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Poligamia



 

       Na ocasiã o de minha ú ltima viagem à Á frica, eu confiei à minha famí lia a educaç ã o de minhas duas filhas mais velhas. Matriculei-as em uma escola particular e, em casa, elas estariam sob a autoridade conjunta de minha mã e, minha irmã e meu irmã o mais velho. Com isso, iriam compreender suas raí zes, viver como eu mesma havia vivido, cercadas de afeiç ã o e

protegidas das incessantes brigas do domicí lio conjugal, na Franç a. Essa primeira etapa de vida na Á frica me parecia necessá ria para a futura evoluç ã o delas, dentro da dupla cultura que teriam. Elas voltaram para a Franç a trê s meses mais tarde, o que me deu tempo para me dedicar mais aos dois menores.

       Nesse í nterim, minha meia-irmã e o marido chegaram a Paris. Eu me dava muito bem com eles e, graç as à sua presenç a, nó s rimos bastante; cheguei até a assistir à festa de 14 de julho do ano de 1984; passeamos até tarde da noite no Quartier Latin, no meio da cantoria do baile, o que meu marido nunca teria aceitado fazer se eu estivesse sozinha com ele. Fazia muito tempo que eu nã o ria com tanta vontade e nã o brincava tã o despreocupadamente.

       Felicidade, despreocupaç ã o... Eu esqueç o minha pí lula. A cartela tinha acabado e eu me enganei de data para começ ar a seguinte. O ano de 1985 começ a ao mesmo tempo em que uma quinta gravidez, que evolui tã o mal que eu sou hospitalizada. Vivo dentro de um quarto escuro, cortinas puxadas devido a pavorosas enxaquecas e ná useas perpé tuas. Durmo a maior parte do tempo. De acordo com o mé dico, trata-se de uma forma de rejeiç ã o inconsciente. Rejeiç ã o, certamente, mas certamente nã o pela crianç a que vai nascer. O que eu sinto, entã o, me parece que posso nomear de outra forma: có lera, raiva por me ter deixado apanhar.

       Esta impossibilidade de fazer ouvir o " nã o". Nã o há nenhum amor por parte de um homem que forç a sua mulher. Ele vê perfeitamente que eu recuso, me debato, mas nada adianta. Será que ele nã o sabe o que representa para uma mulher excisada uma relaç ã o imposta desse jeito? Uma mulher europé ia diria: " estupro conjugal". Uma noç ã o que nã o existe na nossa terra. Será que ele nã o sabe o que significa o peso de cinco gestaç õ es em oito anos?

       Na ú ltima consulta, o mé dico me preveniu:

       — Se você nã o der à luz durante a semana, vou induzir o parto. Enquanto espera, faç a uma boa caminhada durante o fim de semana.

       É manhã de sá bado. Saio de lá com uma vontade irresistí vel de comer um bom arroz de peixe senegalê s com azedinha. Caminho de Stalingrado até o meu subú rbio, compro meus produtos, preparo e como. O silê ncio reina na casa. Ele nã o fala mais comigo. Voltou da Á frica onde teve uma convalescenç a de vá rias semanas depois de uma pequena cirurgia. Desde que voltou, eu o surpreendi em determinados trechos de uma misteriosa conversa com alguns primos de visita. Adivinho o que está sendo tramado à s minhas costas, mas ele nã o diz nada. Na tarde desse sá bado anterior ao parto, eu levo meus dois filhos menores a um passeio.

       — Aonde você vai?

       — Caminhar. Vou olhar as lojas de jó ias da Rue du Temple. O mé dico me

mandou andar, eu ando!

       Estamos em junho e faz muito calor, eu me sento em um terraç o para descansar e tomar um leite com xarope de romã com as crianç as. E vejo meu marido chegar. Eu estava bastante desconfiada de que fazia alguns dias que ele queria me revelar o que tinha feito no paí s, sem saber como proceder. Eu me preparo para o que ele acredita ser um choque para mim, quando, na verdade, será uma libertaç ã o, se eu nã o me engano... Ele se senta e diz:

       — Eu me casei com uma segunda esposa na Á frica.

       — Está muito bem. Espero que com essa mulher dê certo.

       — Mas eu nã o estou brincando, estou lhe dizendo a verdade.

       Antes de partir, tinha escutado uns murmú rios; um de meus tios o aconselhara:

       — Você vai se casar com uma mulher. Com isso, ela vai parar de criar

caso.

