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O apartamento das lágrimas



 

       Eu nã o paro de andar, de correr de uma associaç ã o de ajuda mú tua para outra, eu mesma cheguei a criar uma em 1988. Dou cursos de alfabetizaç ã o, cursos de costura. Preciso disso, pois ajudando os outros eu ajudo a mim mesma. Se eu parar de militar, de ajudar, sinto que tudo estará perdido para mim. É a minha maneira de cultivar minha terra.

       O ú nico elemento está vel da minha existê ncia: meus filhos. Eles ficam na escola o dia inteiro; ao meio-dia comem na cantina, eu pago sozinha. Os professores e as diretoras estã o ao par da minha situaç ã o e permanecem discretos. Os vizinhos do bairro, em compensaç ã o, estã o nas primeiras filas do espetá culo das minhas dificuldades, pois as brigas com meu marido explodem a cada dois ou trê s dias, e eu nã o posso evitá -las. Significaria ceder-lhe. Uma vez fui parar em um hotel com meus filhos, quando a violê ncia se tornou insuportá vel demais; vivo com o rosto inchado, ele me bate regularmente, mas, da mesma forma, eu resisto

regularmente. Tenho minha liberdade, estou viva. Quero a vitó ria definitiva. Que ele permaneç a pai dos meus filhos, mas abandone a idé ia de ser meu " marido". Que ele arranque de seu espí rito a idé ia de que o divó rcio é feito só para brancos.

       Utilizo todos os meios à minha disposiç ã o para agü entar; obtenho ajuda da municipalidade e faç o um requerimento para conseguir a atribuiç ã o de uma moradia. A polí cia foi até lá duas vezes, de tanto que os vizinhos já estavam cansados. Sobretudo minha mã e francesa, que mandava o marido regularmente tentar acalmá -lo. Eles lhe disseram um dia:

       — Nó s nã o vamos mais falar com você, nunca mais.

       Uma noite, eles chamaram a polí cia para nos separar. Propuseram-me apresentar queixa, mas eu nã o fiz, pelas crianç as. Fiquei dentro do meu quarto, ele foi para o dele. Eu tinha tido a idé ia de trocar a fechadura, mas custava muito caro e eu nã o tinha dinheiro. Meus recursos eram rigidamente limitados, dedicados exclusivamente à manutenç ã o e à alimentaç ã o das crianç as. Eu fazia com que eles comessem por volta das seis horas da tarde, uma vez que ele chegava em casa lá pelas oito horas. Para agilizar, comprava pratos prontos, galinha assada, salada. Ia me deitar com uma agulha de tricô debaixo do travesseiro; defesa vã, mas, se ele viesse durante a noite, eu pensava em espetá -lo em qualquer lugar. A agulha teria entortado, provavelmente... Mesmo assim, isso me acalmava. Eu dormia també m com a minha bolsa, pois ele vasculhava tudo à procura de papé is, para destruí -los. Mas, apesar de todas as minhas precauç õ es, ele terminou conseguindo, certa noite.

       Ele veio dormir no quarto, mau, agressivo, e eu disse nã o, mais uma vez. Ele agarrou minha bolsa e apanhou meu visto de permanê ncia. No dia seguinte, fui de novo ver meu tio. E eu tinha vergonha, muita vergonha, de perturbar todo mundo, de ser obrigada a pedir ajuda sem parar.

       — Vestida como você está, o que aconteceu desta vez?

       Ele telefonou para o meu marido, que jurou cinicamente nã o ter tocado nos meus papé is. Entã o eu fui à prefeitura pedir uma segunda via do visto de permanê ncia. Mas, algumas semanas depois, meu tio me disse:

       — Você tinha razã o, ele pegou seus papé is, vangloriou-se na frente de algué m que me contou. Jogou-os no esgoto.

