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CAPITULO III



 

- Acalme-se - ordenou ele. - Você ainda parece tã o fraca que seria capaz de voar com uma simples brisa. Gostou do café da ma­nhã?

- Sim, obrigada. - Sabia que precisava tentar sorrir para ele, mostrar um pouco de gratidã o pelos cuidados que lhe dispensara, mas seus mú sculos faciais nã o a obedeciam e tudo o que conseguia fazer era continuar sentada ali, como uma adolescente nervosa com as mã os apertadas, como se estivesse rezando para que nã o fosse verdade que estava prestes a casar-se com aquele homem. Nã o era seu defeito fí sico que a assustava; era a expressã o sombria de seus olhos que a enchia de terror. Eram muito bonitos e já deviam ter sido alegres e cheios de vida, poré m, agora, nada desta alegria res­tava no olhar de Gard St. Clair.

- Embora eu possa parecer um estranho para você, precisa ten­tar chamar-me de Gard - disse ele com firmeza na voz. - O que as pessoas vã o pensar se você insistir num tratamento bastante formal com o homem com quem vai se casar?

Ouvi-lo falar sobre aquela situaç ã o tã o embaraç osa, num tom de voz despreocupado, fez com que surgisse em sua mente uma ré plica mordaz.

- Você se importa com o que as pessoas pensam? - per­guntou ela. - Isso é o tipo de coisa que nã o me impressiona.

Uma das grossas sobrancelhas negras que emolduravam seus olhos arqueou-se levemente e aumentou o aspecto sardô nico de Gard. - Você parece conhecer-me bem, mesmo nã o conseguindo lembrar-se de mim. Nã o, nã o me importo nem um pouco se as pes­soas pensam bem ou mal de mim ou se me tratam como se eu fosse uma pessoa diferente das demais apenas por ter perdido um braç o. Mas gostaria de ser tratado por você como um futuro marido sim­pá tico, ao invé s de um monstro, se nã o se importa.

- Eu... eu nã o o vejo como um monstro - protestou ela. – Se pareç o distante é por causa desta né voa em minha cabeç a, que me faz ter este tipo de comportamento. Sou como um livro com um ca­pí tulo arrancado... nã o sei a quem amava e a quem odiava.

- Deve ser uma sensaç ã o muito desagradá vel, Ynis.

Ela concordou com a cabeç a, comovida com a atenç ã o do homem que, embora sarcá stico, nã o deixava de lhe trazer certo conforto.

Nã o havia amor em seu olhar, nem mesmo dó, mas existia nele uma seguranç a magné tica que o fazia parecer mais forte do que os ho­mens que possuí am o uso pleno de seu fí sico. A garota sentiu-se su­bitamente feliz por ele nã o ser seu inimigo.

- Você gostou deste quarto? - Gard olhou a seu redor e quando seus olhos pousaram no leito, Ynis pensou nas inú meras vezes que ele a vira magra e descomposta ali deitada, agradavelmente perdida num mundo só dela, que nã o o incluí a. . . agora que despertara pre­cisava colocá -lo de uma vez por todas em sua vida. Ele lhe providen­ciara tantas comodidades que nã o poderia pedir-lhe que a deixasse ir embora.

- O quarto é muito bonito - disse ela de forma educada. – A enfermeira disse-me que estou na parte moderna de Sea Witch.

- Sim. - Ele sentou-se na ponta de uma confortá vel, poltrona de seda estampada, com motivos de flores de ló tus, e parecia, naquela posiç ã o, bastante ameaç ador. - Vamos morar na ala sul da casa, quando estivermos casados. Você ainda nã o se lembra que eu man­dei redecorar esta parte da casa como uma espé cie de presente de casamento, porque a ala oeste é muito velha e sombria para uma jo­vem esposa como você. Para lhe falar a verdade, sempre achei que esses aposentos que dã o para o terraç o nã o eram muito bem aprovei­tados como biblioteca, salõ es de recepç ã o e jardins de inverno. Agora temos uma suí te completa, ligada ao terraç o que recebe bem a luz do sol, mas que nã o fica exposta ao vento vindo do mar, como a ala oeste da casa, ló gico que a vista daqui nã o é tã o bela como a da outra ala, mas també m é certo que as jovens de hoje estã o muito mais preocupadas com o conforto do que com paisagens.

