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CAPITULO OITOCAPITULO OITO
— Irei para Londres na terça. Por que não vem comigo? Lucy fizera o convite na segunda pela manhã, uma semana depois de Jack ter partido para a Irlanda. Rachel se sentia particularmente deprimida. Lucy fora até a casa de Rachel porque esta dissera à Sra. Grady que não atenderia ligações que não fossem da editora. Não se falavam desde a noite em que saíram para jantar. Naturalmente, perguntou como estavam as coisas com Jack, e Rachel teve de admitir que ele viajara. Não queria falar sobre assunto algum desde que Jack se fora, mas deveria saber que Lucy logo lhe arrancaria a verdade. — Por quê? — ela perguntou imediatamente. Era uma pergunta razoável, e Rachel se viu obrigada a explicar que ele achava que precisava descansar. — Ele tem trabalhado sem parar desde que papai morreu — continuou ela. — E tem me parecido realmente cansado nas últimas semanas. — Então por que não foi com ele? — Não tenho tempo — Rachel respondeu rapidamente, recusando-se a dizer que não fora convidada. — Além disso, ele vai ficar com os pais, e eu não sou exatamente a nora preferida deles. — Porque não teve um filho por ano? — Lucy demonstrava desprezo. — Meu Deus! Isso é medieval! Os Riordans estão vivendo no passado. Rachel não estava preparada para tocar naquele assunto. Ainda estava muito ressentida pelo que descobrira antes de Jack viajar. E após a ligação que os interrompeu, Jack se recusara a dizer o que Karen queria. É claro que sua atitude também não ajudara, reconhecia isso agora. Sentira-se indignada e magoada por Jack tê-la abandonado para falar com aquela mulher. Apenas muito mais tarde lhe ocorreu que ele não tinha muita escolha, e que pedir à Sra. Grady para inventar alguma desculpa seria covardia. Como era de se esperar, sua reação piorou a situação. Jack a acusara novamente de não confiar nele, e em vez de desacreditar seus temores, disse que ela podia pensar o que quisesse. Rachel não sabia se ele tinha visto Karen, se havia contado a ela o que faria, mas também não aproveitara nenhuma oportunidade para conversar. E agora que ele já se fora, recusava-se a ligar. Não passavam por um bom momento, mas ela relutava em confidenciar o fato para Lucy. Além disso, apesar do comportamento de Jack, não estava convencida de que ele fosse de fato culpado. Ele não sabia que quando comentara a compra do apartamento em Plymouth, ela ficara desconfiada de seus propósitos. Com a ajuda de Lucy, contratara um detetive particular, que o investigou por várias semanas. O fato de ter sido visto entrando no apartamento com Lucy apenas uma vez foi inconclusivo. Decidira parar a investigação e afirmara a Lucy que resolveria tudo à sua maneira. — Algum problema? — Nada — disse ela. — Estava pensando. O que dizia? Lucy franziu a testa. — Bem, sugeri que passe alguns dias na cidade — disse, após um momento. — Por que não tira um descanso também? A idéia parecia atraente, mas Rachel já dissera que estava muito ocupada para ir. E tinha certeza de que Lucy sabia disso muito bem. — É uma pena — ela disse, virando-se para a bandeja que a Sra. Grady colocara na mesa ao lado da cadeira. — Chá gelado? Com ou sem limão? — Com limão. — Lucy ergueu o rosto para o sol. Estavam sentadas no pátio, e o dia prometia ser quente. — Mmm, que delícia, não é mesmo? Quem precisa de férias quando se vive num lugar como este? Era outra observação sarcástica contra Jack, mas Rachel preferiu ignorar. — Sim, gosto daqui — respondeu. Então, forçando um otimismo que não sentia, continuou: — Por que vai a Londres? Vai dormir