados como os seus.

— Vamos partir esta noite.

— Nã o pode estar falando sé rio! Você nã o está em condiç õ es de fazer uma viagem tã o longa!

— Em condiç õ es ou nã o, vamos partir hoje mesmo — insistiu Jos, levantando-se da cama e passando a mã o pelos cabelos ainda ú midos de suor.

— Você nã o pode andar depois de uma febre como a que teve, deve esperar pelo menos mais vinte e quatro horas. Os rebeldes nã o sabem onde estamos e ainda há comida suficiente.

— Nã o podemos nos arriscar e, alé m disso, só teremos que andar até a margem do rio.

— Pelo rio? Nã o! — Netta estremeceu, mas Jos nã o parecia perturbado.

— Iremos de barco. Os apanhadores de junco vê m a estas margens uma vez por semana, e esta é a noite deles. Vê m com canoas e se nã o estivermos lá, teremos que esperar a pró xima semana.

— E esses homens vê m cortar junco no rio, se arriscando a ser mordidos por aqueles peixes horrí veis?

— É por isso que vê m à noite — explicou Jos pacientemente. — Enquanto está escuro os peixes se enterram na lama para fugir do frio e nã o há perigo.

O coraç ã o de Netta batia mais desconfortavelmente ainda, enquanto desciam até a margem, até onde tochas fumegantes iluminavam umgrupo de homens que cortavam juncos, formando feixes e colocando-os em canoas, trabalhando de modo metó dico e organizado.

— E se houver rebeldes entre os cortadores de junco?

— Já terí amos sido avisados — garantiu Jos. — Fique com a capa cobrindo a cabeç a e nã o se esqueç a de andar alguns passos atrá s de mim.

— Já sei, já sei! As mulheres de Lak sã o submissas...

— E nã o tê m o há bito de interromper a conversa dos homens. Portanto, fique de boca fechada.

Uma figura, vestindo uma capa igual à deles, se destacou do meio do grupo de trabalhadores e veio em sua direç ã o. Um facã o brilhou na mã o do estranho. Uma ferramenta... ou uma arma? Netta parou, assustada, enquanto Jos falava com o homem na lí ngua nativa. Logo depois ele se virou e disse baixinho:

— Siga-me.

Netta ajeitou a capa sobre o rosto e os cabelos com uma das mã os e com a outra mexeu no có s da calç a. Em sua imaginaç ã o, as pedras pareciam aqueles peixes prateados, mordiscando sua cintura e brilhando sob o tecido. Felizmente, para alí vio de Netta, ningué m parecia estar prestando muita atenç ã o neles, absorvidos que estavam em sua tarefa de cortar a maior quantidade de junco possí vel.

O guia fez um gesto e chegou perto de uma das canoas que ainda estava vazia. Jos murmurou algumas palavras para o homem e saltou para dentro dela, deitando-se no fundo. Netta ficou olhando para ele sem saber o que fazer.

— Venha.

Ela olhou a distâ ncia entre a margem e o barco, sentindo o corpo começ ar a tremer.

— Nã o... nã o posso!

As luzes das tochas nã o eram suficientes para iluminar totalmente a distâ ncia que teria de pular. E se errasse o salto e caí sse na á gua? Os peixes podiam ter saí do da lama, atraí dos pelas luzes. Suas pernas eram muito mais curtas do que as de Jos e estavam trê mulas.

Para ele foi fá cil, pensou, furiosa, enquanto hesitava perto da margem.

— Venha! O que está esperando!

— Ajude-me. Dê -me sua mã o.

— Pare de bobagens! Os homens daqui nã o usam de cavalheirismos para com mulheres que perambulam sozinhas à noite. Elas tê m que cuidar de si mesmas.

— Ora, seu... — Sem alternativa, Netta atirou-se no barco e caiu sobre Jos. Tentou se levantar, mas ele a segurou com braç os fortes, obrigando-a a ficar deitada.

— Fique quieta! — sussurrou Jos, cobrindo à cabeç a e o rosto dela com a capa.

— Solte-me! Vou morrer sufocada! — Uma pilha de junco foi atirada sobre eles.

— Quieta! Estã o nos cobrindo para nos esconder!

O sentido do que Jos estava dizendo começ ou a aumentar o seu pâ nico a ponto de tomar conta de Netta, e com o coraç ã o batendo descompassadamente, ficou tensa, poré m quieta, deitada nos braç os dele.

— Por que nã o me ajudou a entrar na canoa? — perguntou baixinho, quando o ú ltimo feixe de junco foi colocado sobre eles. — Eu podia ter caí do na á gua.

— Se tivesse agido de modo diferente, logo haveria comentá rios e poderiam desconfiar que você é a estrangeira que roubou as jó ias — sussurrou Jos, bem perto do ouvido de Netta.

— Você disse que nã o havia nenhum rebelde entre eles.

— Sempre pode haver algum informante, nã o podemos correr nenhum risco. Agora, cale a boca e fique quieta!

Ainda bem que sã o feixes de junco, podia ser alguma coisa mais pesada, foi o ú ltimo pensamento que passou pela cabeç a de Netta, antes de pegar num sono que mais parecia um desmaio. Talvez fosse o resultado da noite que tinha passado em claro, alé m do medo e da tensã o, ou quem sabe por estar nos braç os de Jos, sentindo o calor do seu corpo e aquela enorme sensaç ã o de seguranç a e proteç ã o que ele dava.

Netta abriu os olhos e, por alguns segundos, teve a sensaç ã o deque estava na Inglaterra, passeando de barco pelos lagos tranqü ilos, cheios de flores em suas margens.

— Já estamos no mar?

— Ainda nã o, mas já estamos perto da foz do rio, nã o vai demorar. Jos agora estava remando em pé, seus mú sculos fortes se movimentando sob a pele morena.

— É dia — o medo começ ou a tomar conta de Netta —, temos que encontrar algum lugar para nos esconder. Já estou vendo muitos outros barcos à nossa frente.

— Calma, relaxe, já estamos livres de qualquer possibilidade de perseguiç ã o. Atravessamos a fronteira de Lak há mais de trinta quilô metros.

— Trinta quilô metros... e você remou a noite toda? Devia ter repousado depois daquela febre — começ ou Netta, mas logo percebeu que era ridí culo sugerir que ele descansasse. Parecia estar em perfeita forma, remando com facilidade, mantendo a canoa numa velocidade constante, como se tivesse uma energia inesgotá vel.

— Um dos cortadores de junco remou durante os primeiros quilô ­metros, antes de passar para o outro barco, e depois a correnteza ajudou.

Para onde estamos indo?, pensou Netta. Ela e Jos? Olhou para ele, tentando descobrir seus pensamentos. Para a Inglaterra... para o encontro com Tara? Para tratar o mais rá pido possí vel da anulaç ã o do casamento? Afinal, era o que tinha combinado, mas agora o coraç ã o de Netta implorava para que Jos quisesse que ela continuasse com o anel no dedo.

 

 



  

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