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O Drama De Uma Mulher Casada 3 страница



— Eu comprei. Só que não há informações sobre Santa Amé­lia. Por que não me fala a respeito dela?

— Não quero influenciá-la. Com um pouco de sorte, talvez vo­cê se recorde de algo ao rever o lugar. A propósito, Madalyn tal­vez venha na lancha.

— Muito gentil da parte dela.

— Não se iluda. Ela deve estar é louca para entrar em cena.

— Entrar em cena? Você ainda acha que estou fingindo?

— É claro que não! Foi só uma figura de linguagem. Às vezes acho minha irmã meio maluquinha, e desconfio que essa história toda deve tê-la deixado bem excitada.

— Que idade ela tem?

— Vinte e cinco. A mesma idade que tinha Paul quando morreu.

— É casada?

— Ainda não. Está pensando no assunto.

— Qual é o problema?

—- Ela não está muito convicta a respeito do que sente. Pelo me­nos, acredito que seja esse o motivo. Ela é um tanto imprevisível.

— Ao contrário do irmão. Você tem uma facilidade muito gran­de para formar opiniões a respeito das pessoas, não é?

— Sim, tenho — respondeu ele, calmo, alheio à ironia da observação. — Sou excelente para avaliar o caráter das pessoas.

— Nunca erra nesses julgamentos?

— Quase nunca.

— Tanta convicção deve tornar a vida bem fácil para você… Por que está contra mim, David? Por que me persuadiu a vir para cá? Se não houvesse me contado que eu tinha direito à herança de Paul, eu nunca teria descoberto.

— E se você não se atirasse na frente de meu carro, em Lon­dres, eu nunca teria descoberto que estava viva. E daí? Você existe e está aqui. Isso faz um bocado de diferença.

— Tudo seria bem mais fácil se eu tivesse morrido, não é?

— Sem dúvida. Só que você não morreu, e vamos descobrir a qualquer custo o que aconteceu há dois anos.

— O que vão fazer com o corpo que está na cripta da família?

— Removê-lo para outro túmulo, é claro. Seja lá quem for a mulher, ela não é uma Hamilton.

— Talvez ela tenha algum parente vivo.

— Estive pensando nisso. A moça tinha uma aliança e, portan­to, deve haver um viúvo por aí que nunca encontrou o corpo da esposa.

— Mas não necessariamente em São Tomás.

— Não, mas é o lugar mais indicado para se começar as investi­gações. Quando formos à cidade, podemos parar na delegacia e examinar nos arquivos a relação das pessoas desaparecidas naque­le período. Talvez você até mesmo seja capaz de reconhecer algum nome. Essa mulher pode ter sido o motivo do fracasso de seu ca­samento.

— Quem sabe? E isso pode levar tempo. Não vamos chegar atrasados?

— A lancha não partirá sem nós. Assim que você terminar de comer, sairemos.

— Talvez Imogen ainda não esteja acordada.

— Não tem importância. Já nos despedimos. Não sei por quê, mas tive a impressão de que você não gostou dela.

— Por que pensa assim?

— Não sei bem. Seu modo de olhá-la, penso eu. Imogen está preocupada com sua situação.

— Não preciso da compaixão dela! Suportei essa situação sozi­nha por dois anos e me saí muito bem.

— Com a ajuda de Larry. Acha que teria conseguido sem ele?

— Se fosse preciso, sim.

A chegada do desjejum de Alice veio interromper a discussão. Ela comeu em silêncio, consciente de que David continuava a observá-la.

— Se precisa comprar algo, aproveite enquanto está aqui. Tortola não é o que se pode chamar de um paraíso das compras.

— Como vocês se arranjam em Santa Amélia?

— O que não podemos produzir na ilha encomendamos aqui.

— Não acha esse estilo de vida um tanto incômodo?

— Não. Adoro a ilha. Foi lá que nasci e é lá que pretendo mor­rer. E quando preciso me ausentar, tenho um ótimo gerente que mantém tudo sob controle.

