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CAPÍTULO UM



 

A fazenda dormitava a luz do sol da tarde. Paredes pálidas de pedra, telhas róseas gotejando com buganvílias roxas e brancas que se enroscavam sobre os beirais e emolduravam as janelas com persianas. Circulando a varanda, no primeiro andar, havia um contraste melan­cólico com as cores vívidas das flores. Era tudo que Olívia esperava e um pouco mais.

Não era grande. Comparada às casas que havia di­vidido com Tony ao longo dos anos, era quase peque­na. Mas era apropriada para ela. Não queria nada gran­de. Queria apenas um lugar que pudesse chamar de seu. Algum lugar em que pudesse viver sem ser inco­modada.

Além dos jardins — gramado viçoso e vegetação exuberante —, as águas azuis esverdeadas do Caribe se misturavam com uma praia quase branca. Era encanta­dor, era o paraíso, e era dela — pelos próximos meses.

Mas Olívia teve um calafrio quando a lembrança do motivo de ela estar lá a arrebatou. Tony estava morto. Seu marido por mais de quinze anos morreu como vi­vera, transando com a última amante.

Como era de se esperar, a imprensa havia se deleita­do com o frenesi provocado pelas revelações. António Mora sempre fora notícia e, embora estivesse morto, continuava a fomentar especulações. Principalmente pelo fato de que sua última parceira fora a mulher de um senador.

O caso logo foi abafado, e a pergunta por que Olívia permanecera casada por tantos anos viera à tona nova­mente. Sempre se supôs que ela havia feito vistas gros­sas às estripulias sexuais de Tony por causa do dinheiro dele. Porém isso não era verdade. Se ela tivesse se di­vorciado, ainda seria uma mulher rica.

Não, foi Luis quem havia garantido que ela e o mari­do ficassem juntos. Luis, que tinha apenas três anos quan­do ela foi trabalhar para Tony como a babá do menino. E, depois de perceber o fiasco de seu casamento tumul­tuado, foi Luis a quem continuou a amar.

Não que Tony tivesse sido um homem indelicado. Quando se conheceram, ela foi imediatamente atraída por seu charme e boa aparência. O que ela não havia percebido foi que Tony tinha prioridades diferentes. Ela estava à procura de um relacionamento duradouro, ao passo que ele buscava uma mãe para seu filho.

Tony sabia que ela não faria nada que machucasse Luis. O menino tinha se afeiçoado a Olívia desde o início, e ela havia feito vistas grossas para os erros do pai dele. E, depois de receber uma educação bem sim­ples na Inglaterra, a jovem se sentiu lisonjeada por Tony ter se interessado por ela.

O funeral de Tony fora um pesadelo. Repórteres de mais de uma dúzia de países se acotovelavam para tirar fotos da viúva. E, ao ficar de pé ao lado do caixão do marido, sem derramar uma lágrima, Olívia não percebeu que seria a foto dela que iria dominar as manchetes na semana seguinte.

Em última análise, não foram as mentiras de Tony que a levaram a buscar este isolamento. Ela também era uma mentirosa, embora não tivesse mais ninguém agora para acusá-la de ser hipócrita. A culpa que carre­gava não podia dividir com mais ninguém a não ser ela mesma.

E semanas após a morte de Tony ela não havia se permitido pensar sobre o que havia acontecido na noite em que ele morreu. Estava ocupada demais elucidando os casos dele para prestar atenção em si mesma. Quan­do sua mente estava ocupada, conseguia deixar o pas­sado para trás e podia fingir que não tinha sacrificado o respeito por si mesma.

Evitar Christian Rodrigues foi muito mais difícil. O homem que fora o auxiliar de seu marido, e com quem ele havia dividido uma herança comum, nunca fora fá­cil de ignorar. Mas ele a humilhou, não a fez se sentir melhor que o marido cuja infidelidade ela desprezou. E agora estava agindo como se o que aconteceu a ela im­portasse para ele. Como se tivesse algum direito de di­zer como ela deveria conduzir sua vida de agora em diante. Mas ele não se importava com ela. Provou isso ao seduzi-la naquela noite.

Ela sabia que Christian sentira pena dela. Afinal, ela era mais velha, sem qualquer glamour para atrair um homem como ele. Christian era como Tony. Era ambi­cioso e inteligente. Quando escolhesse uma esposa, ela teria status, assim como beleza.

Ao descobrir que estava esperando o bebê de Christian ela percebeu que tinha de partir. Como Luis estava na faculdade em São Francisco, não havia nada que a impedisse de ir embora de Miami. San Gimeno parecia o destino perfeito.

Pela primeira vez, tinha gostado das vantagens que o dinheiro lhe trouxera. Embora a maior parte de seu patrimônio estivesse sob custódia até que Luis comple­tasse 21 anos, Tony a havia deixado bem provida. Das seis propriedades que ele possuía pelo mundo, duas de­las — a mansão em Bal Harbour e um apartamento em Miami — agora pertenciam a Olívia. E com um fundo de custódia que lhe renderia algo em torno de dois milhões de dólares por ano, nunca mais precisaria se preocupar com a estabilidade financeira.

Entretanto, tinha seus próprios planos. Assim que voltasse aos Estados Unidos, pretendia doar grande parte do que havia herdado a instituições de caridade. Guardaria o bastante para que ela e o bebê sobrevives­sem. Mas não desejava que seu filho conhecesse a va­zia realidade que Luis suportou durante tantos anos.

Ficou grata pelo luxo de poder contratar um jatinho particular para trazê-la à ilha. Não queria que ninguém soubesse onde estava até que seu bebê nascesse. Não queria magoar Luis, mas não atenderia mais seus tele­fonemas.

Uma das menores ilhas do arquipélago das Baha­mas, San Gimeno havia permanecido praticamente in­tocada pela explosão do turismo. Havia pouquíssimos hotéis e sua economia dependia da indústria agrícola e da pesca. Era o refúgio perfeito. Ao deixar a varanda onde estava sentada, Olívia caminhou sobre a grama em direção às dunas fimbriadas de palmeira que circundavam a praia. A grama estava áspera sob seus pés, mas estava se acostumando a andar descalça. Isso lhe proporcionava uma sensação de liberdade.

Era tão diferente da vida que levava como a esposa de um dos homens mais ricos da Flórida. Não poderia imaginar Tony gostando de ver sua mulher vestindo um simples colete de couro curtido e short de brim. Era importante para ele sentir-se orgulhoso dela, e ela se acostumara a fazer e a vestir o que ele determinasse.

Mas Tony estava morto e pela primeira vez desde seus 22 anos era dona de seu próprio destino. Um ser independente, sem ter de agradar a ninguém a não ser a si mesma. Não tinha dúvidas de que — como era a viúva de Tony — Christian também estaria à sua dispo­sição, se precisasse dele. Mas não tinha a menor inten­ção de pedir sua ajuda. E nem a de Luis.

Ainda não tinha decidido onde ia morar depois que o bebê nascesse. Poderia voltar à Flórida ou poderia ficar aqui. Poderia ainda retornar à Inglaterra. Dependeria do que ela planejava fazer com o resto de sua vida.

