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CAPITULO VII



 

Ynis planejara acordar-se cedo, mas a exaustã o emocional pregou-lhe uma peç a e o sol penetrava em seu quarto quando Alice a despertou com o café da manhã.        

- Oh... - Olhou para Alice. - Que horas sã o?

- Já passa das dez, senhorita. Recebemos ordens de nã o lhe perturbar. - Parecia haver uma nota insinuante na voz da garota e seus olhos vagavam com curiosidade pela cama toda desarrumada de Ynis. - Deve ter tido uma noite irrequieta, senhorita. Normalm­ente quase nem desarruma os lenç ó is e levanta-se bem cedo.

- Sim. - Ynis apenas sussurrou a palavra, pois estava irritada consigo mesma por ter dormido demais e nã o apreciava a maneira como Alice a estava observando. - Vou tomar o café da manhã perto da janela, portanto, coloque a bandeja naquela mesinha, por favor.

- Como desejar, srta. Ynis. - O tom autoritá rio nã o era comum na sua voz calma, quase tí mida, e Alice arregalou os olhos um momento antes de se afastar da cama e obedecer a ordem. Ynis le­vantou-se, vestiu seu robe e, a fim de evitar qualquer outra conversa com Alice, entrou no banheiro. Quando entrou no quarto nova­mente, a jovem criada nã o estava mais lá e o sol brilhava sobre a bandeja ao lado da janela. Sentou-se à mesinha e serviu-se de uma xí cara de café; enquanto bebia contemplava a paisagem e ouvia som despreocupado do canto dos pá ssaros nas á rvores.

Nã o havia sinais de Stella, Gard ou Pierre e Ynis lamentou nã o ter perguntado a Alice se tinham ido montar a cavalo ou nadar.

Como Gard, Stella fora criada naquela regiã o, portanto nã o devia temer aquele mar bastante selvagem fora de Barbizon. Devia ficar maravilhosa em roupas de banho, mas Gard nã o iria nadar com ela. Ynis sabia disto instintivamente. Ele sempre nadaria sozinho, pois suas braç adas nã o tinham mais elegâ ncia, e seria doloroso demais lembrar-se que nã o podia acompanhar Stella.               

Ynis forç ou-se a tomar seu café da manhã, pois se passariam algumas boas horas antes que voltasse a comer, já que estava determinada a ir embora de Sea Witch naquele dia. Em sua juventude e inexperiê ncia nã o podia competir em condiç õ es de igualdade com um homem que lhe fazia exigê ncias de um amante sem amá -la.

Por volta das dez e meia, Ynis estava usando calç as compridas, um sué ter amarelo-pá lido e uma jaqueta de camurç a com a gola forrada de veludo. Em seu bolso estava guardada a corrente com a pé ­rola que deveria dar para pagar sua passagem até Londres. Depois de uma ú ltima olhada para seu quarto, atravessou as portas do ter­raç o, querendo afastar-se das lembranç as da noite passada... das pa­lavras de raiva... dos beijos selvagens... do conflito que nã o podia mais suportar.                                         

Ela caminhou pelo terraç o, fugindo apressada daquele casamento absurdo.

A manhã estava prometendo um belo dia e o ar impregnado do aroma do mar e do pâ ntano. Ciente de que poderia ser vista pela criadagem se continuasse naquele lado da casa, Ynis foi para a ala oeste, onde uma alameda muito mal conservada conduzia para a estrada.

Quando alcanç ou os portõ es, virou-se para uma ú ltima olhada para a casa, antiga e só lida vista por aquele â ngulo, com suas torres estreitas levantando-se em bicos como os chapé us das feiticeiras. Sob a luz do sol, Sea Witch era menos misteriosa do que ao crepú sculo, quando as janelas, guarnecidas com gelosias, brilhavam como rubis, e os corvos dos pâ ntanos pousavam nos chaminé s para grasnar aos cé us.

Uma vez Gard a convidara para ver á ala oeste da casa, mas nunca fora até lá.

Gard tinha lhe dito que naquela parte da casa ela se lembraria do que ele significava para ela... agora, enquanto o abandonava, percebia como temera profundamente lembrar-se se tinha sido amor ou ó dio que a fizera fugir dele naquela noite em que foi ferida sob a chuva.

