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CAPÍTULO IXCAPÍTULO IX
Na manhã seguinte chegou uma visita ao bangalô. Era Helen Barclay e chegou quando só Caroline estava em casa. — Tudo bem, querida! — exclamou ela, quando Caroline explicou que Charles tinha levado as crianças para conhecer a mina e que Elizabeth ainda não tinha se levantado. — Vim ver você. — Eu? — Caroline falou. Depois sorriu. — Por quê? Alguma razão especial? — Na verdade, sim. — Helen indicou o braço de Caroline. — Aquela mordida, por que não contou logo para mim? —- Oh, Helen! — Caroline suspirou. — Já faz tanto tempo. Além disso fiquei com vergonha. Deveria ter mais juízo e não mexer com o animal — franziu a testa. — E como é que ficou sabendo? — Acho que a rede de mexericos da missão anda mais devagar que dos outros lugares. Só soube o fato há três dias, por Gareth, mas andei tão ocupada que esta é a primeira oportunidade que tive de vir e pedir desculpas. À menção do nome de Gareth, Caroline estremeceu, mas conseguiu dizer: — Pedir desculpas? Não há necessidade disso. — Mas há sim! Gareth tem razão. Tenho pena daqueles animais, estão sempre tão magros... — Verdade, Helen, não estou culpando você... — Não, mas Gareth sim. Mas está tudo bem agora? Você está muito pálida, Caroline. Acho que este clima não faz bem a você. — Estou bem. Eu acho que não estaria sem a ajuda de Gareth, mas... — O que quer dizer? — Helen pareceu surpresa. Depois disse: — Você teve algum problema com seu braço? Caroline corou. — Pensei que Gareth tivesse contado. — E ele tem a ver com isso? — Sim. — Então não diria nada — disse Helen resignada. — Mas o que aconteceu? Caroline sacudiu a cabeça. — Oh, bem — murmurou relutante -—, houve uma inflamação. Estava infeccionado e como o dr. Macdonald não estava, Gareth precisou lancetar. — Sei. — Helen assentiu. — Ainda bem que você contou a ele. Ele tem algum conhecimento dessas coisas. Uma vez foi mordido por uma cobra e ele mesmo sugou o veneno. Caroline estava horrorizada. — Que coisa! — suspirou, percebendo que acidentes como esse deveriam acontecer mesmo com ele e ela nem ficaria sabendo. Poderia até morrer e ela só ficaria sabendo depois. Virou-se para que Helen não percebesse a agonia em seus olhos. — Bem, você quer um café, não é, Helen? — Seria ótimo — respondeu Helen sentando-se numa poltrona. — Disse a Laurie que não voltaria muito cedo. — Vou avisar Thomas. Mas, assim que saiu da sala, encostou a testa quente na parede fria do corredor. Não estava se sentindo muito bem, estivera assim desde que voltara de Nyshasa e a última coisa que desejava era receber visitas. Quando voltou estava controlada novamente, sorrindo para Helen, que admirava o kaftan laranja que estava usando. — Você pode usar cores vivas, Caroline — exclamou Helen. — Eu não, nunca pude usar nada disso. Diga-me, tem saído, passeado? Caroline enterrou as unhas na almofada. — Sim — respondeu séria. — Estivemos em uma porção de lugares. Charles e Elizabeth levaram as crianças até a reserva de Kywari ontem. — E você não foi? — Não. Eu estava cansada. Não queria sair. — Então teve um dia para você mesma. — Não, não aconteceu isso também. — Caroline olhou aliviada quando viu Thomas chegando com a bandeja do café. — Ponha aqui, por favor — indicou a mesa baixa à sua frente. — Obrigada. Durante alguns minutos se ocupou com o café, perguntando a Helen se queria muito açúcar, esperando que a mulher mais velha mudasse de assunto, mas depois de aceitar a xícara de café e um biscoito, Helen disse: — Então, o que fez ontem? — Bem, Gareth veio trazer uns medicamentos para Lucas Macdonald, e me levou ao canteiro de obras, onde estão construindo a represa. — Sei. E o que achou de tudo? — É impressionante. — É... — Helen ficou olhando para o líquido em sua xícara. — Vai ser uma coisa, quando ficar pronta. Nyshasa vai ficar civilizada dentro de poucos