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CAPITULO III



CAPITULO III

 

Caroline dormiu mal. Virou e revirou o corpo, às vezes batendo com os pés na grade de ferro do pé da cama. Acordou assustada às seis e meia com uma gritaria no quarto das crianças. Ainda meio sonolenta, pulou da cama e vestiu o robe xadrez que estava em cima da cômoda. O quarto das crianças era bem do outro lado do corredor, mas mesmo assim podia ouvir os gritos de Miranda e os berros entu­siasmados de David.

Imaginando como é que Charles e Elizabeth podiam dormir com tamanho barulho, empurrou a porta do quarto das crianças. Miranda estava trêmula em um canto, enquanto seu irmão pulava excitado em cima da cama.

— O que é que está havendo aqui? — indagou Caroline. Mas mesmo antes de falar viu o que era que estava amedrontando tanto a menina. Bem no meio do caminho entre ela e a cama estava um lagarto, de uns vinte centímetros de comprimento, com estranhos olhos saltados.

Miranda tinha parado de gritar quando Caroline entrou e apontou um dedo trêmulo para o animal.

— É... é um dragão! — anunciou com voz estremecida. — Um filhote de dragão. E... logo a mãe dele vem aqui buscar ele!

Caroline olhou para David de modo impaciente.

— Oh, é verdade? — comentou. — Imagino que foi seu irmão que falou isso, não?

Miranda começou a assentir com a cabeça, mas David interrompeu indignado.

— Não, eu não disse. Só falei que, bem, podia ser um dragão...

— Mas você sabia que não era — retrucou Caroline, virando-se para ele. — Não sabia?

David encolheu os ombros.

— Como é que eu posso saber?

Caroline ficou olhando para o bicho com um pouco de nojo.

— Bem, Miranda, não é um dragão. Nem é filhote nenhum. É um lagarto, só isso. Um inofensivo e amedrontado lagarto, que não pode entender o porque de toda essa gritaria. Não vê como o corpo dele está tre­mendo? É porque está com medo, com mais medo de vocês do que vocês dele.

Miranda chegou perto, os olhos colados no animal. Então olhou para Caroline.

— Mas o que ele está fazendo aqui? Como é que ele entrou?

David pareceu querer dizer alguma coisa, mas pensou melhor e ficou quieto ao notar o olhar severo de Caroline. A própria Caroline estava aflita, procurando uma explicação satisfatória, mas todas que conseguia invariavelmente deixavam aberta a oportunidade para Mi­randa perguntar se iria acontecer outra vez. Por fim, resolveu falar a verdade, de um modo que não assustasse ainda mais a menina.

— Bem — começou com cuidado —, imagino que o sr. lagarto estava dando seu passeio matinal quando de repente percebeu que estava passando por este quarto. Então você começou a berrar e David começou a gritar, e o pobre sr. lagarto pensou: Meu Deus, deve estar acontecendo alguma coisa muito terrível aqui. É melhor eu não ir em frente, de repente fico envolvido na coisa toda.

Miranda franziu a testa.

— Você quer dizer que ele passa por aqui sempre?

Caroline umedeceu os lábios.

— Bem... quer dizer, sim e não! — Parou, notando que David olhava para ela com atenção. — Acho que às vezes ele passa por aqui e, às vezes, vai por algum outro cami­nho, mas justo hoje resolveu passar pela casa dos Lacey.

Miranda, de repente, gritou outra vez, enquanto o lagarto, clara­mente cansado de esperar, correu rápido até a janela, subiu pela parede e passou pela veneziana. Até mesmo Caroline não podia escon­der completamente a vontade de sair correndo, mas, pelo menos agora, o lagarto tinha ido embora, deixando a atmosfera mais calma.

— Olhem só! — disse com toda a calma que conseguiu juntar. — Foi embora, e acho que depois do espetáculo de hoje, duvido muito que volte para estes lados.

Miranda soltou um suspiro de alívio e David sentou-se de pernas cruzadas em cima da cama, olhando para ela enquanto andava com cuidado pelo linóleo.

— Fico feliz porque não tenho medo de lagartos — comentou convencido. — Imagino que existam milhões deles por aqui...

— David! — A voz de Caroline soou severa. — Não vou querer que você fique assustando sua irmãzinha desse jeito! Agora vou fazer um pouco de chá. Se vocês também quiserem, podem vir. Mas vistam os roupões e, por favor, fiquem quietos! Não quero que acordem seus pais.

