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CAPITULO VI



CAPITULO VI

 

Vários dias se passaram sem que Caroline visse Gareth.

Charles tinha direito a alguns dias de férias e aproveitou o tempo para levar a esposa e os filhos para conhecerem um pouco mais dos arredores de La Vache. Naturalmente Caroline os acompanhou nesses passeios, e de um modo geral ela cuidava das crianças, en­quanto Elizabeth cuidava de Charles. Além do mais, tudo ficava mais fácil se Elizabeth estivesse de bom humor e isso fazia com que Caroline não tivesse tempo de pensar em Gareth. Ela se recusava a pensar no que devia fazer e só ficava esperando ansiosa que alguma coisa acontecesse.

Um dia foram visitar a missão em Katwe Fork. Laurence Barclay, o missionário, recebeu-os de braços abertos e ele e sua esposa, Helen, insistiram para que ficassem para o almoço. Os Barclay eram um casal relativamente jovem, com pouco mais de quarenta anos, e Caroline ficou imaginando o que teria acontecido para que eles largassem a pátria e uma vida confortável para se instalarem na­quele fim de mundo.

Depois do almoço, Helen levou Caroline para visitar a pequena escola. Elizabeth preferiu ficar conversando com os dois homens, enquanto as crianças descansavam no quarto dos Barclay, mas Ca­roline, por ser professora, ficou fascinada com o trabalho das crian­ças africanas.

Cumprimentou Helen pelo seu sucesso, deixando-a meio constran­gida.

— Eu gosto disso — disse simplesmente, folheando um caderno de exercícios. — Essas crianças não sofrem lavagem cerebral da televisão e não são discriminadas pelo poder econômico. Não lutam para provar que são melhores, embora exista uma rivalidade amis­tosa entre os mais velhos. Além disso, todos querem ir para Luanga.

— A escola principal? — perguntou Caroline.

— Isso mesmo — Helen sorriu. — Infelizmente ainda não pode­mos ensinar a todas as crianças, como gostaríamos, mas espero que algumas das mais velhas voltem, depois de terminarem os estudos, para ajudar aqui.

Caroline examinava um desenho a carvão.

— Você acha que isso pode acontecer?

— Se eles não se corromperem com o mundo lá fora, acho que dará certo. Infelizmente, todos os países da África estão se tornando mais e mais o que se chama de civilizados e com a "civilização" aparecem a inveja, o egoísmo e tantos outros pecados.

— Mas com certeza você não está me dizendo que essas pessoas nunca sentem inveja nem... comentou Caroline.

— Oh, não, não estou dizendo isso. É claro que sentem. Também são humanos. Mas a família é importante aqui, cada membro dela, e por isso não há luta de irmão contra irmão. Eles não possuem muitas coisas, mas o pouco que possuem é dividido. Ah, se as pes­soas soubessem que possuir coisas não é importante! O ser humano é que é importante, as relações humanas. Não haveria os problemas que hoje existem no mundo, se as pessoas aceitassem só uma mordida da maçã, em vez de querer comê-la inteira. — De repente ficou vermelha. — Oh, Deus! Desculpe-me, Caroline. Estou fazendo um discurso, não? Laurie fica zangado comigo quando faço isso. Não devia impor minhas idéias aos outros. Acho que de certo modo isso é tão errado quanto as coisas que ando criticando.

— Tolice, Helen — murmurou Caroline, sorrindo e virando-se para olhar algumas figuras penduradas na parede da sala de aula. Não queria que Helen visse seu rosto. O que ela tinha dito era ver­dade. Também punham a claro as coisas que ela dissera a Gareth sete anos antes. — Eu... bem... eu estava interessada. Também entendo o que você estava dizendo. Infelizmente, somos seres im­perfeitos num mundo imperfeito, e pouco podemos fazer sobre isso.

— Eu sei, eu sei. Nunca poderemos voltar ao estado da ino­cência. Às vezes penso que até nossas crianças nascem competitivas. Certamente os ensinamos sobre isso bem cedo, um desejo que temos de que nosso filho ande antes dos outros, que coma sozinho, que use o peniquinho... Oh, Caroline, estas pessoas vêem a vida como ela é, um pequeno período de tempo, antes de um muito maior que está para vir.