       Ele achava que eu reagiria muito mal à chegada de uma co-esposa. A ú nica coisa de que nã o gostei foi sua maneira de me anunciar, no terraç o de um café, e exatamente antes do parto. Um mé todo bastante covarde, que traduz a iné pcia absoluta de certos homens africanos em maté ria de esposas. Se tivesse conseguido amar esse homem, teria me sentido muito infeliz. Estou aliviada, ao contrá rio. Meu plano secreto vai adquirir forma. Uma co-esposa quer dizer, antes de mais nada, para mim menos obrigaç õ es sexuais. E logo em seguida o divó rcio. A fuga, o vô o, vou-me embora com as crianç as!

       Eu me levanto sem uma palavra, pago a conta e o deixo ali.

       Duas semanas depois, dou à luz uma menina, Binta. Com ainda mais rasgaduras em conseqü ê ncia da excisã o. Essa cicatriz í ntima, da qual eu nunca falo, nã o pá ra de me fazer sofrer a cada parto.

       E decido trabalhar em casa, como costureira. Com o diploma de costura no bolso, comprei uma má quina profissional de segunda mã o e consigo trabalhos em domicí lio de uma confecç ã o de gravatas-borboleta e tradicionais. Por pacotes de cem ou de duzentos, costuro tranqü ilamente em casa, o que me permite cuidar do bebê. O pai, durante esse tempo está nas nuvens. Sua segunda esposa ainda está no Senegal e ele está preparando a chegada dela na Franç a. Me disseram que ela tem quinze anos. E eu me lembro da frase que ele pronunciou um dia diante de minha irmã:

       — É melhor se casar com uma mulher analfabeta do que com uma mulher que foi à escola.

       Ele queria convencer minha irmã mais nova desse bordã o, ela que tinha tanta vontade de ir à escola na Franç a. Minha co-esposa é analfabeta e tem, portanto, quinze anos. Outro bordã o complementar:

       — É melhor se casar com uma garota, que nã o apresentará problemas de obediê ncia.

       Um dia, lá pelo final do ano, uma colega do CERFA, a sra. Drakité, me telefona.

       — O Interservice Migrants está procurando inté rpretes.

       Os ú nicos momentos em que esqueç o as brigas e a tristeza de minha existê ncia, eu os encontro nessas associaç õ es. Costuro em casa, carrego meu bebê quando vou dar aulas beneficentes, estabelecendo meus horá rios de acordo com as horas das mamadas. Faç o també m serviç os de inté rprete, pois amamentar uma crianç a nã o impede de falar nos hospitais, nos PMI[4], até mesmo no tribunal!

       No fim do ano escolar, recebo de volta minhas duas filhas mais velhas e me vejo, portanto, com cinco crianç as, que instalo em dois cô modos. Aquele onde moro e o que tí nhamos alugado para a estada de meu pai. Fica apertado, mas eu me ajeito.

       Com o que eu nã o me ajeito é esse problema de dinheiro. Ele quer meu recibo de salá rio e o cheque correspondente. Suponho que tenha necessidade de fazer economia para a chegada de sua segunda mulher. Mas eu gasto tanto quanto ele nas despesas da casa!

       — As outras mulheres dã o seu salá rio para o marido, é normal!

       — Se elas aceitam nada receber de volta, a nã o ser uma nota de cem francos, é problema delas, mas isto nã o funciona comigo!

       Compreendi que as mulheres africanas à minha volta jamais se revoltavam como eu. Paciê ncia, eu lutaria por mim mesma. Uma luta enriquecida com cartas aos meus pais, nas quais ele se queixa de minha má vontade. Discussõ es com os homens da comunidade na Franç a, que nã o param de encorajá -lo a aplicar a " lei". E como eu nã o me defendo, os conselhos chovem, tê m a pretensã o de ser pacificadores e conciliadores, mas, na verdade, sã o assustadores para mim.

       — Você tem que escutar seu marido! Você está neste casamento, vai morrer neste casamento, nã o vai sair deste casamento. Entã o obedeç a ao seu marido! Você nã o tem razã o!

       De tempos em tempos, quando tinha a oportunidade de falar no telefone com a famí lia na Á frica, eu explicava minha versã o dos fatos. E minha mã e respondia sempre:

       — Se é assim, ele nã o tem razã o.

       Fevereiro de 1986, meu marido me comunica a vinda de sua mulher. Fico feliz de poder botar meu plano em execuç ã o. Estou decidida a deixá -lo. Meu salá rio é irrisó rio, eu ganho o mí nimo (cinco mil francos), mas com os salá rios-famí lia, acho que consigo me virar.