Nunca, por nenhum momento, fizera realmente parte de Sea Witch e logo seria esquecida por aqueles que pertenciam mesmo à quela casa. Seria a ú nica a lembrar-se... das horas fugazes em que acreditara que possuí a toda a felicidade do mundo... quando explo­rara um velho barco abandonado no fim da baí a, ou comera sanduí ­ches frios de galinha com Gard, numa noite em que ele chegara tarde dos celeiros.   

O portã o rangeu atrá s dela e a estrada seguia iluminada pelo sol a sua frente, como se desta vez nada pudesse impedi-la de ir-se embo­ra daquela casa da qual começ ara a gostar um pouco.

A estrada era bastante irregular por causa das ondulaç õ es dos pâ ntanos, e o aroma sedutor dos tojos pairava naqueles campos sel­vagens parecendo uma espé cie de mel amargo que fazia com que Ynis sentisse as narinas formigando e levantasse a cabeç a para que o sol e o aroma penetrassem em sua pele. Nos pâ ntanos, passou por chalé s com paredes de pedras toscas, telhados em declive e janelas e portas profundamente recuadas. Elas ficavam ali, entre as flores e os gramados, como se també m tivessem nascido da terra; havia rou­pas lavadas em um varal ao lado de uma casa e havia tanta naturali­dade, tanta sensaç ã o de lar e conforto, que isto fez com que Ynis se sentisse terrivelmente só.

Se pelo menos uma daquelas casas fosse sua... mas estava a cami­nho de Londres, onde só estranhos a esperavam, onde ruas fervilha­vam e os carros poluí am o ar com sua fumaç a escura.

Ali nã o se podia aspirar o aroma dos tojos nem ouvir as gaivotas voando das rochas de Barbizon. Ynis parou numa parte alta da es­trada e, olhando para os pâ ntanos, sentiu um sú bito desejo de cami­nhar por lá antes de chegar à aldeia. Na distâ ncia, pô de ver uma pe­dra alta; iria caminhar só até lá para encher seus pulmõ es com aquele ar maravilhoso, e, talvez, tocar na pedra imó vel para ter sorte. Seu sangue estava agitado e seus pé s pareciam mais leves quando desceu correndo a margem da estrada para a grama alta e á spera.

Um pá ssaro voou de seu esconderijo, assustando-a, e entã o ela riu de seu pró prio nervosismo e sentiu o mato batendo em suas pernas enquanto caminhava em direç ã o à pedra alta e escura que devia ter presenciado ritos pagã os há muito tempo. Ali pareciam estar estranhos sussurros do passado. Se fosse noite, teria hesitado em aproxi­mar-se da pedra, mas de dia, era apenas um marco para si mesma; representava seu ú ltimo adeus para Barbizon, um gesto para os ve­lhos deuses dos pâ ntanos, para que eles lhe proporcionassem uma viagem segura.

Afinal alcanç ou a pedra que estava firmemente cravada no chã o, polida pelo tempo até ter quase o brilho do basalto, com formato semelhante a uma cadeira. A cadeira de um sacerdote druida, pensou ela, tocando a pedra com a mã o e fechando os olhos para fazer seu pedido pagã o. " Deixe que eu encontre um lugar a que pertenç a. Deixe que Sea Witch desapareç a de minha mente como um sonho. "

Mas naquele instante o que Ynis ouviu foi como um grito saí do de um pesadelo... este viera de um desfiladeiro que ficava a curta dis­tâ ncia da pedra e quando a garota correu para ver o que acontecia, o sangue congelou-se em sua veias. Um cavalo novo contorcia-se e virava-se nas areias verdes de um pâ ntano com o suor brilhando em seu pescoç o. Mais se esforç ava por sair mais o sugava o buraco da morte. O animal relinchou novamente e seus olhos, que se reviravam, pareceram fitar Ynis como num apelo de ajuda.

Ynis precisava buscar auxí lio imediatamente; assim, atravessou correndo o caminho percorrido até ganhar a ladeira que a levaria ao encontro do mais pró ximo chalé, há mais ou menos meio quilô metro. Enquanto corria para lá, esperava que houvesse algué m que pu­desse ajudar aquele pobre animal antes que fosse engolido pela lama verde.