- É mesmo? - Ynis fitou-o com gravidade, pois cada coisa que ele dizia parecia mostrar-lhe o quanto tinha esquecido e o quanto precisava lembrar-se antes que ela e Gard St. Clair pudessem realmente conversar como duas pessoas que tinham resolvido tornar-se marido e mulher. Estaria ele insinuando, quando falava do que as garotas modernas gostavam, que ela estava com intenç õ es de se li­gar a ele por interesse de levar uma vida privilegiada, em vez de amá -lo sinceramente? Baixou as pá lpebras com rapidez para nã o precisar encará -lo e teve a sensaç ã o desconfortá vel de que Gard a conhecia muito melhor do que ela mesma. Sentia que aquele homem brincava com ela, como se fosse uma borboleta fincada em um alfinete a se debater freneticamente.

- Eu me esqueci da maior parte das coisas - disse ela, perce­bendo que havia um pouco de defesa em sua voz. - Sou como uma estranha para mim mesma, pois nem mesmo sei minha idade ou de onde vim. Perguntei à enfermeira, mas ela achou melhor que eu perguntasse a você. Você poderia me dar as respostas?

- Gostaria, Ynis, mas nã o sei definir sua idade, nem onde mo­rava, antes de vir para cá.

- O que quer dizer com isso? - Levantou as pá lpebras, e seus olhos mostraram os sentimentos complexos e confusos, para ela, que a personalidade estranha e zombeteira daquele homem lhe desper­tavam. - Por que nã o é franco de uma vez, comigo, em vez de ficar insinuando a toda hora que eu sou uma espé cie de mulher fatal?

- Você? - Examinou-a com olhos zombeteiros, pois mesmo o vestido caro que a garota usava nã o conseguia ocultar sua falta de postura, atributo indispensá vel à s mulheres ditas fatais. Ynis sentiu seu rosto ferver, ao notar que ele nã o a tratava, de forma alguma, de uma maneira mais í ntima, mais pessoal. O que, em nome dos cé us, os mantinha juntos? O que fazia duas pessoas ficarem noivas, quando era ó bvio que nã o tinham nada em comum?

- Você nã o é muito madura - disse ele. - Ainda é jovem o sufi­ciente para corar.

- Entã o você precisa dizer-me quem você é. - Ela estava aper­tando suas mã os com tanta forç a que o anel estava ferindo sua pele. - Nó s somos um casal muito estranho... Você é um homem muito rico, fino, e eu mais pareç o uma maria-ningué m.

- Estes dois fatos sã o incontestá veis -, mas eu lhe asseguro que nã o é a primeira vez que nos anais da histó ria româ ntica uma maria-ningué m se casa muito bem... no sentido financeiro, é claro. – Ele fitou com o canto dos olhos sua manga vazia. - Espero que isto nã o a faç a recuar. Posso dizer, com certeza, que até eu atravessar essas portas, você tinha se esquecido inteiramente de que eu era um muti­lado. .

Ynis retraiu-se com aquela ú ltima palavra proferida por ele, mas quando o rapaz estreitou os olhos; percebeu que sua atitude brusca teve um outro significado para ele: pensou que Ynis sentia repugnâ ncia por seu fí sico. - Sinto muito por causa do seu braç o, mas absolutamente nã o acho você uma pessoa de má aparê ncia.

 - O que é muito bom, Ynis, já que vai viver comigo. - Ele parou por um momento, significativamente. - E o que você gostaria de saber sobre mim, alé m do fato de que sou dono de Sea Witch e das terras que a circundam, alé m de ter nas veias o mesmo sangue dos primeiros habitantes desta regiã o? Dizia-se antigamente que um homem desta linhagem era o tipo de pessoa apropriada para ser um pirata.

- Antigamente? - murmurou ela, e seu olhar captou os contor­nos sombrios da face daquele homem, de maneira significativa. Viu seu lá bio superior torcido, talvez na alusã o de um sorriso.

