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CAPÍTULO DOIS



CAPÍTULO DOIS

 

Era maré alta, e os bancos de lama se escondiam sob o rio que banhava Tregelim. As gaivotas mergulhavam nas ondas e a dança do sol na água era fascinante. Antigamente, a velha casa irradiava uma aura de beleza, não de abandono como hoje.

Ela carecia de um proprietário cuidadoso, pensou Rafe, conduzindo o Toyota Land Cruiser pela descida tortuosa da alameda que levava à casa. Que não seria ele, repreendeu-se. A avó jamais deixaria Tregellin para o filho ilegítimo de um plantador de azeitonas.

Não que ele o desejasse, refletiu sem mágoa. Agora que o ateliê ia de vento em popa, não sobrava muito tempo para cumprir as tarefas de costume. Ah, ele recebia os aluguéis e cuidava das contas, conferia se a avó havia pago os impostos. Até aparava o gramado. Mas a casa em si precisava de uma reforma completa.

O problema é que ele não tinha a quantia necessária para restaurar o esplendor original do lugar. E se Lady Elinor era tão rica quanto o povo do vilarejo comentava, com certeza escondia isso da família.

Já Cary achava que a avó era uma mulher rica. Por isso, raramente recusava um convite e a bajulava como se cada capricho fosse uma ordem. Era patético. Caso Rafe sentisse mais respeito pelo primo, contaria-lhe que a avó apenas o usava para satisfazer sua gana de poder. Como Cary seria o seu herdeiro, cuidava para que ele fizesse por merecer.

Entretanto, a menos que Lady Elinor tivesse algum dinheiro escondido, quando ela falecesse a propriedade precisaria ser vendida. Provavelmente, a intenção de Cary era essa. Rafe não conseguia imaginar o s primo abrindo mão da vida em Londres para se mudar. Todavia, depois das despesas com o funeral e o inventário, Rafe suspeitava que só quitaria as dívidas I da avó por milagre.

Rafe acreditava que Lady Elinor vivia de crédito há algum tempo. As minas de estanho, que outrora fizeram a fortuna dos Daniels, permaneceram inativas nos últimos cinqüenta anos. Recentemente, as fazendas leiteiras e plantações da propriedade enfrentaram dificuldades. As coisas melhoraram, porém, eles precisavam de tempo.

Um tempo que não teriam, reconheceu. Era triste, mas a velha não era mais tão forte. Odiava pensar no que aconteceria quando ela morresse. Tregellin merecia ser reformada. E não vendida para pagar as dívidas de outro viciado em jogatina.

Contornou a quadra de tênis e seguiu até a entrada. Tregellin House ficava de frente para o mar, numa posição privilegiada. Quando menino, adorava ir até a casa de barcos e passear no velho coracle, a típica canoa de pesca bretã que Sir Henry ensinou-o a manobrar.

Abriu a porta e saiu, carregando a sacola com aí compras que havia feito no supermercado da região Lady Elinor não aprovaria que gastasse dinheiro com ela, mas Josie sim. Josie Morgan, governanta e companheira da avó, era quase tão idosa quanto a própria patroa.

Apesar de estacionar o Land Cruiser na frente da casa, Rafe dirigiu-se à porta da cozinha. Como sempre, Hitchins, o pequinês de Lady Elinor, latiu feito louco, mas quando Rafe entrou, o cãozinho calou-se e aninhou o focinho na barra da calça dele.

- Você é uma peste escandalosa, sabia? - ralhou Rafe, curvando-se para afagar as orelhas de Hitchins. O cachorro já tinha quase 14 anos e era cego de um olho, mas ainda reconhecia os amigos. Hitchins choramingou, pedindo colo, mas Rafe largou a sacola na mesa de pinho e começou a arrumar tudo.

Josie irrompeu porta adentro, trazendo uma bandeja com um bule de café vazio, duas xícaras e um prato que ainda continha três biscoitos de chocolate. Rafe apanhou um biscoito e mordeu, enquanto Josie o abraçou, demonstrando gratidão pelas compras.

- Filé mignon! Sinceramente, Rafe, você nos acostuma mal.

- Se eu não fizer isso, quem vai fazer? Como está a velha esta manhã? Eu queria ter vindo ontem à noite, mas acabei preso com outra coisa.

- Essa outra coisa não se chama Olivia, não é? - brincou Josie, guardando os bifes e outros perecíveis na geladeira antiga.

- Você anda escutando fofocas demais. Onde está a vovó, afinal? É melhor que eu vá dizer olá.

- Quer que eu traga outro bule de café?

- Vou tomar um desses - explicou Rafe, apanhando uma lata de refrigerante. - Não. Copo não - protestou, quando Josie abriu o armário. - No jardim de inverno, certo?

