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CAPITULO IV



 

Uma semana mais tarde a enfermeira deixou Sea Witch e Ynis pô de suspirar de alí vio. Sentia-se bastante melhor, agora, embora sua mente ainda nã o quisesse revelar o que estava ocultando.

A garota tinha certeza de que existia algo e que nã o desejava verdadeiramente se lembrar, porque a magoaria, e, cada vez que tomava chá ou jantava com Gard, ficava tensa, pois tinha impres­sõ es repentinas de que se lembraria de tudo.

Nesse meio tempo familiarizou-se com a casa, cujos gramados se estendiam até os velhos muros de cor cinza, cheios de musgos, e cu­jos longos terraç os do lado oeste davam para o mar. Conheceu algu­mas pessoas que trabalhavam nas plantaç õ es e sabia o que elas pen­savam quando Se viravam para olhá -la; ela era uma estranha, entre eles, e nã o muito apropriada para ser a dona daquela casa de enorme importâ ncia para a comunidade.

Doom a olhava da maneira mais estranha, como se a considerasse mais um gato perdido do que a futura esposa de seu patrã o.

Uma manhã, encontrando-a perdida entre as muitas passagens sinuosas de Sea Witch, levou-a de volta para a sala de estar, com o ar solene de um homem sabedor de muitas coisas e que raramente fala sobre elas.

- Doom - disse Ynis de repente -, se você nã o tivesse me encon­trado, naquela noite, eu teria morrido.

- Isso bem que podia ter acontecido, senhorita - concordou ele, sem uma ú nica mudanç a de expressã o em seu rosto, que, percebia a garota agora, era tremendamente severa.

- Serei eternamente agradecida a você, por ter saí do na chuva para me procurar.

- Foi o patrã o quem ordenou que eu saí sse com o carro para procurá -la, senhorita.

    - Mas foi ele quem me fez sair no escuro e na chuva!

    - Nã o sei dizer nada sobre isso, senhorita. Isso nã o me diz respeito.

- Você será fiel até seu ú ltimo suspiro, Doom. - Ela sorriu e olhou para o fogo, com seus enormes olhos verdes, quase parecidos com os do gatinho deitado sobre uma almofada pró xima à lareira, Topaz, que desdenhava qualquer afago, a nã o ser o da mã o de seu dono.

    - Faz quanto tempo que você está em Sea Witch? – perguntou Ynis.

- Estou aqui há apenas cinco anos, senhorita - replicou ele. ­Vim do apartamento em Londres com o sr. St. Clair, quando ele re­solveu voltar a viver aqui; na casa de seus antepassados.      

- Entã o você trabalhava para ele antes... - Ela hesitou, mas já sabia que precisava indagar, se quisesse tomar conhecimento dos fa­tos que envolviam St. Clair. - Você era seu criado, na é poca do aci­dente, nã o era, Doom?           

- Era, senhorita. - Sua voz tornou-se baixa e ele se virou para a porta. - Se há algo que precise, mando Alice atendê -la.

- Doom... - Havia um tom de sú plica em sua voz. - Se tudo o que você sabe fazer é me descartar, entã o nunca poderei recordar-me dos detalhes do meu relacionamento com St. Clair e de por que fugi dele naquela noite. Senti-me assustada por causa de seu braç o amputado? Diga-me!                                                                   

O criado virou-se novamente para fitá -la e um resquí cio de emo­ç ã o, talvez simpatia, revelou-se em seus olhos.

- Tenho ordens para nã o discutir este assunto. Como pode entender, senhorita, isto é doloroso para o patrã o. Ele era conhecido no mundo todo e vivia para seu trabalho e para sua mú sica.       

- Isto é tudo o que tem para me dizer?

- Sim, senhorita. - Ele inclinou a cabeç a respeitosamente, um pouco de medo pareceu misturar-se com seu ar de dignidade. - É tudo. Aceita café com biscoitos?