Alice examinou com ceticismo a possibilidade de uma mulher como Imogen vir a se acostumar com aquele tipo de vida. Pelo jeito, um dos dois teria de fazer concessões para que fosse possível um relacionamento duradouro. E a julgar pelo que acabava de ou­vir, David não estava disposto a rever suas posições. Mas, um ho­mem apaixonado era capaz de tudo…

Nenhum membro da família Barrymore havia descido quando eles deixaram a casa, às nove horas, no táxi que David pedira por telefone.

Foram muito bem tratados na delegacia, e o chefe de polícia não se opôs a que examinassem o arquivo com a relação das pessoas desaparecidas. Ofereceu-lhes até mesmo um recinto reservado para realizarem a tarefa com mais calma. O número de pessoas desa­parecidas era grande, mas, após um exame detalhado, sobraram apenas três possibilidades. Nenhum dos nomes pareceu familiar a Alice.

Ao ver David anotar endereços, ela ficou imaginando qual seria sua intenção. Será que ele pretendia entrar em contato pessoal com os maridos e perguntar-lhes se a esposa estava tendo um caso antes de desaparecer? Era uma idéia absurda, mas de David ela espe­rava qualquer coisa.

Qualquer que fosse sua intenção, porém, ele não pretendia levá-la a cabo naquele dia, já que, da delegacia, os dois foram diretamen­te para o porto, onde embarcaram num hidroavião para Tortola.

Vista do alto, a ilha, a maior da parte britânica das Ilhas Vir­gens, tinha formato irregular, relevo acidentado e poucos sinais de prosperidade econômica. David informou que, ao contrário do que acontecia no território pertencente aos Estados Unidos, a po­pulação das Ilhas Virgens Britânicas mal ultrapassava os dez mil. Mesmo Roadtown, a capital, era minúscula.

Mas se não ficou impressionada com o local, Alice não ficou indiferente à lancha que os esperava no ancoradouro, luxuosa, grande e muito bem cuidada. Ao se aproximar, ela respirou fun­do, tentando controlar os nervos para o encontro iminente com a cunhada.

Madalyn era uma cópia suavizada do irmão. Como David, ti­nha os mesmo cabelos escuros e lisos, os mesmos olhos cinzentos, traços regulares e bonitos. Ao contrário dele, porém, tinha estatu­iu baixa, algo por volta de um metro e sessenta. Seu sorriso en­cantador, apesar de não despertar lembrança alguma em Alice, serviu pelo menos para deixá-la à vontade.

— Gostei de seu novo corte de cabelo — disse ela, sem se dar ao trabalho de cumprimentá-la. — Antes você o tinha comprido, quase até a cintura.

— Eu o cortei este ano.

Havia uma interrogação nos olhos dá cunhada, e Alice adoraria satisfazê-la. Mas tudo fora em vão até aquele instante: não se lem­brava nem dela nem de qualquer outra pessoa.

Madalyn havia trazido a lancha até Tortola sozinha, só que agora que seguiam rumo a Santa Amélia, era David quem assumia o le­me. As duas mulheres ficaram na popa, conversando.

— Sabe que ainda mal posso acreditar? Quando recebi a notí­cia de que você estava viva quase caí de costas.

— Como sua mãe reagiu?

— Mal. Você sobreviveu e Paul não. Na maneira de pensar de­la, isso a torna automaticamente antipática. Mas não se preocupe. Com o tempo ela vai aceitar o fato.

— Do mesmo jeito que fez da outra vez?

— Como sabe da reação dela ao casamento?

— David contou-me. Mesmo ele acredita que eu me casei com Paul apenas por causa do dinheiro. Você também pensa assim?

— Não, de modo algum. Quando você chegou aqui estava apai­xonada como qualquer recém-casada.

— Mas isso não durou muito tempo, não é?

