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CAPÍTULO V



 

Ynis nã o levou a sé rio a intenç ã o de Gard de escolher seu vestido para o encontro com Stella, e, tendo acabado de sair do banho, es­tava em seu quarto, ainda com os cabelos presos no alto da cabeç a, quando ele entrou, vindo do terraç o.

Ela se virou para olhá -lo e ficou impressionada com sua aparê n­cia, ainda mais alto do que o normal.

- O que você quer? - perguntou, fechando seu robe e sentindo­-se intoleravelmente nua, enquanto os olhos de Gard a observavam.

Ele se aproximou, silencioso e com um ar irô nico nos lá bios. ­

- Minha cara, você me convidou para ajudá -la a vestir-se - disse, pronunciando bem as palavras. - Você imaginou que eu iria me privar deste prazer e que mandaria Alice para ajudá -la? Aquela ga­rota a encorajaria a usar uma minissaia e um par de cí lios postiç os. Nã o se afaste de mim como se eu estivesse prestes a ultrajar sua pu­reza... o que talvez eu sentisse vontade de fazer, se você nã o esti­vesse como uma garotinha que acabou de sair do banho, pronta a sentar-se nos joelhos de seu pai e ouvir uma histó ria.

Mas enquanto ele dizia aquelas palavras, operou-se uma mudanç a curiosa em sua face; Ynis notou a retraç ã o dos mú sculos de seu maxilar e o estreitar perigoso de suas pá lpebras. Abriu o guarda-­roupa bruscamente, e os cabides rangiam enquanto ele mexia nos vestidos. Sua mã o segurou uma saia fina e rodada, mas deixou-a por algo mais informal, até que se decidiu por um vestido de seda viole­ta-pá lido, simples e liso e tã o macio que ele poderia tê -lo segurado inteiro dentro da mã o.

- É este - disse ele, estendendo-lhe o vestido.

 Ynis pegou-o com relutâ ncia e ficou parada como uma especta­dora enquanto ele pegava um par de meias finas e separava um par de sapatos no mesmo tom do vestido.

- A combinaç ã o de olhos verdes, pele clara e a seda violeta vai fazer sensaç ã o, Ynis. - Ele fitou-a mais uma vez com seus olhos ainda estreitados daquela maneira estranha que fazia com que pa­recessem ó rgã os independentes. - Coloque o vestido e, por favor, dê um jeito em seus cabelos.

- Você é um demô nio petulante - retrucou ela. - Nã o gosto deste vestido. Nã o é a espé cie de roupa que combine com meu tipo.

- O que você sabe sobre isto? - perguntou ele. sarcá stico. - O traje foi cortado por mã os peritas e este seu corpo magro foi feito exatamente para vestidos como este. Você vai parecer, mais do que nunca, uma jovem feiticeira. Que tal fazer uma maquilagem? Eles mandaram-lhe alguns estojos junto com as roupas? Disse ao gerente da loja que enviasse tudo o que uma mulher precisa, estando tã o longe de Londres.

- Eu nã o uso maquilagem. - Ynis pensou no pequeno estojo de pó -de-arroz barato em sua bolsa. A ú nica marca do que usava e car­regava consigo na noite do acidente. - Nã o sou uma atriz, lembre­-se.

- Você está sendo mal-educada porque está nervosa. - Ele caminhou até a penteadeira e abriu diversas gavetas. Ynis sabia que ele encontraria o estojo de maquilagem que ela guardara repleto de caixinhas, pincé is e batons, tudo destinado a valorizar sutilmente os contornos e feiç õ es da face mais sem graç a. Nã o sabia como toda aquela magia funcionava e sentia-se ressentida, porque parecia que Gard queria fazer dela uma substituta para a glamourosa Stella.

- Imagino que você nã o entenda nada de cosmé ticos - disse ele. - Bem, na verdade, tudo o que você precisa é de uma leve camada de pó -de-arroz, um batom e um toque de sombra sobre os olhos; e isto você é capaz de fazer sem que fique parecendo um palhaç o.

- Isto importa, Gard? - perguntou ela, encarando-o. - Sua prima é uma mulher vivida e nã o vai se deixar enganar tã o facil­mente, acreditando que você está louco por mim.   

- O que a faz pensar que eu realmente nã o esteja louco por você, Ynis? - Aquele tom irô nico ainda permanecia em sua voz, mas seu olhar, enquanto viajava pelo corpo da garota, era suave e langoroso. - Sua amné sia apagou certas coisas de sua mente e eu dificilmente me casaria com uma pessoa que nã o me despertasse certas emoç õ es.