— Oh, o papai já foi — comentou David despreocupado. — Saiu faz uma meia hora.

Caroline franziu a testa.

— Saiu? Para onde?

— Ele disse que ia trabalhar. Veio dizer até logo para nós. Aqui eles começam a trabalhar muito cedo, porque mais tarde fica ter­rivelmente quente.

Isso fazia sentido. Caroline assentiu.

— Bem, então não acordem sua mãe — aconselhou.

— Imagino que Miranda já fez isso — replicou David muito segu­ro de si, e Caroline olhou-o de maneira exasperada, antes de se virar e seguir pelo corredor até a cozinha.

Encheu a chaleira de água da torneira que, segundo Charles expli­cara na noite passada, estava ligada a uma caixa d'água do lado de fora. Quando a caixa ficava vazia, tinha que ser enchida manualmente com a água de um córrego próximo. Quando chovia, também se recolhia água em barris. Mexendo na cozinha, Caroline sentiu-se mais animada. Apesar de não ter dormido direito, as coisas pareciam muito melhores agora pela manhã. Era tudo uma aventura, e, apesar de sua atitude da véspera, o fato de saber que Gareth se encontrava a apenas alguns quilômetros de distância a deixava eufórica.

Enquanto a chaleira fervia, deu uma boa olhada no vilarejo de La Vache. Das janelas da cozinha, não se via nada de muito interes­sante além de um pedaço de gramado amarelado e um trecho de mata rala e uma montanha azulada ao longe. Mas da janela da sala se via o gramado da frente da casa e depois a estrada de terra batida.

A vila era muito maior do que Caroline achara na véspera, com talvez uns doze bangalôs iguais ao dos Lacey, construídos a intervalos regulares ao lado da estrada. Parecia estranho encontrar fogueiras queimando na vila africana, quando o sol já estava alto. No jardim da casa em frente, uma árvore alta estava carregada de exóticas flores laranja, que lembravam o sol forte do meio-dia. Um movimento perto da árvore fez com que notasse um macaquinho de pescoço branco, e um sorriso aflorou nos lábios de Caroline. A beleza, que ela tanto procurara em Ashenghi e não conseguira encontrar, estava ali, para quem quisesse ver. Só a lembrança do chá fez com que voltasse à realidade.

Quando David e Miranda apareceram, Caroline já estava a caminho do quarto de Elisabeth com uma bandeja de chá. Fazendo o menor barulho possível, abriu a porta, mas viu que a moça já estava acordada.

Elizabeth estava deitada de costas, o mosquiteiro empurrado para um lado, olhando pensativa para o forro cheio de sujeira de insetos. Quando Caroline entrou, desviou os olhos e os abriu mais, apreciando a bandeja de chá. Levantando-se nos travesseiros, deu um tapinha na cama a seu lado e Caroline se aproximou, colocando a bandeja ali e servindo chá para as duas.

David e Miranda esperavam perto da porta. Sabiam muito bem que era preferível verificar em que estado de espírito se encontrava a mãe, antes de virem pular em sua cama, e, apesar de ela estar to­mando o chá com evidente prazer, não parecia muito feliz.

— Charles já foi embora — comentou sem necessidade. — Deve ter acordado também as crianças antes de sair, pois comecei a ouvir uma barulheira vinda de lá desde então.

Caroline olhou para as crianças, ainda esperando perto da porta, e ficou com pena deles. Teve vontade de perguntar por que Elizabeth não tinha ido ver o que era, se ouvira Miranda gritar. Mas preferiu não criar mais atrito, explicando:

— Um lagarto assustou Miranda, só isso. Fugiu quando entrei no quarto.

Elizabeth olhou meio assustada pelo quarto, como se esperasse que o bicho aparecesse por ali. Depois olhou para os filhos.

— Bem, entrem, se querem entrar! — gritou irritada. — Vocês sabem que não agüento gente que não sabe o que quer!

Miranda foi chegando perto devagar. — Era um lagarto grande, mamãe — começou, e depois interrompeu quando David deu um risinho zombeteiro.

— Era nada! — declarou David. — Era um bichinho inofensivo. Caroline é quem disse.

— Bem, já chega de lagartos — disse Elizabeth secamente. — Miranda ficou com medo. Mas agora já passou.