       Para obter minha submissã o, ele teria tentado qualquer coisa, eu creio, O abuso conjugal, o dinheiro, e agora os papé is. Ele ficava enfurecido por nã o conseguir seus propó sitos. Ele nã o me amava, queria apenas tornar-se novamente o dono. Poré m, quanto mais sua brutalidade aumentava, mais eu me revoltava. Depois de uma noite de violê ncia, a assistente social se apresentou na nossa casa.

       — Nã o posso mais deixar você aqui. Nã o tenho um apartamento para lhe dar, mas vou encontrar um lugar.

       Eu lhe pedi para procurar no interior, longe do bairro, no campo, em uma aldeia, qualquer lugar, eu iria trabalhar na terra. Ela voltou à tarde e nos levou, as crianç as e eu, para um hotel social, onde a prefeitura encontrara um quarto por alguns dias. Mas, ingê nua como eu ainda era, infelizmente, aceitei escutar meu primo, que veio me engambelar, me falar das crianç as, do pai delas, da má reputaç ã o que eu lhe causava me fazer culpada de forma conscienciosa!

       E eu o segui. Se nã o tivesse deixado aquele hotel, talvez tivesse ido parar num endereç o longe de Paris e podido refazer a vida em outro lugar. Aquele quarto nã o era muito conveniente, mas ao menos eu estava livre, tranqü ila, e nã o apanhava. Em vez disso, voltei para casa para reencontrar a violê ncia. Restringir-me ao silê ncio desde que decidira nunca mais lhe falar. Mas lutar com palavras ou em silê ncio dava no mesmo, eu levava socos do mesmo jeito.

       Guardei desse perí odo abominá vel uma carapaç a firme. Se uma briga está se armando à minha volta, eu faç o silê ncio; nã o quero mais discutir, nã o vale mais a pena.

       Um dia, um primo muito pró ximo me propô s ir para a casa dele por algum tempo com as crianç as, com o objetivo de acalmar todo mundo. Ele morava em algum lugar dos Yvelines. Eu nã o estava trabalhando, eram os feriados de Todos os Santos, entã o eu aceitei. Começ ava a perder a confianç a em mim. Se nã o descobrisse um apartamento, iria desabar. Tanto mais que eu mantinha minha mã e afastada das violê ncias que estava sofrendo. Já havia histó rias demais, e eu me sentia envergonhada. Podia me queixar à polí cia ou a uma assistente social... mas nã o à minha mã e. Em 1989, eu nã o era a ú nica mulher africana nessa situaç ã o, mas se falava muito pouco das mulheres que apanhavam, na é poca; os socos e a humilhaç ã o eram guardados para si.

       Depois de apanhar à noite, eu fazia o possí vel para camuflar as marcas no dia seguinte de manhã. E correr, sempre correr, assediar a prefeitura pelo apartamento, encontrar trabalho.

       Só fiquei uns poucos dias na casa do meu primo; instalar-se na casa dos outros com quatro crianç as quando nã o se tem um tostã o é difí cil.

       Mas era uma calmaria para elas. No final do quinto dia das fé rias escolares, uma sexta-feira, quero ir a Paris verificar se os salá rios-famí lia foram depositados. Se for o caso, faç o algumas compras na volta. Deixo meus filhos e parto para Paris. Na estrada, alguma coisa me diz: “Você deveria telefonar para a prefeitura, nunca se sabe... ” Saio do metrô e ligo para minha assistente social.

       — Ah, é você! O prefeito está lhe procurando há quatro dias! Temos duas correspondê ncias para você, nã o quisemos mandá -las para sua casa, tivemos medo de que seu marido as interceptasse. O prefeito tem uma proposta de moradia para lhe fazer!

       A emoç ã o me deu frio na barriga, quase desmaiei ali, naquela cabine telefô nica.

       — O quê? Repita! Estou indo, estou indo, chego daqui a pouco.

       — Mas para onde você tinha ido?

       — Eu fugi.

       — Era o que imaginá vamos. Ontem, minha colega foi até a sua casa. Está vamos tentando falar com você havia vá rios dias, tivemos medo de que seu marido a tivesse mandado de volta para sua terra.

