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CAPÍTULO VIII



 

Só mais tarde, naquele dia repleto de acontecimentos, é que Ynis soube de mais detalhes do acidente. Ela estava sentada em frente à s janelas do canto do vestí bulo mal iluminado quando ouviu o som dos passos de Gard; percebeu, pela cautela dos passos, que vinham em direç ã o a ela. Sentiu-se tensa e a cor pá lida de seu vestido foi momentaneamente iluminada pelos estranhos raios de luz que se refletiam no mar. Virou a cabeç a para ver a porta abrir-se e sentiu oaroma de um cigarro quando Gard entrou.

- Pensei que tivesse ido dormir até que vi você atravé s dos vidros - disse ele. - Você parecia um fantasma, mas, como todas as casas velhas de Cornwall, esta també m tem o seu. Estou incomodando vo­cê?

- Nã o - disse ela, apertando suas mã os uma contra a outra, en­quanto ele se sentava no peitoril da janela, perto de sua poltrona, e a fumaç a do cigarro flutuava em frente a seu rosto. - Que tempes­tade estranha! Ouç o continuamente os trovõ es, mas tudo está tã o calmo!

- É uma tempestade do mar - murmurou ele, e Ynis pô de sen­tir que Gard a fitava. Com as costas para o vidro, que se elevava em forma de losangos até o teto, o rosto de Gard estava na sombra e Ynis nã o podia ver-lhe a expressã o, mas seu pró prio rosto e a tensã o que sentia eram revelados pelos relâ mpagos cor de aç o que rasga­vam o cé u rapidamente, completando a dramaticidade daquele momento.

- Como está passando Stella? - perguntou Ynis calmamente.

- Afinal adormeceu. Ela é uma dessas pessoas que reagem a uma injeç ã o de narcó tico como se fosse um copo transbordante de champanhe. Ficou falando e achei melhor que reagisse desta maneira, deixando-a falar sobre o passado até que ficasse exausta o bastante para adormecer. Amanhã estará apta a desempenhar o pa­pel da jovem invá lida para o contentamento de seu coraç ã o.

- O pé nã o está quebrado? - perguntou Ynis, tentando nã o pensar novamente no pobre cavalo e debater-se.       

- Está muito luxado e ela terá que ficar em repouso por mais ou menos, uma semana. Deve ter judiado do animal, é claro, mas Dick e eu concordamos em nã o castigá -la. Stella sabe o que aconteceu ao bicho e aprendeu a liç ã o.               

 - Qual? A de nã o ser cruel? - As palavras jorraram de Ynis in­controlavelmente, mas a garota nã o se arrependia de tê -las dito.

- Sei como se sente - disse ele, depois de uma forte tragada em seu cigarro, fazendo com que a ponta queimasse furiosamente. - Você nunca desabafaria suas tensõ es desta maneira. Acredito que você abriria logo o jogo comigo.

- Talvez. - Ynis encolheu os ombros. - Você e Stella com­preendem-se um ao outro, mas eu nã o finjo compreender nenhum de você s. Você s dois se merecem.

- É mesmo? E onde você entra nesta histó ria?

- Eu vou-me embora amanhã, Gard.           .

- Parece fá cil, nã o?

- É a melhor coisa que tenho a fazer. Já servi como bode expia­tó rio, nã o gostei e nã o quero ser mais nada parecido com isto. pre­ciso retomar a minha pró pria vida e você precisa me dizer a forma de fazer isto. Tenho certeza de que você sabe.

- Nã o tenha certeza de nada, menina, e menos ainda que eu pretenda deixá -la perder...

- Mas, Gard, você precisa me deixar ir! - Levantou-se num salto enquanto um relâ mpago iluminava sua face atormentada. - A Ú nica coisa que tenho a fazer é fugir de novo...

