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c. Vinte e sete meses após o início da análise, e quatro meses antes de



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Não há menção, no seu relato, de qualquer consciência de uma perda esquizofrênica do eu e do ambiente, nem sequer uma “consciência inconsciente”, O paciente sabe ainda menos do perigo que corre sua existência ao despertar docatastrófico sonho. Ele sente-se muito bem, e percebe só a possibilidade daaniquilação psicótica da sua identidade e doseu mundo.Apenas o médicoreconhece a essência do estado existencial do paciente. Só ele vêque o comportamentoonírico deste em relação a um inimigo externo do outro lado da fronteira suíça, emessência não tem significado diferente dasua atitude desperta emrelação a possibilidades “italianas” de existência. É de conhe cimento comumque o povo italiano se relaciona com seussemelhantes de modo muito mais emocional, quente e aberto do que os suíços em geral sãocapazes. Pode-se dizer, portanto, que opaciente está emguerra consigo mesmo na sua vida desperta,porque lhe foi ensinado a encararqualquer relaçãofísica, sensual, com os outros, comoalgo hostil e perigoso, até mesmo
noso.
O sonhar em questãoilustra especialmente bem a aplicaçãoterapêutica daabordagem fenomenológica, Eladeixa claro as diferenças no tratamentoDaseinsanalítico com pessoas neuróticas, de um lado, e pessoaspsicoticamente perturbadas, de outro. A primeiraparte dosonho poderia ter vindo facilmente de um “mero” neurótico, ao passo queexperiências tais como as contidas na última parte ocorrem exclusivamente empessoas que sofrem, nassuas vidas despertas, de esquizofrenia. Conseqüentemente, limitaremos nossadiscussão demodo a incluir somente a primeira parte do sonho, Tivesse o paciente sido um mero neurótico, poderia ter-lhe sido feita aseguinte pergunta: “Agora que vocêestá desperto, quem sabe conseguever mais do que foicapaz ao sonhar, como por exemplo..3”Então o pacientepoderia imediatamente ser dado a perceber o insight domédico a respeito das possibilidadesexistenciais comportamentais que se achavam emguerra.
Mas uma vez que o paciente era ewfrênico,foi necessárioutilizar o sonhar comoalgo que pudesse ajudá-lo aevitar relacionamentosinterpessoais abertamentexigentes. Por exemplo, ele teve que serdissuadido vigorosamente de seenvolver profundamente numa relação amorosa com uma certa mulher. Foi exortado a sesatisfazer com uma amizade masculina dura- doura-Apenas nas raras ocasiões em que o analista seachasse preparado para assumir responsabilidade médica total sobre o psicóticopor um período de muitos anos,guiando-o atras de todos os subseqüentes surtos,seria permissívelque ele aplicasse a abordagem fenomenológica exatamente como o faria nocaso de um mero neurótico. De outra-maneira, a abordagem mais audaz poderia facilmente piorar a vida desperta do psicótico, em vez de tornáda melhor.Uma terapiaDaseinsanalítica persistente, entrementes,produziria algo mais do que simplesmente uma remissão espontânea, até mesmo nocaso de um pacienteesquizofrênico. Pois esses períodos de remissãonada

mais são doque tentativas bem sucedidas de estabelecer limites em tomo de problemas existenciais, Eles não levam a uniautilização mais livre das maneiras de viver inerentes,porém aindanão percebidas.

NOTAS

1. M. Boss, Der traum und reineAuslegung. ICindler Verbg, Munchen, 1974,

p. 100.

2. S. Freud. Gesammelte Werke, Vol.11/111, Londres: Imago Publishing Co., 1942, p, 132.0grifo é meu. 3. V.discussão noCapítulo 5 do presente volume e M. Bose Existencial funda. ments ofmedicine and prychology. Nova York: JasonAronson mc., 1977. 4. 8. Freud, Gesamnzelte Werke. VoL XI. Londres: ImagoPublishing Co., 1940, p. 62. 5. M. Boss.Grundriss der Medizin und der Psychologie, Bem: 1975. 6. Para a exploração terapêutica de umsonho similar, consultar o relato de umneurótico seriamente perturbado no presentevolume. 7, V.Capítulo 3desta obra. 8. V, M.Boss. Grundriss der Mediamund der Psychologie, Op. Cit. pp. 542, 9, V. Capítulo 1 desta obra. 10. V.Capítulo 1 desta obra. 11. V. Capitulo 2 desta obra. 12. M, Boss. Ibid.lbid, p. 571. 13. M.Boss. Grundriss der Mediam und der Psychologie. Bem, 1975, p.253. 14. S. Freud. Gesammelte Werke. VoLXII. Londres: Imago Publ. Co., 1947. p.54. 15, M. Bos&Der flaum und reine Auslegung. Op.Cit. p. 35 16. V,Capítulo 2 desta obra. 17. V.Capítulo sobre “coiporeidade”— “bodmness” — M.Boss, Existencial Fundainentr of maiicine and psychology. Op. Cit.Nova York: JasonAronson, 1977. 18. M.Boss. Op. Clt. p. 163. TheÁnalyris of Dreams. Trad. p/inglês por PomeransPhilosophical Library, Nova York. 1958, p. 163.

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CAPÍTULO 3

A TRANSFORMAÇÃO DO SER-NO-MUNDO
ONÍRICO DE PACIENTES, NO DECORRER
DA TERAPIA DASEINSANALITICA, EM SUA CONCRETIZAÇÃO ÔNTICA

 


Exemplo 1: Séiie deseqüências oníricas relatadasno Início detrata-

mento por uma mulher de vinte e seis anos, nEo-casada,

estudante de medicina.

a. Três meses após o início da análise:

Na noite passada eu tive um estranho sonho “duplo”. No meu sonho eu acordeicom uma sensação esquisita, como se a minha boca estivesse cheia de grãos. Eu cuspi alguns deles, e fuificando aterrozizada aodescobrir quenão eram grãos, mas que os meus próprios dentestinham apodrecido e caído. Esse pavor mefez despertar realmente, totalmente. Tive que me certificar que oque eu tinhasonhado não era mesmo verdade. Felizmente nãoera.

b. Dezoito meses após o início da análise:

Nós — a minhafamília, parentes e amigos — estamos saindo da igra onde tinha acabado deocorrer a cerimônia do meu crisma. Entramos no Hotel Swan queficava
nas proximidades, e encontramos a habitual refeição da cerimónia. Quando estou
prestes a morder um pedaço de pão, noto que todos os meus dentes incisivos estio
faltando. Tudo que resta deles são buracos profundos cercados de protuberincias pretas-e-azuis. Só então eu me lembro que tenho ido ao dentista. Eu me consolo com a promessa do dentista de que quando ele acabar o serviço, todo mundo pensará que os meus novos dentes postiços são reais.

c. Vinte e sete meses após o início da análise, e quatro meses antes de

ser concluída com êxito.