       Eu corro ao banco: o depó sito dos salá rios chegou. Tiro a metade da quantia e salto dentro de um tá xi que me custa duzentos francos! Uma orgia.

       As idé ias sacolejam dentro da minha cabeç a, que bate como um tambor, eu nã o ouç o mais nada; o motorista fala comigo, nã o entendo nada. Ao descer, tive medo até de cair, de tanto que minhas pernas vacilavam. Mesmo assim, eu me precipito dentro do escritó rio da assistente social.

       — Trê s apartamentos foram liberados, você terá que escolher.

       — Eu pego o que for mais longe.

       Ela desata a rir e eu caio em prantos!

       — Você pode visitar os trê s!

       — Nã o, nã o! Me diga apenas onde fica o mais afastado.

       O mais afastado é um F5. E eu vou embora de novo correndo. Esqueç o de me despedir; me volto para gritar até logo. É meio-dia, tudo está fechado. Me explicam que o porteiro está ausente até as trê s horas e que eu nã o posso visitar. Entã o fico esperando. Nã o sinto fome, ando para lá e para cá diante do imó vel que esconde um tesouro. Eu ficaria com este apartamento até sem visitá -lo, mas tenho que fazê -lo, e dizer sim depois.

       À s dez para as trê s, estou plantada na frente do alojamento do porteiro. Ele abre. Eu lhe mostro o papel da prefeitura e ele me leva, finalmente, ao apartamento. Ele é grande, vazio e acaba de ser repintado. Esqueç o o porteiro, me sento no chã o bem no meio da sala, com os braç os pendentes, e choro como uma fonte.

       É a maior vitó ria da minha existê ncia. Eu choro de alí vio, de redenç ã o. É o fim do pesadelo. Podem me insultar, dizer tudo que quiserem nas minhas costas, nã o receberei mais socos. Estou LIVRE.

       Corro à prefeitura para assinar os papé is. Problema, nã o tenho recibos de salá rios. Os cursos de alfabetizaç ã o que eu dou sã o voluntá rios. Eles me prometeram um dia me pagar pelo menos meus deslocamentos... eu poderia talvez obter um recibo de pagamento por isso. Saio de novo, sempre correndo, até a sede da associaç ã o. Explico meu caso à gerente.

       — Vamos ver o que se pode fazer. Eu recebi um pouco de dinheiro da prefeitura, já posso reembolsar você retroativamente pelos transportes em recibos de salá rios.

       Munida dos trê s recibos de salá rio indispensá veis, eu entrego meu dossiê e uma semana mais tarde sou convocada para assinar o contrato.

       Na saí da, depois de assinar, eu ria como uma louca, as pessoas deviam achar que eu era doente! Elas nã o podiam saber o que eu acabara de obter naquele dia! Em vez de voltar para casa, vou diretamente até o conjunto residencial. É um conjunto, infelizmente, nã o se pode ter tudo! Vou buscar as chaves e entro, sozinha desta vez, como locatá ria oficial, livre e independente, no meu apartamento. Tenho necessidade de rever aquelas paredes, aquele assoalho, aquelas janelas. Necessidade de ir até o fundo daquela felicidade tã o aguardada. É preciso ter suportado o que eu suportei, ter lutado durante anos para sair do que se tornou uma prisã o, um lugar de tortura mental e fí sica, para compreender a emoç ã o e o reconhecimento que me invadiram naquele momento. Na prefeitura, as assistentes sociais me ajudaram; elas se esforç aram por mim como eu me esforç o pelas outras mulheres, elas bem sabem. Deus nã o me abandonou, jamais. Sempre esteve aqui, mesmo nos piores momentos, Ele me deu forç as para agü entar. Sou crente, posso lhe agradecer por ter escutado minhas preces. Volto para casa, estou tã o contente que nã o consigo esconder das crianç as. Decido lhes dizer:

       — Deixo a você s a escolha. Nã o quero privá -los do seu pai. Quem quiser vir comigo que venha, quem quiser ficar com o pai que fique com ele.