- Emoç õ es que foram espezinhadas por Stella? - perguntou. - ­Emoç õ es de segunda mã o, Gard? De segunda mã o mas que servem bem para algué m como eu, que já está se acostumando com as esmolas que os outros me dã o!

- Minha querida, você diz isso, nã o eu. - Ela nunca imaginara que ele pudesse ser tã o insolente como estava sendo agora ao dizer aquelas palavras. - Vou esperar na ante-sala enquanto você se veste e nã o se esqueç a e usar um pouco e maquiagem. Num jan­tar uma mulher fica muito deselegante se nã o usa nem que seja um toque de rí mel. - Ele abriu a porta e saiu. Enquanto a porta se fechava atrá s dele, Ynis jogou o vestido violeta sobre a cama e, com a rebeldia brilhando em seus olhos virou-se para o guarda-roupa e tirou do cabide um vestido branco com o corpete trabalhado em renda.

Cinqü enta minutos mais tarde ela estava pronta. Seus cabelos es­tavam bem penteados, seus lá bios brilhantes e a raiva iluminava seus olhos, sem necessidade de cosmé ticos para realç á -los. Caminhou para a ante-sala com sandá lias prateadas nos pé s e encontrou Gard sentado em uma das enormes poltronas de veludo ouro. Era um aposento confortá vel, embora um tanto exó tico, com um tapete de pele de urso no chã o e uma cadeira de balanç o forrada de veludo na sacada fechada com vidros.

Gard levantou os olhos e seus pensamentos deviam estar muito distantes, pois ele pareceu olhar atravé s dela. Ynis continuou emol­durada pela porta, em seu vestido branco, e desafiou-o com um signi­ficativo menear de cabeç a. Seus olhares duelaram por vá rios mo­mentos silenciosos e entã o, de repente, ele sorriu.

- Até que você está bem, afinal de contas, Ynis - disse ele le­vantando-se, parecendo uma torre naquele cô modo dourado, cheio de vidros. - Você sabe o tipo de vestido que lhe cai melhor.

Ela encostou-se na porta com um suspiro de alí vio. - Nã o posso fingir que sou sofisticada, Gard.

- Eu també m diria que nã o. - Ele atravessou a sala e parecia muito alto, enquanto se aproximava, fitando-a. Tocou seus cabelos, deixando que seus dedos sentissem a suavidade da textura. Seu olhar moveu-se para uma veia fina, que batia visivelmente sob a pele pá lida do pescoç o dela. -Tenho algo para lhe dar... Uma pe­quena jó ia de famí lia, para que você nã o se sinta tensa com esse seu complexo de rejeiç ã o.

Ele colocou a mã o no bolso de seu paletó e pegou uma corrente que prendia uma pé rola incrustada num suporte filigranado. – É melhor colocá -la, Ynis, eu nã o vou conseguir fechá -la para você. ­Ele pressionou a jó ia nas mã os da garota. - Sei que existe uma su­perstiç ã o quanto a pé rolas, mas isto é uma simples lá grima.

A pé rola pendia de seu suporte dourado e a corrente era tã o bela e fina, que parecia ter sido tecida por uma aranha. Nã o podia recusar­-se a usar aquela jó ia, mas suas mã os tremeram um pouco quando fe­chou a corrente em volta de seu pescoç o e sentiu o suave contato em sua pele.

- E agora deixe-me dar uma olhada em você. - Levou-a para o lado mais claro da sala, segurando sua cintura e examinou-a desde as sandá lias prateadas até seus enormes olhos verdes. - Você faz jus ao vestido, Ynis. Que bela transformaç ã o! Você nã o se parece mais com aquela garotinha desamparada que eu conheci, e agora está pronta para tomar-se minha mulher. Bem, vamos descer para cumprimentar Stella?

- Já que precisamos - disse ela, sentindo uma leve pressã o dos nó s dos dedos de Gard em suas costas, enquanto ele a conduzia em direç ã o ao vestí bulo, onde os candelabros estavam acesos, dando ao lugar um aspecto de festa. Quando chegaram perto da sala de estar, ele parou por um momento para dar-lhe uma ú ltima examinada. ­

- Está tudo certo, Gard. - Ynis tocou a pé rola que pendia de seu pes­coç o. - Vou tentar nã o envergonhar você, mas é uma situaç ã o um pouco irô nica, para sua futura esposa, conhecer seu ex-amor. Ora, isso parece uma peç a de teatro com todos os personagens indispen­sá veis a um bom drama; a encantadora e exuberante estrela e a jo­vem ingê nua levemente nervosa, para nã o mencionar o heró i alto e moreno, é claro.