- Nã o, sim, preciso de algo para passar o tempo. Vejo que está começ ando a garoar. - Olhou para as largas janelas e, alé m delas, para uma paisagem de campos nublados de chuvas e canteiros de azá leas, de um vermelho tã o profundo que pareciam fogueiras. – Esta é uma propriedade muito grande e imponente, Doom. Nã o pa­rece uma piada, para você e para os outros criados, que eu esteja prestes a me tornar dona disto tudo?

- Nã o permito que a criadagem discuta isso em minha presenç a, senhorita. O sr. St. Clair tem suas razõ es, suponho. Ele é humano o bastante para sentir a carga de solidã o. - Doam abriu a porta brus­camente, como se tivesse dito alguma indiscriç ã o. - Vou mandar Alice trazer-lhe o café, senhorita.

Ynis observou a porta fechar-se atrá s do criado e sua referê ncia à solidã o de Gard pareceu ficar pairando no ar como uma reprovaç ã o. Caminhou, tensa, pela sala. Vestia calç as justas e um sué ter verde­ musgo. Queria caminhar pelos charcos, mas ficara sabendo por Alice que, quando chovia, uma né voa opaca descia sobre o pâ ntano, tomando-o traiç oeiro para uma pessoa que nã o estava acostumada com seus segredos e caprichos.

Ela se sobressaltou quando a porta se abriu e Alice entrou na sala de estar. - Seu café, srta. Ynis, e biscoitos quentes que acabaram de sair do fomo. A cozinheira disse que a senhorita precisa engordar um pouco.

- Para a festa de casamento? - Ynis sentia-se na obrigaç ã o de ser mais informal, pelo menos com Alice, que era jovem como ela e que nã o possuí a o olhar tã o crí tico como a sra. Walker, a governanta, ou Brown, um dos muitos empregados. A maior parte deles tinha o ar de quem estava em Sea Witch desde que Gard era uma crianç a, e era natural que eles tivessem um certo ciú me de seu patrã o.

- Tenho a sensaç ã o, Alice, de que sou uma dessas pessoas que permanecerã o magras o resto da vida. - Ynis sentou-se numa das poltronas perto das janelas e a criada colocou a bandeja a sua frente. - Você encontrou seu namorado, ontem à noite?

-Sim, srta. Ynis. - Alice sorriu com a seguranç a da garota jo­vem, levemente roliç a, que nã o tinha problemas para encontrar amor. - Nó s fomos danç ar e eu usei o meu vestido novo. Havia um conjunto pop.

- Um o quê? - perguntou Ynis. - O que é um conjunto pop?

- Nã o sabe, senhorita? - Alice pareceu bastante surpresa. – É um grupo de rapazes que tocam e cantam as ú ltimas mú sicas da pa­rada de sucessos. Vou ligar o rá dio, assim terá uma idé ia do que es­tou lhe dizendo. - A jovem criada foi até a parede ao lado da lareira, onde ficava uma estante com um aparelho de televisã o e um rá dio, começ ou a girar os botõ es e a mú sica começ ou a invadir a sala. Ynis observava e ouvia, e mal pô de acreditar em seus ouvidos, quando uma rouca voz masculina subitamente penetrou no ambiente, com um gemido de dor, como se lhe estivessem batendo na cabeç a, enquanto um ó rgã o elé trico a acompanhava. Alice virou-se para ela com um sorriso que rapidamente congelou-se em sua face, quando a porta do terraç o se abriu e Gard entrou na sala. Seus cabelos pretos estavam molhados de chuva e sua fronte parecia muito tensa.

- Por Deus do cé u! - exclamou ele. - Que droga é essa que está ouvindo, Ynis? Desligue isso, Alice!                                                                

- Sim, senhor. - A jovem criada obedeceu prontamente E apressou-se a sair da sala tã o rapidamente quanto seus pé s permitiam.