— Pois é… Você e Paul eram muito imaturos e mal se conhe­ciam. Se morassem sozinhos, talvez acabassem por se entender. As famílias às vezes atrapalham um bocado.

Involuntariamente, Alice voltou o rosto para fitar David, que permanecia em seu posto, sereno, absorto, a atenção inteiramente voltada para o barco. Será que também ele contribuíra para a des­truição do casamento do irmão? Não havia dúvidas de que ele era um homem íntegro, mas isso não significava que não pudesse co­meter erros.

Depois de algum tempo, um ponto vago no horizonte começou a crescer e tomar forma. Uma ilha extensa, baixa, com praias de areias brancas, palmeiras, vegetação tropical e algumas colinas na extremidade oriental. Santa Amélia, o domínio dos Hamilton.

— A destilaria fica na outra ponta — informou Madalyn. Agora a lancha singrava as águas calmas da baía, rumo a um ancoradouro onde já se encontrava um iate de dois mastros.

— A vila fica naquela direção. — Ela fez um gesto indicando as colinas. — A ilha tem mais ou menos o mesmo tamanho da ilha de São João. Mas David já deve ter lhe contado tudo isso, não é?

— Uma ou outra coisa, o que não a impede de continuar a me dar informações. Preciso mais do que nunca de orientação.

— Amanhã um de nós a levará para uma volta pela ilha. Não leva muito tempo.

Madalyn levantou-se e, com movimentos ágeis e seguros, amar­rou o barco. Logo depois, David veio ter com Alice:

— Quer ajuda?

Ela aceitou. Seria tolice tentar atingir o ancoradouro com as san­dálias frouxas que estava usando. David tomou seu silêncio por um "sim" e, depois de desembarcar, estendeu-lhe a mão e ajudou-a a subir. Durante um breve instante, os dois estiveram bem próxi­mos, o suficiente para que ela sentisse o perfume sensual do corpo masculino. Logo depois, ele voltou para a lancha em busca da bagagem.

— Vamos para casa — convidou Madalyn. — David vai trazer as malas.

— Não há criados?

— Claro que há, mas isso não significa que não possamos fazer um pouco de força de vez em quando.

— Por favor, não me leve a mal. Não era isso que eu queria dizer… É tão estranho saber que já estive aqui antes e que não me lembro de nada.

— Deve ser mesmo perturbador. Mas não force a memória. Se ela voltar será quando você menos esperar. Até uma coisinha in­significante e sem importância pode fazer com que se lembre de ludo.

— Outra pancada na cabeça, por exemplo?

— Não aconselho — respondeu David, juntando-se a elas. — Vocês são duas folgadas mesmo. Ser mulher não as impede de car­regar uma mala, sabiam?

— Se há um homem forte por perto, por que não aproveitar? — retrucou Madalyn com cinismo.

— Quer que eu o ajude? — ofereceu Alice.

— Não é preciso. Se consegui carregar tudo até aqui, posso agüentar o resto do caminho.

Havia um jipe estacionado perto da estrada e David tratou de se livrar das malas. A contragosto, Alice instalou-se ao lado dele, já que Madalyn apressou-se a tomar o assento de trás.

Havia canaviais a perder de vista. Depois de alguns minutos, a estrada dividia-se em duas, uma delas seguindo por entre a planta­ção e a outra contornando-a. David tomou a primeira. O clima tornou-se mais quente e abafado, e o ar ficou carregado de umi­dade e odor de cana.

Ao encontrar trabalhadores na estrada, David parou para tro­car palavras com o chefe do grupo. Alguns deles olharam para o jipe com curiosidade. Era óbvio que haviam reconhecido Alice.

— Tratei de espalhar a notícia — informou Madalyn. — Do con­trário, poderiam imaginar que você era uma assombração. Será motivo de falatório durante alguns dias, até que a novidade perca o impacto.

Vindo em sentido contrário, surgiu outro jipe na estrada.