— Eu fiquei com muito medo — continuou Miranda, obviamente pretendendo tirar o máximo de atenção sobre o incidente, mas Eliza­beth já não estava escutando.

— Charles disse que vai voltar assim que puder — estava expli­cando para Caroline. — E enquanto isso, devemos ir tomando café e dando uma olhada nos arredores. — Estremeceu. — Só que não sei o que ele imagina que possamos olhar.

— Oh, mas há muita coisa para ver — replicou Caroline, tentando entusiasmá-la. — Está uma linda manhã e eu vi uma árvore maravi­lhosa no jardim em frente.

— Que excitante! — Elizabeth falou sarcástica. — Caroline, estou começando a pensar que fui uma tola em ter vindo para cá! Quero dizer, lá na Inglaterra tudo parecia tão fácil, quase como umas férias. Que tipo de férias alguém pode ter, se não há água quente para se tomar banho, um criado que não entende nada de cozinha e o menor sinal de civilização!

— Tente encarar isso tudo como uma aventura — disse Caroline.

— Senão, que graça há em vir para a África e querer viver como na Inglaterra? Não há nenhuma! Não são parecidas, nem no clima nem na vegetação, e menos ainda na cultura. Você tem que aprovei­tar o que existe e tirar o melhor partido disso. — Suspirou. — Oh, sei que estou parecendo tola, mas honestamente, Elizabeth, existem outras coisas na vida, além de água quente e comida bem preparada!

Os lábios de Elizabeth contorceram-se.

— Que pena que não seja você a esposa de Charles — comentou. — A batalha estaria ganha sem que um tiro fosse disparado!

Caroline baixou a cabeça.

— Por que é que tem que haver uma batalha, Elizabeth? Céus, Charles trabalha aqui porque precisa, porque é esse o meio de prover a subsistência de vocês. Pelo menos você pode tentar ver as coisas pelo lado dele. Como é que você se sentiria se Charles tivesse ido de férias para a Inglaterra e torcido o nariz à comida que você tivesse providenciado, indo zangado para a cama, como uma criança birrenta?

— Acho que você já falou demais, Caroline. — Elizabeth estava começando a ficar irritada e Caroline achou, que tinha passado do limite. Assim mesmo, alguém tinha que fazer com que entendesse, ou então ela transformaria aquelas seis semanas em um inferno para todos.

— Estou só tentando fazer com que você veja o lado dele, Eliza­beth — disse baixinho.

Elizabeth olhou para ela e seu rosto se suavizou.

— Oh, sim. Acho que está mesmo — concordou por fim. — Mas não sou como você, Caroline. Não agüento muito calor ou desconforto físico. Caio em pedaços. Meus nervos não agüentam.

— Todos nós podíamos ficar um pouco assim — observou Caro­line. — Você não acha que vai ser fácil para alguém, não é? Não. É só que... bem, pelo menos fique de mente aberta. Não tire con­clusões precipitadas. Acho que você vai encontrar compensações. — Hesitou. — É claro que é bom estar novamente com Charles, não?

Elizabeth sorriu levemente.

— Oh, sim. Acho que isso é verdade. Está bem, Caroline. Vou tentar esconder um pouco meus sentimentos, mas não espere milagres.

— Não vou esperar!

Após ter levado a bandeja para a cozinha, lavado o rosto na água escura do jarro e vestido uma blusa vermelha e shorts azuis, Thomas chegou para aprontar o café. Cumprimentou Caroline com seu bom humor usual, obviamente se deliciando com a visão das longas pernas da moça.

Caroline foi arrumar as crianças. Enquanto elas se lavavam e esco­vavam os dentes, aproveitou para arranjar as roupas das duas dentro de uma cômoda parecida com a que havia em seu quarto. Depois tam­bém vestiram camisetas e shorts, pois qualquer roupa a mais seria exagero naquele clima.

O café consistia em pãezinhos quentes, frutas e café propriamente dito, como o da primeira manhã em Ashenghi. Elizabeth tinha se juntado a eles, ainda de robe, e pareceu gostar da refeição simples. Tomou diversas xícaras de café junto com o cigarro que sempre fuma­va a essa hora, e ficou mais inclinada a ser gentil depois disso. Entre­tanto, quando Caroline sugeriu que podiam todos dar uma volta mais tarde, ela meneou a cabeça.