O sol ainda estava quente, e Olívia se mexeu inquie­ta. Estava acostumada ao calor. A Flórida podia ser insuportavelmente quente, e a umidade lá era muito maior do que em San Gimeno. Contudo, não queria se arriscar a ter uma febre. Precisava ficar bem e em repouso. Com um suspiro de pesar ela se virou em direção à quinta e viu sua empregada Susannah de pé esperando por ela no último degrau da varanda.

Imediatamente, sentiu uma pontada de ansiedade. Não sabia por quê. Nem parecia que ela e a mulher de ascendência indígena eram amigas próximas.

— Algum problema? — perguntou, apressando a su­bida, e Susannah deu um passo para o lado para que ela adentrasse a varanda.

— Uhmm... não, madame — ela respondeu, mas o tom de sua voz não era convincente. Suas mãos se en­trelaçaram na altura da cintura. — Você recebeu um telefonema, senhora Mora. Dos Estados Unidos. Não tinha certeza se a senhora iria querer recebê-lo.

— Um telefonema? — repetiu, sua voz só um pouco mais alta que um sussurro. Susannah estava ciente de que ninguém mais sabia que ela estava aqui. — Eu... quem é?

— Acho que ele disse que o nome era Roderick ou Rodrigo. Quer que eu diga que você não está aqui?

Nem Roderick nem Rodrigo, ela pensou.

— Pode ter sido Rodrigues? — perguntou, na expec­tativa de não parecer tão em pânico quanto de fato esta­va, e Susannah concordou com a cabeça, aliviada.

— Pode ser — respondeu. — A senhora o conhece? — Se conhecia Christian? No sentido bíblico, definitivamente, pensou, embora isso fosse quase cômico.

— Eu posso descobrir o que ele deseja — ofereceu Susannah. Nas oito semanas que tinha vindo trabalhar para ela, não houve telefonemas dos Estados Unidos ou de outro lugar.

A idéia de deixar que Susannah lidasse com o telefo­nema era tentadora. Não tinha de se explicar para Christian. Ele não era sequer um amigo, pensou ela nervosa. Não tinha o direito de persegui-la desta ma­neira.

Mas então ela recobrou o bom senso. Queria que Christian pensasse que ela estava com medo? Com medo de falar com ele?

— Está tudo bem, Susannah — conseguiu dizer, en­fatizando as palavras com um sorriso. — É apenas um sócio do meu falecido marido.

Susannah ainda parecia em dúvida e Olivia se sentiu acolhida pela preocupação que pôde perceber no rosto da outra mulher. Respirou profundamente e adentrou a iluminada e arejada sala de estar da quinta.

— Você poderia pegar para mim um copo de chá gelado? Estou com muita sede.

— Sim, senhora.

Susannah virou-se para o longo corredor que ia da frente aos fundos da mansão enquanto Olívia se aproxi­mava do telefone. Ele estava de lado, sobre uma mesi­nha de canto, ao lado de um dos três sofás de couro, em frente à lareira repleta de flores. Com as janelas aber­tas, o perfume das flores foi irresistivelmente levado pela corrente para as narinas de Olívia. Ela respirou bem fundo mais uma vez antes de pegar o fone.

— Sim? — disse, fingindo desconhecimento. — Quem é?

— É Christian Rodrigues — ele respondeu. — Olá, Olívia. Como você está?

— O que você quer, Christian? — perguntou ela num tom frio. — Como sabia onde me encontrar?

O silêncio se propagou por um instante, e ela imagi­nou que ele não tinha gostado de sua resposta. Então ele respondeu, com o sotaque ainda mais intenso, como sempre acontecia quando ele estava irritado.

— Ah, por favor, Olívia, reconheça um pouco a mi­nha inteligência.

— Você sabia onde eu estava — disse ela, com a flexão de uma afirmação, não de uma pergunta.

— Você é a viúva de António Mora, Olívia — ele disse. — Uma mulher rica por sua própria conta. Eu devo ao Tony tomar conta de você. Que tipo de homem eu seria se traísse a confiança dele?

— Você é que tem de me dizer.

Silêncio novamente, desta vez mais hostil do que o último, e ela percebeu que tinha tocado em um ponto crucial.

— Não é hora de se falar sobre o passado, Olívia — ele disse, num tom áspero. — É minha responsabilida­de garantir que você não seja incomodada.

— Exceto por você.

Christian tinha sido um bom amigo para Tony, mas se tornara um mau inimigo. Para seu próprio bem — e para o bem de seu filho —, tinha de fazer com que ele entendesse que ela não precisava de nada.

— Escute, desculpe-me se pareço ingrata, Christian, mas você tem de entender que eu esperava conseguir um pouco de privacidade aqui. Quando... quando Tony morreu, parecia que eu não tinha tempo para mim. Tal­vez eu tenha sido ingênua de achar que eu poderia ter fugido sem contar a ninguém para onde estava indo. Mas espero que isso não signifique que eu tenha de relatar a você todas as vezes que eu quiser... quiser...

De alguma maneira, tinha de convencê-lo de que es­tava tudo bem, de que não precisava dele para nada.

— De modo algum eu espero que você se reporte a mim, Olívia — disse Christian, num tom quase raivoso. — Mas teria sido cortês da sua parte deixar seu futuro endereço com a minha secretária.

Olívia apertou os lábios. Ela se recusava a cumpri­mentar aquela vagabunda promíscua. Dolores Samuels estava tentando pôr suas garras em Christian desde que Tony a dispensou, há um ano. Ele devia saber disso. Ou já tinha se aproveitado de sua postura tão evidente?

Ela balançou a cabeça. Estava ficando paranóica. Não tinha feito nada que levantasse as suspeitas de ou­tra pessoa, muito menos as dele. O que quer que Chris­tian quisesse, devia estar relacionado com os bens de Tony. Mas por que ele não entrou em contato com Luis? O poder que Tony havia lhe dado não era sufi­ciente?

— Luis está hospitalizado em São Francisco — Christian disse, sem fazer nenhuma introdução, e Olívia deu graças a Deus por estar sentada.

— Hospitalizado? — repetiu, demonstrando fraque­za, sua mão fria e úmida no fone. — Meu Deus, o que aconteceu? Ele está doente?

— Doente não — respondeu Christian com rapidez, e ela pensou que ele não era totalmente insensível. — O carro dele colidiu violentamente contra uma parede. Luis estava dirigindo. Teve fratura na pélvis, ferimen­tos, uma concussão... — fez uma pausa — ... e, a prin­cípio, suspeitam de que tenha quebrado o pescoço.

O gemido de Olívia foi audível para ele, e ela ouviu Christian praguejar frustrado. Então, rapidamente, ele falou:

— Luis não está morrendo, Olívia. Ele contundiu a coluna, só isso. Não houve fratura. Com o tempo, e a habilidade dos médicos, deve se recuperar completamente.

Olívia engoliu o que ele disse.

— Tem certeza?