- Que horror! - Gard olhou para Ynis. - Esta é a idé ia que você faz de mú sica? Se for, minha cara, terá que mudar de gosto, porque nã o vou deixar que nesta casa impere esta ofensa aos tí mpanos e à sensibilidade das pessoas.

- Alice estava tentando explicar-me o que era mú sica pop e achou que, se eu ouvisse alguma... - Ynis interrompeu-se e riu com a expressã o de insulto no rosto de Gard. - Desculpe-me. Acredito que você deva admirar apenas as melhores mú sicas, e devo admitir que eu nã o me importei muito com aquela demonstraç ã o vocal.

- Ainda bem! - Gard deixou-se cair num enorme sofá e acendeu uma cigarrilha. - Se isso que você está tomando for café, aceitarei uma xí cara.

- É sim, e foi feito há pouco. - Ela foi até a campainha e tocou-a. Alice reapareceu, parecendo cheia de vergonha, e Ynis deu-lhe uma piscada enquanto pedia outra xí cara e pires.                                                               

- Só faltou você pular na garganta da pobre moç a - disse Ynis enquanto lhe servia café e lhe estendia a xí cara.

A cigarrilha de Gard descansava na beira do cinzeiro e exalava um fio de fumaç a perfumada, enquanto ele franzia as sobrancelhas para Ynis. Naquela posiç ã o, com sua jaqueta cinza aberta, a manga vazia nã o era notada. Ele vestia um sué ter de cashmere preto, de gola olí mpica, e seu cabelo, molhado pela chuva, dava-lhe um ar ligeiramente displicente Naquele instante, observando-o como que atravé s de uma má quina fotográ fica, Ynis o viu como ele devia ter sido quando a mú sica dirigia sua vida e suas duas mã os dirigiam uma orquestra inteira! Aquela breve visã o do jovem Gard St. Clair era perturbadora, pois representava um homem com o mundo em suas duas mã os e com um futuro brilhante pela frente.

Afastou os olhos de Gard para o quadro que havia na parede, en­quanto bebia seu café.

- Esqueci-me de que você é jovem - disse ele lentamente – e de que precisa ter amigos de sua idade para conversar. Bem, minha prima chegará em Sea Witch hoje à noite e trará seu secretá rio e també m um rapaz que escreve peç as de teatro. Teremos companhia, Ynis, e espero que você aja como se mal pudesse esperar para tornar­-se minha esposa.

- Quer dizer - seus olhos verdes encontraram os dele - que eu devo derreter-me toda sobre você apenas para provar a sua prima Stella que ela nã o é o grande amor de sua vida? Como está vendo, nã o sou totalmente ignorante quanto à s razõ es por que deseja este casamento, Gard.

- Parece que nã o. - Seus olhos estavam fixos nos dela, negros como o sué ter contra a pele morena de sua garganta, e com uma sombra sedosa de um profundo e cí nico divertimento. - Entã o você esteve dando ouvidos à s fofocas das criadas ou daquela enfermeira bastante bisbilhoteira, e acabou elaborando alguma teoria româ n­tica sobre minha pessoa, é isto? Você acha que eu me casaria apenas para magoar Stella? Com certeza, esta idé ia vai diverti-la, se lhe ocorrer. Duvido que ela fosse sentir-se lisonjeada.

- Está insinuando que ela é muito bonita e que eu sou apenas comum? - indagou Ynis.

- Comum pelo menos no que fala - murmurou ele, e um leve sorriso zombeteiro aflorou em seus lá bios. - Está querendo um elo­gio, minha cara? Bem, nã o precisa pedir muito. Seus olhos verdes sã o belí ssimos, e você é jovem e pura como aquele convento de onde veio. Se imagina que essas coisas nã o sã o excitantes para um ho­mem, deixe-me garantir-lhe que sã o. Por falar nisto, tenho trinta e seis anos e nã o posso fingir que sou puro, mas tudo isso faz parte do passado e você me ajudará a enterrá -lo.