Eu estou me olhando no espelhopara examinar os meus dentes. Nosonho eu acredito quevenho perdendo um dente de leitedepois do outro durante osúltimos meses. Fico exultante dever noespelho que emmuitos dos vãos já apareceram aspontas de

 


dentes novos, maiores, mais fortes. Ainda outros vãos já contEm dentes mais poderosos, bem desenvolvidos.
Freud estava convencido deque a perda de dentes em sonhos deveria ser “interpretada” como um “símbolo masturbatório”, simplesmente porque no dialeto vienense de seus pacientes, afrase “arrancar fora”(einen ausveissen)era reservada para descrever aprática do onanismo. Todavia, pessoas do mundointeiro, cas línguas não fazem tal jogo idiomático com o onanismo, eque durante otempo todo emque se encontram justamente noprocesso deamadurecer através da terapia,continua tendo sonhos de perda de dentes. Combase nesta evidênciaapenas, a “interpretação simbólica” freudiana detais sonhos não mais deveria ser levada a sério.
O ponto de vista fenomenológico prefere em vez dissoidentificar a qualidade essencialdos denteshumanos e dasua perda potencial. Isso significadescobrir o como e o que das coisas; a significância inerente e profunda que as torna aquilo queelas são. A verdadeiranatureza da fisicalidade humana, dacorporeidade humana, só pode ser adequadamentecompreendida como. imediatamentepertencente à existência humana, comoconstituindo uma esferafundamental do Ser-no-mundo;este, como jáinsinuamos, consiste em nada mais nada menos do que a soma total dopotencial inato da pessoapara perceber eresponder aos significados dos entes que se lhe deparam no campo aberto doseu mundo. Nasua essência, a fisicaildade é o campo da existênciahumana que é perceptívelaos sentidos,submetido parciaimente a medições, e, portanto,muitas vezes confundido com objetos ou orgsnfrmos puramente f(sicos que podemser encontrados emlocalizações específicas noespaço.
Porém acorporeidade hunnnn não éapenas mais um objeto materialmente presente, existindo da mesma maneira que outrosobjetos inanimados, materiais. Aocontrário, todos os fenômenoscorporais oufísicos do ser humanonada mais são doque a esfera corporal ou física da relação com omundo com qual o ser humanoexiste num dado momento.Qualquer tentativa de entender anatureza de um fenômeno humanofísico deve, portanto, principiar com a busca darelação específica na qual a existência humana em questãoacha-se presentemente existindo enquanto Ser-no-mundo. Todos os fenômenosfísicos seriam então vistos simplesmente como campos desta relação com o mundo. Os dentes servem a uru campo muito específico darelação do homem com o mundo, ou seja, o campo associado com apoderar-se, agarrar, capturar, assimilar e ganhar domínio sobre as coisas. Realmente, serão muito pouco compreendidos se forem considerados apenas como mais um conjunto de objetos físicos. Na verdade eles estão participando da “corporalização” das nossas relações de apropriar aquilo que podemos comerem nosso meio ambiente humano. Pode-se dizer também que

elesconstituem a esfera corporal desta possibilidade derelações de apropriar-se.
Com a percepção adequada da natureza da corporeidade humana, o terapeuta pode adquirir uma compreensão muito mais profunda de qualquer “sonho de dentes”. É óbvio que esta percepção mais profunda afeta a terapia de modo favorável.
Em relação ao primeiro sonhar da mulher no Exemplo 1, a abordagem fenomenológica apresenta as seguintes sugestões àsonhadora desperta:
a. “Não seria possível que agora você esteja enxergando muito mais longe do que enxergava ao sonhar? Não lhe ocorre que você seja uma
sonhadora até mesmo na sua vida desperta, exatamente como no sonhar? Você ainda precisa ser adequadamente acordada, tal como aconteceu no seusonhar?”
b. “Talvez você possa reconhecer que não são apenas osseus dentes físicosque estão sendo devastados, como em sonho, mas quea sua inteirarelação existencial com o mundo ao qual pertencem os dentes estão num estado de sublevação? Estou me referindo ao potencial de apropriar aIacoisa,detraz.ê-laparasoboseudomínioden xodoaassiniilá4a-eis-
to não se aplica somente ànutrição material. Existe uma outra maneira de agarrar as coisas apreendendo-as conceitualmente antes de “assimilá-las” na nossa compreensão do mundo. Quem sabe você tenha começado a suspeitar que no cumo dos seus poucos mesesde análise a sua maneira anterior de aprender as coisas, o modo pelo qual você chegava a um acordo com o seu ‘mundo’, não está funcionando? Será possível que a sua‘visão do mundo’ antiga tenha caído por terra?”
c. “Agora que você esta acordada, sente alguma coisa parecida com o pânico quesentiu com a perda dos seus dentes em sonho? Se você
sente algo assim, consegue perceber que o pânico que você experiencia agora, àluz mais clara do seu estado desperto, resulta do colapso da sua relação anterior com o mundo, juntamente com a falta de uma maneira nova de li- dar com as coisas?”
Esta abordagem terapêutica evita mais uma vez as conclusões infundadas deoutras “interpretações de sonhos” existentes, uma vez que não presume que a “imagem onfrica” jácontinha desde o início alguma “consciência inconsciente” acerca dacompreensão mental, aqual algum entemisterioso supostamente existentedentro da mente da sonhadora decidiudisfarçar como a perda dos dentesem sonho.
Uma vez claro que os dentes nada mais são doque a esfera física diretada nossa relação de agarrar, entender o mundo, nãoconstitui surpresa nenhuma que pacientesregularmente sonhem com aperda de dentessempre