anos. — Sim — concordou Caroline. Esse era um assunto neutro e ela se relaxou um pouco, mas as palavras seguintes de Helen a deixaram alerta novamente. — Você gosta de Gareth, Caroline? — Eu... ele é ótima pessoa. — Seu estômago se contorceu. Que descrição para se fazer de Gareth! — Sim. — Helen nem percebia sua confusão emocional. — Sim, ele é ótimo. Gosto demais dele, mas também todo mundo gosta. Eu não consigo entender por que o casamento dele não deu certo. Caroline achou que não precisava responder nada, mas Helen continuou: — Fico com tanta pena, sempre os melhores homens arranjam as piores mulheres! — É verdade. — Caroline queria que falassem sobre outra coisa. — Imagino que deve ser difícil para uma esposa jovem se acostumar a viver na África. — Ora. — Helen fungou. — Não foi mais difícil para ela que para qualquer de nós. Caroline sacudiu os ombros. — Bem, às vezes as coisas não dão certo. — Eu sei, eu sei. — Helen estendeu a xícara para mais café. — Mas quando você gosta de alguém, como nós de Gareth, quer vê-lo feliz e Sharon certamente não fez isso. — Acho que não tenho nada com isso... — começou Caroline sem jeito, mas Helen pareceu não ouvi-la ou preferiu ignorar. — Uma vez ela disse para mim que a culpa era de Gareth, que ele só tinha se casado com ela para se esquecer de outra. Talvez estivesse certa. Mas não fez nenhum esforço para salvar o casamento. Logo se cansou desta vida sem programas e começou a ir passar semanas e semanas em Ashenghi. — Helen, por favor. Não tenho nada com isso! — Eu sei. Mas são coisas do passado e não duvido que esteja se divertindo muito onde quer que esteja. Só tenho pena de Gareth. Caroline segurou a xícara com as duas mãos. — E por quê? — quis saber. — Quero dizer, agora, ele tem a Sandra, não é? — Sandra Macdonald? — Helen pareceu aborrecida. — Você acha que ela é capaz de fazer um homem do tipo de Gareth ser feliz? — Calculo que Gareth ache. — Por que diz isso? — Os olhos de Helen eram perspicazes e Caroline sentiu que ficava vermelha. — Eu... eu não sei. Eu... eu achei, bem, ele está sempre com ela, não é? — Oh, não estou negando que Sandra gostaria de ser a próxima sra. Morgan — disse Helen com honestidade —, mas se acontecer isso espero que eles se mudem. Detestaria ver Gareth infeliz outra vez. — Quer mais um biscoito? Helen sacudiu a cabeça, os olhos pensativos. — Diga-me uma coisa — insistiu. — Não acha Gareth atraente? Se eu tivesse dez anos menos eu acharia. — Bem, sim. Ele... ele é um homem atraente, concordo com você. — E por que não faz alguma coisa? — Como o que, por exemplo? — disse Caroline espantada. Helen fez um gesto de impaciência. — Tenho certeza de que não preciso explicar, Caroline. Ou a idéia de ficar na África também não a atrai? — Helen! — Caroline levantou-se abruptamente. — Você não pode ficar organizando a vida das outras pessoas, você sabe! — Sei bem disso — respondeu Helen baixinho, e Caroline virou-se, arrependida. — Oh, você sabe que eu não estava me referindo a seus problemas particulares, Helen! Helen forçou um sorriso. — Não, tenho certeza de que não estava, Caroline. Mas, de qualquer modo, você está certa. Sou uma mulher muito intrometida! — Não é! — Caroline abriu os braços. — Você não sabe de certas coisas, é só isso. — Sobre você e Gareth? — perguntou Helen com perspicácia. — Sim, sobre mim e Gareth. — E você não quer falar sobre isso? — Na verdade não. — Está bem... — Não! — Caroline hesitou. — Não, espere! — Seria um alívio contar para alguém, e havia algo em Helen que ela apreciava instintivamente. — Na verdade, eu conheci Gareth anos atrás. Helen ouvia com atenção. — Antes que ele se casasse? — Sim. — Caroline cruzava e descruzava os dedos. — Eu... eu era a moça, você sabe. Com quem ele queria se casar. — Quer dizer que a história de Sharon era verdadeira? Ele se casou com ela por sua causa? — Talvez. — Caroline