- De novo? - Ele estendeu o braç o e segurou-a pelo pulso. - O que quer dizer com isto? Você estava fugindo quando o acidente nos pâ ntanos a trouxe de volta? Com todos os diabos, para onde estava indo? E o que pretendia fazer sem dinheiro? Eu lhe dei presentes, mas tenho certeza que nã o tem dinheiro.

- Presentes podem ser empenhados -lembrou-lhe e por todo o braç o que ele segurava com seus dedos de aç o a garota sentia um formigamento enervante, como se os relâ mpagos tivessem transmi­tido sua energia a Gard e esta passasse para seu braç o pelo simples contato. - E porque você se preocuparia em saber para onde vou? É como se você... - As palavras pararam como se uma mã o de cautela lhe tivesse fechado a boca e o choque do que estivera prestes a dizer estampou-se em seus olhos.

- Solte-me, Gard. - Seu desespero nã o a agitava mais, pois foi naquele momento, quando o toque da mã o de Gard fazia seu corpo todo formigar, enquanto estavam ali, em frente à s janelas como se fossem duas figuras recortadas da realidade, que Ynis compreendeu que o amava. Sentiu-se como que partida por um relâ mpago e quase gritou, quase caiu de joelhos pelo choque da descoberta. Até mesmo respirar tornara-se um problema, pois seu coraç ã o batia furiosa­mente. Nunca fora tã o essencial sair de perto daquele homem... A noite passada havia lutado para afastar-se dele, mas agora lutava contra seus pró prios impulsos enquanto tentava libertar-se.

- Oh, nã o! - Seu ombro quase se deslocou quando Gard a pu­xou com forç a, fazendo-a perder o equilí brio e obrigando-a a apoiar-­se do lado de seu braç o amputado. Neste momento, sentiu seu corpo tremer e desejou poder estar no lugar de Stella e mostrar que ele nã o era fisicamente repelente por nã o ter mais dois braç os para enlaç ar uma mulher.

- Você nã o gosta de me tocar, nã o é? - zombou ele e o brilho de um relâ mpago refletiu-se em seus olhos enquanto fitava a garota. ­Sinto-a tremer como se estivesse assustada. Está bem, nã o vai haver mais casamento, portanto nã o precisa fugir. Pode ficar em Sea Witch sem medo que eu a force a aceitar uma situaç ã o insuportá vel. Pobre crianç a! Seu coraç ã o está batendo tã o depressa que é capaz de matá -la. - De repente, passou o braç o em volta dos ombros de Ynis e pousou o queixo sobre sua tê mpora um tanto febril. - Sim; fique em Sea Witch. Nã o há para onde você voltar, esta é a verdade.

- Mas você sabe, Gard, onde fica o convento.

- Acredite-me, Ynis, você havia deixado o convento quando nos conhecemos. Você estava morando em quartos de aluguel.

- Sozinha? - perguntou ela... A proximidade do homem nã o podia ocultar de Ynis o enrijecer de seus mú sculos, como se ele esti­vesse se preparando para dizer uma mentira.

- É claro, Ynis.

- Mas nã o acredito em você! - exclamou ela, afastando-se dele. Ficaram olhando um para o outro e foi entã o que um trovã o ribom­bou sobre a casa e ressoou pelos corredores. Ynis sentiu uma sensa­ç ã o estranha... algo despertava em seu cé rebro, que obstinadamente dormia desde que o carro a atropelara.

- Você tem que me contar a verdade, Gard! O que me trouxe até Sea Witch... e por que eu quase pareç o lembrar-me de que você ti­nha algum sentimento... nã o de amor, mas de ó dio por mim?

Ele continuava a fitá -la sem responder e a tempestade irrompeu. Era como se todas as emoç õ es daquele dia levassem à quela celebraç ã o da natureza; como se as tensõ es de um e do outro os ferissem mutuamente como a chuva feria a terra! Aquela era a tempestade deles dentro de uma tempestade, as emoç õ es de Ynis batendo contra as de Gard, clamando pela verdade que jazia nos lá bios que nunca mais sentiria sobre os seus.