— Absoluta. Não sou um especialista, Olívia. Mas, pelo que entendi, seu precioso garoto logo estará novinho em folha.

Olívia se enrijeceu.

— Você não precisa ser sarcástico, Christian. Sei que você e Tony nasceram com balancetes em suas mãos ávidas por poder. Mas Luis não é assim. Ele percebeu que há mais coisas na vida além do dinheiro.

— Suponho que seja por esta razão que ele estava dirigindo um Porsche Turbo.

— Só me diga onde ele está — disse com frieza. — Quero ir vê-lo.

— Não é necessário.

— O que quer dizer com "não é necessário"? — estava furiosa, a sensação de pânico que sentiu ante­riormente dando lugar à indignação. — Para que hospi­tal ele foi levado?

— Acalme-se, está bem? — O tom da voz de Chris­tian estava uniforme agora.

— Você não pode me impedir de ir vê-lo, Christian.

— Não estou tentando impedir que você o veja, Olí­via. Mas não precisa pensar em voar até São Francisco quando eu tomei as providências para que ele voe para Miami de manhã.

— Você fez o quê?

— Acho que você ouviu o que eu disse, Olívia.

— Mas... — Ela se esforçava para encontrar as pala­vras. — Você não tinha o direito de fazer isso.

— Não?

— Não — disse ela com veemência. — É muito re­cente para ele ficar sendo deslocado. Você disse que ele tem uma fratura na pélvis. E quanto à concussão?

— A leve concussão? Ele vai sobreviver, já disse.

— Ainda acho que você não devia ter tomado a deci­são de transferi-lo — declarou ela calorosamente. — Você só se importa com você mesmo.

— É esta sua opinião?

Agora ele respirava pesadamente. Ela podia ouvir, e por um momento ficou tentada a não dizer mais nada. Mas não podia deixar que ele a intimidasse e, endirei­tando os ombros, ela falou:

— Sim, é a minha opinião. — Ela fez uma pausa e então acrescentou defensivamente: — E tenho certeza de que seria a opinião de Tony também.

— Mesmo? — Ele soltou o ar com violência e, em­bora ela não pudesse vê-lo, sentiu a raiva que tomava conta de Christian. — Bem, querida, para sua informa­ção, o médico de Luis avaliou seu estado de saúde e autorizou a transferência para o hospital em Miami. Uma ambulância aérea, equipada com médicos e enfer­meiros, irá transportá-lo do aeroporto de São Francisco para o Hospital Sacred Heart. Isso tranqüiliza você?

— Você... você disse que Luis está sendo transferido para Miami amanhã? — ela perguntou, de maneira eva­siva, e Christian confirmou o que havia dito.

— Sim, e com a diferença de fuso, é recomendável que você não tente vê-lo até o dia seguinte — ele co­mentou. — Minha sugestão é mandar um helicóptero para ir buscá-la na quinta-feira de manhã. Se puder estar pronta às... digamos, dez e meia, poderíamos...

— Não preciso de sua ajuda para voltar a Miami — interrompeu-o Olívia rapidamente. — Existe uma coi­sa chamada vôo charter. Você sabe que eu tenho di­nheiro para contratar um piloto.

— Mas por que você iria querer fazer isso se as em­presas Mora possuem helicópteros? — interrogou Christian. — Pedirei a Muce Delano que faça o trajeto.

— Não é preciso mandar ninguém — insistiu ela.

— Deixa pra lá, Olívia — disse ele num tom áspero. — Até agora consegui manter isso em segredo, mas quando você contratar um avião para voltar para cá, alguém irá descobrir. Eu aceito que você não goste de mim. Dios, eu já sei disso há oito anos. E o que aconte­ceu na noite em que Tony morreu foi imperdoável e você não me deixará esquecer disso. Mas isso... isso é diferente. Temos de proteger Luis. Depois do que aconteceu quando o pai dele morreu.

Convencer Luis de que ela precisava ficar um tempo sozinha para superar a morte do pai dele tinha sido fá­cil. Convencer Christian do mesmo era outra coisa.

No entanto, suas palavras seguintes a tranqüilizaram.

— Ouça, Olívia — disse —, não estou pedindo que faça isso por mim. Mas Luis vai esperar vê-la — conti­nuou. — Ele não falou de outra coisa desde que reco­brou a consciência.

— Bem, é claro que eu também quero vê-lo.

— Então faça a coisa sensata e deixe que eu mande o helicóptero.

— Na quinta de manhã?

— Sim.

— Vou pensar — disse ela por fim, sabendo que ele iria interpretar isso como um consentimento, e desligou.

 

 

CAPÍTULO DOIS

 

 

Não chovia com freqüência em Miami, mas, quando chovia, caía um aguaceiro. O aguaceiro em questão era cortesia do furacão Flora, que tinha sido reduzido a uma tempestade tropical antes de chegar ao continente. Provavelmente era o último furacão da estação, porém isso não o tornava menos desagradável. E nem melho­rava o humor de Christian Rodrigues quando saiu do carro em direção ao Edifício Mora.

Com passos largos, ele se dirigiu ao saguão de már­more, mal notando seu teto abobadado ou seus refina­dos exemplos de espelhos e desenhos que conferiam ao local sua aparência elegante. Diversas revistas elogia­ram seu resplendor arquitetônico, mas nesta triste ma­nhã de quinta-feira o humor de Christian não estava propenso a apreciar o ambiente.

Antônio Mora era primo de seu pai e, quando ele convidou Christian — muito mais jovem — para traba­lhar, foi uma oportunidade maravilhosa. Christian esta­va na faculdade de Direito, e mantendo dois empregos de meio-período só para arcar com as despesas de mensalidade. Os pais estavam mortos, vítimas de um deslizamento de terra enquanto visitavam os avós na Venezuela, e até Antônio — Tony — entrar em cena, Christian nunca havia pensado em contatar seu parente distante.

Tony, porém, acabara de saber que seu primo havia falecido. Ele se ofereceu para pagar as mensalidades da faculdade de Christian. Queria fazer alguma coisa em tributo à memória de seu primo. Apesar do fato de que Tony visitara seu primo e a família em raras ocasiões, aparentemente tinha ficado impressionado com a inte­ligência de Christian. Tony precisava de alguém em quem pudesse confiar, alguém com quem pudesse con­tar e até que Luis ficasse mais velho, queria alguém com seu próprio sangue para a vice-presidência.

Talvez Tony tivesse percebido que Luis não era como ele. O menino parecia mais com a mãe — ou melhor, sua madrasta. A excelente e encantadora senhora Mora, que sempre havia olhado para Christian com um des­prezo quase velado, como se pensasse que ele tinha aceitado a proposta de Tony em busca de poder e di­nheiro. Ela estava errada, mas não havia nada que ele pudesse dizer para fazê-la mudar de idéia.

Christian ficou sabendo que, embora Tony não res­peitasse a esposa, mataria qualquer um que tocasse em Olívia. E Christian tinha juízo para não ficar olhando para ela. Além do que, apesar da infidelidade de Tony, ela parecia satisfeita.