que o procedimento terapêutico tenha desafiado tanto a sua “visão do mim- do” neuroticamente prejudicada, de modo que esta esteja a ponto de ruir. Durante o sonhar, éclaro, a “visão” do paciente é tão limitada que ele vê o colapso da sua inteira relação existencial de agarrar, apropriar e entender o mundo, apenas como uma destruição da esfera material, corporal, sensorial- mente perceptível desta relação.
Os insights terapêuticos mais importantes que derivam do segundo sonho poderiam ser formulados nas seguintes perguntas:
a. “Em quemedida você ainda pensa em si próprio como uma menininha em idade de ser crismada, ainda sob as asas protetoras da sua
família?”
b. “Você ainda tem alguns dentes faltando neste segundo sonhar, em- bom em número muito menor do que no anterior. Porém, os dentes
que faltam são os mais apropriados para agarrar. Você desconfia que, mesmo acordada, a sua capacidade de agarrar e entender seja deficiente,num sentido muito mais amplo, “metafórico”? Até que ponto você considera deficiente o seu potencial comportamental de apropriar, agarrar, e entender as coisas do seu mundo?”
c. “Ocorre a você queno seu sonhar você é incapaz de melhorar a sua capacidade de morder e mastigar sozinha? Em vez disso, você espera
muito claramente que alguma outra pessoa, o dentista, a ude nisso. Você fica satisfeita em receber um conjunto de dentes falsos. Será que na sua vidadesperta existe algo bem similar às suas expectativas oníricas, só que de conseqüências muito mais amplas? Você perceberia, agora que está acordada, em que medida você espera quea análise seja um processo no qual você simplesmente possa ficar sentada esperando até seu analista terminar de implantar uma prótese que lhe permitautilizar plenamente a sua capacidade existencial inata de agarrar?”
Uma pergunta como esta última não pressupõe quea paciente tenha tido um sonho de “transferência”. Não há nada na pergunta quepossa sugerir que o dentista sonhado refira-se na verdade ao analista. A única ligação entre ambos, de fato, ocorre porque a análise desperta da paciente afinou a sua existência com a importância do seu tratamento médico. Esta afinação persistiu em sua existência onírica, embora esta última tenha se aberto apenas de modo que as recomendações puramente ficas de umdentista pudessem vir àtona e aparecer. Pois a sonhadora todavia ainda nãotinha olhos para captar a mudança a nível exIstencial, Imaterial”. Sonhando, ela não podia enxergar a correção da sua deficiência patológica que poderia ter lugar em seu estado desperto no decorrer da Daseinsanálise de suas possibilidades existenciais “imaterais”, inobjetificáveis.

No terceirosonho desta estudante demedicina, que tevelugar pouco tempo antes de sua Daseinsanálise serconcluída com êxito, o seupânico liiicial deu lugar ao oposto. Ela está cheia de alegria como crescimento de dentes novos e bonitos, mais fortes que os velhos.É certo que sonhando ela ainda é incapaz de perceber qualquer coisa além da mudança num campo material, sensorialmente perceptível, seus dentes. Todavia, o estado deste campo no sonhar acha-se muito melhorado em comparação com os dentes das suas experiências onfricas anteriores. Só depois de acordar ela podia perceber que o caráter alterado dos seus sonhos de dentes correspondiam a um amadurecimento da sua existência imaterial, do anterior desamparo de uma neurótica retraida compulsiva para a independência e vivacidade de uma mulher jovem ativa e empreendedora. Assim aliviada, ela conseguiu também prescindir da ajuda do analista sem sofrer quaisquer dores de afastamento.
De passagem, poderíamos ilustrar os perigos de se esquematizar cegamente a experiência onirica com o sonhar de uma perda de dentes que ocorreu a um menino de seis anos. Para sua grande alegria, ele sonhou que seus dois dentes de leite da frente tinham finalmente caído. Tratava-se de um menino que havia assistido com inveja seu irmão, uma ano mais velho, e sua irmã, um ano mais nova, adquirirem dentes permanentes. Ele havia importunado os pais pedindo que estes lhe dissessem se o seus próprios dentes não
poderiam ficar moles e balançar um pouco. Mas mesmo queeste comportamento desperto fosse desconhecido, o relato do sonho em si já seria evidência suficiente de que o meninonão percebia a perda de dentes como um prejuízo à sua capacidade de agarrar quer desperto ou dormindo. Ao contrário, a perda sonhada dos seus dentes de leite continha para ele uma inequívoca promessa de crescer, de alcançar o estado de maturidade dos seus irmãos. O que ele pode apenas desejar na sua vida desperta toma-se fato no sonhar. Não há no sonhar nenhum indício de desejo de algo distante, apenas a alegria por uma conquista presente. Portanto, não ocorre a realização de um desejo no sonhar.
Exemplo 2: Sonhar de um engenheiro de quarenta e um anos, numa posição de autoridade.
O diagnóstico psiquiátrico do paciente era narcisismo agudo,com uma deficiência séria na sua capacidadede amar, apesar do seualto desenvolvimento intelectual.Ele experiencia a vida como semsentido e constantemente sentecomo seestivesse existindo numespaço vao.
Primeiro sonhar:
Estou tranqüilamentedeitado numa praia. De início, eu sou só uma pessoa, mas

de repente há um outrohomem ali, deitado bem ao meu lado. Eu começo a acariciar os braços e as costas dele, Então noto, para meu grande espanto, que a pessoa que estou acariciando também sou eu. A coisa é que eu estava me sentindo muito próximo desse segundo homem.
A intensa autopaixio experienciadapor este homem no estado de sonhar não requer mais comentário nenhum. Indagado se alguma vez fizera algo semelhante desperto, eleconfessou que antes de ir dormir freqüentemente tinha grande prazer emafagar seus próprios braços. Noentanto, causava-
-lhe desgosto tocar a pele de uma mulher.
Segundo sonhar, duas semanas depois:
Nosonho eu noto que estou sendoassaltado. Enquanto um homem esvazia a minha casa, outro rouba o meu relógio de pulso, e eu não posso fazer nada para impedi os.Sonhos semelhantes a este, nos quais o paciente éassaltado, lhe ocorrem pelomenos duas vezes por semana. Em terapialhe foi perguntado: “Seda possível que apenas aquelesque não estão preparados para dar livremente de si, sintam que todo mundo que encontram rouba algo deles?” O pacienteresponde: “Sim, para mim as pessoas realmente são um fardo. Eunão estou interessado nelas, mas elas estio sempre tentando tirar alguma coisa demim, elas me são opressivas.”
Terceiro sonhar, um anodepois:
Eu estava na cama, prestes a adormecer, quando senti algo movendo-se nas minhas costas. Eutentei me livrar daquilo sacudindo o corpo, mas quanto mais me sacudia, mais- fone a coisa se agarrava a mia Então fInalmente percebi que era a minha mãe apegada a mim com um grande par de fórceps de ferro. Mas como ela estava nas minhas costas, eu não conseguia alcançá-la para tirá-la dali. Fiquei em pânico por não conseguir me livrar desta mãe agarrada.
Qüando o paciente foi notificado do poderoso laçomaternal evidenciado no seu sonhar, ele disse queoutras pessoas tinham lhe contado que quando garoto ele sempre fora “preso àsaia da mãe.” E então despejou uma estória depois da outra para documentar seu reladónamento posterior com eh,que era uma desgraça. E realmente, quando ele eramuito moço, ela adorava o cheiro doseu cabelo, porém mmca fora capaz de demonstrar afeição abertamente. Nada lhe teria dado mais prazer do que estrangular sua mãe com suas próprias mãos. Seu pai sempre fora mais caloroso e afetivo quesua mãe; mas, ao contrário desta,o crescimento intelectual dele havia sido interrompidocom pouca idade. Se eleera um ignorante deboa índole,isso não

