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CAPÍTULO SEISCAPÍTULO SEIS
Juliet estava se arrumando para o jantar quando Josie bateu na porta. A princípio, ficou tentada a fingir que não tinha ouvido, pensando que fosse Cary. Juliet torceu para que Lady Elinor se esquecesse de que havia lhe oferecido o anel. Entretanto, depois do almoço ela pedira a Josie que trouxesse a caixa de jóias e passara os 30 minutos seguintes vasculhando o conteúdo. Cary estava morrendo de curiosidade para ver o que havia dentro do estojo que a avó guardava com tanto zelo. Porém, Lady Elinor cuidou para que ele se sentasse do lado oposto da mesa enquanto ela examinava tudo. Homens não devem ser tão curiosos, ralhou ela. Por sua vez, Juliet não queria tomar parte nisso, mas não teve outra alternativa. Os anéis que Lady Elinor depositou sobre um pedaço de Unho reluziram ao sol. Eram muito antigos, mas o design continuava na moda. Havia um solitário, um anel de esmeralda cravejado de brilhantes e um anel de rubi. No entanto, Juliet suspeitou que as pedras fossem semipreciosas. Cary respirou fundo quando viu os anéis. Foi fácil adivinhar os pensamentos dele, ouvindo a sua caixa registradora mental calcular os valores. - De qual você gosta mais, Juliet? - indagou Lady Elinor. - Como pode ver, são antigüidades. O anel de diamante pertenceu à minha avó, e o anel de esmeralda a minha mãe ganhou de presente do adido cultural brasileiro. O anel de rubi eu ganhei quando debutei. - Todos são muito bonitos. - Sim, são mesmo. - Cary cochichou no seu ouvido, incapaz de resistir ao impulso de juntar-se a elas e apanhar o solitário. - É muita generosidade, vovó. Eu e Juliet ficamos muito agradecidos, não é, querida? -Muito - concordou, rangendo os dentes. Em seguida, tomou-lhe o anel de diamante e colocou-o de volta no lugar. - Não sei qual escolher. - Ah, eu acho que o solitário é o mais apropriado - Cary declarou, nervoso. Era mesmo, Juliet pensou com sarcasmo, sabendo exatamente o que ele tramava. - Na verdade - disse ela, apanhando o anel de rubi - gosto mais deste. - Mas... - Você deve concordar que, como Juliet vai usar o anel, é ela quem deve tomar a decisão - intercedeu a avó. - Preciso admitir, também prefiro o anel de rubi. É uma pedra perfeita, importada de Burma. E pequena, Juliet ponderou, animada, antes de entrar no banho. Se Cary planejava depenar a avó, ela não seria cúmplice. Agora, ao escutar alguém bater na porta, imaginou se ele não havia decidido intimidá-la. Só faltava mais um dia, pensou Juliet, vestindo o robe de seda. Ela só precisava agüentar até amanhã. Mas ainda restava esta noite e, abrindo a porta, preparou-se para enfrentar a ira de Cary. Ficou agradavelmente surpresa ao ver que era Josie, apesar de a governanta parecer um pouco apreensiva. - Oh, srta. Lawrence - disse ela, esquecendo-se de que Juliet pedira para chamá-la pelo nome. - Achei que você e o sr. Cary tinham ido embora. - Ah... não. Eu só estava no banheiro. Algum problema? Josie parecia mesmo nervosa e, embora Juliet suspeitasse que ela não revelaria nada, convidou a governanta para entrar. - É só que... bem, Lady Elinor não está passando bem. Precisei chamar o dr. Charteris. - Posso ajudar em alguma coisa? - Duvido. Ela detesta ficar de cama. E não gostaria que a visitassem por enquanto, acredite. Ela ficará zangada comigo quando souber que chamei o médico. - Mas se ela está indisposta... - Eu sei. Mas é o jeito dela. Aliás, você e o sr. Cary se importariam de fazer um lanche hoje? Com o médico por aqui e tudo o mais... - Claro. Não se preocupe conosco, sra. Morgan. - Ah, mas não creio que o sr. Cary concordará... - Cuidarei para que o sr. Cary concorde. Posso ajudá-la? Josie fitou-a, de olhos arregalados. - Lady Elinor não aprovaria. - Lady Elinor não precisa saber, certo? -Não sei o que dizer, srta. Lawrence. - Pode começar por me chamar de Juliet. Agora... quando o médico chega? Quase meia hora depois, Juliet estava na cozinha ralando queijo quando Cary apareceu. - Ah, aqui está você! Você é a mulher mais escorregadia que já conheci. Vive se escondendo e... Que diabos está fazendo? - O que lhe parece? - Que você está fazendo o trabalho de Josie. Onde ela se meteu? Perdendo tempo por aí, para variar? - Não acho que Josie tenha tempo de sobra. Faz idéia de como cuidar de um lugar desses é trabalhoso? Não, claro que não. - Ainda não entendi o que você está fazendo aqui. Quer que a velha pense que pretendo me casar com uma faxineira? - Ninguém, exceto você, pensaria uma coisa