Gard, quando escutou aquelas palavras, estava um tanto confuso. - Para uma jovenzinha criada em convento, você parece conhecer muito bem certos dramas passionais.

- Nã o se esqueç a, Gard, de que o quarto que eu ocupo aqui em Sea Witch está cheio de livros e eu gosto muito de ler antes de dor­mir. Por falar nisto, o ú ltimo que eu li era a autobiografia de outra atriz famosa, assim nã o parecerei tã o ignorante diante de Stella Marrick.

- O mundo dos atores é bastante româ ntico. Eles dramatizam os mí nimos incidentes, sã o alegres, ciumentos e quase sempre fasci­nantes. - Ele abriu a porta da sala de estar enquanto falava e, mesmo antes que Ynis entrasse no encantador aposento azul-real, com seus suaves toques de cinza e suas lâ mpadas de parede feitas em metal ouviu o som da voz de uma mulher e entendeu claramente o que estava sendo dito.

 - Sei que você acha que eu sou terrí vel, Pierre, porque dou ouvi­do à s fofocas da criadagem mas podem-se obter informaç õ es bas­tante ú teis com isso. A mocinha me contou, bastante inocentemen­te que esta garota pretensiosa nunca morou numa casa como esta antes ou conheceu o tipo de vida que nó s costumamos chamar de refinado. Ela deu um jeito de se infiltrar aqui e, de alguma maneira, conseguiu um anel de noivado. Se ele pretende casar-se com ela, é porque deve estar. . .

Neste ponto a voz interrompeu-se e a mulher vestida num veludo cor de safira, com suas costas nuas viradas para a porta, ficou por alguns segundos fitando em silê ncio o homem que a encarava. Seu interlocutor dirigiu-lhe, tarde demais, um olhar de advertê ncia, e entã o, com a postura dramá tica de uma atriz experiente, Stella vi­rou-se e ficou olhando para Gard St. Clair com imensos olhos que combinavam com a cor de seu vestido longo.

- Meus queridos, você s me pegaram justamente quando eu es­tava declamando algumas frases da nova peç a de Pierre. Você s sa­bem como somos! Levamos nosso trabalho para todos os lugares... Gard, querido, como tem passado? Estava tã o ansiosa para vê -lo! ­

Atravessou a sala para cumprimentá -lo e Ynis, com os lá bios leve­mente comprimidos, pensou que Stella Marrick era ó tima na arte de representar e que tinha muito mais presenç a do que propria­mente beleza. Seu rosto era arrogantemente seguro, ossos fortes, emoldurado pelos cabelos vermelhos, repartidos ao meio da cabeç a e presos num coque na nuca. Sua figura era majestosa e os diamantes que pendiam de suas orelhas contrastavam com a cor forte de seus cabelos. Outro diamante brilhava no decote de seu vestido, refle­tindo a palidez de sua pele. ­

Ela parecia muito alta até que alcanç asse Gard mas, entã o, teve que levantar a cabeç a para ele, e seus lá bios vermelhos pareciam prontos a receber seus beijos.

- Como tem passado, Stella? - Com muita delicadeza, ele pe­gou-lhe a mã o e beijou-a, ao invé s de seus lá bios que o esperavam.

- Desculpe-me por nã o ter estado aqui para recebê -los, mas tive

que tratar de alguns negó cios em uma das fazendas. A sra. Walker atendeu-lhes no que foi preciso?

- Gard, querido, como você está formal! Nã o se esqueç a de que eu praticamente cresci nesta casa e que odeio ser tratada como uma hó spede qualquer. - Os olhos azuis encararam Ynis e os lá bios ver­melhos abriram-se num sorriso. - E esta é a jovem com quem vai casar-se? Toda de branco. . . que doç ura! Nada como um ensaio antes da grande performance, nã o é?         

- Sim, Stella, esta é minha noiva. - Sua voz estava irritada. - Ynis, quero que conheç a minha amiga, a srta. Marrick, perante quem toda a crí tica especializada se abaixa pelos seus admirá veis dons de atriz. Está tã o mal-acostumada pela adulaç ã o de seu ado­rá vel pú blico que acredita que pode dizer e fazer o que deseja sem represá lias de qualquer espé cie. Nã o permita que ela a intimide.

- Com efeito, Gard! - Stella dirigiu-lhe um olhar ofendido. ­Você me descreve como se eu fosse uma ví bora e vai fazer com que esta crianç a fique na defensiva, quando o que espero é que nos tor­nemos amigas. Ynis! Que nome diferente. Eu diria que você o inven­tou, mas ló gico que nã o o fez, nã o é?

