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CAPÍTULO VI



CAPÍTULO VI

 

 

Will levou os Merritt de volta a Mulberry Court no meio da tarde. Havia sido uma visita bem-sucedida, embora tivessem permanecido mais tempo do que antecipara. Emma insistira em conhecer a casa, especialmente o sótão e os aposentos mais antigos, e encantara-se com os objetos esquecidos nos enormes baús sob o teto de madeira. O lugar era empoeirado e quente, mas depois do desastroso incidente na escada, mostrara-se disposto a qualquer coisa para não ter de dar maiores explicações. Houvera um momento difícil, logo depois de Francesca ter desaparecido, quando Emma quisera saber por que a tal amiga da família não participara do almoço.

— Ela acabou de chegar de Londres — respondera, aliviado por não ter sido forçado a fazer as apresentações. — Está enfrentando um momento de crise, e veio até aqui para afastar-se dos problemas.

Confiante na própria beleza, Emma não sentira-se ameaçada pela presença de uma mulher mais velha, abatida e sombria, e abandonara o assunto sem mais perguntas.

Os pais da jovem, que haviam ficado na biblioteca saboreando o licor enquanto a filha ia conhecer a casa, também pareciam ter apreciado a visita. Não precisavam vasculhar os baús do sótão, nem ouvir a história da propriedade para saberem que Lingard tinha algo que eles desejavam: um título para a filha e conexões que o dinheiro jamais poderia comprar. De sua parte, Will era forçado a reconhecer que os milhões de George Merritt resolveriam muitos, senão todos os problemas. Um novo teto e a completa restauração do acabamento que unia as pedras das paredes seriam um bom começo, mas havia muito o que fazer, e certos reparos exigiam atenção urgente, senão imediata.

— Voltaremos a vê-lo antes de partirmos? — Lady Merritt perguntou quando chegaram a Mulberry Court.

— É claro que sim, mamãe! — Emma anunciou entusiasmada. — Will prometeu me levar a York amanhã. Vocês o verão quando ele vier me buscar.

Havia realmente mencionado que a cidade merecia uma visita, mas não combinara nada com Emma. Por outro lado, não tinha motivo para não concordar com os planos da garota, a menos que quisesse arruinar o projeto de lady Rosemary para o futuro.

— Talvez possamos ir juntos a York — lady Merritt sugeriu excitada.

Mas Emma tinha a resposta pronta.

— E deixar lady Rosemary sozinha outra vez?

— Oh, bem... talvez tenha razão. De qualquer maneira, obrigada pelo almoço. Não me lembro de ter visto jardins mais lindos que os de sua casa.

Todos entraram juntos na casa. Will sentia-se na obrigação de trocar algumas palavras com a avó antes de partir, mas a presença de outro visitante o impediu de falar sobre a presença de Francesca em Lingard.

Archie Rossiter estava sentado com lady Rosemary na sala de estar, e havia uma bandeja de chá sobre a mesa. Era a segunda visita que Archie fazia em menos de vinte e quatro horas, o que o levou a pensar que talvez a avó e o amigo tivessem mais coisas em comum do que imaginara.

— Tiveram um dia agradável? — lady Rosemary perguntou ao grupo, os olhos fixos no neto. Era óbvio que tinha um interesse específico.

Mas foi Emma quem respondeu.

— Foi maravilhoso! Os jardins são lindos, mas fiquei encantada com a casa. Will levou-me ao sótão e me mostrou todos os álbuns de fotografias.

— Todos? — Rosemary estava tensa, talvez imaginando que o neto pudesse ter mostrado retratos da ex-esposa.

— Eram muitos! — Emma declarou, tranquilizando-a sem perceber. — Foi muito divertido. Seu neto é um homem interessante, lady Rosemary. Mesmo que não jogue pólo.

— Oh, seu sei! — Ela riu, usando a sineta de prata para chamar a governanta. — Toma o chã conosco, Will? Archie estava de saída.

— Não, obrigado. — Mal podia esperar para livrar-se dos Merritt.

— Então, vou acompanhá-lo até a porta. — Rosemary impediu Emma de segui-los com uma atitude firme. — Peçam o que quiserem a Mabel. Archie, pode esperar por mim aqui, por favor? Quero falar com Will sobre o capataz da propriedade.

Assim que chegaram ao hall, ela mudou o tom de voz.

— E então, o que Francesca veio fazer aqui, e por que a deixou ficar?

Will suspirou.

— Já disse que ela está com problemas. Um... um homem decidiu persegui-la.

— E acha que isso é razão para prejudicar seu futuro? Você me surpreende!