— Não eu, querida. Ainda não me vesti. Mas vão vocês três. Eu fico bem aqui. Vou perguntar a Thomas se posso tomar um banho de chuveiro, depois vou dar uma volta pelos arredores antes que Charles volte. Acho que vou até supervisionar o almoço.

Caroline virou-se para as crianças, que olhavam para ela com ex­pectativa e concordou.

— Está bem, então vamos. Talvez seja até bom, no caso de Charles chegar enquanto estivermos fora.

Algum tempo depois, andando pelo caminho de terra batida que passava entre as casas dos europeus e ia até a vila do pessoal africano, Caroline ficou contente por ter saído. Apesar de já estar quente, o sol ainda não queimava como no meio do dia. Havia uma névoa adiante deles que tremia como uma coisa viva, borrando os contornos das coisas e disfarçando um pouco os aspectos mais rudes do acam­pamento. Conseguia esconder a imensa pobreza dos casebres de barro que se esparramavam atrás dos bangalôs, a magreza esquelética das poucas cabeças de gado que paravam para olhá-los com olhos tristes e a desagradável ausência de água e de esgotos.

Ainda assim, as próprias pessoas pareciam saudáveis e felizes. Os be­bês, que corriam nuzinhos para as mães com a aproximação de Caroline e as crianças, eram gordinhos e tinham olhos brilhantes e inquisitivos. Notava-se a ausência de homens, a não ser alguns velhos sentados de pernas cruzadas perto das fogueiras, fumando cachimbos e conversando sem parar.

Caroline achou que todos os homens saudáveis deveriam estar tra­balhando na mina ou no campo. As mulheres olhavam para eles sem interesse, mas Caroline não estava disposta a ficar por ali. Tinha a impressão de estar incomodando e, apesar do protesto das crianças, resolveu voltar para casa.

Estavam mais ou menos na metade do caminho de volta quando um enorme carro americano veio vindo pela estrada e parou ao lado deles. Um homem pôs a cabeça para fora. Era moreno, forte, atraente, e sorriu cumprimentando. Caroline ficou tensa. Será que ia ser abor­dada nesse fim de mundo?

Entretanto, para sua surpresa, o homem sabia o nome de cada um.

— Olá! — chamou —, você parece jovem demais para ser a mãe das crianças, então deve ser a srta. Ashford, não é? E aqueles são David e Miranda.

Caroline deu alguns passos à frente, segurando a mão das crianças com firmeza.

— Sim. Sou Caroline Ashford. Mas acho que...

— Eu sei. — O homem abriu a porta e saiu do carro, revelando ser apenas um pouco mais alto que Caroline. — Você está natural­mente imaginando quem eu seja. Bem, deixe que eu me apresente. Sou Nicolas Freeleng. Gareth talvez tenha mencionado meu nome.

À menção do nome de Gareth, uma onda de sangue quente subiu ao rosto de Caroline. Mas é claro que o nome era familiar. Charles não trabalhava para a Companhia de Cobre Freeleng?

Deixando que o homem lhe apertasse a mão, Caroline conseguiu assentir com a cabeça e dizer: — Sim, lembro-me do seu nome, sr. Freeleng. Como vai?

— Muito bem, obrigado. — Largou da mão dela com relutância.

— Acho que não preciso fazer a mesma pergunta a você. Parece ótima, se me permite dizê-lo.

O rubor de Caroline não desapareceu mesmo depois de apresentar as crianças. Inevitavelmente David tinha uma pergunta a fazer, e, pela primeira vez, ficou grata à curiosidade dele. Enquanto Nicolas Freeleng explicava ao menino o funcionamento dos diversos mostradores do painel do carro, ela teve oportunidade de analisá-lo.

Era bem jovem, muito mais do que ela imaginava, talvez tivesse uns trinta e nove ou quarenta anos, com ombros quadrados e um corpo forte. Usava calça e camisa caqui, e havia sinal de transpiração na superfície lisa da camisa.

Quando conseguiu se livrar da curiosidade de David, virou-se para Caroline e disse: — Talvez eu possa levá-los de volta ao bangalô, srta. Ashford. Na verdade eu estava indo para lá para ver a sra. Lacey, quando os encontrei. Ia convidá-los para jantar hoje comigo.

Caroline olhou de relance para as crianças.