- Está se referindo a Stella, sua carreira e suas viagens pelo mundo inteiro?

 - Refiro-me exatamente a todas essas coisas, Ynis. A vida ante­rior está desaparecida, como meu braç o, e com você vou começ ar uma vida diferente.

- Você nã o me ama - disse ela calmamente. - Eu... eu nã o te­ria me esquecido disto mesmo que tivesse esquecido todas as outras coisas.. Pelo menos meu coraç ã o nã o o faria. Quero saber por que fugi de você naquela noite!

- Nó s tivemos uma discussã o tola, minha cara. Você quebrou uma peç a valiosa em meu estú dio e eu lhe disse para nã o se comportar como uma crianç a. Mas, afinal, para onde você irá, o que a espera, se nã o se casar comigo? Eu sou tudo o que você tem, real­mente.

- Realmente? - repetiu ela. - Você fala como se... Oh, nã o sei. Como se existisse outra pessoa que você julga insignificante. Se existir algué m, você nã o tem o direito de esconder-me.

- Como seu noivo, eu tenho certos direitos e pretendo fazer uso deles. - Ele estendeu a xí cara para que fosse servida outra dose de café e no seu gesto havia mais do que apenas um indí cio de domí nio. - O direito de agir, para o seu interesse, tornou-se meu quando meu anel de noivado tornou-se seu. Você me compreende, Ynis?     

- Suas palavras sã o muito claras, Gard. Você fala como se pretendesse me moldar. - Levantou o bule de chá e viu seu rosto pá ­lido e seus olhos verdes refletidos na superfí cie de prata do objeto. - Você já disse que devo apreciar o tipo de mú sica de que você gosta, portanto, imagino que isso se aplique a tudo. Devo deixar que você dite as ordens para minha vida e tudo o mais!

- Sim, pretendo guiar seu gosto em determinados assuntos, mas nã o vou puxar-lhe as orelhas durante este processo. Nã o sou um sá dico, Ynis, portanto nã o precisa me dar o café com esse olhar de má rtir. Obrigado. - Recostou-se com a xí cara na mã o e comprimiu os lá bios levemente. - Nã o consigo deixar de perguntar-me se a sua formaç ã o entre aquelas santas mulheres nã o lhe deu a idé ia de que o casamento é uma espé cie de suplí cio, para ser suportado como espinhos, em vez de carí cias. Espero que você conheç a os fatos da vida, ou preciso ensiná -los a você como os fatos da mú sica e da arte?

Ynis corou levemente, pois Gard estreitara os olhos e a examinara de cima a baixo de forma muito penetrante. Nã o havia nada de puro e angelical em Gard, e mesmo a perda de um braç o nã o diminuí a sua virilidade. Ele podia nã o sentir o menor amor por Ynis, mas pre­tendia tornar-se seu amante quando estivessem casados. Ele afirmara suas condiç õ es... a garota precisava de um lar e ele queria um filho. A exigê ncia estava presente em seus olhos. Um filho perfeito para compensar sua pró pria imperfeiç ã o.        

Ynis sentiu-se estremecer; se o tivesse amado, teria lhe dado algo, seu coraç ã o, toda sua espontaneidade e disposiç ã o a aprender com as experiê ncias dele, mas sentia apenas medo, quando o fitava. Ele tinha apenas que inclinar-se à frente para arrebatá -la de sua poltrona e esta ameaç a estava estampada em seus olhos, enquanto Ynis continuava sentada, tã o tensa quanto uma flor em botã o ex­posta ao vento, pronta a recuar ante o mais leve movimento de Gard.

Subitamente ele riu bem alto, zombando daquela ní tida rejeiç ã o que havia nos olhos verdes da garota.