— Você faz com que isso soe muito convincente, Helen. Você tem filhos?

Helen endireitou uma pilha de cadernos.

— Sim. Tenho um filho, Caroline. Ele agora deve ter vinte e quatro anos.

— E ele também vive em Tsaba?

— Não, na Inglaterra. O última notícia que tive dele veio de uma pequena vila em Wiltshire.

— Sei. — Caroline percebeu que deveria haver alguma tragédia particular e mudou de assunto depressa. — E quantas crianças a escola tem agora?

Helen foi para o quadro-negro e começou a apagar algumas lições que estavam escritas.

— Por que não me pergunta como é que não sei ao certo onde mora meu filho, Caroline?

Caroline ficou sem jeito.

— Não tenho nada com isso.

— Talvez não. Mas tem todo o direito de perguntar, assim mesmo. Além disso, eu mesmo andei desabafando para você sobre famílias e relacionamentos.

— Ora, Helen, na verdade...

— Olhe, realmente eu quero contar para você. Acho que você é compreensiva, Caroline. Nunca se sabe, mas talvez minha experiên­cia algum dia possa ajudá-la.

— Mas é um assunto seu, Helen.

— Não estou discutindo isso. Além do mais não é segredo, se é isso que pensa. Michael é nosso único filho. Quando ele nasceu, eu passei tão mal que os médicos me proibiram de engravidar nova­mente.

— E você queria mais filhos?

— Deveria ter querido — Helen assentiu. — Talvez se não mi­mássemos tanto Michael como fizemos, tentando lhe dar sempre o melhor: roupas, escolas, educação, ele tivesse crescido diferente. Mas você sabe como é. Queríamos equipá-lo da melhor forma possível para enfrentar esse mundo competitivo em que vivemos. — Suspirou fundo. — Infelizmente não oferecemos muitas opções ao Michael.

— Helen, por favor...

— Não, eu quero continuar. — Encolheu os ombros. — O resul­tado de tudo é que Michael se rebelou do único modo que conhecia. Desapontou-nos, pois foi expulso da escola. — Ela largou o apagador e bateu as mãos para soltar o pó de giz. — Não pode imaginar como Laurie ficou chocado, desesperado! No começo nem queria falar com Michael. Depois pedi, implorei e ele tentou se achegar. Disse que deveríamos dar tempo ao Michael, que cedo ou tarde ele descobriria algo que gostasse de fazer. Nunca imaginei que fos­se se empregar como mecânico numa oficina na mesma cidade onde Laurie trabalhava.

— Mas esse serviço não é tão ruim assim — interrompeu Caro­line em voz baixa.

— Sim, eu sei. Mas Michael era o filho do pastor. Esperava-se dele coisas melhores. Oh, talvez pareça tolo para você. Também acho que fosse, mas Laurie foi sempre tão preocupado com o que as pessoas pudessem pensar... aparências, na verdade. Ele é um homem bom, mas acho que ficou envergonhado por causa do filho. — Levan­tou os olhos. — De qualquer modo, isso não foi tudo, como você possa imaginar. A filha do dono da oficina apareceu grávida, e Michael admitiu a responsabilidade, e ao invés de ir para a universidade, acabou se casando com essa... essa Eileen Morrison.

— Sei. — Caroline concordou. — Isso deve ter sido terrível para seu marido.

— E foi. Oh, Eileen é uma moça bonita mas não tem um pingo de juízo na cabeça. E apesar do que Michael disse, eu acho que o casamento não vai durar. Porque você vê, Michael tem cérebro, só que não o quer usar. Como eu disse, os culpados fomos nós.

— Pois eu acho que a culpa não é só de vocês — afirmou Caroline, séria. — Além disso, existem muitas crianças que gostariam de ter tais oportunidades. Eu acho que no fim ele vai se arrepender a tempo, mas não acho certo vocês se responsabilizarem pelos erros dele.

Helen deu um sorriso meio triste.

— Bem, de qualquer modo, são águas passadas. Mas foi por isso que saímos da Inglaterra. O trabalho de Laurie começou a se res­sentir depois que Michael se casou. Aí então apareceu essa idéia de virmos para a África.

— E você não se incomodou? — perguntou Caroline admirada. — Quero dizer, largar todos os amigos, a família?