— Lá vem Scott. Ele tem trabalhado como um louco durante sua ausência, David.

— É para isso que eu o pago.

Scott era um homem de mais ou menos trinta anos, de feições agradáveis.

— Está tudo sob controle, David. Como vai, sra. Hamilton?

— Alice. Pode me chamar de Alice.

Depois de conversar um pouco com o capataz, David seguiu em frente.

— Estamos quase chegando — informou ele.

— A casa fica longe da praia, não?

— Temos uma piscina, mas, caso prefira a praia, pode usar o carro.

— Nunca dirigi antes.

— Quando estava aqui você costumava dirigir.

— Também andamos a cavalo por aqui — disse Madalyn. — Você tem cavalgado nestes últimos dois anos?

— Não. Meu Deus! Eu nem sabia que tinha tantas habilidades.

— Não se entusiasme muito. Com os cavalos você ainda era uma principiante.

Eles acabavam de sair dos canaviais quando, ao longe, parcial­mente escondida pelas árvores, viram a enorme casa dos Hamil­ton. David entrou por uma alameda cercada de jasmineiros em flor, e minutos depois eles estavam em frente à construção. Longa, com dois pavimentos, paredes sólidas de pedra, a casa era cercada de largas varandas de aspecto agradável.

— Bem-vinda ao lar — disse Madalyn. — Decepcionada?

— Não, nem um pouco. Só que eu esperava outra coisa, algo como uma mansão do sul dos Estados Unidos, com colunas e por­tas enormes, como vi em E o vento levou…

— Havia uma mansão no lugar onde hoje se ergue a casa — informou David, tirando as malas do carro. — Foi queimada du­rante uma rebelião de escravos.

— E o que aconteceu com as pessoas que moravam nela?

— Foram mortas. Felizmente, um dos filhos estava ausente na época, caso contrário não haveria nenhum Hamilton hoje. Mas vamos deixar a aula de história para depois, sim?

O saguão da entrada era espaçoso e fresco, causando um verda­deiro alívio depois da viagem debaixo do sol forte. O chão era pavimentado com ladrilhos verdes e brancos. Ao fundo erguia-se uma escada finamente trabalhada que se repartia em duas conduzindo aos corredores do pavimento superior.

Logo depois de entrarem, surgiu um criado.

— A sra. Hamilton está no pavilhão do jardim e pediu que o almoço fosse servido assim que o senhor chegasse. Quer que eu leve as malas para cima?

— Sim. E, por favor, peça que nos esperem dez minutos, Ali­ce, se quiser lavar as mãos, não precisa subir. Há um toalete aqui embaixo.

Não era apenas lavar as mãos que ela queria. Estava suada e gostaria de um bom banho. Como não queria atrasar ainda mais o almoço, o jeito foi resignar-se e esperar por uma oportunidade de relaxar.

— Quase sempre almoçamos no jardim — informou Madalyn, enquanto prendia os cabelos. — É engraçado ter de lhe dizer tudo isso novamente. Não viu nada até agora que lhe pareça remota­mente familiar?

— Nada. Estou começando a duvidar que eu seja mesmo Alice Hamilton.

— Que bobagem! Eu a reconheceria em qualquer lugar. E de­pois acho que a estou pressionando muito, o que não ajuda em nada. Vamos esquecer tudo isso, sim?

— Não será nada difícil para mim, pode crer.

Ao voltarem para o saguão, David já estava à espera delas. Jun­tos rumaram para os fundos da casa, onde havia extensos jardins, cobertos de vegetação tropical luxuriante. Após atravessar um ve­lho arco de pedra, remanescente da antiga mansão, eles chegaram á piscina. Numa das extremidades, havia um pavilhão aberto cons­truído a partir dos restos de um velho moinho de pedra, onde a mesa fora posta para o almoço. Numa das cadeiras estava sentada a sra. Hamilton. Loira, de traços suaves, a mulher tinha pouca se­melhança com os dois filhos.