Christian entrou em um dos seis elevadores que da­vam acesso aos andares superiores do edifício e pres­sionou o botão do 42° andar com uma força desnecessá­ria. Ela devia saber que ele iria tentar entrar em contato com ela se não estivesse a bordo do helicóptero.

A secretária dele, Dolores Samuels, o encontrou no salão de entrada de seu conjunto de escritórios, e ele presumiu que sua presença no edifício havia sido anun­ciada. Pequena, morena e impetuosa, Dolores demons­trava sua herança latina em cada movimento agitado que fazia.

— Ela não estava a bordo — afirmou, os olhos escu­ros arregalados e conscientes, e Christian a encarou.

— Como sabe disso?

— Mike Delano ligou do hospital — respondeu ela.

— A Senhora Mora chegou lá poucos minutos depois que o senhor saiu para o aeroporto.

— Então por que você não me ligou? Teria me pou­pado de vir até aqui.

— Ela pediu ao Mike para não contar a você — afir­mou solenemente Dolores.

— E desde quando Mike Delano recebe ordens da Senhora Mora? — retrucou Christian num tom severo. — E por que ele não ligou para num em vez de ligar para você?

— Acho que ele sabia que você voltaria e iria direto para o hospital — explicou Dolores, puxando distraidamente os cabelos ondulados e escuros. — E ela é a mãe de Luis. Ela não queria que você interferisse.

— Ela é a madrasta dele — Christian a corrigiu rispidamente.

— Isso importa? — ela perguntou. — Ela é velha. E é a viúva de Tony.

Christian não sabia por que se sentia tão enfurecido com sua alegação.

— Olívia não é velha — afirmou ele. — Ela tem o quê? 37? 38? Isso não é ser velha, Dolores.

— Para mim é — retrucou a garota. — E para você também. — Ela fez uma pausa, observando-o com curio­sidade. — Não me diga que está interessado na viúva.

Christian percebeu que isto estava se tomando pes­soal demais. Dolores já havia tentado envolvê-lo em conversas como esta anteriormente. Era curiosa de­mais, provocadora demais. E desde que o caso que ti­nha com Tony terminara, olhava para seu atual chefe com uma intenção cada vez mais evidente.

— Eu não acho que a Senhora Mora iria gostar de seu julgamento — respondeu ele de forma evasiva. Não tinha a intenção de debater seu relacionamento com a esposa de seu falecido primo. — Sugiro que você se restrinja aos assuntos profissionais.

Num gesto de frustração, ele pegou seu celular e ordenou ao seu motorista que retirasse o carro da gara­gem no subsolo. Em seguida, ele se dirigiu rapidamen­te de volta ao elevador.

O hospital estava situado no centro de Miami e tal­vez ele devesse ter tomado providências para que Luis fosse transferido para um hospital no norte de Miami, pensou, irritado, batendo os dedos contra o volante. Era início de tarde quando ele entrou no estacionamento do hospital. Estava cheio, mas depois de breve discussão com o segurança, foi autorizado a estacionar em uma vaga designada apenas para funcionários.

Olívia estava sentada ao lado da cama de seu entea­do, a mão levemente sobre a dele. Ela estava inclinada na direção dele, falando suavemente, quando Christian abriu a porta, e a intimidade da cena que estava interrompendo não surtiu nenhum efeito sobre ele.

— Oi — disse ele num tom enérgico, seus olhos des­viando-se dela para o jovem na cama. — Luis. — Seus finos lábios sorriram. — Como você está se sentindo?

— Estou bem. — Luis tentou retribuir ao cumpri­mento, mas seu rosto ainda se contorcia de dor. Estava bastante pálido, a pele bronzeada quase da cor do len­çol atrás de sua cabeça. — Obrigado.

— Que bom. — Christian ficou de pé ao lado da cama, oposto a Olívia, forçando-se a se concentrar em seu ocupante. — Nenhum efeito pós-vôo?

— Só uma sensação de cansaço devido à diferença de fuso horário — respondeu Luis corajosamente. — Gostei de você ter vindo até aqui, Chris. E bom ver um rosto conhecido entre todos esses jalecos brancos.

— Você não contou que Christian o acompanhou de volta a Miami, Luis — disse ela, sua voz normalmente rouca exasperada com a confusão. — Você sabe que eu mesma teria lhe acompanhado se soubesse o que tinha acontecido.

— Ah, Chris foi para lá no dia seguinte ao acidente — Luis explicou. — Ele ficou comigo até que os médi­cos dissessem que poderia tomar as providências para a transferência. Foi assim que voltamos juntos.

— Bem, graças a Deus Christian estava lá para cui­dar de você. Suponho que ele tenha imaginado que eu teria ficado muito preocupada com você.

— É. — Luis lançou novamente um olhar agradeci­do ao homem. — Chris foi ótimo. Ele nem reclamou por eu ter destruído o Porsche.

— Isso não significa que não vou reclamar — com­plementou Christian. — Principalmente se ficar com­provado que você estava dirigindo totalmente embria­gado. Acho que você precisa de um automóvel mais seguro. Acho que vou comprar uma charrete da próxi­ma vez.

— Se é que vou dirigir novamente — murmurou Luis.

— É claro que você vai dirigir novamente — disse ela, usando seu polegar para esfregar as lágrimas. E impôs a Christian outro julgamento de valor. — Você não concorda?

— É claro — Christian concordou. — Tão logo você faça o que lhe pedirem e não der nenhum desgosto aos médicos. Sei que se sente desesperado agora, garoto, mas é impressionante o que um repouso de algumas semanas de cama pode fazer.

— Você acha?

Luis fungou e Christian ficou um tanto aliviado quando ouviu a porta abrir atrás dele e uma enfermeira vestida de branco entrou no quarto.

— Vocês têm de ir agora — disse ela, suavizando suas palavras com um sorriso terno para seu paciente. — É hora do exame. O Doutor Hoffman está esperando por ele. Vou levá-lo para a sala de exames.

Olívia levantou-se e Christian se deu conta de como ela era alta e esbelta. Seus cabelos, num tom entre cor de mel e prata, estavam presos na nuca com uma tira de couro, e os cachos dourados em suas orelhas chama­vam sua atenção para a delicada curva de seu pescoço.

Mas Christian também notou que, embora ela esti­vesse usando uma blusa de seda creme pregueada que realçava o bronzeado, estava usando isso com uma cal­ça jeans de cintura baixa e não os ternos dos estilistas que ele costumava ver. Estava friamente elegante e Christian desejou que ela não o estivesse olhando com tal expressão de desprezo. Está certo, ele sabia que tinha cometido um erro, um grande erro.

— Vejo você depois, garoto — disse ele quando um auxiliar entrou para ajudar a enfermeira a mover o lei­to. — E eu vou arrumar as coisas, como prometi. Você não vai ter de ficar aqui mais do que for absolutamente necessário, certo?

— Certo — murmurou Luis, porém seu rosto estava desanimado, e Olívia deu um passo à frente no intuito de pegar sua mão novamente.