— No começo, sim. Passei por um período de culpar primeiro Laurie, depois Michael, e por fim eu mesma. Mas agora vejo essas minhas crianças se desenvolvendo e sinto-me responsável em parte por suas vidas tão difíceis... e estou quase feliz.

Caroline olhou à volta da sala decorada alegremente.

— Bem, acho que está fazendo um trabalho maravilhoso. Eu só queria... quero dizer, invejo sua coragem. Poucas mulheres seriam capazes de começar uma vida nova na...

Parou sem jeito e Helen riu, aliviando a tensão.

— Vá, continue — insistiu. — Diga! Na minha idade. É isso que ia dizendo, não era?

— Bem, eu queria dizer, depois de ter um filho e tudo o mais. Nem todas fariam isso.

— Ainda bem que nem todas precisam — retrucou Helen. Voltaram então como boas amigas para casa.

As crianças já tinham acordado e estavam brincando no quintal com duas crianças negras, filhas da criada de Helen. Eram da mesma idade de David e Miranda, e enquanto Helen foi fazer um pouco de chá, Caroline foi se juntar a elas.

As crianças pediram que Caroline as acompanhasse na brincadeira. De bom humor, ela aceitou, mas sua atenção se desviou para um movimento no mato bem próximo. Apesar de ter ficado com um pouco de receio, quis ver o que era. Afastou um pouco a vegetação e desco­briu um cachorrinho.

Levantou a cabeça para chamar David e Miranda para virem ver, mas estavam todos chutando bola no pátio da escola. Suspirando, olhou outra vez para o cãozinho, imaginando com pena que ele tives­se sido abandonado pela mãe.

Talvez pudessem tomar conta dele, pensou. Ainda iam ficar por algumas semanas. Então ele já teria crescido mais um pouco e pode­ria cuidar de si mesmo. As crianças adorariam ter um bichinho para cuidar e ela mesma gostava de animais.

Com isso em mente, abaixou-se ao lado do cãozinho, sorrindo ani­mada para ele, para os claros olhinhos castanhos. O coitadinho estava esfomeado, notou, os ossos aparecendo por baixo do pêlo.

Ela abaixou a grama e colocou a mão sob o corpo pequenino para levantá-lo. Mas de repente os dentes pequenos se enterraram em seu pulso e logo o cachorrinho saiu correndo pelo mato.

Caroline deu um gemido e afastou-se, segurando o pulso com a outra mão. Viu que os dentes do animalzinho tinham se cravado em sua pele. O sangue escorria do ferimento.

Ergueu-se, limpando o sangue com um lenço e se recriminando por ser tão tola. Deveria ter imaginado que o animal não era domesticado e que se defenderia automaticamente.

Voltou para a casa da missão e sem que ninguém visse lavou as mãos na pia da cozinha. Helen estava ocupada colocando xícaras e pires em uma bandeja, não percebeu nada, e Caroline achou bom.

A última coisa que desejava era que alguém notasse o que tinha acontecido e fizesse um escândalo. Tinha sido tola! Quando voltasse para o bangalô, faria um curativo com iodo. Por sorte, todos tinham tomado vacina antitetânica antes de sair da Inglaterra, e ela não via razão para temer que o ferimento não cicatrizasse normalmente.

Quando chegou a hora de ir deitar-se, a mordida estava vermelha e inflamada. Escondera o ferimento de Charles e Elizabeth, usando uma blusa de mangas compridas durante o jantar. Mais tarde o casal foi até a casa dos Macdonald tomar uns drinques. Durante os dias em que Charles estivera de férias, havia apresentado a esposa a quase todos os europeus que moravam em La Vache, e a vida social mais intensa que eles estavam levando contribuía para diminuir a um míni­mo as reclamações de Elizabeth.

Caroline foi para cama antes dos Lacey voltarem, mas não dormiu. Seu pulso latejava dolorosamente e o comprimido que tomara não adiantara nada. A cabeça doía, ela se sentia doente, e ficou imagi­nando se os dentes do animal não continham veneno.

Ouviu Charles e Elizabeth irem para o quarto e depois o bangalô ficou em silêncio. Lá fora, o grito dos animais noturnos tornou-se mais alto, mais áspero, e os ruídos pareceram mais ameaçadores.