- Tenho certeza de que sua amné sia acabará com o tempo. - ­disse ele afinal. - Poderia afastar o vé u que recobre seu pensa­mento, mas acho que cabe a sua mente este esforç o. Será melhor desta maneira. Amanhã a tempestade terá passado e começ ará o ve­rã o. Você precisa divertir-se, ficar despreocupada e eu estipulo apenas uma condiç ã o.

- Eu sabia que você iria impor alguma condiç ã o! - Tendo es­tado prestes a saber da verdade, sentiu um alí vio enorme quando Gard resolvera nã o revelá -la. Amanhã podia acordar e lembrar-se de tudo, mas aquela noite... aquela noite, tudo o que desejava era o vazio misericordioso de sua mente.

- Gostaria que você continuasse no papel de minha suposta noiva - disse ele. Parecia mais alto contra as vidraç as molhadas do vestí bulo, coberto pelo veludo negro de sua jaqueta de uso diá rio. - Prometo que será apenas a simulaç ã o de um noivado de agora.

- Mas eu nã o compreendo. - Ela fitou-o com olhos espantados:

- Certamente você contará a Stella que o que ela viu em meu quarto ontem à noite era uma paró dia da verdade!                                              

- Muito pelo contrá rio, quero que Stella vá embora de Sea Witch logo que possa. - Gard disse isto rapidamente, como se esta fosse a ú nica maneira de ocultar seus verdadeiros sentimentos. - Stella deve voltar a ter sua pró pria vida e eu devo permanecer aqui para continuar com a minha. O passado se foi, se foi como meu braç o

- Mas o amor permanece. - As palavras irromperam de Ynis - Você nã o Pode fingir que nã o sente nada por Stella.

- Você parece - disse ele calmamente - determinada a jogar­-me nos braç os de Stella, como se apenas desta maneira você se sal­vasse de mim. Eu lhe asseguro que daqui por diante nã o haverá nada mais entre nó s alé m de uma brincadeira. Nã o vou impor a você mais do que um sorriso ocasional de posse, apenas para convencer Stella de que pretendo casar-me com você.

- O seu orgulho é tã o rancoroso assim? - perguntou Ynis e vi­rou-se para nã o ver aquele rosto sombrio. Quem era ela para men­cionar o orgulho quando nã o podia suportar a idé ia de nã o significar nada para ele? Era sua noiva por conveniê ncia e nada mais... queria dizer-lhe que fosse para o inferno, que encontrasse outro bode expia­tó rio para magoar e usar em sua luta contra o amor que sentia por Stella. Uma mulher que ele queria mandar embora porque nã o con­seguiria viver em Sea Witch e ele recusava-se a voltar para o brilho das luzes dos teatros de Londres.

- Isto nã o tem nada a ver com orgulho - disse ele. - Nem qualquer coisa mais com minha â nsia por uma pequena vinganç a. Você é jovem demais, inocente demais, talvez, para ouvir a verda­deira explicaç ã o.

- Nã o. - Ela meneou a cabeç a. - Eu sei que existe um amor alé m do amor e se você precisa usar-me...

- Nã o gosto que use esta expressã o! - interrompeu ele. - Estou apenas pedindo sua cooperaç ã o.

- Por que nã o? É um pagamento em troca de seus cuidados e dos da enfermeira que você contratou quando fui atropelada...

- Ynis! - Gard tocou em seu ombro e ela nã o conseguiu contro­lar o tremor que lhe tomou conta do corpo, da nuca até a ponta dos dedos dos pé s.

- Gard, posso ir deitar-me? - Com delicadeza, afastou-se dele. - Estou me sentindo exausta. . .

- Exausta de mim e de minhas exigê ncias, nã o é? Sim, vá dor­mir e nã o se preocupe mais. Amanhã, com um pouco de sorte, o sol estará brilhando e você poderá ir até a praia e chapinhar nas poç as entre as pedras.