       Nã o tenho a intenç ã o de arrancá -los à forç a e perturbá -los. A mais velha tem agora treze anos, a segunda onze, meu filho tem oito anos e a menorzinha quatro anos. Ela ainda está no maternal. Os outros estã o no primá rio ou no colegial.

       As crianç as nã o suportam mais o ambiente desastroso e violento que reina na casa.

       — Nem pensamos em ficar aqui, nó s vamos com você, mamã e.

       — Entã o é um segredo. Se um de você s por acaso disser ao papai que nó s encontramos uma moradia, eu corto a lí ngua!

       Lamento, mas é o ú nico meio de fazê -los respeitar o silê ncio, salvo a pequena que permanece em total ignorâ ncia. O pai nã o precisava saber para onde irí amos. E eu tenho necessidade de uma semana para organizar a mudanç a. Procedo por pequenas etapas, como um rato silencioso e invisí vel. Assim que as crianç as vã o para a escola, meto uma roupa em cima da outra e tomo um tá xi. Quando eu saio, a outra esposa nã o pode me ver, suas janelas dã o para o pá tio. Posso até sair pela janela sem passar pela porta principal, atirar um pacote e depois apanhá -lo. Minha mamã e francesa está por dentro do segredo. Como nã o tenho recursos para pagar um caminhã o de mudanç a, deixarei para o ú ltimo momento no subsolo minha mala grande e as valises que virei apanhar mais tarde. Lentamente fui retirando do quarto meus objetos pessoais e eles nã o viram nada.

       O armá rio, a televisã o, a cama principalmente, nã o quero mais. É a infelicidade, e a infelicidade deve ficar aqui, atrá s de mim. Eu me tornei supersticiosa, tenho medo que ela me siga. Quero apenas as minhas roupas e as das crianç as, as cobertas, os lenç ó is e alguns utensí lios de cozinha. Durante toda aquela semana, repeti todos os dias para as crianç as que eles podiam escolher, que eu nã o os estava levando à forç a. Mas suas matrí culas na nova escola já estavam feitas, por seguranç a.

       O grande dia, o ú ltimo, chegou. Resta levar o mais pesado, uma bacia grande com meus utensí lios de cozinha, as cobertas e os lenç ó is. Tinha esperado poder contar com a camionete do amigo de uma amiga, mas ele desistiu na ú ltima hora. Arrasto uma grande mala até o subsolo da minha mã e francesa, passando pelo pá tio, bem debaixo das janelas da co-esposa. Normalmente, ela poderia perfeitamente me ver, mas sã o dezenove horas, é a hora da sua novela, ela nã o desgruda os olhos de Santa Barbara e nã o chega a notar o vaivé m no pá tio.

       Meu marido volta à s oito da noite. É preciso ir embora. Saio para chamar um tá xi na frente do pré dio. Ironia do destino, o chofer que pá ra é um africano. Um maliano muito simpá tico. Eu me eclipsei assim, bem disfarç adamente, com as crianç as. Era uma fuga, teria gostado muito de poder partir de outra maneira; infelizmente, era impossí vel.

       Vinte e cinco minutos mais tarde, está vamos em casa. Nã o tí nhamos camas, nem televisã o, nenhum mó vel, só terí amos colchõ es para as crianç as no dia seguinte, graç as a Emmaü s[5]. Quanto a telefone, nã o haveria. Seria um meio muito fá cil para me encontrar. Preveni apenas minha mã e e meu tio, para que nã o ficassem preocupados. E fiquei sabendo que este meu tio telefonara à minha mã e achando que eu teria fugido com um homem. O chofer do tá xi, quem sabe?