Esforçou-se para não deixar a imaginação ir longe demais. Nada estava diferente. Simplesmente estava com pena de si mesma. Ainda assim, deitada ali, na noite sem lua, sentia-se como se não tivesse um só amigo no mundo. Para quem apelaria se tivesse necessidade?, perguntou a si mesma, meio chorosa. Não tinha família, nem parente algum. Só havia Jeremy para se incomodar um pouco com ela, e ela havia dito, sem meias palavras, que não queria mais nada com ele. O homem com quem sonhara e que imaginara poder reconquistar, a desprezava.

Por fim, dormiu. E só acordou com as crianças subindo na cama. Já era dia claro e o calor estava intenso.

— Ande, Caroline! — Miranda falava. — Não vai se levantar?

— Já é tarde — anunciou David, puxando o lençol. — Ande, estamos com fome!

Caroline piscou com força. A idéia de se levantar não a agradava. A cabeça doía tremendamente e a língua parecia seca e inchada.

— Oh, esperem um pouco! — exclamou fraca. — Que horas são?

— São quase nove horas! — falou David. — Você sempre se levanta às oito.

— Eu sei, eu sei. — Caroline sentia a dor no pulso mas não podia olhar sem atrair a atenção das crianças. — Andem, saiam daqui para que eu possa me vestir.

David olhou para ela franzindo a testa.

— O que é que há? Você está doente?

— E por que eu estaria doente? — retrucou Caroline, forçando um sorriso. — Andem, prometo que me levanto já, já.

Eles saíram sem vontade, discutindo sobre quem iria comer mais pãezinhos no café e Caroline levantou-se da cama meio tonta. Sua cabeça rodou ao pôr os pés no chão, mas lentamente a tontura pas­sou, mas veio uma forte pontada na base do crânio. Lavou-se vaga­rosamente e, ao colocar as roupas, lembrou-se que Charles recomeçava a trabalhar nesse dia. Sem dúvida, Elizabeth só iria se levantar perto da hora do almoço e ela teria que cuidar das coisas.

O rosto alegre de Thomas ajudou um pouco, mas ele pareceu meio surpreso ao vê-la com a mesma blusa de mangas compridas que usara na noite anterior. Normalmente ela usava pouquíssima roupa e sua pele já estava bem queimada.

Recusando-se a comer qualquer coisa, conseguiu engolir um pouco de café enquanto as crianças comiam e fingiu que não havia nada de anormal. Ficaram conversando e foi só quando Miranda deixou cair a banana que estava comendo e Caroline automaticamente esten­deu a mão para apanhá-la é que os olhos vivos de David perceberam o edema em seu pulso.

— Nossa! — exclamou, arregalando os olhos. — Por que seu braço está vermelho e inchado desse jeito?

Caroline suspirou, colocando a mão no colo, e escondendo a ferida.

— Não é nada — falou, indicando que Miranda devia pegar uma banana nova. — O que é que vocês vão fazer esta manhã?

— Bem que eu achei que você estava doente — declarou David, sem se distrair do assunto. — Você teve um acidente?

— Não é nada, David — repetiu, tomando um gole de café. — E gostaria de não falar mais sobre isso.

— Por quê? — David não desanimava. — Mamãe já sabe?

— Não, não sabe — respondeu Caroline severa. — E nem quero que saiba. Já falei, esqueça isso.

Miranda deixou de lado a metade da segunda banana.

— Bem, eu acho que a mamãe devia saber — disse a garotinha. — Está muito feio! Não estou gostando! Está me fazendo ficar enjoada.

— Ora, Miranda... — Caroline ia começar a falar, procurando não ceder à vontade de gritar com os dois, quando se ouviu o ruído de um carro parando no jardim. David imediatamente correu para a janela, dando pulos de animação enquanto gritava:

— Ei! É Gareth, Miranda. Será que ele veio buscar a gente para um novo passeio?

Caroline ficou abalada. Gareth Morgan era a última pessoa no mundo que ela queria ver no momento. Não se sentia suficientemente forte para enfrentá-lo.

Levantou-se trêmula e foi até a porta.

— Vou arrumar as camas — disse, e as crianças olharam surpreendidas para ela.

— Mas Gareth está aqui!

— Ele vai querer falar com você!