- Gard, nã o sou mais uma crianç a! - exclamou ela e abriu a Porta. - Talvez vá até a praia com Pierre. Ele sabe que você estava sendo apenas sarcá stico quando disse que sua noiva era sagrada.

Com estas palavras ela saiu rapidamente, deixando Gard no cen­tro do vestí bulo. Quando chegou a seu quarto se sentia como se to­das as suas forç as a tivessem abandonado e, sentando-se sobre a pele de tigre, recostou o rosto na cabeç a empalhada do animal. Ficou ali por longo tempo, sabendo que estava sublimando seu desejo por Gard ao deixar que sua pele acariciasse os pê los grossos e aveludados do tapete.

Quando foi para a cama, a tempestade já tinha passado e, deitada no escuro, ficou ouvindo os pingos que caí am das plantas nas pedras do terraç o.

" Fique em Sea Witch", dissera-lhe Gard. " Nã o tenha medo, pois nã o lhe farei mais exigê ncias. "                                                         

Com um pequeno gemido inquieto, Ynis virou-se na cama, e reconheceu, com todos os nervos de seu corpo, que ela queria que Gard lhe fizesse exigê ncias... exigê ncias de amor.

Gard conhecia bem Cornwall e durante a semana seguinte foi como se a natureza tivesse premiado a terra de Tristã o com um clima quase tropical.

Ynis sentia-se como se estivesse vivendo um sonho estranho, do qual nã o podia escapar. O sonho iria prendê -la até o momento em que Gard libertasse seu corpo, mas o seu jovem coraç ã o pertenceria à quele homem para sempre.

Como nunca acontecera antes, ela parecia pertencer a CornwalI

Ficava com Pierre uma boa parte do tempo, ouvindo as fofocas do mundo artí stico, admirando as ondas imensas que quebravam contras as rochas de Barbizon. Nã o se sentia mais apavorada! Abandonava-se ao sal e à violê ncia das ondas, rindo e gritando sobre a areia como se fosse uma sereia.

Nã o sabia se Pierre tinha adivinhado que ela e Gard agora apenas fingiam serem noivos. Ele nunca lhe perguntara nada, mas algumas vezes seus olhos pareciam saber da verdade. Ynis já percebera um leve arquear da sobrancelha do rapaz quando, em frente de Stella, Gard desempenhava tã o bem o papel de noivo impaciente. Gard pegava-lhe a mã o ou fitava-a dentro dos olhos e mesmo Ynis, que sabia que aquilo nã o passava de fingimento, tinha que lutar contra si mesma para que seu coraç ã o nã o contasse seu segredo.   

Ynis percebia que o clima do mar estava lhe fazendo bem e que o sol bronzeava levemente sua pele fazendo seus olhos brilharem. Sabia disso ainda que se sentisse tã o vulnerá vel quando Gard lhe fazia um elogio. Seria maravilhoso se ele realmente pensasse o que dizia, mas dizia aquelas coisas agradá veis apenas para enganar Stella.

A dor pela torç ã o do pé deixara sombras interessantes sob os olhos de Stella, tornara-a pá lida e suavizara a vitalidade de sua face. Ves­tida de lilá s-claro ou veludo cor de canela e repousando sobre um dos sofá s imponentes, ela era a pró pria figura da mulher desejá vel. Insinuava-se para Gard e, com os olhos azuis, perguntava-lhe silen­ciosamente como ele podia lhe resistir.

Observando as trocas de olhares e as tensõ es existentes, no fim da noite Ynis sentia-se esgotada. Dormia mal, levantava-se com o alvo­recer, e todas as manhã s percorria os gramados ú midos de orvalho até os degraus do terraç o que levavam à praia.

A praia era cercada por enormes rochas, e ali poderia ficar durante horas observando as ondas, mas inevitavelmente tinha que voltar para o café da manhã ou estaria estimulando Gard a vir pro­curá -la.