- Fui um grande maestro - começ ou ele. - Agora sou fazen­deiro, ou seja, cuido dos documentos enquanto os outros plantam e colhem para mim. Principalmente as horrí veis batatas. També m tenho um pouco de gado e, como produtos de estufa, uma boa safra de tomates e frutas. Bastante diferente de um pirata, como pode ver. .

- Há quanto tempo? - Apertou a mã o direita com a esquerda, num gesto que falou com mais eloqü ê ncia do que quaisquer pala­vras.

- Cinco anos - disse ele, compreendendo-a inteiramente. ­- Nã o desejo discutir este aspecto de minha vida, portanto deixare­mos este assunto de lado para sempre. Você entendeu bem? Nã o quero que pense que este será um assunto para discussã o nem mesmo quando já tenha se tornado minha esposa. Isto aconteceu antes de nos conhecermos. O homem que eu era entã o e o homem que sou agora sã o duas pessoas completamente diferentes, com ob­jetivos distintos.

- Quer dizer - disse a garota com calma - que eu nã o teria tido um lugar em sua vida anterior?

O homem encolheu os ombros e olhou ao redor com sinais de in­quietaç ã o. - Gostaria de fumar, mas nã o acho que seja conveniente

Faze-lo em seu quarto. Você acha que já está bem o suficiente para ir comigo até a sala de estar? Nã o fica muito longe de seus aposentos, indo pelo terraç o.

Quando a garota assentiu, ele se levantou e foi até o armá rio de roupas. Abriu-o e pegou um casaco de lã de cordeiro; colocou-o sobre os ombros de Ynis antes de saí rem para o terraç o.

- Nã o vai preju­dicá -la tomar um pouco da brisa do mar, mas nã o quero que acabe pegando um resfriado. Afinal de contas, já está tudo arranjado para o nosso casamento. Quando fui informado, esta manhã, de que você estava se sentindo bem melhor, telefonei para o vigá rio.

- Mas nã o posso casar-me com um estranho! - Enquanto as palavras saí am como que por si mesmas, Ynis estendeu a mã o para segurar-se no braç o dele. Em vez disto, tocou a manga vazia, apertou-­a por um momento para firmar-se, e entã o largou-a como se o material pudesse queimá -la.

- Nó s nã o somos estranhos. Ynis - disse ele, fitando-a com olhos frios e quase calculistas. - Garanto-lhe que conhecemos muito bem um ao outro.

- Nó s, nos amamos? - perguntou a garota, envolta naquele casaco que parecia nã o combinar com seu corpo magro, quando esta­vam pró ximos ao parapeito do terraç o. Era a memó ria, ou algum instinto, que lhe assegurava que nunca tinha usado aquele casaco antes? Embora lhe coubesse como se lhe tivesse sido feito sob medi­da, era como se, na verdade, pertencesse a uma pessoa mais atraente do que ela, mais mundana... e amada.

- Muitos casamentos sã o feitos desta maneira - retrucou ele. - ­Eles nem sempre sã o motivados por um imenso amor. Você está usando o anel de noivado, Ynis. Espero que mantenha sua palavra. Ora, você nã o romperia comigo, nã o é?

- Como seria isto possí vel? - perguntou ela. - Você espera que eu cumpra uma promessa que nem mesmo consigo me lembrar de ter feito. - Respirou o ar frio e penetrante que subia pelos extensos gramados, como se com essa atitude pudesse retirar aquela né voa desconcertante de sua mente. - Posso sentir o cheiro do mar; é muito animador.

- Sim, esta é uma parte bastante fascinante da costa de Cornwall, com duas atraç õ es distintas: o oceano e os terrenos pan­tanosos. Sea Witch é bastante isolada, claro, mas você nunca foi uma garota que gostasse da vida badalada.

- Nã o? - Ela teve que sorrir, pois era muito estranho precisar de algué m para dizer-lhe do que gostava e do que deixava de gostar.

- Notei que meu sotaque é diferente do da enfermeira, o que quer dizer que nã o devo ter nascido aqui.

