|
|||
CAPÍTULO XICAPÍTULO XI
Francesca partiu na manhã seguinte, antes de Will acordar. Dormira mal, mas, às seis horas, escrevera um bilhete agradecendo pela hospitalidade e garantindo que se sentia capaz de lidar com os próprios problemas depois do período de descanso. Suprimindo a amargura, aproveitara para desejar boa sorte no futuro e expressar a esperança de que ele encontrasse aquilo que procurava. Ou o que a avó dele procurava, corrigira-se mentalmente antes de deixar o bilhete num lugar visível. Àquela hora da manhã, o trânsito fluía com facilidade, e apesar do ligeiro desconforto no tornozelo, concluiu a jornada em tempo recorde. Eram nove e meia quando estacionou o carro em sua vaga na garagem do prédio e, Harmsworth Gardens. A sra. Bernstein a recebeu na porta. — Oh, Francesca! Está de volta! Como se sente? — Bem, obrigada — respondeu apressada. Não estava com disposição para conversar, e queria alcançar o santuário do apartamento sem chamar atenção, como deixara o mosteiro. — Gary consertou a janela — a senhoria comentou. — Ele cuidou de tudo na sexta-feira, antes de sair para o trabalho. — Por favor, agradeça a ele por mim, sim? — É claro. Foi para Yorkshire, não? — Sim, eu fui. Passei o final de semana com... um velho amigo. Acabei de chegar. — Veio direto de Yorkshire? Por isso parece tão cansada. — Pareço? — Forçou um sorriso. — Sim, acho que preciso descansar. — Tem razão. Oh, já ia me esquecendo! Aquele jovem policial, o sargento Cameron, esteve aqui procurando por você. — Por mim? — Ainda nem entrara em casa, e já estava sendo importunada pelo mesmo assunto que a fizera partir. — O que ele queria — Ele não disse nada, mas creio que se trata de algo urgente. O sargento pediu para você telefonar assim que chegasse. Acredita que eles o pegaram? — Refere-se ao homem que me persegue? Duvido. — Mas, vai telefonar para o policial, não é? Não quero que ele pense que esqueci de dar o recado. — Sim, é claro que vou telefonar. E obrigada por tudo. Apesar da apreensão que experimentou ao abrir a porta do apartamento, soube imediatamente que ninguém havia estado ali em sua ausência. O ar parado e a fina camada de poeira sobre os móveis comprovavam que sua privacidade não fora invadida. Talvez ele a houvesse visto partir. A luz da secretária eletrônica podia oferecer uma resposta, mas preferiu esperar até ter uma xícara de café na mão para acioná-la. Para seu alívio, a única mensagem gravada era de Tom Radley. Ele havia ligado na sexta-feira, antes de sair para o trabalho, antes de ter sido informado sobre seu paradeiro. Soava preocupado, o que justificava a impaciência que havia demonstrado ao atendê-la. Devia tê-lo prevenido sobre suas intenções. Uma rápida inspeção na geladeira revelou que estava sem provisões. Teria de passar pelo mercado, mas faria as compras quando voltasse da casa de Clare. Precisava devolver o carro da amiga, mas antes ligaria para o sargento Cameron. O oficial não estava. O assistente explicou que ele havia saído para atender a uma ocorrência, e sugeriu que ela passasse pela delegacia por volta das duas da tarde, quando certamente o encontraria. Assim não correria o risco de um desencontro. Francesca não entendeu a mensagem. Não imaginava por que o sargento ia querer vê-la pessoalmente, mas guardou as dúvidas para si. Apreensiva, retirou as roupas da valise e ligou a máquina de lavar. Depois verificou a janela do banheiro, que havia realmente sido reparada, e saiu do apartamento levando apenas a bolsa.
Clare a recebeu de camisola. Francesca havia esquecido que era domingo, mas a amiga se mostrou feliz ao vê-la e insistiu que entrasse para tomar o café da manhã. Mick já estava sentado à mesa, devorando um prato de ovos, bacon e salsichas. Como sempre, vestia a calça e a jaqueta de moletom que usava na academia de ginástica, sinal de que pretendia ir exercitar-se. — Sente-se, Fran — Clare convidou, lançando um olhar impaciente para o marido. — Não se importe com Mick. Ele vai sair logo. Não é, amor? — E sorriu com cinismo. — A que horas disse que vai para a academia? — Por quê? Querem falar bobagens quando eu não estiver aqui? — Não seja estúpido, Mick! Esse comentário foi inconveniente e impróprio para as circunstâncias. — Que circunstâncias? Ah, sim, está falando sobre o perseguidor misterioso! Descobriu alguma coisa sobre a janela quebrada, Fran? O bastardo é esperto. Tem de reconhecer que ele tem miolos! — Miolos que eu adoraria ver estourados! — Clare irritou-se. — O que vai querer, Fran? Ovos com bacon? — Só café e torradas, obrigada. Creio que deve haver alguma novidade no caso. O sargento quer que eu vá à delegacia esta tarde. Mick a encarou surpreso. — Para quê? O que podem ter para dizer? Descobriram quem é o sujeito? — Não sei. — Não temos nada a ver com isso, Mick — Clare o censurou. — Duvido que Fran queira falar sobre isso agora. — Oh, não se incomode! A verdade é que não tenho ideia do que a polícia pode querer comigo. Espero que o tenham pego. Seria ótimo saber que o sujeito está atrás das grades. — Se quer saber minha opinião, acho que a polícia não tem pistas — Mick comentou sorrindo. — Se tivessem, já teriam posto o homem na cadeia. — Tem razão — Francesca concordou. Nos últimos seis meses, os oficiais encarregados do caso não haviam conseguido nenhum progresso. — Obrigada — disse, olhando para o prato de torradas