       Deram-me uma velha geladeira e eu esperei as remuneraç õ es das minhas aulas para comprar uma televisã o. Nã o queria que as crianç as se sentissem isoladas e, naquele novo bairro, preferia que nã o fossem brincar do lado de fora. Temia també m que um dia as mandassem de volta para a Á frica. É tá tica dos homens seqü estrar os filhos e mandá -los para a aldeia, de modo que nã o se possa fazer nada para recuperá -los.

       A televisã o ficou no chã o durante dois meses, eu nã o tinha mesa. Mas, pouco a pouco, com a ajuda de todo mundo, de pessoas que eu nem sequer conhecia na nova escola, onde eu acabara de chegar, eu ia me instalando. Depois da geladeira, me ofereceram gentilmente um movelzinho aqui, uma coisinha ali...

       Comprei uma cama, um armá rio, uma mesa. E a coisa mais importante, pois eu sempre tive medo que as crianç as sentissem fome, um congelador! Eu mesma sempre tive um, quando crianç a, minha mã e fazia questã o... Ela deve ter me transmitido esta obsessã o. Eu queria que mesmo na minha ausê ncia elas sempre achassem alguma coisa para comer dentro do congelador. O aluguel do apartamento era de mais ou menos dois mil francos. Nã o me sobrava muito no final do mê s. Felizmente, eu ainda tinha minha má quina de costura e continuava a costurar para as mulheres africanas.

‘      Um bubu eram cinqü enta francos. Isso me ajudava a ir levando. Eu queria para meus filhos todas as atividades esportivas e extra-escolares. Para que eles nã o ficassem vagando pelo conjunto residencial, ou se aborrecessem dentro de casa. Pela primeira vez eles tinham lugar para fazer seus deveres escolares em boas condiç õ es; eu repartira os quartos e tudo corria bem.

       Uma tarde, meu tio, que eu respeitava muito, veio me ver com primos muito pró ximos. Eu lhes dei boas-vindas, todo mundo se instalou, senti que ia começ ar a reuniã o familiar...

       — Agora que você achou um apartamento grande, gostarí amos de lhe pedir a reconciliaç ã o com seu marido, que a mulher dele viesse, que você s morassem todos juntos, há cô modos suficientes para todo mundo.

       — Você s nã o estã o entendendo nada! É este o problema. Acham que eu fiz isso por capricho? Nã o quero nunca mais vê -lo nem viver com ele. Esta casa é minha.

       — Acalme-se, acalme-se!

       — Estou calma. Só quero lembrá -los que para mim este casamento acabou!

       Falar com eles de divó rcio ou de separaç ã o de corpos nã o serve para nada. Eles nã o compreendem a palavra, nã o querem nem ouvir falar dela. Estou diante de uma parede; eu poderia bater com a cabeç a nela durante dias, ia ouvir sempre a mesma canç ã o até o esgotamento.

       — É seu marido. Você deve viver com ele.

       — Nã o, acabou. Nã o quero mais saber dele...

       — Mas nã o pode proibir as crianç as de verem o pai!

       — Nã o é minha intenç ã o. Eu disse à s crianç as: o metrô está aí para levar você s à casa do papai, sã o trê s estaç õ es, podem ir lá quando quiserem, apenas me avisem, só isso! O juiz concedeu a ele direito de visita bem preciso, mas eu també m nã o tenho que obrigá -los a respeitar!

       Eles foram embora e eu precisei de tempo para recobrar a calma. A pressã o do tio e dos primos nã o pararia de ser exercida tã o facilmente. Compreendi o que se tramava à s escondidas. Ele queria se instalar na minha casa, com a sua segunda esposa e os filhos dela, porque a comunidade, tio e primos, o encorajava manifestamente. Aquele apartamento que eu conquistara graç as à minha obstinaç ã o lhes parecia grande demais para mim! E como eu garantia o aluguel...