era culpa sua. De outrolado, recordações de crueldade e surras freqüentes desua mãe continuavam até hoje a incomodar opaciente.
Do ponto devista terapêutico, o paciente deveria seraconselhado a refletir cuidadosamente a respeito da persistência desse laço materno, conforme elese evidenciara noseu sonhar da noite anterior. Noseu estado de sonho, ele pôdeperceber estaligação apenas naforma física de um fórceps,por meio doqual a mãe se agarrava àparte posterior do seu corpo. O terapeuta oestimulou:
Mas agora que você está acordado, procure entrar totalmente nesse sentimento que liga você à sua mãe, não simplesmente numa forma física grosseira, nias de modo existencial, global. Você está sempre se quebrando dela, é verdade, e gostaria de matá -la Mas será que haveria necessidade de urna atitude defensiva tão forte se você não tivesse uma “ligação deferro” comela, e se essa ligação fosse não com fórceps física de ferro, como nosonhar, e sim uma ligação “figurativa” dasua natureza total?
Quarto sonhar, seis semanas depois doterceiro sonhar:
Eu estou no ar, bem alto acimade um estádio defutebol, estacionário como se estivesse num helicóptero, Estouassistindo doistimes brigando lá embaixo, bem longe demim, Os jogadores estão tio longe que parecem boaecos emminiatura, como se euos estivesse vendo através deum binóculo virado ao contrário, Eu tento intervir na disputa atirando maçãs neles, Eunão estou certo se quero separar osdois tines, ouse torço panum dos lados. De qualquer modo, euerro o alvo delonge. Asminhas maçãs voam em todas as direções excetona direção em que estão as pessoas.
O sonholevou o analista a fazer ver ao paciente como este se achava alto no ar, muito longe e acima doalvoroço domovimento humano na superfícieda terra. Certamente eradigno de notaque aspessoas por ele percebidas ao sonhar estavam envolvidas numa batalha competitiva, em vez de seacharem numa relação afetiva, Mas o pontomais importante era a sua posta. ra de meroobservador acima dos seus semelhantes humanos, Como passar do tempo, elechegou a experienciar uma certa necessidade deintervir no jo. gohumano que se desenrolava abaixo. Os instrumentos queusou foram mmçãs,coisas vivas,ainda que frutas inanimadas Porém,suas tentativas deintervenção eram descoordenadas e eleerrava o alvo, fracassando emtentar atingir as outras pessoas. A primeira pergunta terapêutica sugerida pelaabordagem Daseinsanalítica seria mais oumenos a seguinte: “Se você realmente pensar no seucomportamento desperto emrelação aos outros, vocêconsegue se enxergar como o mero observador queera enquantosonhava, não só alguém quepercebe um jogo de futebol com sem cinco sentidos,mas alguém ci4ointeiro sistema derelações interpessoais adia-se subordinado a uma atitude deobservação distanciada?”
A segunda pergunta terapêutica: “O que você viu à distância no sonhar,

opticamente, foi umjogo de futebol isolado. Agora, conto indivíduo desperto você tem condições de ‘ver’ mais claramente, ou seja, o fato de que a única relação existencial concebível para você é uniacompetição interpessoal?”
A terceira pergunta terapêutica: “Você percebe, agora que está acordado, que não é só nos seus esforços em sonho, tentando atirar maçãs, que você fracassa em intervir nas atividades distantes dos seus semelhantes humanos, mas que todas as suas tentativas de alcançar as outras pessoas, inclusive as emocionais, estão fora de ritmo e são mal sucedidas?”
Quinto sonhar, um ano depois do quarto:
Eu estou deitado na cama, na essa dos meus pais,e tenho cerca de oito anos. Você,o meu analista, entra no meu quarto, senta-se na beirada da minha cama, e coloca o braço afetivamente nos meus ombros. Eu lhe digo como é bom este afeto paternal. Mas você diz: “É maternal.” Assim que ouço essa palavra dou um pulo como se tivesse sido picado por uma aranha caranguejeira, e tento comforça desesperada empurrar- você para longe. Mas você permanece senado na beirada da cama, imóvel como um bloco de granito, enquanto o impulso da minha tentativa me Joga para trás, fazendocom que eu caia no chio duro do quarto. Eu fico ali sentado, desapontado, dizendo a mim mesmo que aparentemente MÓ sou tifo forte quanto sempre pensei que fosse.
Aqui a experiência onírica permite aopaciente a sua primeira intimidade com outra pessoa na forma de uma relação pai-filho com o seu analista.Essa tímida nesga de afeição cede após uns poucos momentos apenas, dando lugar a um forte afastamento provocado pela menção do amor maternal. O sonhador nem sequer precisa chegar face a face com unia mãe material; a mera percepção acústica da palavra “maternal” é suficiente para trazer à tona a sua resistência veemente e lançar o sonhador para trás, isolado no piso duro e frio do quarto. Além disso, este sonhar lança as primeiras dúvidas sobre a super-valorização narcisista que o paciente tem da sua própria força. O analista prova ser muito mais firme do que ele próprio.
Uma aplicação terapêutica dos insghts fenonrnológicos acima referentes ao mundo e ao comportamento do paciente em seu sonhar, exigiria primeiramente que o analista dissesse ao sonhador como estava satisfeito que ele, pelo urnas sonhando, fosse capaz de admitir o afeto paternal de um outro homem. Naturalmente, o analista também teria que fazer ver ao paciente a sua extrema defensividade para com unia relação maternal, ainda que muito distante.
Sexto sonhar, três meses depois:
Eu me encontro numa sala onde há uma lareira com um fogo de lenha ardendo, O fogo irradia um calor adáwl. Na minha frente está parada uma mulher jovem, senil-