- Você é de Londres. - Gard conduziu-a até a sala de estar, mas Ynis tinha olhos apenas para ele.

- Você disse que nã o tem a certeza sobre o lugar de onde eu vim.

- Londres é muito grande, Ynis. - Tirou o casaco de lã dos om­bros da moç a e colocou-o no encosto de uma enorme poltrona. Nó s nunca nos detivemos para discutir o lugar exato onde você nas­ceu mas sei que passou parte de sua vida na escola de um convento.

- Uma espé cie de escola de caridade? - Ela ficou olhando para a clá ssica lareira de má rmore e para a pintura estranha que havia acima da cornija: uma crianç a sentada à beira de uma janela, com um cã ozinho no colo. Desviou os olhos do quadro para captar a ele­gâ ncia do aposento, os painé is dourados de madeira trabalhada das paredes, os lustres de cristal, os sofá s e poltronas recobertos de seda estampada, o carpete turquesa, os armá rios entalhados e a mesa de jogos no mesmo estilo. Era um cô modo em que cada peç a havia sido escolhida com o cuidado e o bom gosto de um homem rico.. Revelava o amor pela beleza e elegâ ncia... Quando se viu refletida num dos espelhos ornamentados com arabescos, mais uma vez Ynis sentiu-se confusa por ele tê -la escolhido para sua futura esposa.

Virou-se para fitá -lo, como se quisesse ler, em sua expressã o ilegí ­vel, a razã o pela qual a escolhera, quando ele devia conhecer mulhe­res que completariam melhor a elegâ ncia daquele aposento. ­

- Sente-se, e tome um chá enquanto fumo um charuto. Acho que nã o poderia passar sem eles, portanto., acho melhor acostumar-se a seu aroma penetrante e forte. - Apertou uma campainha fixa à parede, enquanto falava; entã o abriu uma caixinha de prata sobre a cornija da lareira, pegou um charuto, colocou-o entre os lá bios e acendeu-o.. Nã o havia nenhuma falta de jeito ou de graç a na maneira como ele usava a mã o esquerda, percebeu Ynis, mas, Gard fora um maestro e devia ter sido um golpe terrí vel perder o braç o direito; nã o possuir mais a agilidade do pulso direito e o jogo flexí vel da batuta presa na mã o e nos dedos que saí am daquele pulso. Sua recusa a conversar sobre o acidente significava apenas que cinco anos nã o ti­nham sido suficientes para suavizar o golpe.

Uma criada veio em resposta à campainha de serviç o.. Gard pediu um bule de chá, bolinhos de aveia e gelé ia. Ela fez uma reverê ncia respeitosa e saiu, fechando a porta; Ynis sentiu-se chocada, ao per­ceber que, naquela velha mansã o os costumes antigos ainda per­maneciam intactos, sem modificaç õ es. Uma vida requintada em seus mí nimos detalhes era exigida pelo homem que estava, sombrio e bem vestido, ao lado da lareira de má rmore, onde um aquecedor elé trico brilhava.

- Você parece sentir-se - disse ele lentamente - como se fosse um peixe fora d'á gua.

- Deve ser a formaç ã o que tive no convento o que me faz suspirar e arregalar os olhos, ante o esplendor desta sua enorme casa. - Fi­tou-o e Sentiu-se aborrecida pelo seu sardô nico ar de quem conhecia o mundo de uma maneira completa, bem diferente de suas expe­riê ncias de garota... Esse pensamento fez com que proferisse pala­vras quase imprudentes e, com certeza, estranhas à sua natureza. - ­Afinal, que diabo nó s temos em comum? Até o anel que você me deu nã o combina com os meus olhos, que, caso você nã o tenha perce­bido, sã o verdes.

Ele olhou diretamente nos olhos de Ynis, entã o deu uma tragada profunda em seu charuto e deixou que a fumaç a saí sse pelo seu belo nariz.

- Você está se queixando por ter ganho uma safira, em vez de uma pedra de jade, que combinaria com seus olhos de feiticeira? Esse anel vale uma bela quantia de dinheiro.