por lá? — Como eu dizia, ficarei por alguns dias — afirmou Lucy, o tom da voz deixando evidente que estava ciente de que Rachel tentava distraí-la. — Mas, são só negócios. — Ela olhou para a grande casa. — Não se sente sozinha aqui? — A Sra. Grady está aqui — replicou Rachel, levando o copo aos lábios. — Ela é a governanta! — exclamou Lucy. — Não é uma amiga. — Mas a Sra. Grady é uma ótima companhia — insistiu Rachel. — Nós nos damos muito bem. Lucy balançou a cabeça — E está preparada para ficar aqui, bancando a esposa boazinha, até Jack resolver voltar, certo? Rachel suspirou. — Não é bem assim, Lucy. Se eu quisesse ir para a Irlanda, eu iria. Mas não quero. — Tem certeza de que ele está sozinho? Rachel a encarou. — Claro. — E você confia no que ele diz? — Lucy, ele está na casa dos pais. Não acha que eles falariam alguma coisa se ele levasse... outra mulher para lá? Lucy deu de ombros. — Talvez. — O que quer dizer com isso? — Bem... — Lucy ponderou. — E possível que os Riordans sejam a favor de que Jack se divorcie e se case outra vez. — Lucy, eles são católicos fervorosos! Um dos irmãos de Jack é padre. Eles não acreditam em divórcio. — Bem, isso é o que dizem. — Mas Lucy não parecia convencida. — E se considerar que Jack poderia lhes dar vários netinhos... — Pare imediatamente, Lucy. — Rachel estava de pé antes mesmo que a outra mulher terminasse de falar. Atravessando o pátio, ficou de costas para Lucy. — Acho que deve ir embora. Antes que eu diga algo do qual me arrependa depois. — Oh, Rachel. — Ela ouviu Lucy erguer-se e cruzar o pátio em sua direção. — Desculpe a falta de tato. Fui cruel, eu sei. Sinto muito. Mas estou pensando no seu bem. Sabe disso, não é? — Sei? — Rachel admirava a beleza de Foliot Cove, perguntando-se por que a paisagem lhe dava tão pouco prazer no momento. — Acho que quis me magoar, Lucy... — Não! — E conseguiu. Por favor, vá embora. — Rachel. — Lucy pôs a mão no ombro dela. — Querida, não fique assim. Somos amigas há tanto tempo. Não deixe Jack Riordan ficar entre nós. — Jack Riordan é meu marido. — Rachel afastou a mão dela e virou o rosto. — Sei que ficou abalada com Martin, mas Jack não é assim. Lucy apresentava um olhar receoso. — Acha que não? — Eu sei que não — disse Rachel, embora mentisse para si mesma. — Não quero mais falar sobre isso. — Tudo bem. — Lucy viu uma chance de se redimir e a aproveitou: — Querida, venha e sente-se. Vamos aproveitar nosso chá. Contei que vi Claire Stanford na semana passada? Ela engordou tanto que mal a reconheci. Apesar de seus receios, Rachel permitiu que Lucy a persuadisse a se sentar novamente. Pensou que era tola por mudar de idéia tão facilmente, mas Lucy era sua melhor amiga. Com quem mais ela conversaria? Além disso, talvez Lucy estivesse certa. Talvez os Riordans estivessem dispostos a comprometer suas crenças para fazer Jack feliz. Não queria pensar naquilo, e jamais admitiria isso para a amiga. Mas a semente fora plantada e começava a criar raízes. Tudo estava muito quieto. Mesmo depois de três semanas em Ballyryan, Jack ainda não tinha se acostumado à ausência de carros e congestionamentos, de aviões cruzando o céu, das vozes altas e do constante som de telefones tocando em algum lugar. Logo que chegou, costumava acordar no meio da noite com o coração batendo forte, o pulso acelerado e os nervos tensos como uma corda de violão. Costumava passar bastante tempo tentando ouvir o que o acordara. Levou uma semana para perceber que era o silêncio que o perturbava. Já estava acostumado à total ausência de som agora, e em geral dormia oito ou nove horas seguidas. Ninguém