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CAPÍTULO IVCAPÍTULO IV
Havia sido uma insensatez, e Will sabia disso. Permitir que Francesca passasse a noite em sua casa era uma coisa, mas convidá-la para passar o final de semana era outra. Não teria importância se não estivesse esperando a visita de uma possível noiva para as próximas horas. Sua avó ficaria furiosa, e com razão. Se sabia disso, por que sugerira que Francesca ficasse até domingo? Adiar o retorno não mudaria a situação. Mais cedo ou mais tarde teria de voltar e encarar o que a esperava. Mas ela se mostrara tão vulnerável, tão assustada! Não tivera coragem de mandá-la embora. Além do mais, precisava de mais tempo para assimilar as informações que ouvira e pensar numa forma de ajudá-la. O problema não era dele, mas Francesca fora sua esposa, e ainda sentia-se responsável por ela de alguma forma. Lady Rosemary diria que a ideia era ridícula, mas às vezes era necessário deixar a lógica de lado. No momento precisava pensar no próprio futuro, e por isso partiu em busca da sra. Harvey para informar que seriam apenas quatro pessoas à mesa do almoço. Já tomara as providências na noite anterior, mas depois de como Watkins havia tratado Francesca, preferia não correr riscos. Depois de dizer à sra. Harvey que a sra. Quentin almoçaria no salão matinal, e não na sala de jantar com os outros convidados, Will seguiu para Mulberry Court disposto a contar à avó sobre a presença da ex-esposa em sua casa. Não podia permitir que ele tomasse conhecimento da notícia através de um dos empregados. Por isso chegou quinze minutos antes do horário marcado com os Merritt. Se tivesse sorte, encontraria a avó sozinha e poderia explicar porque havia permitido a permanência de Francesca. Mas a sorte não estava a seu lado. Assim que passou pela porta, Will deparou-se com o sorriso radiante de Emma. — Olá! — ela cumprimentou com entusiasmo, apoiando-se no corrimão para terminar de descer a escada. — Chegou cedo — acrescentou, como se interpretasse a chegada antecipada como sinal de ansiedade para revê-la. — Mamãe e papai estão quase prontos. Se quiser, posso ir apressá-los e... — Oh, não é necessário! — ele cortou. — Na verdade, cheguei um pouco mais cedo para trocar algumas palavras com minha avó. Sabe onde ela está? A expressão de Emma transformou-se subitamente, tornando-se tensa. — Não tenho a menor ideia — disse. Em seguida, percebendo que não podia opor-se a uma conversa entre Will e a avó, corrigiu-se. — Na última vez em que a vi, Lady Rosemary lia o jornal matinal no terraço. Se não se importa, gostaria de acompanhá-lo. Não havia nada que pudesse dizer para dissuadi-la sem ser indelicado, e por isso ele suspirou. Como faria para explicar a chegada de Francesca diante de Emma? Lady Rosemary mostrou-se surpresa ao vê-lo. — Tão cedo, Will? Emma, vejo que está exercendo uma influência positiva sobre meu neto. Pontualidade nunca foi seu ponto forte. — Tive um bom motivo para adiantar-me. — E olhou para a jovem com ar significativo. — Algo aconteceu. — Está tentando dizer que não pode receber os Merritt para o almoço? — Oh, não! O problema não é esse. Trata-se de um pequeno... inconveniente, talvez, mas não é nada que eu não possa resolver. — Deve ser algo relacionado ao mosteiro — Lady Rosemary sugeriu. — De certa forma... — Will encolheu os ombros, imaginando se a ideia havia sido boa, afinal. Talvez fosse mais simples deixar a avó descobrir sozinha sobre a presença de Francesca. Pelo menos assim o almoço já teria acabado quando ela soubesse. Compreendendo que o neto preferia conversar com alguma privacidade, ela se virou para Emma e sorriu. — Minha querida, poderia pedir à sra. Baxter um novo bule de café? — Sim, é claro. Emma se mostrava ansiosa para agradar a dona da casa, e por isso afastou-se apressada. — Você tem cerca de três minutos, Will. Qual é o problema? — Francesca — disse sem rodeios. — Ela está no mosteiro. Chegou ontem à noite, enquanto eu jantava aqui. O ar de autoridade calma desapareceu do rosto da velha senhora. — Francesca está aqui? — Em Lingard. Não é um grande problema, mas preferi informá-la pessoalmente. — Não é um problema? Will, você enlouqueceu? O que essa mulher veio fazer aqui? Por que não a mandou embora? Oh, não... Espero que não a tenha convidado... — É claro que não. Mas ela está muito perturbada, e por isso sugeri que ficasse até domingo. — Não acredito! Ofereceu sua hospitalidade a Francesca Goddard? Pelo amor de Deus! Se ela tem algum problema, que o resolva sozinha. — Não é tão simples. — Por que não? Já esqueceu que essa é a mulher que abortou seu filho? Qualquer que seja o problema, não pode ser maior do que a dor que ela causou ao meu neto. — Isso foi há muito tempo... — Nem tanto. E não vai conseguir me convencer de que ela mudou. Livre-se dela, antes que destrua sua vida novamente! — Por que tanta amargura, Rosie? — Não é amargura. Estou sendo prática, só isso. E você devia ser, também. E não me chame de Rosie. Oh, Will, pensei que fosse mais sensato! — Não esqueci o passado, se é isso que está insinuando. Não preciso de você sobre meus ombros, agindo como um grilo falante. Quem eu recebo em Lingard só diz respeito a mim. Lady Rosemary preparou-se para responder, mas de repente o rosto transformou-se e ela colocou um sorriso plástico nos lábios. Will não se surpreendeu ao ver Emma aproximando-se. — A sra. Baxter trará o café em alguns minutos. — Obrigada, querida. Will falava sobre como está ansioso para levá-la a Lingard. A visitação pública só começa às duas da tarde, e terá muito tempo para conhecer a propriedade antes disso. Will foi forçado a explicar os arranjos relativos à visitação, mas os olhos fixos na avó indicavam que não estava satisfeito com seu papel.