       Uma surda inquietaç ã o me atazanava també m o cé rebro. Naquela mesma noite eu disse à s crianç as maiores:

       — Escutem, prestem atenç ã o em uma coisa importante! O caminho do aeroporto nã o é longe, podem mandar você s diretamente para Dakar ou para a aldeia, e você s ficariam presos lá até que eu conseguisse ir buscá -los. Lembrem-se disto: atenç ã o no caminho do aeroporto. Que isto fique bem dentro das suas cabeç as.

       Algum tempo depois dessa primeira visita, meu tio me telefonou. Era uma nova tentativa de conciliaç ã o. Uma vez que eu nã o quero que a segunda esposa more comigo, devo ao menos aceitar que meu marido venha dormir na minha casa um dia ou dois.

       — Seu casamento deve ser mantido. Seu marido é seu marido, ele tem o direito de ir à sua casa!

       Retorno à poligamia! Desta vez eu bradei de raiva:

       — Será que estou falando com uma parede, ou o quê? Você s ainda nã o entenderam? Nã o é nem ele nem ela que eu detesto! Nã o quero saber mais é deste casamento! Quero que me deixem em paz. Quero ficar no meu canto!

       Depois desta explosã o, eu me acreditei tranqü ila. Mas, algum tempo depois, num dia por volta de uma hora da tarde, bateram à porta. Eu abro. É meu marido.

       — O que é que você veio fazer aqui?

       — Vim ver onde você está!

       — Eu estava saindo.

       Nã o quero que ele entre no apartamento. Eu pego minha bolsa, puxo a porta e fecho à chave deixando-o no saguã o. Ele me segue. Do lado de fora, apanho o ô nibus diante do edifí cio, ele entra també m. Precisei dar trê s voltas antes de conseguir me livrar dele num cruzamento, onde corri para subir em um outro ô nibus, fora de mim. Quando é que ele ia me deixar em paz?

       Antes da minha saí da, ele ficou repetindo, enfurecido:

       — Você nã o poderá ir a lugar nenhum! Eu lhe dou uma semana. Você diz sempre que um dia vai embora e você nã o vai! E se você partir, vai voltar de joelhos me pedindo perdã o.

       Ele nã o me acreditava capaz de deixá -lo para nunca mais voltar. Durante seis meses, sofri o assalto dos primos pró ximos, dos amigos dele.

       — Volte para o seu casamento...

       Eu cruzava com algué m dentro do metrô ou na rua:

       — Por favor, pelos seus filhos, volte para o casamento!

       Terminaram compreendendo que eu nã o queria mais ouvir falar daquilo. Eu disse ao meu tio:

       — Eu tenho um grande defeito, acabo de descobrir: quando viro as costas e digo que acabou, eu nunca volto atrá s. Nã o quero que continuem essas histó rias dentro da famí lia por minha causa, quero que isto acabe.

       As crianç as iam ver o pai praticamente todos os fins de semanas. Deixei a mais novinha com ele uma vez, durante alguns dias de fé rias, e ela voltou com a cabeç a cheia de piolhos. Aquela mulher nã o era capaz nem de cuidar disso, ou entã o descontava na minha filha a raiva que tinha de mim.

       Um domingo de fevereiro de 1990, em que as crianç as passavam o fim de semana na casa do pai, aproveitei para sair do meu buraco. Acabara de cruzar, por acaso, no tribunal, enquanto eu tratava do meu divó rcio, com um africano que viera à Franç a para se preparar para obter um diploma de magistrado. Como ele era novo em Paris, eu lhe propus acompanhá -lo em um tour pela cidade. Sair com algué m que nã o conhecia nem minha histó ria nem minha famí lia nã o me faria mal. Pelo menos ele nã o me faria perguntas e nã o me pediria para voltar para o casamento! Eu lhe mostrei os bairros de que eu mais gostava... um programa de domingo à tarde, tranqü ilo. Quando entrei em casa por volta das cinco horas, ao abrir a porta, as crianç as se atiraram sobre mim!

       — Nunca mais, nunca mais nó s vamos voltar para a casa do papai, nã o vamos mais lá.