- Nã o, srta. Marrick. - Ynis encontrou os olhos dela, que com­binavam com a safira que usava no quarto dedo da mã o direita. - A menos que o tenham inventado para mim. Espero que saiba que es­tou sofrendo de uma leve amné sia e que realmente nã o consigo lembrar-me do passado. É prová vel que Gard tenha lhe contado quando conversaram ao telefone.

- Gard, minha crianç a, disse apenas que estava para casar-se e convidou-me para vir conhecer sua futura esposa. - Os olhos dra­má ticos iluminaram-se tanto até ficarem como diamantes azuis naquele rosto tã o cheio de expressã o, mas que nã o revelava nada do que era aquela mulher. Ela agia e fitava as pessoas como uma atriz;, talvez tã o inteligente quanto Gard em ocultar quais eram seus ver­dadeiros sentimentos, e estes podiam ser sentimentos de ó dio pela noiva e de um amor ainda existente pelo homem que magoara e que agora lhe respondia de uma forma antiga, ainda que muito eficiente... confrontando-a com uma jovem rival. - Amné sia pode ser uma coisa muito desagradá vel ou muito conveniente. - O sorriso de Stella era tã o encantador que parecia quase irreal. - Pierre, venha até aqui conhecer esta moç a diferente, que se veste como uma garotinha e cuja mente está coberta por um fascinante vé u. Estou tã o intrigada com isto que estou pensando em pedir que Pierre escreva uma peç a para mim sobre este assunto.

 Ele saiu da sacada de onde observara a conversa dos trê s. Seus cabelos eram abundantes e prateados, e no fundo de seus olhos cinza havia um quê de riso. Vestia uma jaqueta ao estilo dos marajá s em uma grossa seda negra, abotoada até o pescoç o por uma fileira de botõ es brilhantes. Como Stella, possuí a um ar dramá tico, mas havia um toque de humor na linha de seus lá bios, como se ele encarasse a vida como um jogo e as pessoas como personagens a serem logrados ouafrontosamente cortejados.

- Estou encantado em conhecê -la. - Sua voz e seu sotaque eram atraentes e ele examinou-a de uma maneira diferente da que exami­nou Gard, que todo o tempo parecia tratá -la como uma habitante de outro planeta que precisava aprender a vestir-se e comportar-se de forma impecá vel. O olhar de Pierre Dumont fixou-se por um ins­tante sobre a boca da garota, como se para ele o contorno e a textura de seus jovens lá bios fossem mais importantes do que o vestido que usava. Algo brilhou em seus olhos. . . surpresa e um quê de intriga.

Foi ele quem conduziu Ynis para a sala de jantar, enquanto Stella foi com Gard, parecendo tã o glamourosa e tã o segura a seu lado como se já tivesse reconquistado seu coraç ã o e nã o tivesse intenç ã o nenhuma de levar a sé rio seu noivado com Ynis. Ele sempre lhe per­tencera, fosse para agradá -lo ou para magoá -lo, e o olhar que dirigiu para Ynis ao sentarem à mesa arrumada com flores foi tremenda­mente malicioso.

- Já deixam que você beba vinho? - perguntou ela, enquanto Doom, que esperava ao lado da mesa, começ ou a servir o vinho depois de Gard o ter experimentado e aprovado.

- Nã o seja coquete, Stella. - Era Pierre quem falava. - Ynis nã o é nenhuma crianç a e você sabe muito bem disto, ché rie. ­

- Entregue-se aos cuidados de um francê s para ver o que há sob sua má scara ingê nua. - Stella passou uma unha pintada pela face, ciente de que este movimento atrairia os olhares para a superfí cie lisa das maç ã s de seu rosto e de seu queixo. O sorriso que deu para Gard estava repleto de segredos. - Você se lembra de quando vim para aquela recepç ã o em que fugimos com uma garrafa de champa­nhe e ficamos tã o encantadoramente embriagados lá na praia? To­das as pessoas estavam a nossa procura, enquanto está vamos lá, sozinhos, co­mo adultos convencidos. É claro, nesta idade permissiva, as garotas nã o esperam pela chave da porta. . . humm, que faisã o delicioso! Es­te foi sempre meu prato preferido e você sabe, Gard, que nunca per­co o desejo por aquilo que amo.