despida. Mas nifoé uma mulher real, viva, ela parece mais uma boneca. De repente há um chicote na minha mio. Eu uso o chicote para fazer a mulher-boneca girar, do mesmo jeito que as crianças giram piões. A mulher vai aos poucos se transformando num pião, enquanto eu continuo a fazê-la girar com o chicote.
A existência onírica do paciente ampliou-se aomenos a ponto de encontrar lugar para uma mulher jovem e atraente, enão só umamãe odiada. Alareira também admiteum pouco de calor nesse mundo.É claro que a mulherse reduz depressa às proporções de umasimples boneca, e depois é reduzida ainda mais parase tomar um pião, um brinquedo de criança inanimado. A relação do sonhadorcom esse ente consiste em chicoteá4o mais e maiscom força, para fazê4o girarcada vez mais depressa. Aqui noseu sonhar, bem como nasua vida desperta, ele ainda está a uma distância enorme de uma relação amorosa permanentecom um adulto vivo do sexo oposto.
Sétimo sonhar, quatro
meses depois:
Eu estounuma festa,numa aldeia, medivertindo a valet Mas então notoque há uma mulherque fica Jogandofacas, oumachados, em mim, e eu corro perigo de me ferir seriamente. Ainda consigo evitar as armas a tempo, mas isso mexe com os meus nervos, e então euvou até a mulher, coloco-a sobre omeu joelho, e dou-lhe umaboa surra. Como punição final, eu a violento brutalmente. Eu mesmo não experiencio orgasmo_
Aqui, pela primeira vez, o estado de espírito sombrio do paciente, o seusenso de tédio de ausência de sentido, dá lugar a algo semelhante a uma descontração agradável, festiva. Este estado de espírito abre a possibilidade de ser feliz com outras pessoas na situação natural de uma festa de aldeia- Até mesmo as mulheres não se transformam imediatamente em objetos sem vida. No entanto, mal ele se permite ter um pouco de prazer, a única presença feminina que se sobressai épercebida como um inimigo hostil, que ameaça a sua vida com facas e machados. Em contraste agudo com a impotência característica dos seus primeiros sonhos, tais como aqueles em que sua mãe se agarrava às suas costas com fórceps, aqui ele sabe como se defender contra a perigosa mulher. Ele administra unia surra punitiva e finalmente acaba estuprando-a, demonstrando claramente que nem todo ato de relação sexual constitui unia entrega a um relacionamento amoroso co-pessoal. Exatamente ao contrário, aqui o coito serve para punir e humilhar o outro. Não éde se admirar, portanto, que numa relação sexual como esta, carecendo de todoe qualquer traço de entrega amorosa à outra pessoa, não haja orgasmoe ejaculação, que constituem as manifestações físicas doentregar-se ao outro.
O analista utilizou da melhor forma possível os
insights que tivera, com-

partilhando duas reflexões com o paciente. A primeira delas, exprimiu seu prazer pelo fato deo paciente ter sido capaz, pelo menos por um breve período de tempo, de existir em conjunto com outros numa atmosfera festiva. “Éverdadeiramente louvável,” comentou ele, “que pelo menos no seu sonhar, você tenha chegado a experienciar a intimidade humana como algo gratificante e que vale a pena.” O analistaprosseguiu entio, dizendo:
É claro que você ainda não é capaz de sustentar esseestado de espírito por muito tempo. Ele imediatamente dá lugar àraiva toda vez que uma mulher surge àluz da sua atenção. Qualquer mulher capaz de se aproximar de você como Indíviduo em seus sonhos só pode ser interpretada como hostil e perigosa. A sua existência no sonhar ainda hoje é incapaz de perceba o enriquecimento que pode advir de um relacionamento amoroso com unia mulher. De outro lado, não é pouca coisa que você tenha aprendido a se defender. Éde pasmar porém, que as mulheres somente têm a permissão de aparecer no seu sonhar como perigosas e hostis.
Oterceiro passo do terapeuta foi orientar o paciente a olhar, com mais cuidado do que lhe era possível ao sonhar, para as limitações sob as quais suas relações com mulheres haviam sofrido desde a sua primeira infância.
Oitavo sonhar, alguns meses depois:
No calor da fúria, eu agarro um homem gordo, careca, idoso, com uma expressão de boa flidole no rosto, bato nele até tirar seus últimos traços de vida, rodo o seu corpo no ar, depois arranco a traquéia dele, e tudo Isso porque eu sei que este homem dormiu com a minha mãe no bosque. Isto me deu um ciúme violento.
Ao contrário daexperiência onírica anterior, esta já não mostra mais a mãe como alguém agarrando-se com fórceps de ferro às costas do sonhador, ou como algo a ser empurrado para longe comtodos osmeios disponíveis. Écerto quea mãe ainda não conseguiu emergir na vizinhança imediata e íntima do sonhador. Mas a extrema ffiria despertada contra o amante da mãe indicaclaramente a existência dentro do paciente de umdesejo erótico em relação àela. Terapeuticarnente, apenas a seguinte— poderia ser aventurada com base neste sonho: “É possível queuma pessoa irrompa numacesso de ciúme tão violento contra o amante da mãe em sonho, sena sua vida desperta ema pessoa mostra somente ódio pela mãe, comovocê insiste em dizer que tem?”
Não haveria sentido terapêutico, contudo, emespecular sobre se o cavalheiro idoso presente no sonho seria “realmente” o pai do paciente, ou o seu analista. Pelo menos no sonhar em si,nenhum dos dois podeser reconhecido no odiado amante da mãe. Embora a sua expressão agradável e a sua estatura fLsica fizessem recordar o pai verdadeiro do paciente, a figura onfrica apare-

eia como um total estranho. Declarar que essa figura era urna “simbolizaçãb” do pai ou do analista, ignorando a sua diferença patente, mais uma vezsignifica aceitar como fato todas as suposições infundadas que sempre foram sustentadas como base para representações simbólicas. Tal reinterpretação do ente onírico não só careceria de todae qualquer justificativa, como impediria seriamente uma compreensão apropriada da própria existência do paciente. Pois éna não-familiaridade do amante que nós reconhecemos a deformação geral do “campo de visão mental” do paciente. Essa distorção “ediplana” pode muito bem ter-lhe sido imposta originalmente pelo comportamento enganoso de seus pais. Mas o ímpeto original éalgo bem distinto das limitações perceptuais resultantes no presente, ou do comportamento reativo em relação áquilo que foi (erroneamente) percebido. Ocaráter anônimo do rival sonhado do paciente vematrair a distorção do pacientequase-total da sua existência. Pois ao sonhar, pelo menos, a existência do paciente é tiorestrita queem qualquer homem mais velho que apareça épercebido apenas um comportamento hostil e humilhante para o sonhador, e vergonhoso para a sua mit
Utilizando os insights conseguidos deste sonhar, e não porintermédio da distorção doartifício interpretativo, o analista deveria ater-se a perguntar ao paciente acordado se nasua vida desperta elepodia sentir unia atitude básica em relaçãoaos homens análoga à atitude evidenciada no seu mundo oní rico.