       Ainda bem que as crianç as tinham a chave do apartamento, caso contrá rio teriam sido levadas para o juizado de menores!

       As crianç as foram me contando sua aventura aos poucos; o pai, com primos que eu jamais teria suspeitado que pudessem fazer aquilo, lhes explicara que eles iam " levar um titio ao aeroporto".

       — Os colegas do papai nos seguravam pelo braç o, e nos beliscavam toda vez que nó s dá vamos uma palavra!

       Eles registraram as cinco passagens para o pai e quatro filhos. Suponho que ele tenha utilizado naquele momento uma velha certidã o de casamento, pois eu soube mais tarde que ele tentou obter, com essa velha certidã o, uma autorizaç ã o de saí da para as crianç as. Mas na embaixada do Senegal eu era conhecida no serviç o social e a funcioná ria lhe disse:

       — Lamento, nã o posso, preciso da assinatura da mã e.

       Ele saiu de lá de mã os vazias. E tentou o golpe com a certidã o de casamento, pensando que poderia deixar o territó rio francê s com as crianç as sem maiores problemas. As crianç as entraram na sala de embarque. A menorzinha dormia no colo do pai; se ela estivesse sozinha eu nunca mais iria vê -la...

       As trê s outras nã o podiam fazer muita coisa enquanto estavam sendo seguras pelos primos; mas, assim que passaram para a sala de embarque, minha filha mais velha e meu filho viram policiais de uniforme fazendo uma ronda. Foram correndo para eles:

       — Papai está querendo nos levar, mas ele nã o tem direito, mamã e nã o quer.

       Foram levados para a sala da polí cia. Eles interrogaram as crianç as separadamente, e elas deram a mesma versã o sem se ter combinado.

       O pai delas precisou tomar o pró ximo aviã o e suponho que teve que dar algumas explicaç õ es! A polí cia trouxe as crianç as para casa e, com a concordâ ncia dos vizinhos, deixou-as no local. Eu tremia ao escutá -las.

       Se nã o fossem os vizinhos, se as crianç as nã o estivessem com a chave, a polí cia poderia tê -los levado para algum juizado. Meus trê s pequenos heró is nã o se deixaram enganar. " Atenç ã o à estrada do aeroporto! " Eles nã o tinham se esquecido.

       Avisei meu pai por telefone.

       — Nã o é grave, sã o os filhos dele també m. Quando ele chegar aquil, nó s vamos discutir, nã o se preocupe. Nã o crie caso.

       — Nã o, nã o estou mais criando caso. O bom Deus permitiu que meus filhos ficassem aqui, era tudo o que eu queria.

       Imediatamente depois desse episó dio, na segunda-feira de manhã, eu me apresentei na prefeitura para conseguir os certificados de nacionalidade dos meus filhos. E fiz para mim um pedido de nacionalidade francesa. Até entã o, eu tinha preferido manter as cores do Senegal...       Continuei o pleito do divó rcio, com assistê ncia judiciá ria. Por outro lado, o divó rcio religioso permanecia inacessí vel, já que só ele podia tomar a decisã o. Mas ele afirmava desde o começ o que nã o queria e que nã o cederia jamais.

       — Nã o fui eu que fiz o casamento, foram os pais! Entã o sã o eles que tê m de fazer este divó rcio. Peç a a eles e nã o me amole!

       É preciso sempre pedir, uma mulher africana muç ulmana nã o se pertence. Eu continuava sendo uma mulher africana, continuava muç ulmana e crente. Embora obstinadamente revoltada contra o sistema que queria me encerrar pelo resto da vida. Tinha nascido assim sem saber.

       Nunca mais a excisã o, eu preservei a ú ltima que nasceu. Nã o haveria casamento arranjado, nem para minhas filhas nem para o meu filho.

       Viajei para a Á frica para pedir respeitosamente que a famí lia fizesse o necessá rio para me conceder finalmente o divó rcio. Nã o estava necessariamente ganho.

 



  

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