-Ah... sim. - Josie fez uma cara tristonha. - Ela! escutou o barulho do carro, não duvido nem por um minuto. Lady Elinor pode estar velha, mas ouve melhor do que nunca.

Rafe sorriu e, com Hitchins nos calcanhares, atravessou o corredor revestido de mogno, e chegou ao jardim de inverno repleto de sol. Fora construído num lado estratégico da casa, para aproveitar a vista do rio. A água refletia os ramos dos salgueiros-chorões, enquanto os martins-pescadores mergulhavam perto da margem, velozes e certeiros.

Lady Elinor estava sentada numa cadeira de vime. Ao lado, o jornal sobre a mesa, aberto no jogo de palavras cruzadas quase completo. A velha senhora gabava-se de terminar as palavras cruzadas antes das11h, todas as manhãs. Espiando o relógio, Rafe viu que ainda lhe restavam 15 minutos.

-Não se prenda por minha causa! - exclamou, rabugenta, notando a sua desatenção, e Rafe fez uma careta antes de beijá-la na bochecha enrugada.

- Não mesmo. Eu só quis saber a hora, mais nada. Pelo jeito, hoje você corre o risco de perder a parada.

- Se está falando das palavras cruzadas, a pateta da Josie tagarelou tanto que me atrapalhou. Ela traz o café e acha que precisa me distrair. Já falei dezenas de vezes que não preciso da companhia dela.

- Na verdade, você adora. Então... o que vocês duas conversaram? Ou prefere que eu nem abra a boca?

- Desde quando isso fez diferença? Contei a ela que, na quinta-feira, o Cary vai trazer a noiva para me conhecer. Tomara que fiquem alguns dias.

- A noiva, heim? - Rafe pôs as mãos nos bolsos da jaqueta de couro. Uma mecha de cabelos negros caiu nos olhos. - Você deve estar contente. Ele sossegou, afinal.

- Se for verdade. - Lady Elinor apertou o cabo da bengala e Rafe deduziu que Cary não a enganaria com facilidade. A mente continuava ágil como sempre, apesar das rugas que marcavam as feições aristocráticas. - Eu até já conheço a moça. Na época em que Charles e Isabel ainda eram vivos, ela e a família moravam na mesma rua. O nome dela é Juliet Lawrence, bem, era Lawrence, mas como Juliet é divorciada, quem sabe que sobrenome usa agora? Juliet é mais nova do que o Cary. O pai trabalhava na cidade. A mãe morreu quando ela era apenas um bebê, e creio que o pai faleceu há cinco ou seis anos.

-A ficha completa. - debochou Rafe.

- Preciso saber essas coisas, Raphael - retrucou, irritada. - Não quero que Cary se case com uma aventureira qualquer. Pelo menos a garota é de uma família decente.

- Não acha que receber Cary e a namorada será cansativo demais? - palpitou, para a indignação da avó.

- Estou gripada, Raphael. Não com pneumonia. É essa época do ano. Sempre pego um resfriado na primavera.

- Você é quem sabe. Certo. Já que está tudo bem, vou ver se Josie precisa de ajuda. Se pretende acomodá-los no quarto lilás, é melhor que eu veja se tem vazamento no banheiro.

Lady Elinor mostrou-se absolutamente ofendida.

- Não vou acomodá-los em lugar nenhum. Cary ficará no próprio quarto, como sempre, e a srta. Lawrence pode usar a suíte de Christina.

- Nunca ouvi você chamar aquilo de suíte.

- Não? - A avó fingiu inocência.

- Não que me lembre. - Rafe balançou a cabeça e dirigiu-se para a porta. - Precisa de mais alguma coisa?

- Josie contou que você ofereceu uma recepção no ateliê ontem à noite - sondou ela, meio relutante. - Por que não fui informada?

Rafe suspirou.

- Não pensei que se interessaria.

- E por que pensou isso?

- Por quê? Deixe-me ver - brincou. - Porque você não aprova que eu ganhe a vida pintando retratos? Porque você não quer que eu acabe feito a minha mãe? Porque a minha independência é difícil de engolir? Está ficando quente?

- Não aprovo certas pessoas com quem você se mistura - resmungou Lady Elinor. - Mas nunca impedi a sua mãe de fazer o que bem entendesse, e não tentarei impedir você. Lembre-se, foi ela quem decidiu viver em todos aqueles lugares exóticos, carregando por aí um garotinho que eu nem sabia que existia. Quando ela morreu, porém, não hesitei em oferecer-lhe um lar.

Rafe encolheu os ombros.

- Eu sei.

- Só porque nem sempre pensamos da mesma maneira...