estava cautelosa. — E você sabia que ele estava aqui, quando veio? — Sabia. — E ele sabia que você vinha? — Não por mim. Mas soube indiretamente, por Nicolas. — Ora, ora. — Helen sacudiu a cabeça perplexa. — Então o que aconteceu? Se sabia que ele estava aqui, então queria vê-lo! — E queria mesmo. — A voz de Caroline estremeceu. — Oh, Helen, eu o amo! Eu pensei, eu esperava que ele ainda me amasse! — E ele não a ama? — Não. — Como é que você pode ter certeza? — Oh, tenho certeza! — Caroline fez que sim com a cabeça. Helen suspirou. — Que situação! — É verdade! — Caroline andava de um lado para outro. — Bem, agora você sabe. Helen ficou pensativa. — Mas você tem certeza sobre tudo isso, Caroline? Certeza de que o ama e de que ele não a quer? Quero dizer, já faz anos que vocês não se vêem. E se você estivesse apenas motivada por um desejo de recriar uma situação antiga, que aumentou na proporção do tempo que passou? Talvez o fato de que não tenha se casado ou ficado noiva... — Você está sugerindo que eu esteja desesperada por um marido, não é? E do modo mais educado possível! Oh, não negue! Gareth já me acusou disso em termos bem mais realistas! — Caroline, minha querida... — Ora, é verdade. É isso que está dizendo. Mas não é isso que acontece! — Caroline apertou as mãos. — Não sei se vai acreditar mas antes de vir para cá eu estava noiva de um homem que tem tudo, é atraente, tem um bom emprego, muito dinheiro, mas a quem eu não amava! Oh, ficamos noivos por um bom tempo, e ele queria que nos casássemos. Não havia razão para não fazer isso. Não tínhamos os problemas usuais de falta de dinheiro ou de lugar para morar. Jeremy tem três casas e mais uma mansão no sul da França. — Soltou um suspiro. — Então o que está pensando agora? Que ele me deixou? Me deu o fora? — Sacudiu a cabeça. — Não podia estar mais enganada. Ele é louco por mim. — Parou de repente. — Mas eu descobri que Gareth não estava mais casado, que havia se divorciado... e... não pude continuar com meu noivado. Helen levantou-se e pegou as mãos de Caroline. — Oh, Caroline! — exclamou triste. Caroline tentou se controlar. — Sim, parece comédia, não é? Jeremy ama Caroline, Caroline ama Gareth e Gareth ama outra pessoa! — Duvido que as coisas sejam assim tão simples. Essas coisas nunca são. Você contou para Gareth sobre esse homem na Inglaterra, esse Jeremy? — É claro que não. — Por que é claro que não? — Helen, todas as vezes que Gareth e eu estamos juntos nossa conversa não tem sido propriamente cordial. Além disso, não adianta. Sei exatamente o que Gareth sente por mim e não é amor! Helen soltou as mãos da moça e dirigiu-se penalizada para a janela. — Sinto muito. — Eu sei. Também sinto muito. Houve um silêncio durante alguns instantes e depois inesperadamente se ouviu uma batida na porta. Caroline esfregou com força as mãos no rosto, para esconder qualquer traço de emoção. Quem é que poderia estar chegando? A única pessoa em quem pensou foi Nicolas e, com um olhar desanimado para Helen, foi abrir a porta. Mas não era Nicolas. Era Sandra Macdonald, que olhou adiante de Carolina para dentro da sala, dizendo: — Olá, posso entrar? Caroline ficou surpresa, mas saiu da frente. — É claro, o que posso fazer por você? Sandra olhou para dentro da sala, sem notar a presença de Helen. — Vamos lá para dentro. — Depois: — Oh, Helen! Não vi que estava aí. Helen sorriu. — Eu já estava indo embora, Sandra. — Oh, por favor — pediu Caroline à mulher mais velha. — Não vá! Eu ia perguntar se não queria ficar para o almoço. — Gostaria muito, Caroline, mas acho que Laurie ficaria aborrecido se eu não voltasse para preparar alguma coisa para ele. Não, eu preciso ir, mas obrigada do mesmo modo. — Sorriu incutindo coragem na outra. — Gostei desse nosso bate-papo. Venha novamente à missão, antes de ir embora. — Gostaria muito. Pedindo desculpas por um instante, Caroline