dessas, Cary. E qual o problema em ser faxineira? É um trabalho digno e, na minha situação, não se pode escolher. - Ah, corta essa. Você nem sonharia em ganhar a vida limpando a casa dos outros. E, além do mais, é só força de expressão. O que eu realmente quis dizer foi que a vovó não aprovaria que uma convidada preparasse o próprio jantar. - A sua avó não está passando bem. Josie até chamou o médico. - Tudo bem! Mas ninguém me avisou nada. Juliet franziu a testa, notando que Cary ainda vestia a calça cinza e o paletó de tweed que havia usado à tarde. - O que você andou fazendo? - Ah... Nada demais. - E então, como se precisasse contar-lhe algo importante, fechou a porta e aproximou-se. - Na verdade - cochichou - andei conferindo os livros. - Que livros? - Os livros de contas. Deus, você não vai acreditar no que descobri! - A sua avó pediu que fizesse isso? - Óbvio que não. - Então, ela não sabe que andou xeretando? - Não. Mas não se preocupe com isso agora. Eu vi uma carta... - Você não devia ler a correspondência de Lady Elinor. - Ah, pelo amor de Deus. Ela deixa aquele bastardo do Marchese cuidar das contas. - Não o chame assim. - Ah, não me diga, você também entrou para o fã-clube? - Não. - Juliet corou. - Certo, tudo bem. A velha recebeu uma oferta de compra para Tregellin. Pode acreditar? Duvido que nem aquele... Marchese saiba. Um empresário de Bristol quer comprar a casa, as fazendas, tudo. Ele pretende construir um condomínio de luxo. Provavelmente, essa oferta vale milhões! Juliet encarou-o com repulsa. - Não consigo acreditar que Lady Elinor venderia a casa para uma empreiteira. - Bem, é claro que não! Por isso ela nunca falou nada a respeito. Meu palpite é que ela recusou na, mesma hora. - Graças a Deus. Apesar de ter passado apenas dois dias na casa, Juliet se sentia apegada ao lugar. - Como assim, graças a Deus? É uma chance única. Eu não recusaria. - Talvez por este motivo ela não tenha lhe contado nada. E você sequer perguntou como a sua avó está passando. Ela poderia estar à morte, ora. - Seria sorte demais - Cary resmungou baixinho, mas Juliet escutou, enojada. - Afinal, o que você está fazendo? Brincando de casinha? - Estou ajudando a Josie. Como Lady Elinor está se sentindo mal, ela perguntou se nos importaríamos de comer um lanche hoje. Mas pensei que poderia incrementar as coisas. O que acha? - Você está preparando o jantar? Você não é cozinheira! - Não. Mas achei bifes de rim na geladeira, e pretendo fritá-los com um pouco de bacon. Pensei também em batatas assadas, cobertas de queijo gratinado para acompanhar. Que tal? Cary fez uma careta. - Rins! Eu não como tripas! Comeria sim, caso a avó oferecesse, Juliet pensou irritada. - Então... você come um sanduíche, combinado? - Sanduíche! Você só pode estar brincando. Que tal sairmos para jantar? - Sair? - E. Poderíamos ir a Bodmin, encontrar alguns amigos meus, comer por lá. Talvez até exista um cassino. - E a sua avó? - Ah, por favor. Ela não vai querer me ver. Onde está o anel? - No meu bolso. - Juliet vestia uma calça de linho azul-marinho com um suéter rosa de angorá, cujo decote em V era mais generoso do que ela gostaria. - Você só pensa em dinheiro? - Dá um tempo. Isso foi um não, certo? - Exato. Cary saiu bufando da cozinha. Ela meio que esperava que ele mudasse de idéia e fosse ver a avó, mas logo escutou o ruído de um carro dando a partida. Droga! Ela não costumava xingar, mas estava farta do egoísmo de Cary. Mas poucos minutos depois, Josie apareceu e suspirou de satisfação ao sentir o cheiro da comida. - Oh, senhorita... Juliet... não era necessário. - Por que não? Lady Elinor precisa se alimentar, não é? - Você é uma boa garota. Quem diria que Cary encontraria uma moça adorável assim? - Quem diria? - gracejou. Juliet jantou no jardim de inverno, ainda quente após ter sido banhado pelo sol ao longo do dia. Cogitou em levar a bandeja para o quarto, mas agora que Cary tinha saído, sentiu-se mais à vontade. Acabara de pôr de lado um pedaço de rim meio queimado, quando percebeu que tinha companhia. Apenas duas lâmpadas que iluminavam o jardim estavam acesas, portanto, Juliet levou um susto quando notou um vulto alto, parado na entrada. - Olá. Josie falou que eu a encontraria aqui. Juliet tomou fôlego. - Você estava me procurando? - Eu vim visitar a vovó. Josie ligou e me disse que tinha chamado o médico. - Ah. - Apesar das reservas em relação a Rafe, ele pensava muito mais na avó do que Cary. - Então... como ela está? - Chateada. Vovó detesta ouvir o dr. Charteris