- Olha, eu lamento, certo?

-... não significa que não me importe com você, Raphael.

- Eu sei. Devia ter contado sobre a recepção. Você tem razão, fui indelicado. O jornal de bairros tirou algumas fotos, portanto, mostrarei as cópias quando apanhá-las. Não foi nada demais. Só uma recepção para divulgar o ateliê.

- Aposto que foi muito divertido - comentou Lady Elinor, mas Rafe percebeu o desagrado na voz dela. - Logo, logo, você não terá mais tempo para ficar em Tregellin.

- Sempre tive tempo para você, madame. Olha, realmente preciso ir andando. Vou me encontrar com a Liv Holderness.

- Olivia Holderness? Por acaso não é a filha de Lorde Holderness?

- Lorde Holderness não tem filha nenhuma, como você sabe muito bem. Liv é a esposa dele, e quer encomendar um retrato do marido para dar de presente no sexagésimo aniversário dele.

- Entendo. Vocês parecem muito íntimos. Pelo que me lembro, Holderness não está casado com ela há muito tempo.

- Por 18 meses, acho. É a terceira mulher dele. O sujeito costuma trocá-las em intervalos regulares por um novo modelo.

- Não seja vulgar. E cuidado com o que anda aprontando, Raphael. Parece-me estranho que Olivia prefira um ateliê da região às galerias famosas que ela e o marido devem conhecer em Londres.

- Chega de falar bobagem. Não se preocupe, conheço Liv há anos. O pai dela é dono do Dragon Hotel, em Polgellin Bay.

- Ah. Então, ela é da família Melrose?

- A filha caçula - confirmou Rafe, desanimado porque a avó falou como se eles fossem da família Addams.

- Ela não é muito mais nova do que Holderness?

- Quase trinta anos, creio. Mas os dois parecem muito felizes.

- Bem, não se esqueça de que eu avisei - declarou Lady Elinor, levantando-se de repente.

Mesmo curvada para apoiar-se na bengala, ela continuava alta, embora não tanto quanto ele. Vestia a saia plissada que era a sua marca registrada, com uma blusa de seda sob o xale cinzento, enquanto mechas grisalhas cobriam os cabelos negros de antigamente. Pousou uma das mãos no braço dele e fitou-o com olhos tão azulados quanto as violetas do vale.

- Tome cuidado - acrescentou ela, com um beijo. - Eu posso não demonstrar, mas gosta muito de você, Raphael.

 

A culpa foi da conta de luz.

Quando Juliet voltou ao apartamento, ela já estava à sua espera. Arregalou os olhos incrédulos ao ver o quanto devia. Não podia acreditar que gastara tanta energia assim. Pelo amor de Deus, ela quase não usava o forno elétrico e apagava todas as lâmpadas religiosamente antes de sair.

Mas havia usado o microondas, lembrou-se. E o sistema de aquecimento do térreo consumia eletricidade demais. Um dos vizinhos até a avisara. Porém, ver a cifra bem ali, preto no branco, foi assustador.

Por isso, quando Cary telefonou dois dias depois, Juliet cedeu à sua insistência. Foi impossível recusar a quantia que ele ofereceu por quatro dias de trabalho. Juliet pagaria as contas do mês e ainda sobraria um pouquinho. Talvez o bastante para sobreviver até arranjar um emprego decente.

Mesmo assim, na tarde de quinta-feira, quando Cary dobrou a rodovia A30, logo depois de Bodmin, Juliet sentiu um frio na barriga ao pensar que cometera um grande erro. Ela gostava de Cary, lógico. Ou talvez gostasse do garoto que conheceu há muitos anos. Hoje em dia, sabia pouquíssimo sobre ele. A presença de Cary no seu casamento mal serviu para resgatarem a amizade. E a idéia de ser apresentada à Lady Elinor Daniels como a noiva de Cary deixou-lhe um gosto amargo na boca. Quando ele mencionou a idéia pela primeira vez, disse que precisava de uma namorada. Agora a namorada tinha virado noiva, o que era bem diferente.

- Estamos quase chegando - disse Cary. - Ainda podemos parar para almoçar, se quiser.

Sem querer passar mais tempo sozinha com Cary além do necessário, Juliet forçou um sorriso.

- É melhor não chegarmos atrasados. Além do mais, a sua avó não está nos esperando para o almoço?

Cary franziu os lábios e Juliet teve o pressentimento de que ele não ansiava menos pela visita do que ela. O que era compreensível, já que a avó vivia se metendo na vida dele. Mas cabia admitir que, sem a intervenção de Lady Elinor, Cary estaria mofando numa prisão sul-africana.