Nono sonhar, meioano depois:

Eu estou viajando de avião com um grupo de gente bacana. Há uma espécie de serviço de jantar no avião. Estamos todos sentados em volta de uma mesa, comendo fondue. Uma mulher jovem encantadora senta-se ao meu lado, e desde o primeiro momento eu mesinto fortemente atraído por ela. Mas não ouso deixar que eia saiba disso. Nós começamos a voar no meio de nuvens detempestade. Torna-se óbvio que fomos atingidos por ralos e estamos caindo. Eu sou tomado de uma tremenda sensação de felIcidade, porque nestas circunstâncias posso dizer à mulher ao meu lado o quanto a asno. Neste poato eu acordo.
Aqui temos algo totalmente sem precedentes, seja na vida desperta ou no sonhar do paciente. Pelaprimeira vez ele sente umamor direto e intenso por uma mulher que nãopertence à suafamília próxima. O novoamor não é um simples derivativo do desejo ciumento pelasua mãe, como foi visto nosonho anterior. Na verdade, aqui o único problema é que ele está tão desacostumado a relações comoutras pessoas destetipo que nãoconsegue se dispor ademonstrar seu amor abertamente à mulher. Um conjunto de circunstâncias extremasfaz-se necessário paraprovocar a sua saída da casca. Somentesob o impacto demorte iminente é que ele encontra coragempara

fazer uma declaração de amor, até mesmo no sonhar.
Um crítico desta espécie de abordagem do sonhar poderia levantar a objeção de que num neurótico como o nosso sonhador, unia declaração de amor é equivalente a um mergulho para a morte, uma vez que ambas as coisas envolvem uma dissolução da existência neurótica à qual ele se acha acostumado. Isso, poderia o crítico dizer, explica a ligação entre a ameaça de morte e a declaração de amor no sonhar. Mas se nos mantivermos fiéis aos preceitos da observação fenomenológica, poderemos responder ao crítico:
Se nos apegamos estritamente aos fatos conforme estes se apresentam, logo fl tente que o avi ão caiudepois da declaração de amor, e muito rue- nos como resultado desta. A queda súbita do avião foi do conhecimento do sonhador inequivocamente antes de ele declarar seu amor; na verdade, a iminência do fato foi o que o encorajou a abrir-se.
Opaciente poderia receber mais alguma coisa para considerar, ou seja, a sua passividade inicial em relação à jovem mulher do sonho. Afinal, não éele que vai sentar-se junto a ela. Ele fica parado enquanto ela se aproxima. Até mesmo um detalhe tifo pequeno como este não é insignificante. Ele pode ser usado em terapia para descobrir se o paciente se recorda de quaisquer situações em sua vida desperta nas quais tenha revelado tal passividade em relação a mulheres.
Algo mais precisa ser menclonado.O êxtase deamor semprecedentes queo paciente sentiu pelamulher ocorreu num avião, muito acima da terra. Este fato traz duas perguntas importantes para o sonhador: Primeira: “Este seuúltimo vôo em sonho corresponde ao seu ‘sonho do helicóptero’ anterior, no qualvocê assistiaaumapartidadefutebolládecima?Seassjmfor,seráque isso significaque até mesmono seu sonhar a sua capacidade de amar ainda não desceu à terra, mas ainda está vagando nas nuvens? Ou será que o lugar do seu sonho — bem alto no céu — resulta de um estado de espírito muito ‘elevado’, o qual você agora é capaz de experiendar, pelo menos sonhando? Se assim for, mais uma vez, será que o estado de espírito ‘elevado’ se origina da sua recém-adquirida capacidade de entrar numa relação amorosa, e se livrar do peso da gravidade terrestre?” A decisão deve ser deixada por Inteiro ao paciente. Mas não se deve permitir ao sonhador novamente desperto que ele reflita na sua experiência onfrica numvácuo. Quando este sonhador mergulhou completamente naexperiência do seu sonhar, suas respostas não deixaram dúvidas de que se tratava do segundo caso, isto é,que ele se sentiu “elevado” ao sonhar, por que era capaz de amar uma moça.
Na primeira das duas séries de sonhos apresentadas acima, pudemos verclaramente a transformação de um único ente do mundo onírico — os dentes da sonhadora — e uma alteração da sua atitude para com ee ente. Nasegunda série não foi apenas a atitude dosonhador emrelação áquilo queele encontrava quese transformou; os entes sonhados que podiam vir àtona

eser na abertura perceptiva da sua existência foram captados num poderoso processo de mutação.
Por causa desse processo de mutação, ambas as séries diferem de todos os nossos espécimes de sonhos precedentes. Elas são úteis não só como material para exercícios visuais na área daexperiência onírica, e como mais urna prova deutilidade terapêutica daabordagem fenoinenológica, Daseinsanalítica do sonhar;mais do que isso, elas mostram que em casos concretos o conteúdo da experiência onírica constitui um indicador excelente da efetividade — ou fracasso — do tratamento Daseinsanalítico. Sempre que a terapia está tendo pouco ou nenhum efeito, os entes oníricos, e a atitude do sonhador em relação a eles, geralmente passam por pouca ou nenhuma transfor.