- Relaxe, minha feiticeirinha. Nã o tenho intenç õ es de que você me odeie, mesmo que ache impos­sí vel me amar. Que espé cie de casamento seria este, se eu nã o con­seguisse ganhar nem mesmo sua tolerâ ncia? Agora que já conhece bem Sea Witch, posso esperar que você já esteja preparada para to­lerar o dono de tudo isto.

Ynis sentiu a intensidade do olhar de Gard, enquanto ele falava, e sentiu que, para seu noivo, ela era uma espé cie de enigma. As outras mulheres que ele conhecera deviam ter sido tã o mundanas quanto ele pró prio, mas ela saí ra de um convento, e havia toda a probabili­dade de que ele fosse o ú nico homem que já lhe chegara perto. Ynis moveu os olhos, com a rapidez das asas de uma libé lula, para a linha bem-feita e arrogante dos lá bios de Gard. Ele já a teria beijado? Que estranho, nã o se lembrar de como se sentia quando aquele rosto mo­reno se inclinava sobre o seu, enquanto seus lá bios a tomavam num beijo... Ele a teria possuí do... mas Ynis sentia-se terrivelmente certa de que nunca lhe tinha cedido.

- Por que está me olhando dessa maneira? - perguntou ele com curiosidade. - O que está pensando? Que sou muito mais velho que você e nã o tã o româ ntico quanto gostaria que eu fosse?

- Seus olhos sã o tã o... tã o insolentes - retrucou ela. - Você sempre teve suas pró prias maneiras, nã o é? Durante toda a vida. Você nã o gosta de ser contrariado.

- E você pretende contrariar-me? - De repente, quando perce­beu, ele a estava puxando pelo pulso, com sua ú nica mã o, e forç an­do-a a sentar-se junto a ele no sofá. Quase caindo sobre os joelhos de Gard, para equilibrar-se, ela segurou seu ombro direito e entã o sen­tiu, com horror, o vazio, onde antes havia carnes e mú sculos saudá ­veis, sob a manga alfinetada. Ynis suspirou, e o horror ainda estava em seus olhos, quando eles pousaram na face dele; e entã o, como que para apagar aquela expressã o de seu olhar, ele rapidamente in­clinou sua cabeç a e seus lá bios esmagaram os dela deliberadamente, sem ternura ou mesmo desejo. Era uma puniç ã o muito mais efetiva do que uma bofetada, a sú bita intimaç ã o chocante dos lá bios de Gard forç ando os seus a cederem, a se abrirem para ele, até que a sala se pusesse a girar e os nervos sob sua pele se mostrassem vivos pela primeira vez. Ela nã o sabia, nã o lhe tinham ensinado que aquela sensaç ã o pudesse ser tã o arrebatadora e tã o confusa.

- Nã o... - Ela libertou seus lá bios e encostou seu rosto no om­bro mutilado. - Assim nã o!

- Como, minha cara? - Sua risada era como um insulto aos ouvidos de Ynis. - Beijinhos na mã o e velhos galanteios acontecem apenas nos livros. Você precisa acostumar-se comigo, e nã o sou tã o ruim como uma dose de remé dio amargo, sou? Você é tã o crianç a ao ponto de quase morrer de medo quando eu a toco?  

- Se ao menos eu o conhecesse melhor... - Novamente um tremor lhe percorreu o corpo, ao sentir a pressã o dos dedos de Gard em sua cintura, segurando-a com uma espé cie de curiosidade no olhar um tanto cruel. Ela lhe pertencia e ele nã o tinha intenç ã o de dizer nada em contrá rio, ou de deixá -la ir-se embora daquele lugar. Nã o se importava nem um pouco que ela o achasse mais assustador do que fascinante. Parecia-lhe que ele desfrutava o medo que ela sen­tia.