— Duvido muito — replicou Caroline, sacudindo a cabeça.

Tinha alcançado a porta do quarto quando, ouviu as crianças abrin­do a porta de tela, cumprimentando Gareth e perguntando por que tinha vindo. Ela fechou a porta com firmeza e foi para a cama, afundando-se nela. Sentia-se fraca. Por que Gareth teria vindo? Estaria sozinho? Será que tinha decidido levar as crianças a passear outra vez, agora que Charles tinha voltado a trabalhar?

Apoiou o cotovelo na guarda da cama, segurando a cabeça com a mão. Estava se sentindo bem mal e ficou pensando se teria sido melhor se tivesse contado para Elizabeth. Havia o pai de Sandra, é claro. Nicolas havia dito que Lucas Macdonald era o médico encarregado do pessoal da mina. Ele saberia o que fazer. Talvez, depois que Gareth saísse, fosse melhor ela ir até a casa dos Macdonald.

De repente ouviu uma batida seca em sua porta. Imediatamente se sentiu tensa, mas antes que pudesse perguntar quem era, a porta se abriu e Gareth entrou. Supôs então que ele devia estar acostumado a entrar em quartos de mulheres. Tinha estado casado por cinco ou seis anos, portanto a visão de roupas de baixo femininas não devia surpreendê-lo. Mesmo assim, Caroline não estava acostumada a que nenhum homem entrasse em seu quarto, quanto mais ele, que a olhava com tanta raiva.

— Você se incomodaria em sair? — perguntou friamente, virando-se de costas para ele.

Em vez disso, Gareth entrou no quarto, dando a volta para olhar para ela com olhos frios.

— O que aconteceu? As crianças me disseram que você machucou o braço. Quero ver!

Caroline soltou um suspiro, deixando ver pelo modo como segu­rava o braço, qual deles estava ferido.

— Eu disse às crianças que não contassem para ninguém...

— Não seja tão infantil. — Deixe-me ver!

Como ela não fizesse nada para atendê-lo, sentou-se na cama a seu lado e segurou o braço com força, fazendo com que ela se enco­lhesse de dor. Depois, com dedos surpreendentemente gentis, desabotoou o punho da blusa e levantou a manga. Seus lábios se apertaram quando viu a mordida inflamada.

— Deus! — resmungou para si mesmo. — Como foi isso?

Caroline estava até se sentindo mal com a visão do ferimento.

—- Um cachorro — respondeu gaguejando.

— Um cão? — exclamou ele impaciente. — Que cão?

— Era um cachorrinho. Ontem lá na missão.

— Um daqueles vira-latas que Helen insiste em alimentar, sem dúvida! — disse Gareth. — Já falei para ela não fazer isso! Nem sei como é que ela mesma ainda não foi mordida!

— Foi culpa minha. Eu tentei pegá-lo.

— O quê? — Gareth olhou para ela horrorizado. — Por que diabo foi fazer isso? — Sacudiu a. cabeça. — Oh, deixe para lá, posso adivinhar. — Olhou novamente para o pulso dela. — Bem, precisa­mos fazer alguma coisa com isso depressa. Diga-me, dói aqui ou aqui?

Apertou seu braço, mas ela sacudiu a cabeça, com lágrimas nos olhos.

— Ótimo. — Levantou-se. — Espere um minuto, tenho que dar um telefonema.

Caroline esperou que ele voltasse. Quase nem percebeu a presença de David e Miranda, que espiavam para ela pela porta aberta, ou de Thomas, mandado por Gareth para retirar as crianças. Ficou numa espécie de letargia até que Gareth voltasse.

Ele entrou no quarto devagar, concentrado em seus pensamentos, e ficou olhando para ela pensativamente. Depois disse: — Falei com o superintendente da mina, mas Lucas foi para Luanga hoje.

— Lucas? — Caroline parecia distraída. Depois lembrou-se. — É claro, Lucas Macdonald!

— Esse inchaço precisa diminuir o mais rápido possível — falou.

— Quer que eu faça o que é preciso?

— Como?

— Bem, eu não tenho anestesia, vai doer bastante, mas seria bom que você deixasse.

Caroline fez um movimento desanimado com a cabeça.