A imagem do animal estava gravada em sua mente, deixando de lado todos os seus pensamentos enquanto corria em direç ã o ao chalé. Ao mesmo tempo em que avistou as roupas esvoaç antes no varal da casa, ouviu o som de um carro na estrada atrá s dela. Ela virou-se para olhar e entã o, indo para o meio da estrada, acenou para que o automó vel parasse. Conforme os freios funcionaram o veí culo parou, o motorista colocou a cabeç a para fora da janela aberta e ex­clamou: - Nã o é possí vel! A crianç a maluca é Ynis!

A porta do outro lado do carro foi aberta e uma figura alta apare­ceu.

- Ynis... é você!

O homem que a encarava era Gard St. Clair e o estranho era que conseguia sentir apenas uma onda de gratidã o envolvendo-lhe. Cor­reu até Gard e pegou-lhe o braç o.

- Há um cavalo preso na areia movediç a! - disse ela quase sem fô lego. - Eu estava indo para aquela casa para pedir ajuda. Você precisa fazer alguma coisa! O pobre animal está enlouquecido...

Ele fitou-a, correndo os olhos pela face ansiosa da garota.

– Há quanto tempo você viu isto? - indagou.

- Há mais ou menos sete ou oito minutos. Eu vim correndo o mais depressa que pude... Gard, por favor, faç a alguma coisa! - Ela sacudiu o braç o do rapaz com angú stia. - Nã o fique parado aí ou o animal morrerá!

Ele olhou em direç ã o aos pâ ntanos e Ynis ouviu-o dar um suspiro.

- Nó s chegaremos tarde demais, Ynis. Os esforç os do animal já o terã o puxado para dentro da lama neste momento. Sinto muito, crianç a...

- Oh, nã o lastime! - A garota largou-o, mas quando ela virou-se a correr em direç ã o ao chalé, Gard segurou-a dolorosa e firme­mente.

- Estou lhe dizendo que é inú til. Conheç o estes pâ ntanos há anos e seria preciso um trator e cordas para puxar o animal. Já está acabado, agora, Ynis. O sofrimento do animal está terminado.

Ynis estremeceu e compreendeu que ele devia estar certo, mas Sentiu-se tentada a discutir quando Pierre saiu do carro e juntou-se a eles.

- Você está sempre certo das coisas - disse ela para Gard. - Você sempre sabe melhor do que ningué m o que deve ou nã o ser feito. Você se acha infalí vel, mas eu o acho tã o á spero quanto uma dessas pedras dos pâ ntanos!

                                                  - O que é isso? - perguntou Pierre. - O que aconteceu?

                                                  - Ynis acabou de ver um cavalo afundando na areia movediç a. - A voz de Gard era grave. - Eu já vi isto acontecer com pô neis selvagens...

- Aquele animal nã o era um pô nei selvagem - interrompeu ela. Seus olhos, fixos em Gard eram espelhos daquela terrí vel cena que acabara de presenciar. - Eu pude ver as ré deas em volta do pescoç o dele... você nã o entende, era um cavalo selado, Gard, e portanto ti­nha um cavaleiro! Nã o havia sinal do cavaleiro... també m pode ter ficado preso na areia movediç a!

                                                  - Mon Dieu! - O rosto de Pierre ficou pá lido. - Era um cavalo alazã o?

- Sim. - Como poderia esquecer-se do suor escorrendo pelo pescoç o avermelhado e as plantas sobre as costas cor de cobre do pobre animal? - Sem sombra de dú vidas era um alazã o.

- Meu Deus! - As feiç õ es de Gard pareceram transformar-se em aç o sob a pele tensa de seu rosto. - Venha, Ynis, entre no carro! Dumont, precisamos ir até o está bulo. Aquele cavalo pode ser o de Stella!

 

Eles apressaram-se a entrar no carro e Ynis podia sentir suas pernas tremendo enquanto subia. A manhã ensolarada estava tornan­do-se cinzenta. Ynis fixou os olhos num cacho de cabelos que descia pela nuca de Gard. Quando Pierre sentou-se ao volante e colocou o automó vel em movimento, ela ouviu-o dizer:

- É terrí vel que uma coisa tã o chocante possa ter acontecido com uma pessoa como Stella, que adorava tanto brilhar e ser alegre. Tragique!