acompanhou Helen até a porta e, em seguida, voltou para a sala. — Charles levou as crianças para a mina — comentou, juntando as xícaras de café. — Mas acho que Elizabeth não vai demorar. — Tudo bem. — O sorriso de Sandra estava meio frio. — Eu posso esperar. — Sentou-se no sofá. — Não pensei que conhecesse Helen Barclay tão bem. — Oh, não nos conhecemos tanto assim. É que combinamos bem, só isso. — Oh, sei. — Sandra assentiu. Caroline levantou a bandeja. — Bem, quer um pouco de café? — Tinha que tratar Sandra bem, mesmo que a atitude dela fosse meio fria. Ela não sabia o que era, mas sentia uma atitude meio hostil no jeito de Sandra. Sandra hesitou, depois disse: — E por que não? — Olhou à volta. — E, afinal, onde está Elizabeth? — Acho que está se vestindo. Não se levantou cedo, quando as crianças saíram com Charles. — Omitiu o fato de Elizabeth nunca se levantar muito cedo. Sandra aquiesceu e Caroline saiu para pedir mais café a Thomas. Quando voltou, Sandra estava folheando uma revista. — Até que sua vida é bem folgada aqui não é? — provocou, quando Caroline entrou na sala. — Eu... bem, se você acha assim... — Acho sim. Quero dizer, você tem bastante intimidade com seus patrões, não é? E eles parecem se preocupar muito com você. — Nós nos damos muito bem, se é isso que quer dizer. — Não é bem isso que eu quero dizer, e você sabe. Já percebi que nesta casa você é tratada mais como amiga do que como babá. — Na verdade não sou bem uma babá — afirmou Caroline calmamente. — Concordei em vir para cá ajudar Elizabeth com as crianças, só isso. Trabalho como professora. — Então por que está brincando de babá? Caroline controlou a vontade de dizer a Sandra que ela não tinha nada com isso, e replicou: — Elizabeth pediu-me que viesse, e achei a idéia interessante... — Nem foi porque sabia que Gareth Morgan estava aqui, suponho — gritou Sandra. Caroline sentiu como se alguém tivesse dado um soco em seu estômago. — Eu... eu não sei o que está querendo dizer... — Oh, sim, sabe muito bem. — Sandra olhou furiosa para ela. — Sei que veio para cá por causa de Gareth. Ele me contou. — Ele contou a você?! — Caroline não podia acreditar. — Sim. — Sandra falou com sarcasmo. — Não sei como teve coragem! De vir aqui, quero dizer. Você tornou as coisas muito difíceis para Gareth. Thomas veio entrando com o café, sorrindo alegremente para as duas, mas Caroline não pôde responder. Estava se sentindo mal do estômago e seu rosto pálido indicou alguma coisa a Thomas, porque ele disse: — Está se sentindo bem senhorita? — Sim, sim, eu estou bem, obrigada, Thomas. Coloque a bandeja aqui, como antes. Depois que o criado saiu, Sandra olhou para ela criticamente. — Estou achando que você parece mesmo doente! — disse sem simpatia. — Mas já era tempo que alguém dissesse umas verdades a você! — Então você se encarregou disso, não é verdade, Sandra? — perguntou Caroline, mostrando uma calma que não sentia. — Alguém tinha que fazer isso — disse Sandra cinicamente. — Seria patético demais se não fosse tão insolente! Caroline serviu o café automaticamente, encolhendo-se quando o bule bateu em uma xícara, quase virando tudo. Empurrou a xícara em direção de Sandra, admirando sua calma ao fazer isso, enquanto estava sendo aniquilada. Depois se levantou. — Desculpe-me, vou dizer a Elizabeth que está aqui. — Só mais uma coisa, Caroline. Há dois dias, Gareth me pediu em casamento e eu aceitei. Por isso fique longe dele no futuro, ouviu? Ele simplesmente não está interessado em você. Caroline virou-se, sem poder dizer nem mais uma palavra, caminhando como cega para fora da sala. Ouviu movimento no quarto de Elizabeth, mas não tentou falar com ela. Foi direto para o seu e atirou-se na cama, soluçando amargamente. Que Elizabeth encontrasse Sandra esperando por ela! Caroline pouco se importava com isso.
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