— Você viu Samuel? — perguntou ela, dirigindo-se a David, sem ao menos cumprimentá-lo. — Pedi-lhe que o almoço fosse ser­vido imediatamente.

— Pedi a ele que esperasse dez minutos.

— Dê as boas vindas a Alice, mamãe.

A velha senhora voltou-se para a nora com um olhar hostil.

— Não vou fingir que estou alegre por revê-la. Não fosse por você, meu filho ainda estaria vivo.

— Isso não é justo — protestou Madalyn, chocada. — Alice nem mesmo estava no local do acidente.

—- Talvez porque soubesse que ele ia acontecer.

— Basta! — David deu um passo à frente, indignado. — Isso já foi longe demais.

— Não — protestou Alice. — É melhor abrirmos o jogo. En­tão a senhora acha que eu fui responsável pelo acidente, sra. Ha­milton? É isso que está insinuando?

— Paul era um bom motorista, ele…

— Paul era um motorista imprudente — objetou David. — As marcas de derrapagem indicam que ele estava em excesso de velo­cidade. O acidente aconteceu por isso.

— Disseram que os freios teriam falhado.

— Uma hipótese pouco provável. E vamos encerrar o assunto. Sente-se, Alice.

A não ser que preferisse sair correndo, a única alternativa que restava a Alice era obedecer à ordem. No entanto, não tinha a me­nor vontade de comer. Sentia-se terrivelmente embaraçada, mes­mo sabendo que a acusação da sogra era descabida. Acreditava mesmo que fosse capaz de dirigir, mas duvidava que algum dia ti­vesse conhecimento para sabotar um carro.

Samuel trouxe o almoço num carrinho coberto e foi embora em seguida, deixando que eles se servissem. Foi David quem encheu os copos de vinho, acomodando-se em seguida entre a mãe e Alice.

— Passarei o resto da tarde na destilaria. Tenho alguns proble­mas a resolver.

Sem dúvida ele usava uma desculpa para ficar longe de casa, e Alice não o culpava por isso. Mesmo ela sentia vontade de fugir dali, já que a atmosfera era pesada, tensa. Argumentar com a sra. Hamilton, pelo visto, seria perda de tempo. Só lhe restava esperar que ela se acostumasse a sua presença. Se é que algum dia isso aconteceria…

A refeição tornou-se suportável graças aos esforços de Madalyn, que levou a conversa adiante, evitando habilmente qualquer tema que desse margem a discussões. Elaine Hamilton foi a única a per­manecer calada o tempo todo. Após a saída de David, quando Ma­dalyn sugeriu que entrassem em casa, ela limitou-se a responder que preferia ficar onde estava.

— Eu não sabia que mamãe reagiria tão mal — comentou Ma­dalyn, assim que se viu a sós com Alice. — Desde a morte de Paul ela perdeu o interesse em tudo. Nestes últimos dois anos, tem gasto a maior parte do tempo sentada ali. Era um dos lugares favori­tos dele, quando estava na ilha.

— Ele não passava muito tempo aqui?

— Não mais do que o necessário. Paul gostava de aproveitar os prazeres da vida ao máximo, e Santa Amélia não tinha atrati­vos suficientes. David deu-lhe metade da propriedade esperando que ele se tornasse mais responsável.

— E não deu certo?

— Não, pelo contrário. Ao ver-se com tanto poder, Paul co­meçou a gastar mais ainda. Ele já estava na Europa há três meses quando a conheceu. Nem se deu ao trabalho de avisar que ia vol­tar para casa, e muito menos que havia se casado.

— Deve ter sido um choque para sua mãe.

— Foi um choque para todos nós. Paul não era homem de se casar, e acho que fez isso apenas para provocar David… Desculpe-me, eu não devia ter dito tal coisa.