Gard nã o respondeu e pareceu a Ynis que ele estava estupidifi­cado diante da terrí vel possibilidade de perder Stella.

De repente, virou-se no banco para encarar Ynis.

- Você nã o viu mais nada a nã o ser o cavalo? Nenhuma luva ou echarpe caí da? Nenhum sinal de que havia uma mulher lá? Pense, Ynis! Tente lembrar-se de algo...

- Nã o consigo lembrar-me de ter visto sinais de uma mulher­. - retrucou ela e cruzou as mã os num esforç o para controlar seus nervos, cravando suas unhas nas palmas até que seus dedos começ aram a doer. - O cavalo estava relinchando, revirando os olhos e tentando desesperadamente sair do atoleiro. Isto foi tudo o que consegui ver... percebi as ré deas porque pareciam estar estrangulando a pobre criatura. Foi terrí vel vê -lo ali e nã o poder fazer alguma coisa para ajudá -lo.       

- Compreendo. - Os olhos de Gard pareciam penetrá -la, desferindo um golpe estranho em todo seu corpo. Afinal, nã o tinha escapado. Aquela estranha trama do destino ainda aprisionava, como os olhos negros de Gard.

- Você estava passeando pelos pâ ntanos, hein?

- O sol estava agradá vel... - Ela estremeceu, pois agora o sol se ocultara atrá s das nuvens e ela sentiu que odiava os pâ ntanos. ­- Por que Stella foi andar a cavalo sozinha? Você s dois discutiram Gard?

- Ela quis sair sozinha, por isso Pierre levou-a de carro até o está bulo e depois fomos juntos até a aldeia para que eu pudesse pegar uma encomenda no correio. Stella é uma excelente amazona e conhece os pâ ntanos, mas nó s dois a escutamos pedindo o alazã o a Dick Travis. Ela riu, com aquele seu jeito, e disse que uma montaria avermelhada combinaria com a cor de seus cabelos e seu mau humor... - Ele interrompeu-se, enrugando a testa e mordendo o lá bio inferior com os dentes fortes. Era o primeiro sinal que ele demonstrava de suas emoç õ es. Ele sabia muito bem que Stella de mau hu­mor nã o seria gentil com o cavalo e na noite passada ele a fizera ficar com ciú mes, pois lhe mostrara deliberadamente que desejava outra pessoa.

O carro veloz fez uma curva brusca à esquerda, tomando a direç ã o de uma estrada de terra entre dois postes brancos. Uma comprida casa de pedra entrou no campo de visã o e quando o carro estacionou ao lado da construç ã o, a fileira de está bulos podia ser vista atravé s de uma arcada, ornamentada com um reló gio de sol. Um grupo de cavaleiros passou em fila sob a arcada e, ao passarem pelo carro, vi­raram-se para olhar os trê s. Um deles cumprimentou Gard com um grito, mas ele pareceu nã o escutar e passou por Ynis e Pierre em di­reç ã o ao está bulo.

- Dick - gritou ele. - Onde você está, homem?

- Está muito ansioso - disse Pierre, segurando Ynis pelo coto­velo. - Você deve estar achando tudo isto muito doloroso, nã o é? Você é o centro do drama, ou nã o? - perguntou.

- Sinto-me como se fosse o chicote que os dois usam para aç oi­tar-se um ao outro. - A garota respirou fundo. - Por que o amor é uma coisa tã o complicada? Devia ser tã o simples e natural, nã o é? Mas em vez disso, só traz problemas e dores de cabeç a, e tudo por­que duas pessoas sã o orgulhosas demais para admitir que precisam desesperadamente uma da outra.

- O amor toma as pessoas vulnerá veis, petite. Elas erguem bar­reiras e uma vez que existem as barreiras existe guerra. Seria bem melhor se, como as criaturas humildes, nó s tivé ssemos fome em vez de ideais. Ah, ali está Dick Travis saindo do está bulo!