o perturbava. Seus pais seguiam suas rotinas diárias sem lhe fazer perguntas desnecessárias. Estavam lá para o que precisasse, mas davam a ele todo o tempo e espaço de que precisava. Também não o trataram como a um inválido, mesmo Jack sendo forçado a contar a eles o que o médico tinha dito. Achava que nunca tinham ouvido falar de arritmia até que ele descreveu o problema, mas, embora a mãe não tivesse sido capaz de esconder a ansiedade, ela estava lidando bem com o problema. Um puxão na linha que havia jogado no lago o deixou alerta para o fato de ter fisgado algo. Mas o peixe era muito pequeno e, libertando-o, Jack permitiu que sua presa deslizasse para a água. Perguntava-se se pescar tornara Jude Riordan uma pessoa tão sossegada. O pai, além de explicar os temores da esposa, havia instigado uma conversa mais profunda com o filho quando Maggie não estava por perto. Em sua opinião, o problema de Jack era realmente preocupante. Mas como o médico dissera, a solução estava nas mãos dele. Nas palavras do pai, Jack deveria parar de trabalhar tanto antes que fizesse algo estúpido, como matar a si mesmo. E, embora tivesse certeza de que a Virgem Santa ficaria feliz por ver Jack ao seu lado, não queria que isso acontecesse tão cedo. Jack apreciava aquela lógica simples. Seu velho pai costumava dizer coisas muito sensatas, embora nem sempre seguisse seus conselhos. E se Jude suspeitava que Rachel era em parte culpada pelos problemas de seu filho, não chegou a comentar nada. E Jack era orgulhoso demais para explicar que seu relacionamento com a esposa estava muito abalado. Ao mesmo tempo, Jack ficara aliviado quando recebeu os resultados dos especialistas. Aparentemente, não havia nada que não pudesse ser tratado com alguns medicamentos e uma mudança no estilo de vida. Para começar, devia fazer uma dieta e limitar a ingestão de cafeína, além de praticar mais exercícios e alimentar-se em horários regulares. — Jack! Jack! O familiar som de sua mãe o chamando o trouxe de volta à realidade. Com relutância, Jack se ergueu da cadeira. Era muito cedo para o almoço, e não conseguia imaginar o que dera aquela nota de urgência à voz dela. Quando começou a subir a elevação entre a margem do lago e o chalé, Maggie Riordan estava de pé olhando para ele. Era uma mulher atraente, na casa dos cinqüenta, com o cabelo que já fora tão negro e brilhante quanto o do filho. Colocara as mãos ao redor da cintura e tinha uma expressão preocupada no rosto. Estendeu a mão para ajudar Jack a subir a parte mais íngreme, mas o filho apenas lhe deu uma conhecida olhada. — Isso, faça-me sentir-me um fracote! — ele murmurou, sério, respirando fundo antes de dar o último passo. — E então? Onde é o incêndio? Maggie fechou o punho e, brincando, fez que acertava o queixo do filho. — Não há fogo algum — disse ela, observando o rosto moreno dele com um olhar carinhoso. Olhou para o chalé, como se para ter certeza de que não fora seguida. — Você tem uma visita. O coração de Jack bateu acelerado e os músculos de seu tórax se contraíram. Por um instante se perguntou se seria Rachel. Sentia muita falta dela. Mas o bom senso logo o convenceu do contrário. Sua mãe teria dito que Rachel estava lá, não uma visita. — Quem é? — ele perguntou. Então um pensamento lhe ocorreu. — Que não seja o padre Patrick! — Não, não é o padre Patrick — respondeu a mãe, com veemência. — Embora fosse bom que você prestasse mais atenção às palavras dele. Só porque mora naquele país pagão há tantos anos não quer dizer que deva negligenciar sua fé, Jack. Fé! Jack fez uma careta. — A Inglaterra não é um país