Seu medo de ficar a só s com ele aumentava dia a dia, pois seu amor crescia na proporç ã o do tempo e, sendo jovem e inexperiente, poderia acabar demonstrando seus verdadeiros sentimentos. Seu corpo traiç oeiro achava cada vez mais difí cil nã o responder aos to­ques da mã o de Gard.

Naquela manhã, o vento soprava forte contra seu rosto quando parou para recobrar, o fô lego antes de entrar em casa. Encontrou Alice no vestí bulo e a criada informou-lhe que a srta. Marrick dese­java tomar o café da manhã com ela.

- Ela está no quarto, senho­rita. Acabei de levar uma bandeja para ela com porç ã o dupla. Ela pró pria tinha me pedido que fizesse isto. O sr. Gard teve que ir de repente para uma das fazendas e aquele cavalheiro francê s levou-o de carro.

Ynis estava indecisa; afastando seus cabelos da testa parecia que nã o se penteava há anos. Aquele convite para ir ao quarto de Stella, enquanto Gard estava ausente, podia significar uma coisa apenas: a atriz resolvera mostrar suas garras.

- Bem, senhorita? - Alice fitava-a com um sorriso levemente sarcá stico, correndo os olhos pelos seus cabelos desarranjados pelo vento e pelas sandá lias que carregava na mã o. - Vai diretamente Para o quarto da srta. Marrick, ou devo ir avisá -la de que vai pri­meiro mudar de roupas e pentear os cabelos?

Ynis sentiu o sangue subir-lhe à cabeç a, pois desde a chegada de Stella naquela casa a jovem criada tornara-se insolente, como se to­dos os empregados esperassem ouvir de um dia para o outro que acontecera uma mudanç a nos planos de casamento do patrã o.        

- Tenho certeza de que a senhorita Marrick nã o vai perder a vontade de comer seus ovos mexidos por ver-me vestida com jeans, Alice. - Ynis, ainda descalç a, afastou-se da criada boquiaberta e quando chegou em frente à porta do quarto de Stella cruzou os de­dos e desejou que se saí sse bem, agora que haveria um confronto aberto com aquela mulher que adorava os insultos dissimulados como forma de humor.

Ainda carregando as sandá lias nas mã os, Ynis bateu corajosamente à porta.

- Entre! - gritou a voz vibrante, acostumada aos palcos.        

Ynis entrou no quarto com suas paredes brancas almofadadas, seu grosso carpete vermelho e, na enorme cama com dossel, vislumbrou a figura da atriz, com travesseiros arrumados atrá s de suas costas e os pavõ es azuis de seu robe contrastando com as fronhas bran­cas. Se Stella vestira aquele robe para lembrar a Ynis a noite em que a vira com Gard, conseguira plenamente seu objetivo. Ynis sentiu-se constrangida quando Stella a fitou e enrugou a testa ao ver seus pé s descalç os sobre o grosso carpete.   

- Você esteve chapinhando? - perguntou a atriz, com voz entediada.        

- Eu gosto de caminhar na praia de manhã bem cedo. – Ynis abaixou-se e, enquanto calç ava as sandá lias, podia sentir as batidas nervosas de seu coraç ã o. Devia ter ido para seu pró prio quarto em vez de obedecer à quele impulso impensado de mostrar à Stella que nã o a temia. Estava completamente apavorada e sentia vontade de sair correndo para o seu quarto antes que aquela conversa fosse mais adiante.  

- As areias sã o imaculadas e virginais, nã o é? - Stella nã o dissimulou a insinuaç ã o de sua voz. - Puxe uma cadeira e sirva-se de uma xí cara de café. Você gosta de café logo de manhã? Sempre achei o chá uma bebida menos estimulante, mas é prová vel que você o prefira.

- Café está bem - disse Ynis, e foi necessá rio toda sua coragem para carregar uma cadeira até o lado da cama. Para evitar um encontro direto com os olhos de Stella, Ynis ficou observando a ostentaç ã o da penteadeira, que mais parecia um altar todo arrumado para a veneraç ã o da beleza da atriz. O tampo polido do mó vel, embaixo de um enorme espelho, estava coberto com potes de todas cores e tamanhos e perfumes dos mais variados.