 

CAPÍTULO 4
COMPARAÇÃO ENTRE UMA
COMPREENSÃO FENOMENOLÓGICA DO
SONHAR E A “INTERPRETAÇÃO DE
SONHOS” DAS “PSICOLOGIAS PROFUNDAS”

 


Introdução
Há duas razões básicas que me levaram a optar por fazer uma distinção clara entre a abordagem fenomenológica do sonhar humano e a interpretaçlo baseadanas teorias de sonhos maistradicionais. Em primeiro lugar, taldistinção esclarecerá efetivamente averdadeira natureza da abordagem feno. menológica,tal como é aplicada na terapiaDaseinsanalítica. Em segundo lugar, umaconfrontação direta dacompreensão fenomenológica do sonhar, de wn lado, e “interpretações de sonhos” freudiano-jungianas, de outro, confirmaráque estas últimas na verdade não interpretam, isto é, tornam inteligível os fenômenos do sonhar em si, e sim consistentemente“reinterpretam” sem que esta “reinterpretação” tenha qualquer base em fatosobserváveis. RaramenteFreud e Jung buscam a riqueza designificados inerenteaos entes oníricos em si, preferindo em vez dissoimpor a eles umsignificado de fora, de modo a torná-losconformes com a teoria prescrita.
Comparação entre a
Reinterpretação Freudiana e a Compreensão
Fenomenolôgica dos
Mesmos FenômenosOníricos
Sonhar de Comparação Á
Nafamosa obra Á Inrerpretaçãó dos Sonhos, de Freud, há um exemploparticularmente grosseiro de comose pode cometer violência com os fenômenos oníricos ao“interpretá-los”. No meuprimeiro trabalho sobreo soesse exemplo foibrevemente mencionado, emborasem qualquer aproximação Daseinsanalítica. Gostada agora deme dedicar a isso. Freud introduziu o seu relato dosonhar identificando o sonhador como uma mulher agorafóbica quena “vida real” era mãe deuma filha dequatro anos. Segundo Freud,ela sonha que:
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A sua mie (avó da criança) tinha forçado a filhinha dela (a sonhadora) a viajai sozinha, mandando-a embora. Eh (a soabadora) está então viajando num trem com a sua mie, quando ve a filha andando exatamente nos trilhos do trem. Eh ouve o barulho de ossos se esmigalhando (sente-se inquieta, mas não realmente honorizada), e então olha para trás pela janela do trem para ver se consegue divisar alguma das partes (da sua filha atropelada). Eh então repreende a mie por permitir que a pequena criança saísse sozinha.
No sentido de sugerir um instinto infantil - voyeurista — que endosse a sua teoria dos sonhos baseada nas ciências naturais e que sirva como motor universal dos sonhos, Freud arbitrariamente altera o texto do sonhar. A aflr‘nação da sonhadora de que “olha pata trás pela janela.. para ver se consegue divisar alguma das partes” é modificadapor Freud para tomar-se “olha de trás para ver se consegue divisar alguma das partes”. Tudo que Freud écapaz de apresentar como justificativa para esta violação radical de fenômeno sonhado éuma assim chamada “associação livre” que ocorreu àpaciente durante a sessão analítica seguinte, quando ela se athava de novo no estado desperto. O argumento de Freud, porém, por sua vez se baseia meramente em outra de suas intervenções arbitrárias. Ele julgou legítimo alterar a mera seqüência temporal das chamadas “associações livres”, transformando-as numa cadeia de causas e efeitos. Onde encontra justificativa para tal alteração arbitrária, isso Freud não nos conta. Ele simplesmente acredita que tem o direito de mudar as palavras.
Uma vez tendo imposto o princípio da causalidade na seqüência temporal das “associações livres”, para Freud toma-se auto-evidente que toda “associação livre” posterior éo efeito, e como tal o sentido básico de cada asso. ciação anterior. Esta manipulação lógica dá a Freud a possibilidade de estabelecer, de fato, uma ligação entre o componente onMco “para trás”, em sua forma alterada “de trás”, com um pensamento posterior da paciente, que se recordava de uma vez ter visto de trás as partes sexuals do pai quando este se achava no banheiro; e assim, presumivelmente encontrando o Instinto infantil voyeurista que a sua pressuposta teoria queda que existisse. Entretanto, nem a piemissa de que um impulso voyeurista deva ser encarado como motor básico gerador de toda “Imagem ontiça manifesta”, nem a violação que consiste em transformar “para trás” em “de trás”, deixam de ser manobras ilegítimas, a despeito destas construções mentais totalmente njustificadas de Freud. Fias apenas conseguem impedir que ele veja como ignora com displicência e “falta de objetividade” o fato de que olhar para trás procuraiido ver alguma coisa que significa, do ponto de vista fenomenológico, exatamente o contrário de olhar para algo de trás. Pois ao olhar para trás não obtemos urna visão frontal do objeto? Na realidade, não existe nada com respeito aos entes sonhados que sugira órgãos genitais vistos de trás, e tampouco esses entes sonhados noslevam a crer, mesmo remotamente, que mandar

uma garotinha embora deva ser explicado, segundo a prática freudiana, como urna “ameaça de castração”. O que está realmente ali no campo aberto da percepção da paciente que sonha, é algo inteiramente diverso. Por um motivo, ela se encontra em extrema proximidade da sua mãe. E também está acorrentada à mãe num sentido emocional, tanto que a mãe pode lhe ordenar que mande a sua filhinha embora sozinha. Aprincípio a sonhadora obedece sem questionar, embora a atitude coloque a filha em grande perigo. Afilha équase imediatamente assassinada, pelo próprio vagão do trem naqual a sonhadora e sua mãe seencontram. Só depois disso éque a sonhadora se aventura a repreender a suamãe. Em vez de usar a chamada “técnica da associação livre” para obter a recordação da paciente de ter visto os órgãos genitais do pai de trás, o analista deveria alertar a paciente para o total poder que a mãe ainda detém sobre ela no sonhar. Pois esta não a tinha convencido, no sonhar da noite anterior, a viajar consigo pelomesmo caminho? Mais uma vez,cedendo facilmente às ordens da mãe, não tinha elapermitido que sua única filha fosse mandada embora, e, conforme acabou se revelando, para a própria morte? A aparição em sonho de uma mãe tão poderosa já épor si só um sinal de que a sonhadora continua a existir como uma criança desamparada. Toda a intensidade da sua dependência infantil em relação à mãe é reveladano sonhar, quando o trem emque ambas estio, esmaga a suaprópria filha. Essa dependência étão grande que deixa soterrado o potencialda paciente para se manifestarcomo um adulto independente, uma mulher e mãe totalmente crescida. Pois quando suaprópria filha deixa deexistir — e a criança no sonhoera sua (‘nica filha — eladeixa deser mãe. A exposiçãoDaseinsanalítica do sonhoacima não distorce nem desprea os fatos da experiência onMca e deveser relatada na íntegra para a padentedesperta. Como passoterapêutico posterior, ela deve ser indagada se recordaquaisquer situações despertas desde sua infância até o presente, nasquais tenha demonstrado urna semelhante dependência infantil em relação à mie, bem como escravizada por esta. À menção de uma situação como essa, o analista deve expressar asua surpresa com o fato de a paciente ter suportado, e continuar suportando, uma tirania como ada mãe. Presume-se que isto ajude a paciente a entender,pela primeira vez, que é possível comportar-seem relação a mulheres mais velhas de maneiras radicalmente distintasda si4eição queela sempre conheceu, tanto nasua vida desperta quanto no seusonhar. Aliás, os insights a respeito dasonhadora obtidos apartir da nossa investigação Daseinsanaiítica de sua experiênciaonírica são confirmados por fatos adicionais, que Freud, entretanto,opta pordeixar fora da sua “interpretação”.Ele nos conta que durantetoda avida desperta da sonhadora, atémesmo quando esta ainda erauma menina pequena, ela sentia apresença da