- Existem certos terrores que apenas uma menina conhece - disse ele. - Este fato é fascinante, para um homem, esta é que é a verdade nua e crua. Minha menininha, você tem que aprender sobre a vida, mais cedo ou mais tarde, e é melhor fazer isto comigo do que com algum jovem sacristã o ou um estudante qualquer que possa lhe dar apenas dois cô modos conjugados, um banheiro compartilhado com outras pessoas e uma aparê ncia preocupada e rabugenta, ante de você completar trinta anos. Acredite-me, fico feliz por ter sua virtude só para mim. Já estou planejando dar-lhe um potro e ensiná -la a cavalgar, e quero que você seja retratada por Bart Spearman, um artista primitivo de talento inigualá vel, que pode captar esse olhar inocente e agreste que existe nesses seus olhos verdes. Vou transformá -la na mulher mais invejada de West Country. Ningué m sentirá pena por você ter casado com um homem quase quarentã o!

Ele a largou e levantou-se. Caminhou até a janela, alto e moreno, com uma expressã o dolorosamente selvagem nos lá bios. – Ynis faz-lhe mal a idé ia de ver-me sem o sué ter e a jaqueta que oculta minha amputaç ã o? Os mé dicos fizeram um ó timo trabalho, eu garanto. - Voltou-se novamente para a janela e pegou a maç aneta

- Stella deve chegar com os seus companheiros hoje à noite. Pelo que entendi, estã o vindo de carro, e nã o haverá necessidade de buscá -los na estaç ã o. A senhora Walker arrumará os quartos de hó spedes, assim, tudo o que você tem a fazer é usar um belo vestido e agir como se eu planejasse casar com você, e nã o devora-la. Você ouviu bem o que eu disse?

    - Sim, Gard, nã o sou surda. - Desafiou-o: - Talvez você queira escolher que vestido eu devo usar. Um daqueles que possam impressionar sua prima o suficiente, para que ela acredite que você se preocupa com uma maria-ningué m que nã o conhece nada de seu mundo. .

- Stella tem imaginaç ã o - disse ele lentamente. - Ela vai per­ceber que é esse seu ar simples e abnegado o que me intriga. Aceito seu convite para escolher seu vestido, Como se sente uma maria-­ningué m, possuindo um armá rio com roupas esporte e sociais?

- Decadente, apesar de sua generosidade em me dá -las - disse ela.

- É seu enxoval, minha crianç a, e nã o seja tã o mal-educada. ­Gard franziu as sobrancelhas fortemente. - Gostaria que minha fu­tura esposa se vestisse muito bem, ainda mais depois daqueles tra­pos que tiraram de você no hospital. Eu os queimei e os substituí por roupas de uma das mais elegantes lojas de Londres. Outra espé cie de garota me agradeceria.

- Obrigada - disse ela, sem graç a. - As pessoas nã o podem se esquivar de serem pobres, você sabe. Isso nã o é uma vergonha.

- Você gostaria de estar deselegantemente vestida, quando ela chegar? - zombou ele. - Minha prima é muito esperta, e por Deus do cé u, ou você se apresenta bem vestida, hoje à noite, ou vou ter que lhe dar umas palmadas nesse seu traseiro inocente! - Com es­tas palavras, ele a deixou, fechando a porta atrá s dele e dirigindo-­lhe um olhar ameaç ador, antes de continuar seu caminho pelo ter­raç o aç oitado pela chuva. Ynis ouviu o vento e, com um leve estremecimento, aproximou-se da lareira. Depois de um momento, ajoelhou-se e ficou olhando para as chamas que consumiam as toras de madeira. Nesse aposento, onde a mobí lia era mais confortá vel do que majestosa, o fogo era verdadeiro, e de vez em quando um pingo de chuva caí a pela chaminé, produzindo um leve chiado ao contato com o fogo.