reclamar que ela não se cuida. - Mas devia. E caso eu possa fazer qualquer coisa para ajudar... Rafe concordou. Esta noite, ele vestia uma calça social preta e uma camisa branca de seda com as mangas dobradas até os cotovelos. O contraste entre o tecido e a pele atraiu o olhar de Juliet. Talvez ele planejasse sair com alguma garota de quem gostasse, até Josie telefonar. - Normalmente, ela nunca sente nada. - Rafe retrucou afinal, sabendo que o pretexto para vir atrás de Juliet não era muito louvável. Quando a avó lhe contou que a hóspede havia preparado o jantar para todos, ele sentiu uma vontade irresistível de agradecê-la. Mas agora, aqui de pé, contemplando a bela figura sob a luz suave, imaginou se gratidão tinha sido mesmo o principal motivo. - Então, acha que a nossa estadia pode ser estressante demais para ela? - Não. Ela pegou uma gripe violenta em fevereiro. Charteris recomendou repouso, mas você já deve ter percebido que ela não aceita ordens de ninguém. - Você está preocupado? -Não mais do que o normal. A propósito, ela mandou dizer que o jantar estava delicioso. - Ela não falou isso. - Falou sim. - Rafe hesitou um instante e aproximou-se. Sabia que estar aqui era desafiar o perigo, mas Josie contou que Cary tinha saído. E ele adorava implicar com a noiva do primo. Ela era um alvo tão fácil. - Então, por onde anda o garoto prodígio? Conferindo a beleza local? - Não! Cary foi encontrar alguns amigos em Bodmin, eu acho. Rafe sentou-se de frente para Juliet, que sentiu o local encolher. Ou talvez ele estivesse próximo demais, a brisa fresca contrastando com o calor que Rafe irradiava. - Então, por que não foi junto? Ou ele não a convidou? - Convidou sim! Mas eu não quis sair. Rafe resignou-se a fitá-la, intrigado. Ele tinha o dom irritante de criar um clima de tensão, quando ela não possuía nenhum motivo lógico para ficar nervosa. - Eu... bem... adorei o passeio. Hoje de manhã, quer dizer. E... você tinha razão quanto à lama. Sem as botas, meus pés ficariam encharcados. Rafe sabia que ela ficava nervosa perto dele. Juliet parecia inocente demais, embora pudesse estar enganado. Talvez não passasse de uma farsa para conquistar a sua simpatia. - Quando você e Cary ficaram noivos? - Hum... há poucas semanas. Nos conhecemos desde crianças. - É, eu sei. Vovó me contou. - Lady Elinor lhe conta tudo. - E isso a incomoda? - Claro que não. Vocês são muito íntimos, óbvio. - Duvido que a vovó seja íntima de alguém. Exceto da Josie, talvez. - Isso não é verdade. - Você não acha que ela é íntima do Cary, acha? - Ele é neto dela. - E também é um puxa-saco egoísta. Juliet ficou boquiaberta e saltou de pé. - Você não tem o direito de me dizer essas coisas! - Não? - Para o seu desgosto, Rafe também levantou. E embora fosse alta, Juliet precisou erguer a cabeça para encará-lo. - Você não vai tentar me convencer de que, apesar da sua experiência, não enxerga os defeitos do Cary, vai? Faz parte do charme dele, acho. - Que grosseria! Rafe reconheceu que foi longe demais, mas não conseguiu controlar o impulso absolutamente destrutivo de provocá-la. - Fui grosseiro com você, como? Por presumir que tem alguma experiência com homens porque já foi casada? Ou por duvidar do charme de Cary? - Você sabe o que disse. É isso que você diz para Lady Elinor? Que... o Cary é um egoísta... o que foi que você falou? - Um puxa-saco! Falei que ele é um puxa-saco, e mesmo. E se pensa que eu preciso dizer isso à vovó, é porque não a conhece direito. - Não conheço Lady Elinor nem você. Se me der licença, preciso levar a bandeja de volta para a cozinha. - E se eu não der? A conversa ainda não terminou. - Por mim terminou - retrucou Juliet, sentindo a raiva esmorecer depressa. - Por que está fazendo isso, sr. Marchese? Você nem gosta de mim. - Eu não falei isso. - Nem precisava. Desculpe se o ofendi, sr. Marchese. Não sei por quê, mas parece que a gente não se entende direito. Rafe quase suspirou de frustração. Ela falava dei um jeito tão afetado. Deus, era ele quem devia desculpar-se. Mais tarde, Rafe disse a si mesmo que não pretendia tocá-la. Queria provocá-la, certo. Forçá-la a comportar-se como qualquer outra mulher que ele conhecia, sem aquela máscara de puritana. Mas ela ainda era a noiva de Cary, pelo amor de Deus. Além do mais, ele nunca seduzira uma mulher comprometida. Contudo, ele prendera Juliet pelo pulso quando ela tentou se esquivar. E então, quando ela encarou-o, indignada, Rafe segurou-a pela nuca e a beijou.
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