- Existem dois assuntos - disse Pierre com seu copo de vinho na mã o - que a nossa divina Stella precisa discutir pelo menos duas vezes por dia. Um é o teatro e seu status como rainha e sua corte e o outro sã o os esplendores e as selvagerias do amor. - Ele elevou seu copo em direç ã o a Stella de uma maneira levemente provocante. ­À sua saú de e felicidade, ché rie. Você sempre vai poder estrelar minhas peç as, mas nunca em minha vida amorosa. .

- Francê s sá bio - retrucou ela. - O amor para você é como o da abelha para com a flor. Você voa, Pierre, e experimenta o mel sem nunca sair machucado. Algum dia você se envolverá com uma destas pequenas distraç õ es e entã o, talvez, possa escrever algo mais sutil do que uma encantadora comé dia de enganos.

- Atenç ã o! - riu Pierre, e pareceu nã o se magoar com os co­mentá rios ferinos e despreocupados de Stella. Olhou para Ynis e de­pois, inquisidoramente, para Gard. - Depois deste jantar exce­lente, senhor, posso pedir que sua noiva me mostre seus jardins sob o luar? Já ouvi falar muito de Sea Witch e, como escritor, desejo cap­tar um pouco de sua beleza.

- Você deve deixar que Ynis lhe mostre os arredores - disse Gard com delicadeza, com o brilho da chama dos candelabros refle­tindo-se em seus olhos. - Mas nã o se esqueç a de que ela nã o faz parte do seu mundo e de que levava uma vida muito reservada até me conhecer.

- Querido - Stella riu -, você mais parece o guardiã o de Ynis, ao invé s de seu noivo! Ynis, tome cuidado com Pierre. Ele flertou com minha secretá ria e deixou a pobre garota tã o desesperada que ela se recusou a vir nesta viagem. As jovens simplesmente nã o acre­ditam que ele é um solteirã o inveterado e perfeito na arte de fazer amor e, quando compreendem a verdade, o ressentimento e as lá ­grimas sã o dirigidos para quem esteja por perto. Pense duas vezes antes de confiar esta crianç a à s garras de Pierre, Gard.

- Bem, monsieur? - Gard estava encarando Pierre, e suas fei­ç õ es sombrias estampavam aquele ar inexorá vel que sempre fazia com que Ynis tremesse um pouco quando o notava: - Devo pensar duas vezes antes de entregar Ynis à s suas mã os? Aqui em Cornwall nossos há bitos ainda sã o um pouco feudais e nossas mulheres sã o sagradas. Eu poderia matar o homem que lhe tirasse a inocê ncia dos olhos verdes.

- Ah, non... - Pierre deu uma risada bastante descrente. ­Posso perguntar se realmente faria isto, ou está brincando?

- Esteja certo que sim - disse Gard, comendo calmamente sua mousse de morango que o criado acabara de servir.

- Está bem. - Pierre encolheu os ombros, com bom humor, mas sabendo que Gard nã o estava brincando. - Sua sobrancelha estava arqueada enquanto o fitava. Acredito que esta parte da Inglaterra tem caracterí sticas surpreendentes.        

- E isto tem que ser preservado - murmurou Gard, limpando os lá bios no guardanapo e olhando para Ynis por um momento breve mas intenso. - E nó s nã o somos ligados à Inglaterra. Cornwall é uma terra pró pria, dividida pelo Tamar de Devon, o que é muito mais encantador. Aqui temos areias movediç as de cor dourada, iso­lamento e uma dignidade que à s vezes assusta os estranhos. Isso me parece formidá vel. Alé m do mais, as velhas leis ainda imperam so­bre as emoç õ es do povo de Comwall. Os piores aspectos da civiliza­ç ã o ainda nã o arruinaram com a " rude terra de Tristã o" como D. H. Lawrence chamava esta regiã o.

- Gard! - Havia um tom chocado na voz de Stella. - Você nã o falava assim antigamente. O que está acontecendo com você?

- Deve ter sido o diabo que entrou na torta de sardinha... talvez. - Lanç ou-lhe um olhar zombeteiro. - Os velhos tempos acabaram, Stella. Um homem com um braç o só nã o pode reger uma orquestra; mas, com a ajuda de uns vaqueiros e um par de tratores, pode muito bem cuidar de uma fazenda. Pode ser que isso nã o soe muito româ n­tico a seus ouvidos, querida, mas devo lhe confessar que isso me serve muito bem.

- A você? - Seus olhos azuis tomaram um ar langoroso, sob os cí lios escuros. - Você nunca conseguiu me enganar, querido, e, mes­mo que você nã o possa mais reger uma orquestra, é capaz ainda de compor mú sicas. Por que você nã o se dedica mais a isso? Por que se enterrou aqui, nesta tremenda solidã o?