— A presença de Francesca não afeta meu relacionamento com os Merritt, se é essa sua preocupação. Emma a viu hoje, mas Francesca se fez passar por uma amiga da família. Aquela garota é tão vaidosa que nem imaginou a possibilidade de eu ter me relacionado com outras mulheres.

— Francesca e Emma se encontraram? Você convidou aquela mulher para almoçar?

— É claro que não! Nós a encontramos por acaso. Devia estar grata por ela ser discreta. Francesca podia ter se identificado.

— Tem certeza de que não é o que ela pretende fazer?

Will não pôde deixar de imaginar por que a avó era tão hostil com sua ex-esposa. Às vezes tinha a impressão de que ela sabia algo que desconhecia.

As possibilidades eram infinitas. Era verdade que Francesca abortara seu filho e nunca a perdoara por isso, mas jamais tivera notícias de qualquer tipo de infidelidade, e havia sido ele, não a avó, quem suportara toda a dor.

— Agora tenho de ir — disse. — Eu a convidei para passar o final de semana em Lingard, mas é só isso. Sinto pena dela. Sentiria a mesma coisa por qualquer outra mulher que estivesse sendo perseguida por um lunático.

— Se tem certeza...

— Tenho certeza. — Will atravessou o terraço e aproximou-se do carro. — Voltaremos a nos ver amanhã. Parece que prometi levar Emma a York, embora não me lembre disso.

Voltou para casa levando na memória o sorriso satisfeito da avó. Se ao menos ela não estivesse tão desesperada por um bisneto! Nem sempre fora assim. Ele e Francesca haviam passado seis anos juntos e Lady Rosemary nunca o pressionara para ter filhos. Pelo contrário, sempre se mostrara convicta de que o casamento não duraria.

Por que só agora percebia que a avó odiava sua ex-esposa? Quando vivia com Francesca, não passava muito tempo em Mulberry Court. Lingard sempre tomara todas as horas de seus dias, e Francesca trabalhava em Leeds, o que significava que os momentos que passavam juntos eram muito preciosos para serem desperdiçados. Além do mais, Rosemary passava metade do ano em Londres, e durante os outros seis meses não perdia uma única chance de demonstrar a desaprovação pela maneira como viviam.

 

 

A silhueta do mosteiro apareceu do outro lado do campo verdejante e, como sempre, Will experimentou uma onda de orgulho. Amava aquele lugar, mas... Não sabia se devia sacrificar sua liberdade por uma propriedade.

Como sempre, Watkins ouviu o barulho do carro e foi recebê-lo no hall.

— Tudo bem? — perguntou a caminho da biblioteca, onde tomaria o uísque duplo que prometera a si mesmo.

Preocupado, o mordomo perguntou se ele sabia onde estava a sra. Quentin.

— Francesca? — E encarou-o com a testa franzida. — Ela deve estar no quarto. Onde mais?

— Ela não está lá, meu lorde. Edna tentou servir o chá há cerca de uma hora, mas não obteve resposta. Mais tarde a sra. Harvey tomou a liberdade de entrar no quarto, mas não a encontrou.

— Bem, ela saiu no início da tarde para ir ao vilarejo. O carro dela não está na garagem?

— Ela não saiu com o carro, meu lorde. Já fui verificar.

Will respirou fundo. O fato de Francesca ter saído quatro horas antes e ainda não ter retornado não era motivo para pânico. Ninguém sabia que ela estava ali. Ninguém podia prejudicá-la. Mesmo assim, a ausência prolongada o preocupava.

— Alguém a viu sair?

— Ninguém, meu lorde.

— Acho melhor ir procurá-la.

— Estou certo de que nada de mal aconteceu, meu lorde. Quer que o acompanhe? É possível que a sra. Quentin tenha se perdido.

— Duvido — disse, lembrando com alguma relutância os anos que Francesca havia vivido em Lingard. — Irei procurá-la sozinho. Se ela aparecer, telefone para o meu celular.

— Sim, meu lorde.

Will voltou ao Range Rover tomado por um misto de ansiedade e irritação. Como Francesca pudera deixar a casa sem dizer nada a ninguém, especialmente se pretendia passar tanto tempo fora? Era uma grande falta de consideração, uma demonstração de egoísmo que não devia surpreendê-lo. Francesca sempre fora egoísta e inconsequente, não? Não havia sido isso que a avó tentara dizer menos de uma hora antes?

Furioso, pisou no acelerador e saiu apressado. Devia deixá-la voltar quando quisesse. Por que ainda importava-se com sua segurança?