Entã o Stella chegaria naquele dia, e ela deveria agir como uma futura esposa radiante, na frente dessa mulher que nem conhecia! seria impossí vel! Odiava a chuva que a mantinha em Sea Witch, quando sua vontade era Ir embora. Correu para a janela e viu que uma densa né voa descia sobre o gramado. Sobre os charcos a né voa devia ser ainda mais compacta, acumulando-se sobre a es­trada que se dirigia à aldeia. Precisava ser paciente e esperar por um dia limpo; um dia em que Gard estivesse ausente da casa, nã o vindo a saber que ela tinha ido embora senã o quando fosse tarde demais para ir buscá -la.       

Ela ouviu a porta abrir-se e virou-se para olhar. Era Alice, que, enquanto pegava a bandeja de café para levá -la à cozinha, dirigiu, um olhar acanhado para Ynis.

- Nã o escutaremos mais mú sica pop, Alice - disse casualmente, pois nã o devia de maneira nenhuma tomar partido contra Gard. Ele era o dono da casa e devia ser respeitado, senã o por afeto, pelo menos por medo. - O sr. St. Clair é muito apegado à mú sica erudita e nã o aprecia de maneira nenhuma essa barulheira da mú ­sica moderna. Você acha que esse tipo de mú sica é realmente aceito, Alice?

- Entre as pessoas jovens, srta. Ynis. - Alice parecia ainda um tanto desconcertada com os acontecimentos e saiu da sala silencio­samente. Ynis encolheu os ombros, pois logo estaria livre das pessoas de Sea Witch. Que estranho que numa mansã o imensa como aquela tudo girasse em tomo da personalidade de um ú nico homem, com todas as pessoas atreladas a suas mí nimas vontades. A garota sorriu, ao imaginar que todos, naquela casa, entrariam em alvoroç o, caso ele resolvesse fazer um piquenique no gramado, em vez de to­mar sua refeiç ã o na imensa sala de jantar.

Prestou atenç ã o à chuva que caí a na tarde calma e ao som de umaspirador que tirava o pó dos grossos carpetes em algum lugar do vestí bulo.

Subitamente ouviu a risada de um homem e sobressaltou-se, com certeza era Brown a flertar no vestí bulo com Alice.

Como seria, perguntou-se Ynis, sentir-se admirada e galanteada por um jovem? Tinha certeza de que Gard St. Clair era o ú nico homem que demonstrara algum interesse por ela, e por que o fazia era para ela um misté rio. Caminhou até um espelho ricamente emoldurado e fixou seu olhar em sua pró pria imagem.

Ele lhe havia dito que seus olhos eram os de uma jovem feiticeira, que sua pele era luminosa. Luminosa demais, pensou ela, fazendo com que seus cabelos parecessem quase negros. Ela gostava de pessoas de cabelos bonitos... Sim, estranho como ela sabia disso, sem ser capaz de lembrar-se de um simples rosto, ou voz de sua vida anterior. Era estranho como particularidades mí nimas da personali­dade de algué m podiam ser mais fortes do que a memó ria.

Pegou seus cabelos e puxou-os para o alto da cabeç a, acentuando a estrutura ó ssea de seu rosto e a curva dos lá bios. Nã o era bonita, mas supunha que houvesse realmente um certo ar exó tico em seus olhos verdes sombreados por grossos cí lios negros. Com um encolher de ombros, soltou os cabelos e disse a si mesma que Stella Marrick estava para ter uma grande surpresa. A atriz devia estar muito cu­riosa quanto à futura esposa de Gard, já que se dispunha a vir de Londres até aquela casa na costa de Cornwall.

Um olhar de rebeldia surgiu em seus olhos verdes, ali em frente ao espelho; ressentia-se do que Gard esperava que ela representasse diante de sua bela prima. Ordenara-lhe que ficasse elegante e que fingisse que o amava. Como faria isto? Jogando seus braç os no pescoç o dele? Era isto o que ele queria? Uma jovem tí mida mas ar­dente, contra uma mulher que queria para ela um maestro cé lebre mundialmente e nã o um simples homem mutilado?