— Acho que a sra. La­cey gostará muito, sr. Freeleng — replicou. — Entretanto espero que entenda que eu não posso aceitar o convite.

— Por que não? — Nicolas levantou as sobrancelhas.

— Bem, porque eu estou aqui para cuidar das crianças...

— Se for necessário, as crianças também virão — declarou Nicolas com um tom de arrogância na voz. — Insisto para que venha também, srta. Ashford. Nós aqui dependemos demais uns dos outros.

— Não é uma questão de não querer ir, sr. Freeleng...

— Não? Então vai vir? — Sorriu de repente. — Mas estamos per­dendo tempo. Vamos, entre no carro. Vamos ver a sra. Lacey. Tenho certeza de que ela vai concordar comigo.

Elizabeth não estava presente quando chegaram, e, pedindo licença, Caroline deixou Nicolas com as crianças e foi procurá-la. Podia escutar Thomas cantando na cozinha enquanto passava pelo corredor. Onde estava Elizabeth? Por que não tinha aparecido ao escutá-los chegar?

Bateu na porta do quarto quase por obrigação, e ficou mais preocupada quando ouviu Elizabeth dizer: — Vá embora! Não quero nada! — numa voz áspera.

— Sou eu, Caroline, Elizabeth! Posso entrar?

— Oh, Caroline! Sim, sim, entre. Pensei que fosse o idiota do Thomas.

Caroline abriu a porta e entrou. Ficou olhando com espanto para Elizabeth, que ainda vestia robe e não tinha penteado o cabelo.

— Ora, Elizabeth! — exclamou. — Por que não está vestida? Pensei que já tivesse tomado um banho!

Obviamente, não devia ter dito isto. Elizabeth se atirou novamente na cama e olhou zangada para Caroline.

— E eu ia — falou dramati­camente —, é eu ia! Você pode perguntar por que não fui! Eu conto! Aquele idiota do Thomas passou meia hora enchendo o tanque para que eu pudesse usar o chuveiro, mas não me explicou como funcionava a coisa toda. Claro, puxei a tal válvula e a água veio toda de uma vez em cima de mim, e lá estava eu, molhada, mas suja. Eu pedi que enchesse novamente o tanque, mas ele disse que tinha outras coisas para fazer antes que o patrão chegasse em casa, e por isso eu teria que esperar.

Toda esta declaração foi feita com ênfase, e quando Elizabeth ter­minou, jogou-se novamente na cama como se estivesse esgotada.

— E então? — acrescentou. — Gostaram do passeio? Caroline controlou-se.

— É por isso que estou aqui. Você tem uma visita.

— Uma visita? — Elizabeth deu um pulo. — Por que não disse logo? Quem é?

— Você não me deu chance de dizer nada — explicou paciente­mente Caroline. — Na verdade é Nicolas Freeleng.

— Nicolas Freeleng! — A mudança em Elizabeth foi espantosa. — O patrão de Charles?

— Bem, se ele trabalha para Nicolas Freeleng, então acho que é ele mesmo.

— Céus! — Elizabeth puxava o cabelo desesperada. — Oh, Caro­line querida! Ajude-me! Ajude-me, por favor. Você não pode ir lá e dizer que ainda não me arrumei?

— Está bem. — Caroline olhou em volta. — O que você quer que eu faça?

Elizabeth começou colocando água em uma bacia exatamente igual a que havia no quarto de Caroline. Apontou a mão na direção da mala que havia sido aberta na noite anterior mas que permanecia praticamente intacta.

— Encontre alguma coisa para eu vestir, querida. Qualquer coisa serve. Aquele de linho verde, esse mesmo. Desabotoe para mim, sim, amorzinho? Preciso me pintar um pouco.

— Eu nem liguei para isso — comentou Caroline, automaticamente tirando as coisas da mala e colocando-as dobradas nas gavetas da cômoda. — Você vai ver que o calor vai derreter tudo em questão de minutos.

Elizabeth fez uma careta.

— Minha pele não é tão jovem quanto a sua, Caroline.

— Você é só seis anos mais velha que eu, Elizabeth.

— Seis anos! Querida, quando você chega aos trinta, esses seis anos valem muito.