— Por quê? Por que vai querer me ajudar? — perguntou, a voz meio rouca. — Pensei que me odiasse!

A expressão de Gareth se endureceu.

— Não seja tola, Caroline. Faria o mesmo para qualquer ser humano.

— Faria mesmo? Não tem medo que eu fique com algum tipo de devoção por você? Que eu encare o fato de ter salvo a minha vida como algum sinal de que...

— Caroline, você está ficando histérica. Olhe, sei que a febre que está sentindo é em parte responsável, mas tenha juízo com relação a tudo isto, está bem?

— Oh, sim, juízo! — Os lábios de Caroline se contraíram. — Va­mos ter juízo, sim senhor!

— Caroline... — Ele cerrou os punhos. — Vai me deixar...

— Ela vai deixar você fazer o quê? O que está acontecendo aqui? Será que ninguém se incomoda por eu estar com uma horrível dor de cabeça?

Elizabeth estava parada na porta, o roupão de Charles amarrado na cintura. Olhou para Gareth sem entender nada, e havia um ar petulante em seu rosto.

Gareth virou-se.

— Caroline está com um ferimento no pulso — ele explicou com brevidade. — Precisa ser lancetado.

Elizabeth levantou a mão até a testa.

— Um ferimento? Que tipo de ferimento? — repetiu ainda sem entender.

— Este! — Gareth falou alto, perdendo a paciência, pegando o pulso de Caroline sem delicadeza e mostrando a Caroline.

— Oh!... que medonho! — Elizabeth segurou-se no batente, dramática. — Caroline, pelo amor de Deus, como foi que aconteceu isso?

Caroline estava cansada. Agora havia gotas de suor em sua testa lisa e o cabelo estava úmido.

— Um cachorro me mordeu — explicou tristemente. — Agora, por favor, saiam todos e me deixem sozinha!

— Não! Não pretendo sair daqui até que alguma coisa seja feita — retrucou Gareth friamente. — Caroline, preste atenção! Quer ficar paralítica, ou algo pior?

Caroline sacudiu a cabeça, as lágrimas agora rolando pelo rosto.

— Oh, está bem — concordou fraca. — Faça o que precisa ser feito. Não ligo mais.

Gareth deu um tapa na própria perna.

— Certo. — Olhou para Elizabeth. — Você vai me ajudar?

— Eu? — Elizabeth se encolheu. — Deus me livre! Não conse­guiria. Eu desmaiaria logo no começo.

— Então saia do caminho — ordenou.

— Bem, imagine... — Elizabeth encarou-o indignada. — Esta é nossa casa...

— Oh, Elizabeth... — Caroline sacudiu a cabeça. — Sinto muito.

Elizabeth olhou para ela por mais um instante e depois com um gesto exasperado virou-se e foi para seu quarto.

Quando Gareth voltou, Thomas vinha com ele, o rosto negro sério pela primeira vez. Gareth estendeu a Caroline um copo com um líquido amarelado, e ela olhou para ele surpresa.

— O que... o que é isso? — Cheirou o conteúdo. — Ora, é uísque.

— Beba — aconselhou Gareth, baixo. — Isto vai doer muito.

— Não preciso de uísque — declarou, colocando o copo na mesa de cabeceira.

Parecia que Gareth ia insistir, mas depois desistiu.

— Está bem, então sugiro que olhe para o outro lado. Caroline virou o rosto. Thomas segurava o pulso com firmeza.

Ela fechou os olhos, fazendo força para não gritar.

Tudo acabou espantosamente depressa. A dor foi terrível durante alguns minutos, e ela achou que ia desmaiar, mas o alívio que sentiu a seguir foi tão grande que ela conseguiu controlar a fraqueza. Gareth limpou todo o pus, lavou com água fervida e finalmente aplicou um curativo. Ardeu demais, mas as mãos dele eram firmes e tão hábeis que ela pôde olhar o que ele estava fazendo sem sentir medo.

Apesar do pulso ainda estar doendo, não latejava mais e ela só se sentia muito fraca. A febre tinha abatido sua resistência e uma moleza invadia todo o seu corpo. Gareth prendeu o curativo e depois mandou que Thomas levasse tudo embora. O criado assentiu, sorrindo, estava contente porque Caroline ia ficar boa.