Um homem forte com os cabelos já grisalhos saiu de uma porta e, quando Gard começ ou a conversar com ele, colocou as mã os nos bolsos de sua calç a de montaria e pareceu ficar preocupado. Pierre apressou-se com Ynis em direç ã o aos dois homens. Gard virou-se e disse:

- Dick contou-me que Stella saiu num alazã o, um cavalo chamado Rufus. Nenhum dos dois ainda voltou, assim parece me­lhor organizarmos uma busca. Ynis, você sabe dizer ao Dick exata­mente o que viu? Pode descrever o local onde a coisa aconteceu?

Ela assentiu e tentou manter sua voz firme enquanto relatava mais uma vez toda a cena com todos os seus detalhes. Pierre devia ter percebido que as pernas da garota estavam trê mulas, pois passou o braç o em volta de seus ombros e comportava-se como seu noivo mais do que Gard. Ynis nã o culpava Gard, compreendia que toda sua preocupaç ã o estava concentrada em Stella e no pesadelo que ela poderia estar vivendo.

Quando Ynis olhou para o rosto de Gard notou que as linhas de seu rosto se tomaram mais acentuadas. Aproximou-se entã o de Pierre como se lhe pertencesse. Continuou abraç ada pelo francê s e ouviu Gard dizer que ele e Dick organizariam uma busca.

- Leve Ynis para casa - disse a Pierre. - Dê a ela uma boa dose de conhaque quando chegarem lá.

Pierre nã o discutiu e Ynis sentiu-se aliviada quando estavam de novo no carro, afastando-se do está bulo. Ver e ouvir outros cavalos tornava aquela cena nos pâ ntanos insuportavelmente ní tida. Recostou-se no banco que Gard havia ocupado e ficou olhando para a estrada que a levava de volta para Sea Witch. Se nã o tivesse resolvido caminhar até aquela pedra nos pâ ntanos, a esta hora estaria a caminho de Londres, sem saber que Stella... oh, era terrí vel demais pensar que aquilo pudesse ter acontecido!       

A noite passada, em seu vestido azul, ela parecia tã o viva e zombeteira; as ré plicas mordazes sempre prontas em seus lá bios e em seus olhos a intenç ã o audaciosa de nunca deixar Gard livre para qualquer outra mulher. Parecia a Ynis que, numa morte chocante, Stella conseguiria prendê -lo muito mais do que qualquer mulher viva conseguiria. Ele lembraria dela como Ynis se lembrava, rindo, toda em azul, à mesa e levantando um copo de vinho num brinde ao compromisso que estava resolvida a romper desde o momento em que ficara sabendo dele.

O carro subiu a alameda sul da casa, parando frente ao terraç o. O silê ncio só era quebrado pelo arrulho dos pombos.

Pierre olhou para o cé u e disse:

- Parece que teremos uma tempestade, o que vai dificultar a busca. Venha, vamos para dentro; pois você precisa daquele conhaque que Gard lhe recomendou. Pobre garota, você parece estar tã o atormentada!                                 

- Quem teria imaginado, Pierre, que uma coisa dessa pudesse acontecer? - Subiu os degraus do terraç o na frente, com os cabelos desalinhados. Sentia-se terrivelmente acordada, embora tudo aquilo mais parecesse um pesadelo. - O que faremos se eles nã o conseguirem encontrá -la... oh, vai ser terrí vel para Gard. Como ele enfrentará os fatos?

    - Nã o sei dizer. - Pierre abriu as portas da sala de estar e eles entraram. - Caberá a você tentar consolar Gard...

- Como posso fazer isto? - gritou ela. - Ele sempre amou Stella, por nenhum momento amou a mim.

- E você o ama? - perguntou Pierre calmamente, enquanto se dirigia ao bar. Ela estava em pé no meio da sala, fitando-o e ouvindo apenas o tilintar dos copos alé m das batidas de seu coraç ã o. Sentiu uma forte vontade de negar, mas as palavras, quando chegaram a seus lá bios, estavam com um curioso som indefeso.

- Sou grata a Gard por ele ter me dado uma casa quando eu pre­cisava, mas gratidã o nã o substitui sentimentos mais fortes, nã o é?

- E quanto à compaixã o? - Pierre veio em sua direç ã o com dois copos de conhaque nas mã os. - Você foi obrigada a sentir isto.