Elizabeth apareceu finalmente, pequena e delicada, no atraente ves­tido verde, fazendo com que Caroline reparasse mais do que nunca nas diferenças entre elas. Sentiu-se alta e desengonçada, só pernas e braços, totalmente inconsciente de que seu corpo era na verdade bem delineado e que ela possuía uma elegância natural que Elizabeth nem sonhava em ter. Mesmo assim, ninguém imaginaria que apenas quin­ze minutos antes Elizabeth ainda estava desarrumada e descabelada, relutante em se vestir. Agora brilhava, o sorriso em evidência ao apertar a mão do chefe do marido e falar afetuosamente com as crianças.

— Peça a Thomas para fazer café, Caroline, sim? — sugeriu, depois das apresentações, e Caroline fez um movimento com a cabeça antes de fazer o que ela lhe pedia. Percebera que Elizabeth queria falar a sós com o visitante, e embora Caroline fosse tratada de igual para igual na maioria das ocasiões, desta vez Elizabeth quis mostrar sua autoridade.

Thomas sorriu ao receber as ordens, depois perguntou: — A sra. Lacey não quer mais tomar banho?

Caroline sacudiu a cabeça.

— Não, agora não.

Decidiu voltar para seu quarto a fim de acabar de arrumar suas coisas, e surpreendeu-se, quando alguns minutos depois, Miranda apareceu procurando por ela.

— A mamãe está chamando você, Caroline — disse. — Pode vir?

— Acho que sim. Thomas ainda não levou o café?

— Oh, sim. Mas ele trouxe três xícaras, e o sr. Freeleng perguntou por você.

— Oh, sei. — Caroline ficou pensativa. — Está bem, já vou. De volta à sala, Nicolas levantou-se quando ela entrou, mas Elizabeth parecia deslocada. Depois de estender uma xícara para Caroline, disse: — O sr. Freeleng...

— Nicolas, por favor.

— Sim. — Elizabeth forçou um sorriso. — Bem, Nicolas convidou-nos para jantar com ele hoje à noite, e eu estava tentando explicar a ele que você naturalmente tinha que ficar para tomar conta das crianças, não é isso?

Caroline sentou-se na beirada de uma cadeira e Nicolas voltou para onde estava, no sofá.

— Claro — respondeu Caroline, tomando seu café.

— O sr. Freeleng disse que, se Caroline não podia ir ao jantar para ficar tomando conta da gente, então nós também podíamos ir — afirmou David, com sua falta de tato usual. — Nós podemos, não é, mamãe?

Elizabeth virou os olhos frios para Caroline.

— Imagino que o sr. Freeleng, isto é, Nicolas, estava somente sendo educado.

— Muito pelo contrário. — Agora era a vez de Nicolas. — Meu convite inclui todos vocês. Claro que seria inconcebível esperar que a srta. Ashford recusasse todos os convites enquanto está aqui, para tomar conta de David e Miranda. Tenho certeza que é possível arran­jarmos um jeito de resolver. Não tenho dúvida que Thomas poderia...

— Não pretendo deixar meus filhos sob os cuidados de um criado! — Elizabeth agora parecia bem aborrecida.

— E por que não? — David protestou. — Até que seria legal. Ele provavelmente sabe tudo sobre feitiçaria, magia negra e esse tipo de coisa! Ele pode até conhecer algum caçador de cabeça...

— Chega, David! — Elizabeth estava mesmo irritada.

Nicolas ergueu os ombros.

— Muito bem, se você prefere que uma européia tome conta das crianças, sugiro que me deixe entrar em contato com Lucas Macdonald. Ele é nosso médico, e a filha dele, San­dra, tenho certeza, gostaria de vir aqui para ficar com eles.

No silêncio que se seguiu, todos ouviram o ruído de um carro chegando. Logo a porta da casa se abriu e Charles entrou.

— Bem, olá, Nick — cumprimentou o outro alegremente. — Re­conheci logo aquele monstro parado lá fora. — Abaixou-se para beijar o rosto da esposa, e Caroline percebeu que pelo modo como ela se encolheu, o marido logo viu que estava acontecendo alguma coisa. — O que está havendo?

Nicolas levantou-se.

— Acabei de convidá-los para jantar comigo essa noite. Convidei mais uma ou duas pessoas. Achei que seria a melhor forma de darmos boas-vindas à sra. Lacey.

— Parece maravilhoso — disse Charles, e olhou na direção da esposa novamente. — O que você acha, Elizabeth?