— Não se preocupe. Já imaginava que ele não havia se casado comigo por amor. David acha que ele se casou apenas para ir para a cama comigo.

— Talvez haja um fundo de verdade nisso. Duvido, porém, que você tenha se servido desse pretexto para se casar com ele.

— Como pode ter certeza? Nem mesmo eu posso estar segura disso.

— Você perdeu a memória, não o caráter. Se não se acha capaz de tal coisa atualmente, na época também não deve ter sido.

— É o que vivo dizendo a mim mesma. Mas talvez eu nunca venha a ter certeza.

— Dê tempo ao tempo.

Alice hesitou antes de fazer outra pergunta:

— David contou-me que saímos para velejar algumas vezes. Paul foi conosco?

— Não. Ele não se interessava por barcos a vela. — Madalyn fez uma breve pausa. — A notícia de sua "morte" foi um grande choque. Eu estava ausente na época.

— Estava visitando seu noivo?

— Tod não é meu noivo, e eu nem o conhecia na época. Você vai conhecê-lo na semana que vem. Ele vem passar alguns dias aqui.

— Será uma bela reunião de família, se Imogen também vier.

— Imogen? Aqui? A última vez que veio para Santa Amélia, ela quase morreu de tédio.

Sofrer de tédio era um preço pequeno a se pagar pela compa­nhia de David. No lugar de Imogen, Alice não hesitaria em aten­der a um chamado dele.

Uma vez dentro de casa, as duas moças foram diretamente para o pavimento superior, onde Madalyn mostrou à cunhada o quarto que lhe fora destinado. O aposento ficava na parte detrás da casa, com vista para o jardim e protegido pela sombra de um tamarindeiro, cujos galhos chegavam a roçar a vidraça. Uma colcha feita a mão cobria a cama de casal.

— Não é o quarto que você ocupava com Paul — disse Madalyn após hesitar por alguns instantes na entrada. — Esse fica na outra extremidade da casa, e, a menos que queira, não precisa ir até lá.

— Agora não, Madalyn. Obrigada. No momento, o que tenho vontade de fazer é tomar um banho e deitar por uma hora. Acor­dei cedo hoje e estou cansada da viagem.

— Boa idéia. Seu banheiro fica ali, naquela porta. É pequeno, mas funcional. Quando a casa foi construída, não pensaram em fazer suítes e, assim, quando fizemos a reforma, sacrificamos uma parte dos dormitórios para a construção de banheiros. Não quere­mos que nos acusem de falta de refinamento em Santa Amélia.

— Você é feliz aqui? — perguntou Alice, percebendo uma ponta de sarcasmo no tom de voz da cunhada. — Não acha a vida aqui um tanto limitada?

— É fácil sair daqui quando me sinto entediada. É claro que algum dia terei de partir, a menos que queira terminar a vida co­mo uma solteirona rabugenta. Agora vou deixá-la sozinha. Se qui­ser algo, há uma campainha ao lado da cama.

Antes de sair, Madalyn voltou-se ainda mais uma vez:

— A propósito: minha mãe sempre dorme entre duas e meia e seis horas. Se tiver vontade de usar a piscina sem ser incomodada, fique à vontade.

Era bom saber disso. A última coisa que Alice desejava era fi­car sozinha na companhia da sogra. Com um suspiro, ela colocou uma de suas malas sobre a cama e começou a desfazer a bagagem. Não havia nenhuma sensação de conforto naquela volta ao lar. Na verdade, o único lar que conhecia estava do outro lado do oceano, em Londres, e no momento ela daria qualquer coisa para ainda estar lá.

 

 

Capítulo IV

 

Eram quase cinco horas da tarde quando Alice acordou de um sono entrecortado e intranqüilo, que não a deixou descansada nem física nem mentalmente. Os raios de sol inundavam o quarto, impregnando-o de uma luz dourada. Podiam-se ouvir vozes no jar­dim, diluindo-se aos poucos, como se as pessoas que falavam esti­vessem se afastando para o outro lado da casa.