- Eu odiaria pensar que sou uma mercená ria - retrucou ela, e a pele que cobria as maç ã s de seu rosto tingiu-se de vermelho. Nã o me sinto como uma interesseira e estou certa de que nã o pareç o ser uma.

- Com que você imagina que as interesseiras se parecem? - Os olhos de Gard eram zombeteiros, enquanto a observavam atravé s da fumaç a de seu charuto. - Nã o é sempre fá cil distinguir as verdadeiras, das falsas. O rosto pode ser a mais ilusó ria das má scaras. Uma voz doce pode seduzir até o demô nio. Você realmente acha que todas as interesseiras sã o belas e possuem formas sedutoras?

- Talvez, para conseguir um homem como você... - disse ela, e seu impulso de bravura foi seguido pelo alí vio que lhe proporcionou a volta da criada com a bandeja de chá. Esta foi cuidadosamente colocada sobre uma mesinha ao lado do sofá e de novo, com uma reve­rê ncia e um olhar bastante furtivo em direç ã o a Ynis, a criada reti­rou-se. Trouxera duas xí caras, e a garota perguntou educadamente se Gard gostaria de um pouco de chá.

- Vou acompanhá -la. - Ele sentou-se e apagou o charuto num cinzeiro. - Desejo discutir sobre nosso casamento.

Aquela palavra provocou-lhe uma sensaç ã o de morte, e suas mã ostremiam enquanto servia o chá que estava num bule de prata. ­

- Você gosta de aç ú car e creme? - perguntou.

­- Gosto de creme mas nã o de aç ú car. -seu tom de voz era seco, como se tivesse percebido muito bem a reaç ã o da garota ante seu comentá rio. - També m vou querer um bolinho de aveia. Minha co­zinheira sendo natural de Cornwall, é excelente, e seus bolinhos sã o famosos desde os tempos de minha mã e.

Ynis colocou num prato um dos bolinhos quentes e estendeu-o a Gard. Ele o cortou e passou gelé ia. - Vamos, coma um bolinho. Você precisa recuperar suas forç as e sua cor natural. Você normal­mente possui a cor clara e luminosa dos celtas, mas agora está mais parecendo um fantasma. A perspectiva de casar-se comigo é tã o alarmante?

- É que, para mim, atualmente, você é um estranho... - Ner­vosa, levou a xí cara à boca e sorveu o chá quente, o que lhe trouxe lá grimas. Tudo ficou nublado, diante dos seus olhos, como sua me­mó ria. Se pelo menos ousasse perguntar se um dia o amara! Se pelo menos ousasse esperar que ele se importasse com ela! Mas ele nã o lhe dava sinais disso. ­

- Você logo vai se acostumar comigo de novo, e quando nos ca­sarmos, dividirei Sea Witch com você, inteiramente. Pense na ven­tura que é ser a dona de tudo isto aqui, de ter dezenas de aposentos a sua disposiç ã o e um tradicional teto de ardó sias sobre sua cabeç a.

- Você fala como se eu estivesse me casando com você por causa

desta mansã o!

- Você está, Ynis. Assim como eu, estou me casando com você por causa de um filho. Esta era a barganha...

- Mas eu nã o me lembro de nada disso - interrompeu ela. - ­Você poderia estar inventando cada palavra, pois tudo parece irreal e estranho para mim, como esta sala em que estamos sentados. Te­nho certeza de que nunca estive aqui antes.

- Beba seu chá, coma um bolinho e entã o, Ynis, vou levá -la para a parte oeste da casa, até meu estú dio, e você vai perceber, de uma vez por todas, que já esteve lá anteriormente.

Suas palavras foram tã o decisivas que fizeram com que Ynis se re­traí sse ainda mais, em sua poltrona, e que a revolta que começ ara a existir dentro dela a abandonasse. Nenhum homem inventaria uma mentira como aquela a fim de conseguir uma maria-ningué m para esposa; portanto, tinha que ser verdade aquela barganha inacredi­tá vel de que ele acabara de falar!

- Eu... concordei em casar-me com você naquela noite em que saí correndo e fui acidentada? - perguntou ela.