- Você aceita torradas? - Stella pegou uma fatia da travessa de prata e, com incrí vel serenidade, passou-lhe manteiga e algumas go­tas de mel. Durante todo o tempo seus olhos examinavam Ynis atra­vé s de seus cí lios absurdamente longos. Ela parecia divertida com a pele sem maquilagem, o corte simples dos cabelos e as unhas curtas de garota mais jovem.

- Nã o estou com muita fome, obrigada. - Ynis tomou seu café. - Sinto apenas bastante sede - acrescentou.

- Imaginei que o ar marí timo lhe desse uma fome voraz - disse Stella, mordendo com sensualidade sua fatia de torrada. - Está preocupada com alguma coisa, minha cara? Esta é uma é poca de ansiedade para uma garota que vai se casar em breve. Eu havia en­tendido que uma modista e um costureiro vinham de Town para confeccionar seu vestido de noiva, pelo menos foi o que Marc Ron­net me disse quando lhe telefonei alguns dias antes de vir para Comwall. O que aconteceu, menina? Decidiu nã o se casar de branco? Sentiu-se um pouco culpada por causa da educaç ã o que re­cebeu no convento?

Ynis colocou com muito cuidado a xí cara de café no pires e enfren­tou corajosamente o olhar curioso e provocador de Stella.

- Nã o sou amante de Gard - disse ela com a franqueza pura da inocê ncia. - Alé m do mais ele pode casar-se sem os sinos, pompas e toda aque­la confusã o.

- É mesmo? - Stella arqueou uma de suas sobrancelhas bem delineadas e o movimento de sua respiraç ã o fazia os pavõ es de seu robe chinê s tremularem. - Entã o você está se guardando para o ca­samento, nã o é? Bem, você é mais inteligente do que parece ou Gard ficou menos impetuoso. O homem de quem me lembro nã o ficava nos braç os de uma mulher apenas para...

- Nã o quero ouvir falar nisto. - Ynis olhou para Stella com toda a dignidade da juventude. - Sei o que Gard sentiu por você, mas sei també m o quanto você o magoou na é poca do acidente.

- As pessoas podem ser magoadas apenas por aquelas a quem amam - retrucou Stella. - Você nã o vai sair daqui com a idé ia de que Gard sente por você o mesmo que sentia por mim quando tinha sua idade. Eu podia enlouquecê -lo, menina, até que ele me sacu­disse ou me beijasse no meio das urzes. foi realmente uma pena que fô ssemos tã o ambiciosos e talentosos. Nossas ambiç õ es ficaram como uma espada entre nó s durante vá rios anos, mas a paixã o de um pelo outro estava sempre presente, havia aquela necessidade de lutar e de amar. Você suporta a idé ia de que em sua noite de nú p­cias, quando ele estiver fazendo amor com você, ele vai lembrar-se da garota de cabelos vermelhos a quem ele perseguia nos pâ ntanos, com todos os seus nervos, sangue e desejos voltados para ela?

Stella parou para deixar que aquelas palavras penetrassem em Ynis, em sua mente e em seu coraç ã o. Recostou-se nos travesseiros; seus cabelos vermelhos perdendo o realce de encontro à seda brilhante de seu robe chinê s e a expressã o de seus olhos denunciando o desejo que sentia por Gard e a determinaç ã o de trazê -lo de volta para os seus braç os,

Ela era muito mais bonita do que Ynis. Era como alguma espé cie de orquí dea ou de borboleta exó tica e fazia Ynis sentir-se como um filhote de mariposa. Olhar para aquela mulher, sabendo que Gard a possuí ra e nunca poderia esquecê -la, fazia com que Ynis se retraí sse, sentindo-se terrivelmente temerosa de que ele nã o conseguisse mais resistir a seus encantos. Amando-o tanto agora, Ynis temia que ele fosse magoado novamente como Stella já o magoara antes. Gard precisava ser amado nã o como Stella lembrava-se dele, mas como era agora.