Depois que ele saiu, Gareth levantou-se de repente e disse: — Sugi­ro que passe o resto do dia na cama. Parece estar precisando disso. Acho que não dormiu direito essa noite, não é?

— Eu... eu agradeço muito pelo que você fez.

Gareth passou a mão pelo cabelo e Caroline viu que ele estava coberto de suor. O cabelo ficara mais escurecido e a camisa molhada debaixo dos braços e no peito. Ela levantou-se estonteada e estendeu a mão, tocando com os dedos o braço dele, sentindo os músculos tensos sob a fazenda da camisa.

— Gareth... — começou meio rouca, mas ele deu um passo atrás.

— Não toque em mim, Caroline — disse asperamente, e os olhos dela se entristeceram.

— Sinto muito — sussurrou, sem saber por que. — Eu só queria agradecer.

— Não há necessidade.

— Mas claro que há — ela insistiu. — Eu... eu fui tola. Eu acho que é porque não queria ficar devendo... nada... a você.

— Você não me deve nada!

Ela deu um passo na direção dele.

— Mas sei que devo. — Passou os dedos pela camisa, tentada a desabotoá-la para sentir a pele quente.

— É claro, por causa disso... — indicou as manchas de suor.

— É claro que você passou por uma enorme tensão. — Fez uma pausa, olhando para ele, notando um nervo saltando em seu maxilar.

— Foi tão ruim assim tocar em mim?

— Acho que isto está indo longe demais, Caroline — resmungou ele, as mãos apertadas ao lado do corpo. — É melhor você ir se deitar. Vou dar um jeito de mandar recado para que Lucas venha vê-la assim que voltar de Luanga.

Os olhos de Caroline passaram por ele vagarosamente.

— E como é que vai fazer isso? — perguntou provocando. — Vai falar com Sandra? — Virou a cabeça para um lado. — É verdade? Você está mesmo atraído por ela?

Não sabia porque tinha dito aquilo. Talvez a situação por que aca­bara de passar soltara sua língua, mas ela viu o rosto dele se escure­cer com suas palavras.

— Não vá muito longe, Caroline — disse selvagemente. — Existem limites para minha resistência e estou quase chegando lá. Estou con­tente que o que fiz ajudou você. E é só isso, quanto a mim. Nem pretendo satisfazer sua curiosidade sobre minhas relações com Sandra, a não ser para dizer que ela é uma pessoa muito mais afetuosa que você!

— Você fala por experiência própria, suponho — comentou sar­cástica, odiando-o por conseguir feri-la ainda com tanta facilidade.

— Se você quiser pensar assim...

— É claro. Ela é uma garota do tipo caseiro, não é? Exatamente como você gosta! — Caroline não era uma pessoa vingativa, mas ela o tinha acertado no ponto fraco.

Ele lançou-lhe um olhar de desprezo.

— Oh, sim, garanto que San­dra não é sofisticada. Mas também não é nenhum monstro. Ela não é bonita como você, nem tem seu jeito para se vestir. Mas tem calor e sinceridade, e não julga seus amigos pelo valor do saldo no banco.

— Que coisa suja para me dizer! — gritou Caroline indignada e levantou a mão sã para dar-lhe uma bofetada, num gesto impulsivo de raiva.

Mas ele segurou seu pulso com toda a facilidade, impedindo que ela o alcançasse, apertando-o com força, sem largar.

— Acho melhor não fazer isso — comentou friamente e os lábios dela tremeram. — Tanta dignidade ultrajada não combina com alguém com a sua moral! — disse ele.

— Você não sabe nada sobre minha moral e você também não é homem de ter muitos escrúpulos!

— O que está querendo dizer? — apertou seu braço mais ainda.

— Não acredito que esteja assim tão indiferente em relação a mim, como quer parecer — gritou Caroline. — As coisas que eu disse e que eu fiz não iriam incomodar você, se fosse tão insensível como quer fingir. — Apertou os olhos. — Gostaria de saber o que faria se eu resolvesse... exigir algo de você...

Gareth então empurrou-a com tanta força que ela teve que se segurar na guarda da cama para não cair.

— Estou aconselhando a que não faça nada, Caroline — gritou furioso e antes que ela pudesse responder alguma coisa, saiu rapida­mente do quarto.

 



  

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