- Sim - admitiu ele. - O motorista do carro nã o deve mesmo ter visto você na estrada e, mesmo que a tenha visto, deixou-a jogada, completamente inconsciente, sem lhe prestar socorro. Estava chovendo muito quando você saiu de Sea Witch e Doom, meu criado, saiu em meu carro para procurá -la...

- Eu estava fugindo de você! - Ela encarou-o, mas os olhos dele eram inescrutá veis. Eram sombrios e exprimiam uma personalidade tã o forte que Ynis achava completamente absurdo nã o possuir a mí nima lembranç a deles. Seus cabelos tinham um brilho metá lico, por causa de alguns fios prateados que ameaç avam aumentar em breve.

 Suas feiç õ es eram enfá ticas, e as sobrancelhas pareciam asas, muito negras, como os cí lios muito grandes e curvos.

- Você foi muito infantil - disse ele, como se isso explicasse, todo o por que de ela ter fugido de sua casa imediatamente apó s ter concordado em tornar-se sua mulher. - Querida, deixe de me olhar como se eu fosse um monstro que quisesse tomá -la como minha escrava. Se você estiver a fim de me deixar, nã o fique constrangida.

Ali está seu casaco e ali é a porta que dá para fora. Desç a reto a ala-' meda e no fim vire a esquerda para encontrar a aldeia.

Os olhos de Ynis seguiram os gestos da mã o esquerda de Gard quando esta apontou para o casaco e para a porta. Mã o cheia de vida, com dedos belos e longos, com uma elegâ ncia instintiva no mover-se e que algum tempo atrá s comandara vá rios mú sicos, os violinos, as flautas, os tí mpanos e os tambores de uma louca tempestade musical.

- Você permitiria que eu me fosse? - perguntou ela, tensa.

- Nã o, sua louquinha, porque você simplesmente nã o tem para onde ir! Você pertence a este lugar, e quanto mais rá pido aceitar este fato. mais agradá vel ficará a situaç ã o para nó s dois. ­

Nenhum lugar para onde ir? Nenhuma pessoa com quem pudesse contar? Ningué m, a nã o ser aquele homem que lhe oferecia uma vida cheia de luxo, mas sem amor?

A situaç ã o era intolerá vel. - Nã o posso! - Ela se levantou num impulso, como numa atitude defensiva de um animalzinho acuado. – Você deve ser louco, por esperar que eu leve adiante esta farsa! Que espé cie de casamento sena o nosso?

- Como muitos outros, acho. - Ele se levantou abruptamente e numa ú nica passada alcanç ou-a e segurou-a com o ú nico braç o. Ynis virou-se e, no mesmo instante, com forç a assustadora, Gard for­ç ou o corpo da garota contra o dele. - Eu tenho só um braç o, mas nã o sou invá lido, Ynis. Consigo pegar, segurar e você só vai conseguir ferir-se, se continuar a resistir a meu contato. Já está tudo arrumado para o casamento, que acontecerá dentro de trê s semanas. Já foram mandados os convites para as poucas pessoas que eu gostaria que estivessem presentes, e vem vindo uma senhora de Londres para fa­zer seu vestido. Nã o faremos nada à s ocultas. Você usará cetim branco e nos casaremos na igreja, com coro e sinos. Ningué m, aqui em Cornwall ou em Londres, dirá que nosso casamento foi feito por conveniê ncia.

- Você espera que eles acreditem que nos casaremos por amor? - Ela o fitou selvagemente, com seus olhos verdes inflamados de ó dio e desespero. Ele era forte e rude, e o corpo de Ynis ainda estava fraco pela longa permanê ncia na cama. Sentia suas pernas treme­rem e seu coraç ã o acelerado. Fechou os olhos quando sentiu tontu­ras. - Gostaria de voltar para meu quarto, Estou me sentindo can­sada.

- Entã o me abrace.

- Nã o...

- Faç a o que digo, Ynis.