- Acho que você só ama a si mesma - disse Ynis cheia de coragem - Ser amada por Gard ou por qualquer outro homem é apenas uma extensã o de seu amor-pró prio.    

- Humm, que garota esperta você é! - Stella sorriu, mostrando os dentes brancos e perfeitos. - Ser amada faz bem para o ego, mas neste caso existe um pouco mais, porque estamos conversando sobre Gard, e ele é algo especial. Casado com uma mulher tradicional ele ficará aqui neste fim de mundo, desperdiç ando o lado artí stico de sua natureza. Quero dizer, o que você compreende de mú sica erudita? E sabe que Gard entende muito de arte? Ele tem curso superior de mú sica. E tudo isto para ser desperdiç ado com uma pobre coitada? Você consegue vê -lo desperdiç ar-se a si mesmo... se o ama?

Ynis sentiu seu corpo todo estremecer quando Stella disse essas palavras. Com intuiç ã o feminina, a atriz percebeu os sentimentos da rival, portanto seria inú til negar o que sentia em relaç ã o a Gard.

- Ele nunca mais poderá reger uma orquestra - disse ela.

- Nã o, mas pode começ ar a compor mú sicas novamente. – Stella inclinou-se um pouco para a frente e seus olhos azuis fixaram-se nos de Ynis. - Por que você nã o vai embora e o deixa livre para mim? Você sabe que é a mim que ele, na verdade, quer. Ele luta contra mim por causa de seu orgulho. Ele tenta acabar com o amor que sente por mim, usando uma coisinha como você! Isto lhe agrada? Ser usada por um homem para deixar outra mulher em apuros? Mas se fosse assim, era de se esperar que você se sentisse lisonjeada por ele nem mesmo a perceber, mas nó s duas sabemos o que você sente por ele. Nó s duas sabemos que você nunca poderia fazê -lo feliz. Ele é muito para você, menina.

- Ele é muito para você - disse Ynis repentinamente. – Ele tem sentimentos, alguma consideraç ã o pelos outros, mas você nã o teve coragem suficiente para mostrar-lhe que ele ainda era um grande homem no momento em que ele precisava desta seguranç a mais do que de qualquer outra coisa do mundo. Posso nã o ter sua beleza e sua elegâ ncia, srta. Marrick, mas sei que tenho mais coraç ã o.

- Tudo isto para nada, sua bobinha, porque nã o pretendo ceder Gard a você. Você, a filha de um trapaceirozinho insignificante que tentou lograr Gard em mil libras! Este seu nome estranho facilitou que eu descobrisse quem era você na verdade, especialmente com as amizades que tenho. A filha de Noel Railford! E vem aqui dizer que eu magoei Gard! No dia em que ele sofreu o acidente, um ladrã o­zinho roubou-lhe a carteira com os documentos e no hospital nã o sabiam que ele era Gard St. Clair, o famoso maestro. Ele poderia ter sido entregue a mã os há beis e cuidadosas... oh, foi um desperdí ­cio criminoso, e você, a filha de um criminoso, atreve-se a sentar aqui e dizer-me que sou uma desalmada!

Ynis ficou ali, atordoada, olhando para Stella e tentando nã o acreditar que uma só palavra daquilo tudo fosse verdade. Mas havia algo no rosto de Stella, um brilho de triunfo em seus olhos de safira, que indicou a Ynis que tudo aquilo era a triste realidade. Enquanto representava o papel de invá lida desamparada, a atriz estivera ocu­pada ao telefone, contactando pessoas em Londres, sem dú vida agentes e jornalistas, que nã o tinham tido dificuldade em descobrir os fatos que a amné sia apagara da mente da filha de Noel Railford.