mãe como tio prejudicial pan as suas próprias relaç&s amorosas que assumiu o comportamento de um garoto. Não é surpresa, portanto, que ela tenhatantas vezes ouvido a acusação de menina-moleque.Uma abordagem fenomenológica teria exortado apaciente a tematizar sua dependência em relação à mãe, oque por sua vez teria aberto os seus olhos parasua escravização, atal pontoque as tendências para selibertar de seus grilhões em breveteriam aparecido nasua vida desperta.
Sonhar de Comparação B
Um estudante de psicologia, de vinte edois anos, teve o seguinte sonho:
Eu estou num lugar com alguns amigos, e descubro que a noiva de outro amigo, que tem estado distante desde quenoivou, acabou de morrer dec-Sncer. Como todomundo presente,eu estouchocado com a notícia. Eu realmente lamento muito pelo meu amigo. Depois dofuneral, eu meencontro com os enlutadosnuma espécie de restaurante self-serwce. Todo mundo estáparado numa fIla em frente a um balcão,pegando a comida. Antes de chegara minha vez, eu procuro a sobremesa, mas parece que eles não têm doces. Eu abro passagem pela multidão para ver se não bá alguma sobremesa na parte da frente do balcão. Mas ali não há nada. Volto para o meu lugar, ainda esperando encontrar algo docepara comer. Mas não encontro nada e permaneço insatisfei to -
Um terapeuta freudianocomeçaria reinterpretando o sonho conforme sesegue: “O fato de o amigo dosonhador se distanciar depois do noivado,provoca, noinconsciente do sonhador,sentimentos de ciúme e um desejo de vingançacontra a noiva quelhe roubou o amigo. Aira do sonhador pela mulher gera um desejo de morte inconsciente, (que é) realizado pela morte danoiva no sonho.”
Uma abordagem fenomenológica dosmesmos fenômenosonfricos opor-
-se-ia à
interpretação acima deixando totalmente a nu a ficção dos “desejos inconscientes”.Somente alguma coisa considerada digna de desejo podeser almejada.É impossível considerar algo desejável e, ao mesmo tempo, nãoter consciência daexistência dessa coisa. Dizerque é o “inconsciente” do sonhadorque possui tal consciência, emvez de elepróprio estar cônscio, tanto no seuestado despertoquanto no sonhar, nadaacrescenta para a compreensão dos fenômenosdados. Pelo fato de o “inconsciente” assim postulado ser por definiçãoinidentifidvel, a suaintrodução serve apenas para explicar urna seqüência oníricaintrigante com base emalgo ainda mais intrigante,algo cuja existência ainda está para serprovada.
Uma objeção fenomenológicaespecífica à reinterpretaçio que Freudfaz do sonho, éque o sonhar em si não contém a mais ligeira evidência de qualquer ciúme, ou desejo de morte,contra a noiva do amigo. A tristeza ge nuín

do sonhador pela morte damoça apontaria, na verdade, paraalgo bem oposto a um desejo de morte, ou seja, um desejo de que ela tivesse permanecido com vida, E além disto, o noivado do amigo confrontou o paciente, tanto no seu estado despertoquanto noestado de sonho, com asignificâncãa de uma relação amorosaduradoura entre homem e mulher adultos. Embora o paciente ainda nãoseja ele próprio capaz deconseguir uma intimidadedestas com uma mulher, a sua existênciaestá agorasuficientemente aberta panreconhecer a intimidade como umapossibilidade de serelacionar, manifestando-seatravés de um amigopróximo. Todavia, o potencialpara uma relação amorosa adulta não consegue persistir noseu mundo onfrico nem se- quernessa formaindireta; uma vez que o cáncer tira a vida danoiva, esse relacionamentodesaparece como presença imediatamente sensível, tornando- se em vez dissomeramente uma coisaque se foi e pelaqual se deve chorarluto.
A segunda parte do sonhar,que contém a refeição dofuneral com a sobremesa quefalta, serviria para a teoria freudiana como prova de umaregressão libidinal para a fase oral. Aqui, mais uma vez, nós podemos objetarque a libido,como “energia psíquica”, não pode emnenhuma das suas presumíveis fases, conseguir fabricar independentemente um mundo humano. Etampouco uma situação mundana particular, tal como uma refeição sem sobremesa num restauranteself-scrvice, pode ser modelada pela “libido”.Para que uma pessoa venha ater acesso a tal situação, ela deveprimeiro serreceptiva e estar em contatocom a significação de tudoaquilo que encontra, O sonhador presentemente emdiscussão, desde o início tinhaconsciência dos váriossignificados inerentemente associados com restaurantesself-service, etambém significados ligados asobremesas em geral, e atémesmo ausência de sobremesas. Nenhum padrão de energia pode preencher estes pré-requisitos, que são pré-requisitos daexistência humana, num mundo constituído dequadros de referênciasignificativos e perceptíveis.
Se
concordamos em deixar de lado aespeculação psicanalítica referente aenergias ocultas,raciocinando quemesmo se existissem pouco contribuiriam para o entendimento dos fenômenos em questão, e se nos atemosaos fatos dados, pode-sedizer o seguinte a respeito do sonhar:
Depois de abrir-se por um breve intervalo de tempo para uma relaçãoamorosa entre parceiros adultos, a existência do paciente depressa fecha-seoutra vez, em tal medida que, entre todas as possibilidades concebíveis de prazer sensorial, ele semantém receptivo apenas a comersozinho num restaurante ondecada



  

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