pagão, mãe. Você mesma já morou lá por muito tempo. Na verdade, eu nasci lá. — Mas também é irlandês — Maggie declarou com firmeza. — Agora, antes de encontrar sua visita, não há nada que queira me contar? Não sente nenhum peso na sua consciência? Jack a encarou. — Na minha consciência? — Jack parecia confuso. — De que diabos está falando? — Não use estes termos, Jack. — Maggie parecia ofendida. — Venha e veja por si mesmo. Não é bom deixar a moça esperando depois de vir de tão longe para ver você. — Espere. — Jack afundou os calcanhares na grama macia e não se mexeu. — Você disse "moça" ? — Não há nada de errado com seus ouvidos, Jack. — Maggie o olhava com reprovação. — Lembrou-se de alguém? Jack franziu a testa. — Não acredito. — Não acredita em quê? — A mãe franziu a testa. — Ela está aqui. E é óbvio que vai ter um bebê. E seu? — Não! Jack suspirou. Dizia a si mesmo que aquilo não podia estar acontecendo, mas estava. Karen estava lá. De alguma maneira, conseguira descobrir onde os pais moravam e o seguira. — Certo. — Ao menos, a mãe aceitara sua palavra, mas não sabia se isso ia durar até Karen começar a espalhar suas mentiras. — Bem, como eu disse, é melhor não deixá-la esperando, hum? Jack respirou fundo. Tentava se controlar, mas saber que Karen estava ali era uma preocupante realidade. O que ela queria, afinal? Ela não podia provar que o filho era dele. Mas o pior era, que ele também não. Não ainda. Karen estava esperando na bonita sala de visitas, cujas paredes eram caiadas. Como muitos outros vizinhos, os Riordans só usavam aquela sala em ocasiões formais, e ele ficava incomodado com a presença de Karen poluindo a atmosfera da casa de seus pais. Ela se ergueu quando ele entrou, e a primeira coisa que ele notou foi que a gravidez dela estava mais avançada do que esperava. — Olá, Jack — ela disse, o tom de voz afetado. Ela usava um vestido frente-única florido bem esticado sobre os seios e o ventre. — Espero que não se importe por eu ter vindo aqui, mas precisava ver você. — Por quê? — Ignorando o choque da mãe, Jack se apoiou no batente da porta e a observou com olhos gélidos. — O que você quer? — Jack! Fora a mãe que fizera a exclamação, atônita, mas Jack não olhou para ela. — E então? — disse ele, ainda olhando para Karen. — O que quer? Acho que deixei tudo bem claro antes de sair da Inglaterra. — Oh, Jack! — Karen vasculhou a bolsa à procura de um lenço. Então, simulando lágrimas, pressionou o lenço contra os olhos. — Não me trate assim. Você sabe que o amo. Jack voltou os olhos irados para a mãe, e não ficou surpreso por ver o horror no rosto dela. Karen podia ser muito convincente. Lutando contra uma ameaçadora sensação de pânico, Jack procurava se controlar. — Isso não vai funcionar, Karen — disse ele, sério. — Sugiro que pare com isso e suma daqui. — Oh, Jack. — Mais uma vez, Karen se desmanchou em lágrimas, afundando na poltrona onde estivera sentada e cobrindo o rosto com as mãos. — Como pode ser tão cruel? Depois de tudo que fomos um para o outro. Jack não podia mais agüentar. Passando pela mãe, tateou o caminho em direção à porta e ficou de pé, com os ombros pressionados contra a parede do chalé, até que as batidas de seu coração se normalizassem. Ainda permanecia lá, os olhos fechados contra o impiedoso clarão do sol, quando ouviu o som de passos se aproximando. Por um momento ficou desorientado, o som vinha da direção oposta da qual esperava. Mas, definitivamente, eram passos de mulher. Quando abriu os olhos, viu que Rachel estava ali, observando-o, visivelmente perturbada.
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