Apesar da admiração que sentira por Emma na noite anterior, gostaria de poder escapar da situação que criara. A chegada de Francesca e a preocupação com o drama que ela vivia arruinavam seu humor. Felizmente, a sra. Baxter entrou com a bandeja de café e Emma sentou-se ao lado da anfitriã. — Lady Rosemary estava dizendo que os jardins em Lingard são lindos — a jovem comentou. — Mamãe vai ficar encantada. Ela adora flores, e está sempre supervisionando o trabalho do nosso jardineiro. — Realmente? Tenho certeza de que o clima em Cambridge é muito melhor do que o nosso. — Melhor? — Emma sorriu. — Mas estamos vivendo dias adoráveis aqui! — É verdade — Will respondeu, incapaz de encontrar uma maneira de escapar da incômoda situação. A cortesia exigia que demonstrasse algum interesse. — Quais são suas atividades preferidas, Emma? O que gosta de fazer? Não acredito que aprecie as coisas... da terra. — Depende das coisas a que se refere — ela respondeu com tom malicioso. — Tenho gostos bastante variados. E você? Will hesitou: — Quer saber o que faço nas horas de lazer? — Perguntou, consciente do olhar atento da avó. — Bem, gosto de esportes e leio muito, principalmente livros técnicos. Mas como Lingard está com seu quadro de funcionários desfalcado e meu capataz se recupera de um ataque cardíaco, ultimamente tenho passado quase todo o tempo impedindo que a casa desmorone. Emma levou a mão aos lábios. — Está brincando! Lady Rosemary, Lingard corre o risco de desabar? — Não. — A anfitriã ofereceu um sorriso forçado. — Não dê atenção ao que meu neto diz, querida. Ele está apenas fazendo piadas de gosto duvidoso. — Estou? — É claro que sim! Lingard ainda estará no mesmo lugar depois que todos nós partirmos deste mundo. Você sabe como é importante preservar os velhos edifícios... para a posteridade. — Sim, eu sei — Will concordou. Era inútil discutir esse assunto num momento tão inoportuno. Além do mais, fora ele quem convidara os Merritt para almoçar em sua casa, e o mínimo que devia fazer era ser hospitaleiro. — Que esportes prefere? — Emma perguntou. — Aposto que joga pólo. Esses jogadores possuem ombros largos e coxas fortes. — Emma! A exclamação horrorizada de Lady Merritt chamou a atenção de todos. Will notou que Lady Rosemary estava surpresa com a audácia de Emma, e a mãe da jovem adiantou-se com ar aflito. — Peço desculpas por minha filha, Lady Rosemary! Hoje em dia as moças acreditam que podem dizer tudo que pensam. Lady Rosemary abriu a boca para responder, mas Emma foi mais rápida. — Não seja antiquada, mamãe. É evidente que Will não ficou embaraçado. — E lançou um olhar provocante na direção dele. — E então, é jogador de pólo, ou não? Tem todas as características físicas para a prática desse esporte. Will levantou-se e sorriu indulgente para a mãe desesperada. — Lamento desapontá-la — disse, notando a chegada de sir George ao terraço. — O único time de que participei foi o de rugby, e hoje em dia sou apenas um espectador. Felizmente, o pai de Emma parecia ter mais presença de espírito que a mãe. — Emma é mimada — ele comentou. — Os jovens com quem ela se relaciona acreditam que é bonito ser rude. — Papai! Está falando como se eu fosse uma criança. Tenho dezoito anos! Se os homens têm o direito de se expressar com liberdade, por que as mulheres não podem gozar do mesmo privilégio? — Porque não — Lady Merritt respondeu com firmeza antes de virar-se para Will. — Lamento se George e eu o fizemos esperar. Tenho certeza de que marcamos às onze, mas... — Tem razão, cheguei antes do horário combinado. — E olhou para a avó com expressão resignada. — Podemos ir? Lady Rosemary levantou-se e encarou o neto. — Mantenha-me informada sobre aquela... aquela pequena dificuldade que mencionou. — Voltaremos a conversar mais tarde — Will prometeu. Em seguida sorriu para sir George. — O carro está na frente da casa. Por aqui... Ele já estava guiando os Merritt para a lateral da casa quando ouviu a avó chamá-lo. — O que é agora? — perguntou em voz baixa, voltando sobre os próprios passos depois de sugerir que a família se acomodasse no automóvel. — Ainda não disse o que Francesca veio fazer aqui. É evidente que ela quer alguma coisa, ou não teria vindo procurá-lo. — Ela não quer nada. Nada tangível, pelo menos. Não posso falar sobre isso agora, vovó. Seus convidados... meus convidados estão ficando impacientes. Lady Rosemary suspirou com um misto de impaciência e resignação. — Sente prazer em aborrecer-me, não é? Tenha pelo menos a bondade de dizer que não pretende apresentá-la aos Merritt. — Não pretendo. Posso ir embora? Voltaremos a conversar mais tarde, depois que eu cumprir meu dever.
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