Gard lhe parecera muito amargo, quando lhe perguntara se lhe fazia mal pensar em sua amputaç ã o, como se agora ele julgasse a reaç ã o de todas as mulheres pela de sua prima Stella, que devia tê ­10 magoado profundamente, impedindo-o de esquecer ou mesmo perdoar isso. Ynis sentiu uma punhalada de compaixã o, quando se lembrou do olhar orgulhoso e á spero de Gard, perto da janela, emol­durado pela luminosidade do mar refletida no cé u de Sea Witch. Ele lhe parecera cruel consigo mesmo, ao olhar de maneira tã o significa­tiva para seu lado direito.

Ele se definira como um quarentã o e queria mostrar à arrogante Stella que outra mulher, muito mais jovem, o achara desejá vel e forte, apesar da imperfeiç ã o que Stella rejeitara. Mas ele nã o perce­bia o que aquela mulher iria pensar? Ela julgaria Ynis como uma pobre coitada pronta a jogar-se nos braç os de qualquer homem em troca de um anel de noivado. Stella a desdenharia e perceberia a fal­sidade de qualquer mostra de afeiç ã o que Ynis porventura fizesse a Gard. Olhou para a sua pró pria imagem refletida; Stella com cer­teza faria tudo para acabar com aquele noivado, pois as belas atrizes normalmente sã o cheias de si e nã o gostam de ver os homens que ar­rasaram emocionalmente serem amparados por outras mulheres.

Ynis suspirou e sentiu que aquela meditaç ã o fazia sua cabeç a doer. Saiu da sala de estar para o vestí bulo que pertencia à ala sul da casa. Aí as paredes eram azul-escuras, com o teto num tom mais claro. Nele, finas correntes de aç o suportavam imensos candelabros de cristal que tiniam com o vento vindo do mar e dos pâ ntanos. Quando percebeu aquele suave tilintar, seu corpo todo começ ou a tremer, pois aquele som doce e suave de repente lhe pareceu transformar-se no sorrir dissimulado e terrificante de um fantasma irô ­nico.

Uma elegante frisa de estuque, representando flores, conchas e cavalos marinhos, percorria todo o alto das paredes, e no centro do vestí bulo havia um vaso gigante sobre um pedestal de má rmore branco, com folhagens roxas e verdes.

Desde que começ ara a explorar a mansã o, sentira-se chocada, ao descobrir aposentos tã o elegantemente decorados dentro de uma construç ã o tã o pesada e austera, feita de pedras do pâ ntano. Eram tã o graciosos que a deixavam fascinada, tal era o luxo da decoraç ã o. Assim, nã o era mais possí vel acreditar na mentira que Gard lhe con­tara; aquela decoraç ã o nã o tinha sido feita para uma garota simples como ela, mas para estar à altura da beleza de uma determinada mulher... uma linda mulher de expressã o teatral e de olhares dra­má ticos, como aquela imensa urna branca cheia de plantas roxas, como as longas cortinas sedosas das janelas em arco do vestí bulo, como o brilho suavemente liquefeito da cor do mar, azul-esverdeado, como a safira num dos dedos de Ynis.

Alguma grande crise em sua vida, da qual ainda nã o podia se lembrar, trouxera-a para aquela casa, para aquele anel e para aquele aposento que haviam sido preparados para Stella. Um pano de fundo para a sua beleza, que ela rejeitara e que Ynis devia també m rejeitar. Gard nã o nutria nenhum amor por ela, e nem mesmo todas as promessas de conforto de Sea Witch fariam com que ela encarasse aquele casamento sem amor.   

O vento dos pâ ntanos balanç ou as janelas de vidro do vestí bulo e mais uma vez os candelabros de cristal tilintaram como a risada leve e zombeteira de um fantasma.

Ynis cruzou suas mã os, ocultando o anel entre seus dedos crispados. Mas Stella nã o era um fantasma, estava muito viva e, dentro das pró ximas horas, estaria de volta a Sea Witch.

 

 



  

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