- Obrigada. - Ela aceitou um dos copos e ficou observando o lí ­quido dourado-escuro. - Mas isto nã o é paixã o, é?

- O que você sabe sobre paixã o alé m do que leu nos livros? A sua saú de, petite. Beba de uma vez e abrande este pesadelo doloroso.

Ynis arregalou os olhos verdes em direç ã o ao rosto abatido de Pierre. - Como sabe que eu me sinto assim, acordada num pesa­delo?

- Atravé s de seus olhos, Ynis. Você tem olhos muito expressivos, que revelam, talvez, muito mais do que deseja.

A garota baixou as pá lpebras e levou o copo de conhaque aos lá ­bios.

- Está se sentindo melhor? - perguntou Pierre e Ynis percebeu que ele se aproximara um pouco mais. Afastou-se dele e foi sentar-se numa das poltronas ao lado da janela. O charme daquele homem era insinuante, e ela estava certa de suas boas intenç õ es, mas, mesmo assim, dirigiu-lhe um olhar frio, que dizia: " Mantenha-se à distâ n­cia, seu latino perigoso! "

Ele arqueou uma sobrancelha e encostou-se no braç o do sofá de Couro. - Se ficarmos sentados aqui sem dizer nada, a ú nica coisa em que ficaremos pensando é no que pode estar acontecendo lá nos pâ ntanos. Será que deverí amos conversar sobre amor, você e eu? Algumas vezes, é mais excitante conversar sobre amor do que experimentá -lo. Você nã o acha que ser amado demais també m deve ser doloroso? Claro! Mesmo que você estremeç a com esta idé ia. Os apaixonados e inseguros frequentemente assumem uma má scara de indiferenç a que pode ser uma dor em si mesma. Eles zombam um do outro, falam palavras crué is e impensadas... Prefeririam morrer por sua dor secreta do que serem desmascarados.

- Isto tudo parece muito triste - disse ela, mostrando-lhe seu perfil e assumindo um ar de indiferenç a. - Você fala por experiê n­cia pró pria ou do ponto de vista de um dramaturgo?

- Em minha idade, já vivi muitas experiê ncias. Aprendi que o amor é o jogo mais sutil do mundo e muito mais intrigante do que uma noite em um cassino, onde se aceita a derrota ou a vitó ria com uma risada alegre. Ningué m ri no amor.

- Mas certamente você está falando sobre a paixã o - retorquiu ela.

- Você acha que estou tentando conquistar você, Ynis? - O sotaque do homem fez com que seu nome tivesse uma atraç ã o sutil, fazendo-o parecer estranho e suave. Ele deixava todo seu charme e elegâ ncia à mostra, fazendo a garota perceber que ele estava ali a sua frente, ao alcance de suas mã os. Seria bastante reconfortante recostar a cabeç a sobre o ombro de um homem, mas, com Gard Ynis tinha descoberto que, embora ainda nã o fosse uma mulher, nã o era mais uma crianç a para cair nos braç os de um homem somente a procura de conforto. Era preciso mais experiê ncia do que ela possuí a para perceber as diferenç as entre as atenç õ es de um amigo e as carí cias de um homem e ela ainda se sentia profundamente abalada pela maneira como Gard reagira a noite passada, quando resistira a ele. A falta de um braç o fazia pouca diferenç a para ele controlar seus esforç os ao resisti-lo... era a primeira vez que sentira a forç a quase assustadora que um homem possui quando deseja uma mu­lher. E naquele momento nã o sentia a menor vontade de ficar à mercê daquele francê s insinuante!   

- Tenho certeza de que você está apenas se divertindo comigo Monsieur. - Ela disse isto com afetaç ã o e com o queixo levantado para realç ar as palavras. - Com as garotas mais experientes do seu cí rculo de amizades você pode fazer o que quiser, mas no meu cas4o existe Gard para acertar as contas, e nó s dois sabemos que o poder que ele tem de amedrontar é muito maior que o de cativar as pessoas.

- Atenç ã o - Pierre inclinou a cabeç a num reconhecimento zombeteiro da habilidade que a garota possuí a quando eram necessá rias palavras em vez de aç õ es. A julgar por sua aparê ncia, ela podia ser dominada por um homem forte, subjugada por um homem decidido, mas quando tinha a oportunidade de replicar com palavras parecia invencí vel. Pierre sorriu-lhe e o brilho que havia em seus olhos tor­nava-o um homem muito mais atraente.