- Sabendo o quanto Gard despreza os ladrõ es - continuou Stella - me parece bastante irô nico que ele tenha decidido ficar noivo da filha de um. Mas sempre houve algumas coisinhas nele que nunca fui capaz de compreender e que serviam apenas para torná -lo ainda mais fascinante. Eu nã o quero conhecer um homem pelo avesso, mas gostaria de saber o que você vai fazer, Ynis, agora que as cartas estã o todas na mesa.

- Onde está Noel? - Ynis ainda nã o conseguia lembrar-se do rosto de seu pai, mas sentiu a aceitaç ã o daquele nome em seus lá ­bios.

- Ele foi mandado a julgamento e está cumprindo pena numa penitenciá ria perto de Reading. Ele roubou de Gard... você vai imi­tá -lo e roubar o que nã o lhe pertence?

Ynis olhava os raios de sol que refletiam nas paredes brancas al­mofadadas. Os raios que atravessavam a balaustrada do terraç o formavam sombras como grades. . . grades de prisã o.

- Você me ouviu? - Stella pegou o pulso de Ynis e suas unhas longas penetraram-lhe na pele dolorosamente. - Agora você sabe que Gard nã o pode amá -la. Gard nã o a quer de verdade, portanto, o que você pretende fazer?

- Eu... eu nã o sei. - Ynis libertou-se da mã o de Stella e sentiu dor nos arranhõ es de seu pulso. Levantou-se e afastou-se da cama da atriz. Virou-se entã o e saiu do quarto correndo, batendo a porta e continuando a correr, apenas a correr para fora da casa. O cé u e os gramados lhe pareciam nublados, com as lá grimas de seus olhos. Sem ver, esbarrou em algué m. Dois braç os seguraram-na, portanto nã o era Gard.

- Ché rie, onde você vai com tanta pressa?

- Pierre... - Ela levantou o rosto pá lido e coberto de lá grimas. ­- Gard nunca me disse que eu tinha pai e acabei de descobrir que ele está na cadeia!

- E quem lhe disse isto? - perguntou Pierre, passando o polegar na face molhada da garota. - Provavelmente, isso nã o passa de uma mentira.

- Nã o... - Ynis negou com a cabeç a e seu corpo magro estreme­ceu com a angú stia, o choque e a inseguranç a que sentia.

- Foi Stella? - indagou ele.

- Sim.

- À quela mulher é uma megera. Venha, crianç a, vamos até o carro. Daremos uma volta até que você esteja se sentindo melhor. Venha!

Com o braç o do rapaz em volta de seus ombros, Ynis foi até onde o carro cinza estava estacionado.

- Onde está Gard? – perguntou ela nervosa.

- Ele foi à ala oeste da casa, trabalhar no estú dio. Houve um in­cê ndio em uma das fazendas e é preciso preencher alguns formulá ­rios para o seguro. Aqui estamos, suba, arrume-se com conforto no banco e nó s sairemos.

- Pierre - disse ela, obedecendo a um impulso e com sú plica nos olhos - você me leva para Londres? Pra longe daqui? Nã o posso ficar aqui mais um segundo sequer. Eu nã o pertenç o à casa de Gard. Meu pai roubou-o e agora sei que ele me odeia!

- Ché rie...

- Por favor, Pierre! - Ela segurou-lhe o braç o. - Nã o sei porque, mas de repente me lembrei onde fica o convento. É em Bayswa­ter, e quero voltar para lá. Eu lhe suplico...

- Nã o suplique nada - disse ele rudemente. - É claro que eu a levarei para Londres, mas você precisa pegar um casaco. Vai come­ç ar a fazer frio quando o sol se puser e a viagem para Town é bem longa. Espere por mim e enxugue essas lá grimas. - Ele colocou um lenç o grande em seu colo, dirigiu-lhe um sorriso reanimador e cami­nhou em direç ã o à casa. Enquanto enxugava os olhos, Ynis ouviu o canto dos pá ssaros voando sobre os pâ ntanos. O som era como o grito de seu coraç ã o.

 



  

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