Antes que Elizabeth pudesse fazer qualquer comentário, Nicolas continuou: — Infelizmente, parece estar havendo um pouco de difi­culdade para que a srta. Ashford também possa ir. Sua esposa está preocupada, pois não quer que as crianças fiquem com Thomas.

Charles tirou a cigarreira e ofereceu aos outros.

— Sei — disse.

Elizabeth olhou para ele com impaciência.

— Eu já expliquei que se Caroline veio conosco foi para tomar conta das crianças! — disse friamente.

Caroline colocou sua xícara no pires e também se levantou.

— E estou preparada para fazer isso mesmo — falou. — Não me incomodo...

— Ora, bobagens! — Charles aparentemente concordava com Ni­colas. — Se Nicolas convidou você também, então é claro que deve ir.

O rosto de Nicolas espelhou grande satisfação.

— Então! Eu sugeri que Sandra Macdonald ficasse com as crianças por esta noite.

— É claro, Sandra! — A expressão de Charles se abriu. — Sim, acho que ela aceitaria. Querida — virou-se para a esposa —, essa é uma boa idéia. Sandra é de confiança e muito capaz. Mora só com o pai, a alguns metros daqui. A mãe morreu e ela veio cuidar da casa para ele. É um amor de moça. Quantos anos você acha que ela tem, Nicolas? Vinte e cinco, vinte e seis?

— Mais ou menos isso — concordou Nicolas. — Então falo com ela ou você fala?

— Dou um jeito. — Charles estava tentando ignorar a falta de tato da esposa. — Agora, posso oferecer-lhe uma bebida, Nick? Café é bom, mas estou com vontade de algo mais forte.

Mas Nicolas mexeu a cabeça.

— Sinto muito, mas não posso ficar, meu amigo. Tenho que fazer outros convites. — Virou-se para Elizabeth e segurou-lhe a mão. — Até a noite, sra. Lacey. Espero que me desculpe por querer as coisas de meu jeito, mas pode ter certeza que qualquer preocupação com relação às crianças é desnecessária. Elas estarão em segurança.

Elizabeth forçou um sorriso.

— Até a noite, senhor, quero dizer, Nicolas.

Nicolas virou-se para Caroline.

— Então conseguimos que você também venha — disse, e somente ela pôde ver o ar maroto nos seus olhos escuros. — Vou esperar ansioso.

Charles o acompanhou até a porta, e Caroline hesitou apenas um momento antes de juntar as xícaras de café e colocadas na bandeja.

Nem se atrevia a olhar para Elizabeth, e não ficou surpresa quando esta mandou os filhos lavarem as mãos para o almoço. Então disse:

— Bem, posso dizer que você é bem atrevida, Caroline! Caroline suspirou e olhou para a outra com resignação.

— Eliza­beth, isso não foi idéia minha.

— Não, mas você nem protestou muito, não é? Deixou tudo em cima de mim. Eu me senti como uma matriarca moralista, proibindo um criado de tirar uma folga bem merecida!

— Oh, Elizabeth!

— E quando David disse que você tinha sugerido levá-los também...

— Eu não sugeri isso! — exclamou Caroline indignada. — Foi Nicolas quem disse!

— Oh, é verdade? — Elizabeth parecia cética. — E você está querendo dizer que nesses poucos minutos em que você o recebeu ele se encantou a tal ponto com você que insistiu para que fosse ao jantar, de qualquer maneira?

— Não fui eu quem o recebeu — retrucou Caroline com impa­ciência. — Ele veio junto conosco. Encontramos com ele no caminho e ele nos deu uma carona.

— O quê? — Elizabeth encarou-a espantada. — Você aceitou uma carona assim, desse jeito?

— Não, não foi assim! — Caroline estava se sentindo terrivel­mente embaraçada quando Charles entrou, esfregando as mãos.

— Bem, então está tudo combinado — comentou alegre, eviden­temente esperando que sua esposa já tivesse aceito a situação. — Vou falar com Sandra esta tarde.

— E se eu recusar? — disse Elizabeth levantando-se.

— O que você está querendo dizer? — perguntou Charles desanimado.

— Se eu recusar a deixar essa mulher estranha tomar conta de David e Miranda? O que vai acontecer então?

— Então você vai ter que ficar em casa e tomar conta deles você mesma, não é? — replicou o marido com calma e saiu da sala antes que ela pudesse dizer mais qualquer coisa.