— Saiba que eu estou aqui por você — falou, incli­nando-se para lhe dar um beijo. — Não se preocupe, querido. Você vai ficar bem.

Olívia ficou de pé observando quando a equipe de enfermeiros o levou. Em seguida, como que percebendo que não poderia ignorá-lo indefinidamente, lançou um rápido olhar para Christian:

— Com licença. Vou pegar um café.

Christian apertou as mãos nos bolsos do casaco, re­sistindo ao impulso de agarrá-la pelos ombros. Ela realmente achava que iria conseguir escapar tão facil­mente do que havia feito? Tinha alguma idéia do quão aborrecido ele estava?

Controlando-se, ele falou:

— Vou acompanhá-la — e, embora tivesse certeza de que ela queria se opor, um encolher de ombros foi tudo que recebeu como resposta. Pouco depois, chega­ram ao subsolo e à lanchonete do hospital.

Felizmente, não estava movimentado. Nem havia nenhum sinal de Mike Delano, o que era um alívio. A esta hora da tarde, a multidão que aparece para o almo­ço tinha saído e a correria da noite ainda não havia começado. Contudo, os odores que emanavam da cozi­nha fizeram Christian lembrar-se de que não comera nada desde o café da manhã. Chegando à conclusão de que não devia nenhum favor à Olívia, pediu junto com o café um cheeseburguer e batatas fritas para viagem.

— O que você deseja? — perguntou.

— Só café — ela respondeu, desejando claramente não ter de aceitar sua hospitalidade, e Christian fez um sinal, enquanto ela foi procurar uma mesa.

Ao carregar a bandeja para onde ela estava, a impa­ciência de Olívia era óbvia pela maneira que se movia inquietamente em seu assento. Ela escolhera uma mesa no centro do recinto, provavelmente para impedir que ele pensasse que isso era um encontro amigável.

— Algo errado? — ele questionou, sentando-se na cadeira oposta. Ele tirou da bandeja e colocou sobre a mesa o prato contendo o sanduíche e as fritas. — Tem certeza de que não quer comer nada?

— Não.

Ela sacudiu a mão na frente do rosto e ele teve a impressão de que Olívia estava tentando fazer o cheiro da comida sumir. Com indiferença, ele pegou seu san­duíche e deu uma mordida generosa. Há anos não co­mia alimentos com baixo teor nutritivo, mas o sabor suculento da carne o fazia lembrar irresistivelmente de seus anos como estudante.

Percebendo que ela não iria falar — na verdade, ela tinha se afastado dele, como se vê-lo comer fosse repugnante, Christian esvaziou a boca.

— Talvez você possa me contar por que rejeitou o helicóptero — disse, brandamente. — Ou pelo menos pode tentar explicar por que não telefonou e poupou o piloto de uma viagem inútil.

Olívia respirou profundamente e, sem olhar para ele, falou:

— Sabia que você não iria aceitar um não como res­posta. Eu já tinha tentado dizer que não queria sua ajuda.

— O helicóptero não é meu. Pertence às empresas Mora. Você está autorizada a usá-lo tanto quanto eu.

— Isso importa?

— Importa — respondeu ele, afastando o sanduíche, repentinamente. — Escute, vamos ter que passar os próximos milhões de anos evitando o que realmente está acontecendo aqui? Você não gosta de mim, Olívia. Mas temos de trabalhar juntos.

O olhar de Olívia se dirigiu a ele, mas onde Christian esperava ver hostilidade avistou somente pânico.

— Onde fica o banheiro? — perguntou, a voz abafa­da, uma mão sobre a boca, suas palavras quase indistinguíveis. Quando ele procurou à sua volta por uma res­posta, ela saiu da mesa e correu.

Ele a seguiu, mas era tarde demais para ajudá-la. Quando chegou ao corredor, ela desapareceu pela porta onde se lia "Senhoras". Ele deu um suspiro frustrado e foi forçado a esperar de pé até ela sair.

Pareceu levar séculos até ela reaparecer, embora ele soubesse que tinham se passado apenas alguns minu­tos. Olívia surgiu ainda mais pálida.

Tinha passado mal. Isso era óbvio. Droga, ele não tinha se dado conta de que o acidente com Luis iria deixá-la tão sentida.

— Você está bem?

Claramente, ela não estava, mas fez um enorme es­forço para fingir que sim.

— Deve ter sido algo que comi — disse, sem tentar disfarçar o que havia acontecido. — E ver Luis. — Ela esfregou os lábios novamente com o pedaço de papel que tinha trazido do banheiro. — Acho que não espera­va todo aquele suporte em volta do pescoço dele.

— Fiquei sabendo que tem de imobilizar o pescoço para evitar mais ferimentos — comentou Christian de­licadamente. — É apenas um colar cervical. Como dis­se a você, a coluna dele não foi afetada.

— Mesmo assim...

— Olívia, ele não está paralisado. Diria que a sensa­ção em seu quadril não é muito confortável agora. Mas ele vai melhorar. — Ele fez uma careta. — Os médicos em São Francisco foram cuidadosos.

— Ele disse que não sente muita dor — ela murmu­rou e Christian concordou com a cabeça.

— E ele não precisou de nenhuma cirurgia.

— Nenhuma cirurgia?

Ela o estava fitando com olhos arregalados e Chris­tian se arrependeu de mencionar essa possibilidade.

— Pode haver ferimentos internos depois de uma batida de carro — ele disse com relutância. — Mas Luis não tem absolutamente nenhum sangramento in­terno.

— Graças a Deus.

— Realmente. Depois de algumas semanas de des­canso e ele estará bom de novo, novinho em folha.

— Você acha?

— Acho.

Ela balançou a cabeça.

— Meu Deus, e se...?

— Olívia, podemos ficar nos torturando com inúme­ros "e se" — disse ele categoricamente. — E se ele não estivesse dirigindo numa velocidade tão alta? E se não estivesse naquele trecho da estrada? Ele estava, e isso aconteceu.

Ela fez silêncio.

— Escute, por que nós não nos sentamos novamente?

— Lá não. — Sua resposta foi premente, e ela virou o rosto para longe da lanchonete. — Eu... Talvez devêsse­mos subir novamente. Luis pode ter voltado do exame.

— E pode não ter — retrucou Christian brevemente. — Vamos, Olívia. Temos de conversar sobre isso, e tem de ser agora. — Ele mordeu o lábio por um mo­mento, e acrescentou: — Por que não procuramos uma sala de espera? Deve haver salas de espera para as visi­tas em algum lugar.

— Está bem — concordou ela por fim. — Você pode me contar como o acidente aconteceu, e como é que você foi a pessoa com quem eles entraram em contato.

Tomaram a escada em vez de utilizar o elevador. Evidentemente, Olívia não desejava ficar confinada em um cubículo sem ar, sentindo o cheiro de anti-sépticos e medicamentos. Em seu estado atual, teria preferido andar ao ar livre, mas isso não era possível. Mesmo sem chover, as ruas não ofereceriam a eles a privacida­de que buscavam.