que a amiga colocava diante dela. — Não sei se conseguirei comer tudo isso. — Tente! — Clare a incentivou sorrindo. — Como foi o final de semana? Fez alguma coisa excitante? O que achou de... Will? — O ex-marido? — Mick perguntou com tom debochado. — O senhor do castelo! Aposto que ele não gostou de vê-la batendo em sua porta. — Cale a boca, Mick! — Clare irritou-se. — Desde que perdeu o emprego, não suporta testemunhar o sucesso de outras pessoas. Se passasse mais tempo procurando trabalho, em vez de ficar comendo batatas na frente da televisão, já teria encontrado algo de útil para fazer. Mick levantou-se com um movimento tão violento, que a cadeira chocou-se contra o móvel encostado numa parede da cozinha. — Cretina! — Gritou furioso. — Não preciso ficar ouvindo essas coisas! — Tem razão. Pode ir para o clube, como sempre, e parar de bisbilhotar no que não é da sua conta. Sei que só está aqui porque espera ouvir alguma coisa interessante, algo que possa comentar com seus amigos de bar! — Um dia desses, Clare... — ele ameaçou. — Poupe-me! Já ouvi isso antes. O almoço estará na mesa às duas horas. Sei que não vai se atrasar, porque o jogo começa às três e você não vai querer perdê-lo. Mick saiu batendo a porta e um silêncio incômodo invadiu o ambiente. Francesca não gostava de saber que havia causado a discussão, e lamentava não ter simplesmente devolvido o carro e partido. — Desculpe. — Clare suspirou. — Mick sempre acorda de mau-humor. — Não acha que foi dura demais com ele? — Mick mereceu. Às vezes ele se comporta como um verdadeiro canalha! Mas quando voltar para casa, depois de se matar de levantar peso na academia, terá esquecido tudo. Francesca não acreditava no otimismo da amiga, mas achou melhor não insistir. Quem era ela para julgar o casamento alheio? Não conseguira preservar nem o dela! Mas não queria pensar nisso. Era doloroso demais. Oferecer um relato resumido sobre o final de semana era tudo que se sentia capaz de fazer.
Por volta das onze, deixou a casa da amiga e dirigiu-se ao mercado. A distância entre o estabelecimento e seu apartamento era mínima, mas, mesmo assim, manteve-se atenta durante todo o trajeto. Era estranho, pensava. Enquanto estivera em Yorkshire, não experimentara aquela horrível sensação de estar sendo vigiada. Talvez fosse psicológico, como havia sugerido o policial que cuidava do caso, mas o sentimento havia retornado, e foi com um misto de alívio e ansiedade que chegou ao apartamento. A máquina havia concluído o ciclo de lavagem em sua ausência, e ela estava transferindo as roupas para a secadora quando o telefone tocou. A primeira reação foi de pânico, e ela decidiu deixar a secretária eletrônica atender à ligação. Era Will. — Fran? Está em casa? Pelo amor de Deus, atenda! Só quero saber se está bem. Abandonando as roupas, ela atravessou a cozinha e sala de estar para alcançar o aparelho. — Estou aqui — disse, surpreendendo-se com o suspiro aliviado do outro lado da linha. — Graças a Deus! Podia ter tido ao menos a decência de informar-me sobre seus planos. — Não pude — Francesca confessou infeliz. Não teria tido forças para partir depois de vê-lo frente a frente, especialmente se ele houvesse tentado convencê-la a ficar. — Achei que seria melhor assim. — Melhor para quem? — Will perguntou irado. — Nós nem chegamos a discutir o que faria quando voltasse para casa! — Não há nada que eu possa fazer — respondeu, recusando-se a discutir seus temores depois de ter queimado todas as pontes. O que quer que acontecesse desse momento em diante, estaria sozinha. — Encontrou o apartamento intocado? Acha que alguém esteve aí em sua ausência? — Creio que não — afirmou sem segurança. Como poderia saber? — Não tem certeza? Impaciente, Francesca tratou de assegurar que tudo ia bem. Temia perder as forças e acabar revelando o que sentia, e isso só complicaria a situação. Há cinco anos tivera a raiva para sustentar sua decisão, mas nesse momento... — Como vai o tornozelo? — O tornozelo? — repetiu atordoada. — Oh, sim, o tornozelo! Está um pouco dolorido depois da viagem até aqui, mas pelo menos posso caminhar normalmente. Eu... sou muito grata por tudo que fez, Will. Agradeço por ter me hospedado no mosteiro. — E isso é tudo? — O que mais esperava? — Podia dizer que gostou de me ver. Ela engoliu em seco. — Sim, gostei de revê-lo — disse, contendo-se antes que fosse tarde demais. — Sua avó já sabe que parti? — Ainda não. — O tom de voz era mais duro que antes. — Ela não tem nada a ver com isso. Estava falando sério, Fran. Rosie não determina os caminhos da minha vida. Não? Francesca engoliu a pergunta. Tecer comentários rudes sobre lady Rosemary não a ajudaria em nada. Por mais que protestasse, Will ainda era o nono conde de Lingard, e a avó nunca o deixaria esquecer suas responsabilidades. — De qualquer maneira — ele continuou, incomodado com o silêncio prolongado —, irei a Londres em breve, e talvez apareça para vê-la. Só para ter certeza de que está bem — acrescentou com ironia. — Não quero que pense que tenho segundas intenções. Francesca sentiu o coração bater mais depressa. — É melhor não vir sem telefonar. Não sei se estarei em casa, ou o que estarei fazendo... — Não sobreviveria a outra separação. — Adoro correr riscos — ele riu, incapaz de disfarçar a irritação. — Cuide-se bem, Fran. Estarei pensando em você. E desligou.
|
|||
|