- Os dias de minha tremenda solidã o també m se acabaram ­disse ele lentamente. - Foi por isso que eu a convidei para vir para cá para conhecer minha noiva. - Nã o estava brincando quando a convidei, Stella. Os proclamas já começ aram a sair nos jornais na semana passada, e Ynis e eu nos casaremos daqui a quinze dias.

A atriz fitou-o enquanto uma corrente de ar mexia as chamas dos candelabros e Ynis sentiu o duelo de emoç õ es entre Gard e a prima que fora criada junto com ele, e que fazia parte da vida de seu noivo como nenhuma outra mulher poderia fazer. Um estranho amor pa­recia unir aquelas duas pessoas, e fitando-os ainda à mesa percebia que o sangue clamava para que eles ficassem juntos, ao invé s de se­parados por aquele falso noivado.

Ynis desejou gritar para que ele acabasse de uma vez com aquela falsidade e que entregasse seu coraç ã o a quem verdadeiramente de­sejava. Stella era um ser da mesma espé cie de Gard. Seu amor, como o dele, nunca poderia ser temo ou passivo, e possuí a uma ca­racterí stica rude que os identificava ainda mais. Eles combinavam-­se muito bem... Como a safira combinava com os olhos de Stella.

Ynis queria arrancar o anel de sua mã o... queria jogá -lo sobre a mesa, levantar-se e fugir daquela casa. A chuva havia cessado e lá fora a lua brilhava; poderia encontrar o caminho para a estaç ã o sem perder-se nos pâ ntanos movediç os que Gard mencionara. As areias movediç as daquela casa eram ainda mais traiç oeiras que a dos pâ n­tanos, pois a arrastavam para uma promessa que tinha certeza que nã o havia feito. Como poderia ter concordado em casar-se com um homem que nã o demonstrava sentir nada por ela? Se ela fosse a ga­rota pretensiosa do comentá rio de Stella, entã o com certeza apre­ciaria muito aquelas roupas todas que ganhara e o anel que parecia queimar em seu dedo. Nã o teria aquela sensaç ã o tã o forte de que algo estava errado.

Quando o jantar chegou ao fim, foram para a sala de estar para tomar café. Era café diable. Gard possuí a na adega algumas garrafas de bebida importada, e Doom apanhara uma garrafa de conha­que para que acendessem o café.        

- Napoleon - Gard disse a Pierre. - Portanto, pode aprecia-lo sem medo.

- Sem dú vida, monsieur. Você s ingleses sempre apreciaram os produtos de minha terra, da mesma forma que os franceses os daqui.

- E acho que você s estã o muito certos. - A chama brilhou azul na superfí cie da xí cara que Gard tinha na mã o e pareceu a Ynis que, no fundo dos olhos de seu estranho noivo, havia uma chama seme­lhante. Enquanto bebia seu café, cuja chama havia sido extinta pelo creme que Doom lhe colocara, seus olhos encontraram os do criado, e mais uma vez sentiu que ele sabia todos os segredos de Gard e ti­nha pelo patrã o uma lealdade quase diabó lica. Ele parecia viver e respirar sob a permissã o do homem a quem servia com tanta eficiê n­cia e possuí a o ar de quem só tinha a Gard como preocupaç ã o de sua vida. Retirou-se da sala tã o silencioso, como se pisasse em nuvens e Stella deu uma risada.

- Este seu Doom é realmente um tesouro, Gard. Ele é o protó ­tipo de todos os mordomos das peç as teatrais, cuja devoç ã o ao pa­trã o é absoluta e inquestioná vel. Acho que nã o existe nada que ele nã o faria por você, nã o é?

- Ele já está comigo há um bom tempo e estamos acostumados a lidar um com o outro.

- É o seu braç o direito, Gard. - Stella disse aquelas ú ltimas palavras num tom artificialmente casual, movendo seus olhos para a face do primo. Mas ele nã o se descontrolou e permaneceu ali, seu café na mã o esquerda, o pires sobre o má rmore preto da cornija da lareira, deixando que Stella olhasse diretamente para a manga vazia de seu paletó, presa com muito cuidado, por um alfinete, pelas mã os experientes de Doom.

- Espero que você tenha trazido seu traje de montaria, Stella ­- disse ele. - Um amigo meu possui um está bulo perto daqui e aluga animais esplê ndidos. Costumo praticar esse esporte algumas ve­zes... Você acha estranho que eu ainda faç a isso? Minha cara, nã o sou tã o incapaz que nã o possa domar um cavalo.