Encontraram uma sala de espera no segundo andar, descendo o corredor do quarto de Luis. Havia uma má­quina de café em um canto e Christian pegou para eles copos de plástico da bebida fervente antes de se sentar. Olívia escolhera uma poltrona e ele sentou-se no sofá oposto. Colocou as xícaras sobre a mesa próxima antes de esticar suas pernas e deixar as mãos penderem soltas entre as coxas.

— Certo — disse, forçando-a a escutá-lo. — A pri­meira coisa que temos de decidir é aonde Luis irá se recuperar quando sair do hospital.

— Onde ele irá convalescer? — ela repetiu. — Isso não é um pouco prematuro? Ainda não sabemos quanto tempo ele vai ficar no hospital.

— Não por muito tempo — respondeu Christian, to­mando um gole de seu café. — Minha experiência diz que pacientes que não necessitam de cirurgia recebem alta rapidamente. São incentivados a continuar sua re­cuperação em casa.

— Em casa? -— ela repetiu suas palavras novamente. __Mas... a casa de Luis é em Berkeley. Não tem nin­guém para tomar conta dele lá.

— Sei disso. — Christian pousou sua xícara e a ob­servou atentamente. — Como você se sentiria indo para a casa de Bal Harbour e ficar com ele lá?

 

 

CAPÍTULO TRÊS

 

 

Os lábios de Olívia expressaram consternação. Ela desconfiara do que estava por vir, porém ainda não es­tava preparada para ouvir a proposta. Christian espera­va que ela cuidasse de Luis. Para continuar sendo a mãe que tinha sido pelos últimos quinze anos. Mas ela não podia. Não podia voltar a viver em Bal Harbour.

— Não posso — disse, e colocou a xícara de café sobre a mesa antes que a deixasse cair. — Eu gostaria de ajudar Luis, mas... bem, voltar para a Flórida não faz parte dos meus planos.

O rosto moreno de Christian revelou sua reação rai­vosa. Embora não fosse um homem bonito, seus traços fortes tinham um apelo sensual. Neste momento, po­rém, qualquer sensualidade estava ausente.

— O que faz parte dos seus planos? — inquiriu ele.

— Tenho planos — Olivia respondeu, vagamente.

— Que planos?

Uma leve pontada de culpa percorreu o corpo dela. Quem era ela para falar de obrigações familiares se não tinha a intenção de contar a Christian que estava espe­rando um filho? Não queria que ele se sentisse obriga­do a casar. A última coisa que ela queria era outro casa­mento como o que tivera com Tony. Certo, talvez tivesse sido ingênua ao pensar que Tony se casara com ela porque a amava, mas esperara dele um pouco de lealdade. Em vez disso, poucas semanas depois de seu casa­mento Olívia descobriu que ele continuava saindo com a antiga amante.

E Christian era como seu primo. Sem dúvida, ele esperaria que sua mulher fosse tão pura como a neve enquanto ele dormiria com quem escolhesse. Olívia já tinha perdido a conta do número de namoradas que ele tivera desde que viera trabalhar para Tony. E ela era seis anos mais velha que ele, e esse era mais um motivo que a impediria de se unir a Christian.

Percebendo que ele estava esperando uma resposta, ela decidiu contar parte da verdade e arriscar receber seu escárnio.

— Eu... eu quero escrever e ilustrar livros infantis — disse rapidamente. — É o que eu sempre quis fazer, mas... bem, nunca tive tempo antes.

— Não? — As sobrancelhas escuras de Christian se curvaram ironicamente, e ele lhe lançou um olhar in­crédulo.

— Não. Nunca tive.

— Entendo. E você esteve ocupada fazendo... o que exatamente?

— Não creio que isto seja da sua conta — ela retru­cou, recusando-se a explicar suas razões. — De qual­quer maneira, esses são os meus planos.

— Em todos esses anos de casada você nunca encon­trou tempo de começar a escrever?

— Não a sério.

Enquanto Tony estava vivo tal atividade seria im­pensável. Apesar de seus próprios defeitos, Tony nunca a permitira esquecer-se de que ela era sua esposa. Ele lhe dera liberdade total com seu filho, porém, em relação a todos os outros aspectos, era esperado que ela agisse de acordo com os desejos do marido.

Christian colocou sua xícara sobre a mesa e Olívia se enrijeceu instintivamente. E agora?, pensou, obser­vando-o enquanto ele passava os longos dedos more­nos pelo tecido de lã pura que envolvia sua coxa. Ele estava vestindo um de seus ternos de estilo italiano de que tanto gostava, o tecido cor de carvão complemen­tando e realçando seu porte viril.

Não teve como deixar de se lembrar da noite que fizeram amor. Mas Christian não fizera amor com ela, Olívia se corrigiu rapidamente. O que eles haviam par­tilhado fora sexual e carnal, mas não tinha tido nada a ver com amor. Fizeram sexo, pura e simplesmente. Bom sexo, talvez; ótimo sexo, admitiu. Não que ela fosse alguma especialista. Tony fora o primeiro e o úni­co homem com quem ela havia dormido. Até Christian.

— Então, você vai contar a Luís ou quer que eu faça isso? — perguntou Christian abruptamente, despertan­do-a subitamente de seu devaneio. — Ele ficará desa­pontado, não? Mas se você não fizer objeções quanto a ele ficar na casa de Bal Harbour, tomarei as providên­cias para que uma equipe de enfermeiros tome conta dele o tempo inteiro.

Olívia o encarou. Canalha, pensou ela indignada. Mas o que poderia fazer? Ela não poderia voltar para a Flórida. Tinha de haver uma maneira de satisfazer as necessidades de Luis sem perder o respeito por si mesma.

— Olívia?

Seus olhos escuros a observavam de perto e ela que­ria tanto desviar de seu olhar penetrante.

— Vou pensar sobre isso — disse ela finalmente. — Não estou prometendo nada — acrescentou ela, retru­cando num tom mordaz, e inclinou a cabeça.

— Tenho certeza de que teria inspiração tanto em Bal Harbour quanto em San Gimeno — ele comentou de forma suave, e novamente ela se retraiu com seu tom condescendente.

— Você tem certeza disso? — perguntou ela contra­riada, arqueando as sobrancelhas, imitando-o. — Bem, é um tipo de compensação. Fico feliz por ter seu apoio.

— Não quero discutir com você, Olívia — disse ele. — Você parece ter a impressão de que estou me diver­tindo com isso. Eu garanto a você: não estou. Mas Luis é o filho único do meu primo. Naturalmente, eu me preocupo que ele tenha a melhor atenção possível.

— Então por que você não toma conta dele? — Olívia sabia que sua reação fora infantil, mas não pôde evitá-la. Christian esperava que ela sacrificasse os planos que tinha feito para o futuro. Estaria dispos­to a fazer o mesmo? Na verdade, a ligação de Chris­tian com Luis era muito mais próxima do que a dela poderia ser.

Ficaram em silêncio por uns instantes e ele deu um longo suspiro.