- Existe doç ura e amargor em quase todas as flores - disse ele e seu sotaque francê s fez com que as palavras parecessem naturais em vez de extravagantes. - Quase todos os homens gostam que as mu­lheres sejam meio anjos e meio perigosas e acredito que a maioria das mulheres gosta de homens meio santos e meio demô nios. Isto sã o meias medidas, mas, sendo francê s, gosto dos extremos. O ca­samento nã o devia ser uma obrigaç ã o; devia resultar de uma esco­lha, e é por isso que eu sentia que Gard estava fazendo a coisa mais inteligente ao resolver casar-se com uma garota como ele, emocio­nalmente insensí vel, sem grandes paixõ es.

- Você disse tudo no passado - disse ela e sentiu seus dedos fe­chando-se ao redor do copo de conhaque. - Eu... nã o quero acredi­tar que algo de ruim aconteceu a Stella, mas se aconteceu vai mudar as coisas. É apenas contra a Stella viva que Gard luta, que me uti­liza como um escudo e uma proteç ã o. Isto é tã o estranho. Nã o con­sigo entender esta espé cie de amor.

- Você sabe definir a espé cie de amor que a atrai? - perguntou ele, inclinando-se um pouco para a frente, atento e sem aquela ex­pressã o zombeteira no olhar.

 - Na verdade nã o sei - disse ela. - Mas se exalasse muita ter­nura, ou apenas raiva e rancor, gostaria que fosse por minha causa. - Você quer ser amada por você mesma, nã o é?

Ela assentiu.

- É pedir muito, eu sei...

- Nã o seja tã o modesta - interrompeu Pierre. - Você é como o seu nome, uma ilha selvagem e resistente à mã o de um homem. Você é realmente ingê nua se nã o percebe que nem todos os homens se derretem diante de uma mulher elegante que sai de um salã o de modas.

Ela dirigiu-lhe, entã o, um sorriso grave e divertido ao mesmo tempo.

- Você precisava ver o guarda-roupa que há em meu quarto ou pelo menos imaginá -lo, pois nã o pretendo levar você até lá! Toma uma parede inteira e está cheio de roupas elegantí ssimas, ainda com as etiquetas penduradas, sem contar os sapatos, as bolsas, etc. Gard tentou com o maior empenho... o realmente nã o sei o que ele tentou fazer de mim!    

- Muitas outras garotas diriam que ele foi apenas muito generoso. - disse Pierre zombeteiramente. - Ele tem dinheiro bastante para fazer o que quer.

~ Você sabe a verdade - retrucou Ynis. - Stella obviamente adora roupas e Gard resolveu comprar as minhas nas lojas que ela prefere. Ontem à noite ele... - A garota interrompeu-se e pô de perceber o olhar curioso de Pierre.

- Continue, petite - murmurou ele. - Nunca deixe no ar uma frase como esta ou fará um francê s sofrer um colapso nervoso.                 

- Hoje de manhã eu ia abandoná -lo. - Ynis disse isto como num desafio. - Eu estava a meio caminho da aldeia quando vi a pedra lá nos pâ ntanos e eu queria tocá -la. Ela parecia estar me cha­mando e, quando a alcancei, ouvi o cavalo relinchando. . . - Des­viou seu triste olhar para a janela e viu a chuva caindo no terraç o. - Se ao menos chegasse algué m, ou telefonasse! Nó s ficamos aqui conversando, tentando nã o pensar, mas sabemos que se gritá ssemos talvez nos sentí ssemos melhor. É terrí vel e cruel que uma coisa como esta aconteç a com um pobre animal, mas com Stella! Ela é tã o encantadora e cheia de vida. . . e Gard a ama!        

Quando terminou de dizer aquelas palavras, quase gritando, Pierre levantou-se e, numa passada, estava a seu lado. Ynis sentiu a pressã o das mã os dele em seus ombros e levantou o rosto; o silê ncio que havia entre eles parecia sustentar um grito mú tuo de seus coraç õ es para que Stella saí sse sã e salva daqueles pâ ntanos sombrios.