Sentindo-se fraca, obedeceu-lhe. Seus dedos fecharam-se vagaro­samente sobre a tepidez do pescoç o de Gard e, atravé s das pá lpebras semicerradas, viu o rosto dele inclinar-se sobre o seu, chegando tã o perto que podia sentir-lhe o há lito quente sobre seus cí lios. Ela nã o podia deixar de perceber també m um leve ar de zombaria, na boca do rapaz, e nã o conseguiu impedir que um pequeno suspiro lhe es­capasse dos lá bios, quando seu forte braç o esquerdo a levantou do chã o e carregou-a até o quarto. Colocou-a na cama, que durante sua ausê ncia fora arrumada. Por um momento infinito, Gard nã o tirou seus olhos dos dela, dominando-a, fazendo com que compreendesse, com aquele olhar interminá vel, que pretendia cumprir tudo o que dissera. O silê ncio foi interrompido por uma batida na porta que dava para o vestí bulo.

Gard estava arrumando a gravata, quando a enfermeira entrou.

- Há uma chamada interurbana para o senhor. - Seus olhos ca­minharam de seu patrã o para Ynis, ainda numa atitude defensiva sobre a cama, e a garota desejou gritar para que ela iluminasseaquele olhar de sabedoria idiota de seu rosto.       

- Estou indo. - Gard caminhou em direç ã o à porta, só brio e imperturbá vel; obviamente, nã o se importava nem um pouco com o que a enfermeira pensava, quando alcanç ou a porta e virou-se, para dirigir aquele seu breve sorriso para Ynis. - Vejo-a mais tarde, que­rida. Se estiver se sentindo mais descansada, talvez até possamos jantar juntos. Até mais. - Saiu, fechando a porta, e enquanto seus passos desapareciam na distâ ncia, um tremor percorreu o corpo de Ynis, num misto de alí vio e fadiga.

A enfermeira chegou-se a ela e ficou ali com aquele sorriso de sa­bedoria, enquanto pegava o pulso magro da garota e contava-lhe as batidas. - Você está muito excitada, querida. É melhor que des­canse um pouco.

Ynis puxou seu pulso daqueles dedos mornos. Tudo o que dese­java, naquele momento, era sair daquela casa e daquela situaç ã o im­possí vel.

- Enfermeira, se eu lhe pedisse que me emprestasse al­gum dinheiro, você me emprestaria?

- Um empré stimo, querida? - A mulher correu seus olhos in­quiridores pelo rosto tenso à sua frente. - E para que serviria? Um presente para ele?

- Sim. . . talvez. - Ynis estava pensando em fugir, mas enquan­to a esperanç a iluminava seus olhos, a voz do bom senso fez-lhe um comentá rio que ela de maneira nenhuma poderia ignorar. Depois que tivesse escapado de Sea Witch, para onde iria? Nã o se lembrava de seu endereç o anterior, o convento de que Gard lhe falara, e para arrumar um emprego precisaria de uma carta de apresentaç ã o. O brilho desapareceu-lhe dos olhos e ela se recostou, indefesa, contra os travesseiros, deixando que a enfermeira lhe tirasse os sapatos. Devia haver alguma maneira, algum meio de encontrar aquele tal con­vento...

- Enfermeira, eu devia estar levando uma bolsa comigo, quando fui atropelada! - Sentou-se novamente, enquanto a enfermeira a observava calmamente, como se já estivesse acostumada a lidar com garotas cheias de caprichos. - Onde está? Onde foi colocada?

- Realmente, senhorita! Nã o lhe fará bem ficar tã o excitada por causa de uma simples bolsa. De qualquer modo, lá eu só encontrei uma libra e mais ou menos trinta pence.

- Mas mesmo assim quero ver minha bolsa! - Ynis estava tre­mendo e seus olhos estavam tã o grandes que pareciam despropor­cionais a sua face. - Por favor, pegue-a para mim.     ­

A enfermeira arqueou uma sobrancelha e foi ate a penteadeira. Abrindo a primeira gaveta, tirou dela um objeto de aparê ncia rota, com uma alç a quebrada, e o estendeu a sua paciente com umar que dizia que um traste como aquele destoava completamente da­quele cô modo luxuoso. ­

Ynis pegou a bolsa e jogou seu conteú do sobre a colcha de seda. Havia um estojo de pó -de-arroz de marca barata, uma medalhinha de santo, uma carteira e um lá pis. Uma rá pida procura no que ficara dentro da bolsa nã o lhe trouxe maior ajuda: havia apenas um lenç o, dois grampos e metade de uma caixinha de goma de mascar. Ynis abriu a carteira e contou o dinheiro. Tudo o que ela possuí a no mundo era uma nota de uma libra e algumas moedas.