Além do mais, não havia nenhum motivo concreto para estar tão preocupado. Ela devia ter encontrado algum conhecido, só isso. Perdera a noção do tempo conversando com um ou outro habitante do vilarejo, gente que ela conhecera quando vivera ali. Às quinze para as seis de uma sexta-feira, as ruas estavam praticamente desertas. A maioria das lojas fora fechada, e Will não precisou de muito tempo para concluir que não a encontraria no centro comercial. Então, onde?

Intrigado, estacionou perto da praça central e dirigiu-se ao posto do correio. A sra. Simpson, responsável pelo serviço de postagem, nem tentou esconder a curiosidade ao vê-lo entrar. O lugar também vendia doces e cigarros, mas ele nunca fora um cliente regular. Mesmo assim, em vez de pedir informações de maneira direta e franca, decidiu comprar um maço de cigarros. Watkins ficaria agradecido.

Temendo tornar-se alvo dos comentários de toda a cidade, Will pagou pela mercadoria e decidiu ir embora sem fazer perguntas. Já estava se aproximando da porta quando ouviu a sra. Simpson comentar:

— Sua esposa... Isto é, sua ex-esposa esteve aqui há algum tempo.

— Ah, sim?

— Também fiquei surpresa ao vê-la. Creio que ela está hospedada nesta região.

Ela esperava por uma confirmação, mas Will permaneceu em silêncio. Não queria revelar que estava procurando por Francesca. Além do mais, já conseguira a informação que queria: Francesca havia ido ao vilarejo, o que significava que ainda devia estar por lá. Ou isso, ou voltava para casa.

Para casa? Lingard não era mais a casa dela, pensou irritado, despedindo-se da mulher e saindo apressado. As vezes duvidava de que algum dia houvesse sido. Ela sempre tivera objetivos bem específicos, e a relação não incluíra ser mãe de seus filhos.

Will respirou fundo. Remexer em velhas feridas era inútil. Como era óbvio que Francesca não corria perigo, o melhor que tinha a fazer era voltar o mosteiro. Ela apareceria quando quisesse. Até lá, tinha os próprios problemas em que pensar, sem falar no trabalho que teria de desenvolver naquela noite para compensar o dia seguinte, que condenara ao desperdício.

Voltou ao Range Rover, guardou o maço de cigarros no porta-luvas e hesitou. Se Francesca estava a caminho do mosteiro, provavelmente a encontraria na velha trilha das carroças. Caso contrário, já a teria visto na estrada.

Ainda era dia, e a trilha era um caminho perfeitamente seguro entre o vilarejo e Lingard. Quantas vezes a percorrera em companhia de Francesca durante o tempo em que foram casados? O lugar abrigava amantes, casais apaixonados...

E voyeurs!

Decidido, desceu do carro e atravessou a praça para ingressar na trilha através da rua da igreja. A ansiedade voltara a dominá-lo, apesar de todos os argumentos lógicos sobre a segurança da área.

Salgueiros e pinheiros alinhavam-se majestosos ao longo do caminho, estendendo-se até a margem do rio, e Will sentiu uma nova onda de apreensão ao lembrar que até então nem havia pensado no curso de água. E por que deveria? Afinal, Francesca não saíra do mosteiro nervosa, abalada ou perturbada. Na última vez em que a vira na escada de serviço, ela parecia composta e tranquila.

Atento, examinou as margens do rio, mas com exceção de alguns esquilos e uma família de patos, não havia nenhum sinal de vida. Não conseguiria encontrá-la, a menos que ela decidisse aparecer.

Furioso, virou-se para voltar à praça quando viu a sombra cor de bronze escondida entre os arbustos mais altos que debruçavam-se sobre a água. Francesca usava uma camisa da mesma cor naquela tarde! Sem pensar, atirou-se pela encosta na direção da pista assustadora.

Mas não era apenas uma pista, percebeu segundos depois. O ângulo da margem e a cortina de vegetação haviam criado uma espécie de ilusão de ótica, levando-o a pensar que vira apenas a camisa. Mas, ao aproximar-se, reconheceu Francesca deitada sobre a relva e, por um momento, teve a horrível impressão de que estava morta.

— Deus...

Desesperado, caiu de joelhos ao lado do corpo inerte. O rosto pálido e a respiração fraca só aumentaram sua aflição e, temendo pelo pior, tocou sua face.

Ela abriu os olhos de repente e encolheu-se, assustada como um animal acuado.

— Will! — exclamou ofegante. — Meu Deus! Quer me matar de susto?

— Foi você quem me assustou — ele respondeu em voz baixa, tentando controlar a raiva provocada pela demonstração de irresponsabilidade. — O que pensa estar fazendo?

 



  

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