- Pierre...                                                

- Eu sei, petite. - Ele sentou-se ao lado da garota e puxou a cabeç a dela de encontro a seu ombro. - A espera é sempre terrí vel e muito mais para você, que viu o cavalo que ela devia estar montan­do. Entã o você estava dizendo que estava indo embora, nã o é? E para onde ia?

- Para Londres, para qualquer convento de lá que me aceitasse. Meu nome é bem diferente, assim nã o demoraria muito para que as freiras obtivessem algumas informaç õ es. Pelo menos seria alguma coisa que me ajudaria a descobrir a que lugar eu pertenç o verda­deiramente. De vez em quando penso que...

Quando ela parou, Pierre continuou as palavras.

- Você acredita que Gard sabe mais do que lhe contou, é isto?

Ynis concordou com a cabeç a e sentiu a maciez da jaqueta de Pierre sob as maç ã s de seu rosto. Sua pele exalava o aroma da loç ã o pó s barba, levemente mais perfumada do que a usada por Gard. Tudo em Pierre era diferente do que naquele homem que estivera perto de si na noite passada, deixando sobre os seus lá bios a

Sensaç ã o da forma e da textura dos dele e a rudeza de sua mã o sobre a pele fina de seu corpo. A mã o que acariciava seus cabelos naquele momento até chegar a sua nuca nã o era rude nem insinuava que po­deria se tornar cruel.

- Você é uma pessoa encantadora - murmurou Pierre. - Nã o é difí cil de se compreender que um homem a queira; tanto que possa até mentir para mantê -la a seu lado. Com você, tenho a sensaç ã o de estar numa capela muito pequena, quieta e isolada, onde as está ­tuas de pedra dormem tranqü ilas com leõ es deitados a seus pé s. Existe misté rio em sua face, Ynis; o ar sonhador dos celtas. - Seus dedos contraí ram-se, segurando-a pela nuca enquanto afastava a cabeç a da garota de seu ombro e trazia o rosto dela para logo abaixo do seu. Ele inclinou-se em direç ã o a Ynis, os cabelos da garota corre­ram-lhe pelos dedos, e ela viu-se indefesa com a necessidade que sentia de ternura. Os lá bios de Pierre viajaram de sua tê mpora pe­las maç ã s de seu rosto até o canto de sua boca. Era curiosamente agradá vel e nem um pouco assustador... ela esperava, quase como se estivesse adormecida, que os lá bios de Pierre tocassem os seus.

Mas como isto demorasse a acontecer, Ynis levantou as pá lpebras e viu Pierre fitando-a com uma expressã o magoada no rosto.

- As­sim nã o - gemeu ele. - Com esta doce resignaç ã o como se eu fosse consagrá -la, nã o. Você é assim com Gard?

 - Como eu sou com Gard nã o é de sua conta! - Ela soltou-se dos braç os de Pierre e sentiu esvair como fumaç a aquele doce torpor que a levara deixá -lo reconfortá -la com um beijo. Os homens eram todos iguais! Queriam que as coisas nã o fossem espontâ neas, assim podiam magoar as mulheres! Ela levantou-se num salto e, quando o fez, o copo de conhaque caiu no chã o. Sentiu sua cabeç a doer à me­dida que os efeitos da bebida lhe chegavam ao cé rebro. Segurou-se nas cortinas como se estivesse embriagada, quando viu pessoas apa­recerem no terraç o, sob a né voa cinzenta da chuva.

Uma delas mostrava o caminho, a outra seguia a primeira e carre­gava uma mulher nos braç os, uma mulher cujos cabelos despen­teados brilhavam como uma chama contra o paletó cinza do homem.

As portas foram abertas tã o subitamente, com tanta forç a, que Ynis recuou como se estivesse sob o efeito de uma emoç ã o poderosa. Quase se jogou de encontro à parede e lá ficou, com seus olhos verdes fixos em Gard, enquanto Dick Travis entrava na sala. Carregando Stella.                                                                                     

- Isto tudo nã o é tã o dramá tico, meus queridos? - Stella deu uma risada gutural. - Como o começ o de uma peç a... ou a ú ltima cena antes que caiam as cortinas.

 

 



  

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