- O que você estava esperando encontrar? - perguntou a enfer­meira.

A garota fitou a mulher e subitamente seus olhos encheram-se de lá grimas.

- Eu aposto, enfermeira, que você tem na bolsa algumas fotografias de seus familiares e de amigos també m. Como vê, é evi­dente que nã o tenho ningué m neste mundo. Nenhuma carta... nenhum endereç o. Sou mesmo um nada.

- E quanto a este anel em seu dedo? - perguntou brincalhona a enfermeira. - Daqui a pouco tempo você será algué m, terá centenas de amigos, e parentes també m. Quem estava ao telefone era uma prima do sr. St. Clair, Stella Marrick, uma atriz do West End. Cer­tamente ela comparecerá a seu casamento, junto com alguns ami­gos.

Ynis nã o a escutava, estava olhando para o anel de safira. Ele va­lia muito dinheiro, e, se o empenhasse, nã o seria roubá -lo. Mandaria o comprovante para Gard S. Clair, assim ele poderia recuperar o anel e o dinheiro obtido a sustentaria até que recuperasse a memó ria e pudesse tomar as ré deas de sua vida. Seria melhor do que casar-se com um homem que nã o amava, pois precisaria de menos coragem.

Olhava, com uma espé cie de fascinaç ã o, para os poucos objetos que possuí a e que pareciam tã o estranhamente paté ticos sobre a col­cha de seda, objetos que contavam uma histó ria de privaç ã o e de uma vida religiosa. Passou os dedos pela flor que havia sobre a caixa de pó -de-arroz barato; nã o devia ter sido encorajada pelas freiras do convento a usar maquilagem, por isso se limitava a passar apenas uma leve camada de pó em seu rosto. Tocou o perfil do santo, na medalhinha religiosa, e sentiu um tremor nos dedos. Ainda que precisasse usar o anel para fugir de Gard, deviam ter-lhe ensinado a ser honesta e a respeitar a propriedade alheia! Nã o podia casar-se com ele, pois sentia, com todas as forç as do seu ser, que o propó sito daquele homem era sinistro.   

Colocou as coisas de volta na pequena bolsa e percebeu mais uma vez que nã o possuí a uma chave, o que significava apenas que a ú nica verdade que ele lhe dissera tinha sido a de que nã o possuí a um lugar para onde ir.                          

- Vou repousar durante uma hora ou duas - disse Ynis. - Quero recuperar minhas forç as o mais rá pido possí vel.                             

- E ló gico que vai conseguir, querida. - A enfermeira dirigiu-­lhe um sorriso complacente. - A cozinheira recebeu ordens para começ ar a fazer seu bolo de casamento, o que quer dizer que o sr. St. Clair está impaciente por se casar. Calculo que ele ache que já esperou por muito tempo para tomar-se um pai de famí lia. Deve até sentir-se envergonhado por causa disso... - Ela se interrompeu e olhou para a figura magra e de cabelos rebeldes, deitada sobre a cama. Seu sorriso era significativo. - Deve ter sido uma bela figura de homem, antes daquele acidente com o seu braç o, e dizem, coi­tado, que ele ficou sozinho, depois do que aconteceu com ele...

- Está querendo dizer, enfermeira, que alguma mulher o abandonou quando ele perdeu o braç o? - perguntou Ynis suavemente.

- Sua prima, Stella Marrick, é o que dizem. - A enfermeira olhava para Ynis como que à procura de algum sinal de ciú me, mas a garota apenas recostou sua cabeç a no travesseiro e segurou a bolsinha de encontro ao rosto.

- Stella, estrela - murmurou ela, e como uma crianç a inocente adormeceu segurando a bolsa, como se aquele objeto lhe trouxesse seguranç a e proteç ã o.

 



  

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