- Creio que agora é meio tarde - reconheceu. -Você já viu um mar dessa cor antes? Na Inglaterra, quer dizer. Parece quase tropical. Lembra-me o feriado que passei nas Ilhas Maurício. Nossa, fiquei num hotel sensacional. A suíte ocupava o andar inteiro.

- Que chique - murmurou, sarcástica.

- Sim, eu queria ter toda aquela grana agora - concordou, sem um pingo de remorso. - É por isso que preciso tratar a velha com tanta atenção. Sem o dinheiro dela, só me restaria passar umas férias mixurucas na Espanha todo ano.

- Ela sabe que você gasta o dinheiro que lhe dá em férias extravagantes?

- Ei, essa informação é confidencial. Não comente as minhas despesas com ela. Se vovó resolve me financiar às vezes, não sou eu quem vai recusar, certo? A velha é riquíssima! Pelo aspecto da casa, parece que não. Mas acredite, sei que ela tem uma fortuna escondida em algum lugar.

Juliet sentia-se cada vez menos empolgada em participar daquela farsa. Se Cary tivesse sido totalmente honesto desde o início, ela jamais aceitaria vir. Ou ela é quem não estava sendo totalmente honesta consigo mesma? Droga, ela também tinha se envolvido nisso por dinheiro.

- Me fale do seu primo - Juliet sugeriu, tentando distrair-se. - Ele é parecido com você?

- Nem um pouco. Ele parece um cigano, se quer saber. Pele encardida, cabelos pretos sebosos e uma frieza de pedra.

- Você não gosta mesmo dele, não é?

- Já disse como ele é. Vive bajulando a velha. Sem dúvida, ela vai cobri-lo de elogios enquanto você estiver lá. Faz isso só para me irritar.

- Ah, Cary...

- É sério. Tenho mais o que fazer do que tapar vazamentos. Sou um banqueiro, Jules, não um encanador. Ou melhor, era, até o mercado de futuros ficar saturado.

- Provavelmente, ele só quer ajudar a sua avó.

- Claro. Bem, ele não devia pensar que fazer todas essas coisas lhe dará algum direito à herança quando a velha empacotar. Assim que lerem o testamento, direi a Marchese que não quero mais que ponha os pés por lá. Tregellin é minha. Sou o único herdeiro legítimo e ele sabe disso, o que não o impede de rodear o lugar, bancando o bom samaritano.

- Você é tão rancoroso!

- Não. Apenas prático. Bem, estamos quase chegando. Aquela é a chaminé da casa. Ela fica no penhasco, de frente para a foz do Rio Éden. Um belo lugar, mas não é nenhum Jardim do Éden.

Chegaram na casa após seguirem uma trilha sinuosa, margeada por cercas vivas de rododendros e acácias. Juliet imaginou que, entre o fim da primavera e o começo do verão, aquelas mesmas cercas deviam oferecer um espetáculo colorido. Por ora, as folhas reluzentes escondiam os botões. E por causa das nuvens carregadas, tudo parecia meio triste.

O terreno era bem amplo. Uma quadra de tênis e um campo de croqué, uma horta atrás de um muro de pedras coberto de limo.

Havia um grande utilitário da Toyota estacionado no pátio, e quando Juliet saiu do carro, escutou Cary soltar um resmungo de irritação. Virando-se para ver o que o aborreceu, avistou um homem que acabara de sair de um canto da casa. Era um sujeito grandalhão, alto e forte, vestindo jaqueta de couro e um jeans que se amoldava às coxas musculosas. Um par de botinas completava o traje, e Juliet não precisou de um sexto sentido para adivinhar que aquele homem era o famigerado Rafe Marchese.

Rafe olhou na direção dela e Juliet sentiu um friozinho suspeito na barriga. Mas, puxa, como ele era charmoso, pensou, vendo que a descrição despeitada de Cary não tinha sido honesta.

Sim, os cabelos eram negros, e careciam de um corte, mas não eram sebosos. A pele era bronzeada e a barba estava por fazer. Mas também não o chamaria de encardido. Não era bonito. As feições eram viris demais. E ela apostaria até o último centavo que as suas habilidades técnicas não eram o único motivo por que Lady Elinor gostava de tê-lo por perto.

- Cary - disse Rafe, quando o primo saiu do carro.

- Rafe. - A voz soou tensa e Cary foi recolher a bagagem no porta-malas, sem dar-se ao trabalho de apresentar Juliet.

E isto realmente a incomodou. Mais do que deveria, talvez, admitiu. Mas, droga, todos pensavam que ela era noiva dele. Ignorando Cary, contornou o carro e estendeu a mão.

- Oi - falou sorridente. - Sou Juliet. A... namorada de Cary.

 

 



  

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