Os cabelos de Alice estavam colados à cabeça devido ao suor. Bem que sentira vontade de tomar um banho antes de ir para a cama, mas uma letargia irresistível acabara por vencê-la, e agora, mais do que nunca, um mergulho na piscina era tentador. Como duvidava que o jantar fosse servido antes das sete e meia, havia tempo de sobra.

Após vestir um maiô e um roupão, ela desceu as escadas. Uma porta entreaberta no pavimento inferior revelava uma sala de es­tar refinadíssima, decorada em tons de verde, banco e coral. Al­gumas peças do mobiliário eram bastante antigas e deviam estar ali desde que a casa fora construída.

Seguindo um impulso, Alice entrou no aposento e pôs-se a cor­rer os dedos pela madeira de lei, pelo tecido fino das cortinas, ten­tando, através do tato, arrancar alguma imagem da memória. Nada. Aquele lugar, aquela casa, faziam parte de um passado ao qual ela não pertencia.

Havia um piano perto da janela. Alice aproximou-se e, enquan­to olhava para fora, ficou dedilhando o teclado, distraída. O sol já estava baixo, e, caso não se apressasse, seria tarde demais para um mergulho. Não que a idéia de nadar à noite não fosse tentado­ra. A escuridão, a água prateada pelo luar, apenas os grilos e os vaga-lumes por companhia…

Com o coração aos pulos, ela percebeu que estivera tocando al­go no piano. A melodia ainda estava em sua mente.

"Eu sei tocar! Sei onde cada nota está!"

Ela sentou-se na banqueta e pôs-se a flexionar os dedos, olhan­do para as teclas. Começou a tocar, hesitante a princípio, e, aos poucos, com uma confiança cada vez maior, à medida que se dei­xava guiar pelo instinto. Não seria uma pianista que desse concer­tos, mas competente, sem dúvida. Enquanto tocava, ela mantinha o pedal pressionado, para abafar o som. Quase não acreditava no que estava fazendo. Nunca, nos dois últimos anos, ela sequer des­confiara de que tinha algum talento musical. É claro que essa era a primeira vez que chegava perto de um piano. Que outras habili­dades ela possuiria?

Trêmula demais para chegar ao fim da peça, ela fechou os olhos e parou de tocar. Tinha instrução musical. E daí? Nenhuma outra lembrança acompanhava a descoberta daquele fato.

— Você costumava se distrair ao piano com freqüência — disse David, parado na porta.

Sobressaltada, Alice olhou para ele. Depois de um breve instan­te de silêncio, afastou-se do instrumento e disse:

— Costumava incomodar muito os outros com o piano?

— Eu não disse isso. Não vai tocar mais?

— Não. Estava a caminho da piscina, quando vi a porta entrea­berta e resolvi entrar.

— Não precisa se desculpar. A casa também é sua. Aquilo que estava tocando…

— Você reconheceu a música?

— Sim, eu já a ouvi antes.

— Onde?

— Achei que você talvez pudesse me responder isso.

— Se soubesse que música é, não estaria perguntando. Não sei o nome, nem quem a compôs. Só sei que ela não me sai da cabeça.

— Isso acontece às vezes… Se ainda está planejando ir à pisci­na, vou me juntar a você. Dê-me cinco minutos.

Alice permaneceu imóvel até ouvir os passos dele, escada aci­ma. Não queria sua companhia, mas não se atreveria a lhe dizer isso. Talvez fosse melhor sumir dali.

É claro que não fez tal coisa, e, ao sair, foi para a piscina que rumou. Se iria viver na mesma casa que David, tinha de esforçar-se por ter um relacionamento melhor com ele, e isso não acontece­ria caso passasse o tempo todo evitando sua companhia. A perturbação que aquele homem lhe causava era uma emoção com a qual deveria se acostumar a conviver.



  

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