— Presumo que você esteja sugerindo que eu tam­bém me mude para a casa de Bal Harbour? — inquiriu ele. — Você não teria problemas com isso?

— Por que teria? — ela perguntou, decidindo tirar a máscara dele, e Christian franziu as sobrancelhas antes de prosseguir.

— Então você ficaria feliz em visitá-lo aqui? — ele insistiu e ela deu de ombros.

— Por que não?

— Realmente. — Ele ficou pensativo. —- Então a razão pela qual você abandonou sua casa e se refugiou em uma ilha primitiva não tem nada a ver com o que aconteceu entre nós?

Olívia ficou surpresa.

— Eu... é claro que não.

— Não? — Christian olhou para ela apertando os olhos. — Tem certeza?

Olívia se esforçava para permanecer calma. Ele não sabia de nada, ela lembrava a si mesma.

— San Gimeno não é uma ilha primitiva — declarou ela num tom evasivo, evitando sua pergunta. — Não tem comércio, mas isso não significa que faltara as co­modidades necessárias.

— Tenho a impressão de que você acha que está numa situação difícil de enfrentar. Foi por isso que recusou minha oferta do helicóptero, não foi? Foi por isso também que você convenceu Mike Delano a não me deixar saber o que estava fazendo.

Olívia já tinha escutado o bastante. Ela se levantou ignorando-o, se virou propositadamente em direção à porta, mas antes que pudesse alcançá-la, a mão de Christian agarrou seu braço.

— Espere!

Olívia sabia que era melhor não tentar fugir. Seus dedos eram longos e estreitos, mas também eram bas­tante fortes. Qualquer força que fizesse seria inútil para se libertar, a não ser que ele estivesse disposto a deixá-la ir.

Ainda assim, quando falou, ele se desculpou.

— Não deveria ter dito isso — disse ele. Suas narinas flamejando com o esforço para controlar a raiva que tomava conta dele. — Desculpe-me.

— Você se desculpa?

A resposta dela não foi nem um pouco original, po­rém, diante das circunstâncias, era impossível pensar em algo singular. Seus sentidos traiçoeiros registravam outras coisas, como o calor do corpo dele e sua proxi­midade.

— Claro que sim. Não quero que sejamos inimigos, Olívia.

Sua voz engrossou quando falou, e novamente ela ouviu o sotaque sensual que ele usara naquela noite fatídica. O estômago de Olívia estremeceu ao perceber que ele estava brincando com ela. Que ele estava usan­do suas habilidades nada desprezíveis para interceder no esforço de fazê-ta mudar de idéia.

Anos antes, Tony insistira para que ela acompanhas­se Christian ao tribunal de justiça em Miami para assis­tir a sua defesa de um caso de espionagem industrial contra as corporações Mora. Ele ganhara, é claro, provando que o verdadeiro objetivo do querelante era re­duzir o valor da empresa com a fraude. Eram essas as habilidades que ele usava com ela agora, pensou ela sem fôlego. Ele estava determinado a fazer as coisas à sua maneira. Christian Rodrigues não tinha a intenção de mudar sua vida para tomar conta do filho de seu primo.

— Tenho certeza de que Luís já deve ter voltado do exame — disse ela, recusando-se a olhar para ele. Já era o bastante saber que ele estava ali com cada fibra de seu ser.

— Não creio que isto tenha a ver com Luis. — A voz de Christian tinha um único tom agora, mas ela não cometeu o erro de aceitar seu desapontamento aparente como verdadeiro.

— Não ligo para o que você pensa — afirmou ela, olhando sugestivamente para a porta. Em seguida olhou para a mão dele que apertava seu pulso. Por um instante o contraste entre a pele morena de Christian e a sua muito mais pálida a deteve, porém ela se forçou a não pensar. Então, lutando contra o impulso de levantar a cabeça, ela acrescentou:

—- Você vai me deixar ir ou vou ter de gritar pedindo ajuda?

Christian emitiu um som de impaciência.

— Você não faria isso, querida — disse, usando a palavra em espanhol deliberadamente. — Pense em como seria embaraçoso para Luis se sua madrasta e seu primo fossem vistos em, digamos, circunstâncias comprometedoras?

Olívia ficou boquiaberta.

— Você acha que Luis acreditaria na sua versão do que aconteceu em vez de acreditar na minha?

— Não. Só estou tentando fazer com que você perce­ba o ridículo da nossa discussão. Nós dois queremos o melhor para Luis, não?

— Eu quero.

— E eu também.

— Desde que não interfira em sua vida.

— Eu disse isso?

— Não precisou dizer. — Olívia fez um gesto inde­feso. — Você sabe como Luis iria se sentir morando em Bal Harbour com você.

— Tem certeza de que é em Luis em quem você está pensando? — perguntou ele com uma voz amena. — Não seria mais correto dizer que você não quer que eu more na sua casa?

— Não é minha casa. É de Tony.

— Mas Tony não está mais aqui. E ele deixou aquela casa para você, Olívia.

— E eu não a quero.

— Por causa do que aconteceu lá?

— Não! — Ela se sentiu enjoada só de pensar. Uma imagem vívida de seu corpo nu, seus braços e pernas estendidos na imensa cama colonial na suíte principal, com Christian sobre ela, sua língua trilhando um ca­minho ardente de seu mamilo a seu umbigo. — Eu... eu apenas não quero morar lá — respondeu, engasga­da. Em seguida, com um pouco mais de controle, acrescentou:

— Para mim, sempre será a casa de Tony.

— E o que aconteceu entre nós não tem relação com esta decisão?

Ela balançou a cabeça.

— Não.

— Você é uma mentirosa, Olívia.

Ela falou num tom bravo e de escárnio.

— Um mentiroso reconhece outro. — Christian esperou por um instante.

— Então, o que você está dizendo?

— Estou dizendo que Luis esperará... que eu possa estar com ele — murmurou ela com relutância. — Ago­ra, por favor, deixe-me ir.

Por um momento ela achou que Christian ia ignorar seu pedido. Mas, então, como uma armadilha sendo solta, ele abriu seus dedos e afastou-se dela.

— Muy bien — disse ele, estendendo as mãos. — Longe de mim separar uma mãe do filho que ama. Que foi? — perguntou em seguida, diante de seu olhar furioso, e ela ficou tentada a dizer exatamente o que pensava sobre a descarada manipulação do rapaz.

— Fique longe de mim no futuro — disse ela apenas. E, na esperança de que ele não tivesse notado a vibra­ção em sua voz, virou-se com determinação em direção aporta.

Luis estava de volta ao quarto quando ela chegou até a porta e a abriu. Estava deitado como antes, os olhos atentos.

— Oi — disse ela delicadamente, tentando ignorar o fato de que Christian estava atrás dela. — Tudo bem?

— Foi o que disseram — murmurou Luis cansado, a depressão evidente na curva de sua boca. — Onde você estava? Tive medo de você ter ido embora.

— Sua madrasta e eu estávamos conversando sobre o que fazer quando você sair daqui — afirmou Christian, antes que Olívia pudesse falar qualquer coisa. Ele se aproximou da cama. — Sugeri abrir a casa de Bal Harbour, mas não tenho certeza se ela concordará.