- E uma mulher? - perguntou ela, e havia um ar sensual e pro­vocante em seus lá bios e em sua figura, enquanto se sentava numa poltrona e levantava sua cabeç a como se estivesse lhe fazendo um certo convite...

- É melhor você fazer esta pergunta a Ynis - respondeu ele.

Os olhos azuis estreitaram-se e entã o fixaram-se em Ynis, que, sentada na ponta de uma poltrona, desejava que Gard nã o a usasse Como um escudo contra Stella. Instintivamente recuava do escá rnio e do brilho de curiosidade dos olhos de Stella. - Nã o posso imaginar que uma jovem noviç a como Ynis seja difí cil de ser domada, Gard. Ela certamente cede a você sem nenhuma luta... De fato eu até diria que ela sente um pouco de receio de você. Será que você nã o a coagiu para que se tomasse sua noiva? Ou será que ela ficou mais interes­sada nos tesouros que você tem nesta casa do que nos prazeres que você po...

- Stella! - A voz de Gard interrompeu as palavras da atriz como uma bofetada. - Você nunca foi capaz de controlar nem suas emoç õ es, nem a sua lí ngua. Você solta sua lí ngua ferina como se a vida fosse uma farsa e as pessoas marionetes sem sentimentos. Eu sei como lidar com você, mas Ynis é jovem e vulnerá vel e pode levar a sé rio algumas das bobagens que você vive a dizer.

- Você tem medo que eu amedronte tanto a menina que ela fuja antes do dia do casamento? - Stella riu e os diamantes presos em suas orelhas brilharam, contrastando com seus encantadores cabelos de fogo. - Certamente poderia contar uma porç ã o de coisas sobre você para ela, Gard. Ela pode ainda nã o estar percebendo que, no fundo, você e eu somos pessoas muito iguais, sem paciê ncia com a mediocridade alheia, tã o capazes de amar como os animais selva­gens. Ela o ama?

Ynis prendeu a respiraç ã o, pois parecia-lhe inacreditá vel que existisse algué m tã o cheio de audá cia, capaz de fazer uma pergunta como aquela. Fixou seus olhos no rosto de Gard, implorando seu au­xí lio, mas foi Pierre quem veio ajudá -la.

- Você precisa mostrar-me o jardim, petite, antes que a lua de­cida esconder-se. Tenho sua permissã o, monsieur?

- Certamente. Nã o se esqueç a de colocar um xale, Ynis. Quando a lua brilha desta maneira, sempre sopra um vento frio vindo do mar.

Ynis levantou-se aliviada, sentindo-se desesperadamente agradecida pela gentileza do francê s em tirá -la daquela sala, que agora pa­recia mais uma jaula na qual um par de tigres duelavam indiferen­tes a sua presenç a frá gil e insignificante. Dirigiram-se para o vestí bulo e pararam em frente ao cabide para que ela vestisse um capote - agasalho mais apropriado do que um simples xale. Pierre tomou o casaco das mã os de Ynis e gentilmente ajudou-a a colocá ­-lo, acertando de maneira confortá vel o capuz que lhe protegeria a cabeç a durante o breve passeio.   

- Os olhos revelam certas coisas, à s vezes, que os lá bios jamais teriam coragem de proferir - murmurou ele. - Mais um momento naquela sala e você correria de lá como uma lebre acuada. Tê m per­sonalidade forte, aqueles dois, hem? Stella me trouxe para cá com a desculpa de que eu certamente encontraria material para escrever uma peç a. Ah, sim, existe material para um drama, mas prefiro as comé dias. Vamos por aqui?

Ele apontou para uma porta e, quando ela concordou, saí ram para a luz da lua e de encontro a um vento suave que misturava os per­fumes das flores e acariciava suas faces.

Ynis respirou fundo, tentando tirar de suas narinas o perfume caro que exalava das dobras de veludo do vestido de Stella.

Caminharam em silê ncio por algum tempo, pelo atalho que cir­cundava os gramados até o balcã o de pedra que dava para o mar. Ynis costumava ir até ali sozinha e, mesmo sob a luz da lua, podia decifrar as iniciais esculpidas na pedra. Sabia exatamente o lugar onde as iniciais " GSC" estavam atravessadas por uma seta em for­ma de " S", Aqui eles talvez tivessem passado momentos agradá veis, o vento do mar soprando aqueles cabelos vermelhos, fazendo-os em­baraç ar, frente ao belo rosto de Stella, cujos olhos deviam ter obser­vado avidamente a ponta de uma faca ferindo a pedra para que se formasse a declaraç ã o de amor do jovem Gard.