Sandra Macdonald era uma moça atraente e alegre, com uma bela cabeleira castanha e um corpo curvilíneo. Apesar de Caroline ter conversado pouco com ela antes de saírem, ficou satisfeita em ver que a moça parecia alegre e que as crianças estavam gostando dela. Charles havia pedido que ela e o pai chegassem uma meia hora antes de eles saírem para a casa de Nicolas e aproveitou para servir umas bebidas para eles, enquanto Elizabeth acabava de se arrumar.

Caroline tinha escolhido um vestido turquesa, feito de fibra sinté­tica, com um decote redondo e mangas compridas. O talhe simples acentuava as curvas do seu corpo. Quando entrou na sala sentiu-se pouco à vontade e desejou ter insistido em ficar com as crianças. O que essas pessoas pensariam de uma babá que ia jantar com os patrões?

A conversa girava apenas sobre o clima na Inglaterra. Logo porém Elizabeth chegou e todos se dirigiram para o carro. Lucas Macdonald despediu-se, prometendo voltar dentro de alguns dias e Elizabeth deu algumas explicações de última hora para Sandra, antes de entrar no carro ao lado do marido. Apesar de David e Miranda já estarem na cama, Caroline viu duas pequenas figuras na sombra do vestíbulo, Olhando, enquanto eles iam embora.

Parecia que estava demorando muito para chegarem à casa de Nicolas Freeleng, e quando as luzes do vilarejo de La Vache sumiram atrás de algumas árvores, Caroline se debruçou para a frente e perguntou: — Para onde é que estamos indo?

Charles olhou por cima do ombro e sorriu para ela.

— Oh, Nick mora em Nyshasa, Caroline. Não contei para você? Espere até ver a casa dele. É um negócio, pode acreditar!

Caroline sentou-se para trás outra vez. Depois do calor do dia, era muito agradável sentir o frio do estofamento contra seu corpo. Mas o calor que estava sentindo nesse instante não tinha nada a ver com o clima. Gareth também vivia em Nyshasa. Ele mesmo tinha dito.

Uma onda de emoção percorreu-lhe o corpo. Tinha se controlado paia não pensar em Gareth durante o dia todo, mas agora não conse­guia mais. Tentou imaginar como iria conseguir vê-lo novamente, mas laivo/ não fosse tão difícil como imaginara.

Alcançaram Nyshasa depois de cruzarem uma ponte meio precária e muito alta sobre uma cachoeira que, segundo Charles, era uma beleza durante o dia.

— Assim que eu tenha algum tempo livre, vamos fazer um piquenique — disse Charles. — As crianças vão gostar, aposto. Pode-se até nadar. A água corre depressa e é muito clara e limpa.

O som da queda d'água ainda estava em seus ouvidos quando saí­ram da ponte e seguiram por uma estrada estreita que parecia seguir a margem do rio. Galhos baixos tocavam o teto do carro. Charles dirigia com cuidado, pois a estrada era ladeada por um barranco. Depois, para alívio de todos, a estrada subiu mais um pouco e viram luzes de uma casa por entre as árvores.

— Chegamos — disse Charles, ao entrarem em uma clareira, onde se via um belo sobrado pintado de branco, todo iluminado e com um pátio de pedra na frente. O som de música e conversas da varanda onde Nicolas servia aperitivos aos outros convidados chegava até eles. Charles parou o carro atrás de um jipe empoeirado.

Subindo por trás da casa via-se um lindo gramado e Caroline imaginou que a vista das janelas da frente da casa devia ser maravi­lhosa durante o dia.

Elizabeth também estava admirando a casa de Nicolas Freeleng, e isso fez com que a tensão que havia entre as duas desaparecesse. Quando o próprio Nicolas veio descendo as escadas para recebê-los, Elizabeth era novamente a jovem interessante por quem Charles se apaixonara.

— Fico tão contente por terem vindo — falou Nicolas, englobando todos eles nas boas-vindas. — Entrem e conheçam os outros convi­dados. Charles já os conhece, é claro.

Caroline seguiu Elizabeth e Nicolas degraus acima, ao lado de Charles. Achou bom que estivesse meio escuro, pois conseguiu escon­der o nervosismo. Apesar da pouca luz, ainda assim reconheceu o brilho do cabelo louro de Gareth.

 



  

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