— Ainda não decidi aonde vamos ficar. — Ela co­briu a mão do rapaz com a sua. — Onde quer que seja, vamos estar juntos. Agora, o que o médico falou?

— O de sempre. — Claramente Luis não estava inte­ressado em assuntos médicos. — O que Christian quis dizer com abrir a casa de Bal Harbour? Você não está morando lá?

— No momento não. Estava em uma ilha nas Baha­mas. Lá é lindo nesta época do ano, como você sabe.

Luis ouviu com um silêncio tristonho, e Olívia sabia que tinha de continuar. Ela deu um sorriso forçado.

— Mas, naturalmente, não tenho de ficar lá. Você e eu... nós cuidamos um do outro, não cuidamos? — Ela ignorou Christian ao acrescentar: — Somos os únicos Mora.

— Mas o que você está dizendo? — perguntou Luis finalmente. — Que está disposta a vir para casa e cui­dar de mim? — Sua boca se curvou de modo esquivo. — Não faça nenhum esforço.

— Vamos pensar em alguma coisa — disse ela, de­sejando que Christian fosse embora. — Talvez você pudesse ficar comigo em San Gimeno.

— Não!

A recusa de Christian foi instantânea e impressio­nante. "Que diabos isso tinha a ver com ele?", refletiu ela, lançando-lhe um olhar desafiador.

— Por que não? — ela se opôs, sustentando o sorriso para o bem de Luis. — A quinta é perfeita para ele se recuperar.

— Mas San Gimeno não é — afirmou Christian ca­tegoricamente. — Luis pode precisar de tratamento médico, de assistência. Você não está sugerindo que as instalações de San Gimeno se comparam com as daqui, está?

Olívia não tinha pensado nisso. Ele tinha razão. Luis poderia precisar da atenção de especialistas. Mas era a única solução em que poderia pensar no intuito de sa­tisfazer também suas necessidades.

Inesperadamente, Luis saiu em sua defesa.

— Acho que isso é uma ótima idéia — disse ele, demonstrando mais entusiasmo do que demonstrara até então. Um repentino brilho de empolgação, que defini­tivamente não estava lá antes, surgiu em seus olhos. — Você tem uma quinta? — Ele esperou Olívia balançar a cabeça positivamente, e em seguida continuou avida­mente:

— Por que não podemos contratar uma enfermeira, se precisarmos? E um fisioterapeuta também. Aposto que há um hospital lá. As pessoas de San Gimeno tam­bém adoecem, não?

— Não é tão simples assim, Luis — começou Chris­tian opressivamente, mas até mesmo Olívia podia perceber que ele estava lutando em uma batalha perdida. Embora pudesse ser diferente de seu pai com relação ao temperamento, quando Luis cismava com alguma coi­sa, ia até o fim. E, neste momento, ele estava esperando pelo apoio dela.

— Acho que vai funcionar — murmurou ela, cons­ciente de que Christian estava furioso com sua resposta.

— Eu também. — O entusiasmo de Luis lhe dava forças. — Você pode tomar todas as providências, não é, Chris? Como Olívia, eu iria gostar de ter uma opor­tunidade de escapar antes que descobrissem onde es­tou.

Olívia não podia olhar para Christian agora. Não ha­via dúvidas de que Luis estaria menos acessível em San Gimeno. Nem todos os repórteres tinham os recursos que Christian empregara para encontrá-la. Agora o ho­mem endireitava seus ombros e olhava para Luis com um olhar de frustração.

— Veremos o que o Doutor Hoffman tem a dizer — disse ele de maneira evasiva. — Aconteça o que acon­tecer, você não vai sair do hospital por alguns dias.

— Por que não? — Luis mostrou-se impaciente. — O que eles vão fazer comigo? Por quanto tempo tenho de usar esse colar cervical? Eles não vão poder fazer muita coisa até eu tirar isso.

— Não acho que isso seja totalmente verdade, Luis — disse Olívia num tom delicado, sem querer ficar do lado de Christian, mas incapaz de ignorar os fatos. — Podem querer se assegurar de que a fratura está se recu­perando.

Luis deu um suspiro.

— Ainda não compreendo por que não posso receber tratamento em outro lugar — murmurou, num tom be­ligerante. — Talvez uns dois dias aqui. Posso agüentar isso. Mas, com certeza, no início da próxima semana estarei pronto para sair.

— Vamos ver — respondeu Christian categorica­mente, e recebeu outro olhar ressentido.

— Hei, você não é meu pai, Chris! —exclamou Luis indignado.

 

 

CAPITULO QUATRO

 

 

Christian permaneceu no parapeito da balsa, enquanto a embarcação deslizava pelo pequeno porto. A esta hora de uma manhã de domingo, os iates e saveiros que ancoraram em San Gimeno durante a noite ainda esta­vam em seus ancoradouros e a chegada da balsa os fez balançar.

A balsa, que também funcionava como um navio fornecedor, era a única grande embarcação no porto. O que atraía a aprovação de Olívia, San Gimeno não inte­ressava aos turistas e, consequentemente, a chegada da balsa era um acontecimento.

Mas mesmo quando o mestre do porto apareceu e seu assistente veio ajudá-lo a ancorar a balsa, era tudo muito despreocupado. Christian teve de conter sua im­paciência ao ver a maneira descuidada com que os ho­mens chamavam uns aos outros e o bem intencionado apoio quando o cabo caiu na água e teve de ser puxado novamente.

Era sua própria culpa que houvesse escolhido usar a balsa, em vez do helicóptero que o havia levado a Nassau. Poderia facilmente ter ordenado a seu piloto que o conduzisse a San Gimeno, a curta distância. Mas não o fez. Deixaria o homem pensar que estava passando os quatro dias em Nassau, em vez de admitir que estava ali para dar uma olhada em seu primo.

Pretendia misturar negócios e questões familiares. Antes de sua morte, Tony vinha explorando a viabilida­de da abertura de uma filial da Companhia de Investi­mento Mora nas Bahamas, e esta visita proporcionava a Christian a oportunidade ideal para investigar melhor.

A balsa bateu contra o píer, as laterais com proteção de borracha chiaram em protesto, e Christian foi em frente para desembarcar. Não carregava bagagem. Apenas a inseparável maleta em que levava alguns objetos pessoais, assim como o laptop com que trabalha­va. Supunha que fosse um passageiro incomum na bal­sa ainda que as largas calças caqui e camisa pólo preta fossem menos formais que seus trajes habituais. Po­rém, comparada ao short esfarrapado e camisetas sem manga de seus companheiros de viagem, ainda parecia diferente. Mesmo que sua pele fosse apenas um pouco mais clara que a deles.

Ao alcançar terra firme, Christian olhou ao seu re­dor. No cais, estavam empilhados engradados de todos os tipos: ostras armazenadas em caixas cheias de gelo, das quais vazavam um filete de água constante no chão; sacas de quiabo, feijões e leguminosas; b



  

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