A imagem e a crueldade de Stella deviam ter ferido o coraç ã o de Gard da mesma maneira, e a idé ia de casar-se com ele era, para o coraç ã o de Ynis, tã o fria como o mar a bater, logo abaixo da sacada onde estava com Pierre Dumont.

Ele estava encostado no parapeito e observava os telhados em ponta e as torres de Sea Witch, circundadas pelos olmos que balanç avam como se estivesse numa danç a macabra de feiticeiras. – É uma casa estranha - disse ele com calma. - Nem um pouco bonita e agradá vel por fora, mas magnificamente decorada por dentro. Acho que Gard St. Clair se parece muito com sua casa; é um tipo de homem estranho. Talvez mais perigoso que Stel1a, que fala as coi­sas sem realmente pensar sobre elas.

- Se você está se referindo à observaç ã o que Gard fez no jantar, por favor, esqueç a-a. Estou certa de que ele nunca mataria algué m por minha causa. - Ynis sorriu para Pierre. - Ele nã o está apaixo­nado por mim. Apenas queria mostrar para Stella que nã o passa seu tempo aqui em Cornwall remoendo-se com o sucesso que ela faz em Londres. Eu cheguei... e fui ú til a seus propó sitos, Esta farsa nã o chegará até o casamento.

- Você está inteiramente certa disso? - Pierre acendeu um ci­garro e soltou a fumaç a em direç ã o à lua. O aroma do cigarro, juntocom a pergunta que lhe fizera, tomou conta da atmosfera, e Ynis podia senti-lo observando seu perfil e tratando-a muito mais como uma adulta do que como a crianç a que Gard procurava controlar; como a crianç a que Gard teimava em ver apenas como uma pessoa pobre e sozinha no mundo. Para Pierre ela era um enigma, num vestido de renda branco, sandá lias prateadas e com uma pé rola pendente do pescoç o. Aparentemente dava a entender que era uma ga­rota cheia de amparo à sua volta e parecia ter mentido à quelehomem quando disse que Gard nã o sentia nada por ela, a nã o ser um senso de responsabilidade por ela ser sozinha no mundo.

- Gard deve sempre ter amado Stella - disse ela. - Olhe, aqui estã o as iniciais marcadas há muito tempo, quando eles ainda eram adolescentes.

- Os adolescentes tomam-se adultos e os velhos amores transformam-se e assumem novas formas. É você que está usando o anelde Gard - Pierre tocou a mã o fria da garota, onde a safira brilhava sob o luar que com sua luz penetrava nas á guas gé lidas do mar, fa­zendo com que aparecessem inú meras ondas prateadas. - Você é a noiva dele e por isso deve sentir alguma coisa por ele.        

- Você ouviu o que Stella disse sobre mim. Sou uma garota pretensiosa que está doida pelas coisas que ele pode me proporcionar. Nunca morei numa casa enorme como esta, nem usei roupas finas antes. - Os olhos da garota pareciam imensos quando se fixaram no rosto do homem ao seu lado. - Isto tudo pode ser verdade, pois nã o consigo me lembrar de ter concordado em casar-me com ele. Entrei em estado de choque e isto pregou estranhas peç as à minha memó ­ria. Sei que Gard nunca foi um completo estranho para mim, mas sinto que ele nunca me foi muito pró ximo. Tudo que tenho como certo é que já havia me encontrado com ele antes do acidente. O resto é um imenso vazio. O carro que me atropelou de certa maneira, arrancou de mim todo o meu passado.

- Como aquele carro em Londres que arrancou o braç o direito de Gard - disse Pierre.

O choque sentido pela garota ficou estampado em seus olhos verdes. - Nã o sabia que ele havia perdido o braç o num acidente de carro. Gard nunca fala sobre isso e os criados estã o proibidos de mencionar qualquer palavra relativa ao fato.

- Você está querendo me dizer que nã o sabe nada sobre o que aconteceu com Gard? - Pierre parecia desconcertado. - Você gos­taria que eu lhe contasse o que aconteceu naquele dia?

- Nã o... sim - ela suspirou. - Eu preciso saber, ainda que isso me apavore. Tenho me perguntado, Pierre, se eu estive envolvida neste acidente, de alguma maneira obscura.

- Duvido, petite. - O francê s tocou em sua face Com muita de­licadeza. - Você era apenas uma garotinha bem-comportada lá no convento quando isso ocorreu. O acidente ocorreu há cinco anos; no auge da fama de Gard e quando a chama que o unia a Stella estava fortí ssima. Você quer mesmo ouvir?

- Nã o tenho outra escolha, Pierre.

 

 



  

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