       A nova esposa desembarca sob a neve, em pleno inverno. Foi recusada uma primeira vez, por um problema de documentos; foram necessá rias diversas semanas para resolver, em Dakar. Finalmente chegou, eu a recebo com generosidade, convido todas as minhas amigas, organizo e pago a festinha de sua chegada. Para dar a entender perfeitamente ao meu marido que a situaç ã o me é de todo indiferente.

       Algumas pessoas do seu cí rculo começ am a falar que estou com ciú me. Entã o eu iria lhes mostrar como estava ciumenta. Grande cerimô nia, portanto: muitos convidados, todas as minhas colegas das associaç õ es, todas as que eu assisto nas PMI e, a partir do dia seguinte, ela

passará a dormir na cama dele, pois a casa está cheia de gente. É uma garota. É de estatura baixa e nã o muito bonita, mas o que me choca principalmente nela é seu comportamento: nã o é nem calorosa nem gentil. Ela nã o fala.

       Meus filhos, que nada compreendem de tudo aquilo, correm por toda parte dentro do pequeno apartamento. No quarto dia, ela continua deitada, mesmo depois que o pai foi vê -la. Nesse dia, minha segunda filha, que tem nove anos na é poca, foi lhe levar até a cama uma bandeja com frutas. Ela estende gentilmente a bandeja até colocá -la sob seu nariz. A outra permanece imó vel, nã o toca em nada, nem obrigada, nem sim, nem nã o. Eu ouç o o meu marido gritar:

       — Esta menina que foi até você está querendo dizer que a famí lia lhe deseja boas-vindas! Mexa-se! Faç a alguma coisa!

       Talvez ela estivesse apavorada, talvez tivesse acabado de cair dentro de um lugar que ela també m nã o desejara. Talvez estivesse infeliz, como eu, à é poca, por ter que suportar os assaltos de um marido mais velho do que ela. Segundo os rumores, ela teria aceitado este casamento por dinheiro e para vir para a Franç a. Devem ter-lhe oferecido dois ou trê s mil francos franceses, eu imagino. É uma menina da aldeia, uma de minhas sobrinhas, portanto da famí lia, e soninké como eu. Eu a observo da soleira da porta do quarto, semblante fechado, aborrecido. Se ela fosse simpá tica, eu poderia me compadecer; afinal de contas, ela está presa na mesma armadilha que eu aos quinze anos. Decididamente, nã o tenho vontade de me enternecer; alé m disso, todo mundo está chocado com sua atitude. Sinto imediatamente que ela nã o será nem amiga nem aliada. Suponho que tenha chegado com uma idé ia preconcebida na cabeç a: viver com uma co-esposa é enfrentar uma inimiga a combater. E, aliá s, ela imediatamente se comportou como inimiga a propó sito de coisinhas mesquinhas.

       Para me entender com ela a respeito das relaç õ es sexuais, o mais importante aos meus olhos, eu utilizei como intermediá ria, como é usual, uma mulher de casta.

       — Diga-lhe que eu lhe deixo meu marido, no mí nimo dois meses, ela pode ficar com ele.

       Mas, trê s semanas depois, ela me manda a resposta pela intermediá ria:

       — Sua co-esposa diz que agora cada uma vai ter uma vez.

       Eu compreendo que, infelizmente, a coisa també m nã o vai bem do lado dela.

       Ela é jovem, ele a conheceu virgem e excisada, sem nenhuma dú vida, e exige relaç õ es sexuais todas as noites, o que ela nã o suporta. Nã o há possibilidade. E me vejo obrigada a responder:

       — Bom, ele dorme duas noites com ela e duas noites comigo.

       Sinto ó dio. Eu nã o o queria na minha cama. Vou ver meu ginecologista e lhe peç o para colocar um D. I. U. Tenho que continuar a tomar pí lula por algum tempo, mas, desta vez, ela está gravada na minha cabeç a; está fora de questã o esquecê -la.

       Nã o nos falamos muito, todas duas. Ela fica grá vida imediatamente e dá à luz uma menina. Ela fica dentro do quarto dela, eu no meu. As conversas se limitam a " bom-dia" e " está na hora de comer"; nem amigas nem inimigas.

       O problema é que os dois nã o se entendem muito bem, ela deve criar problemas na cama ou em outro lugar, nã o tenho í dé ia, mas o que sei, em compensaç ã o, sempre pelo " telefone africano", é que ela se deixa enredar pelo marido. Ele começ a a lhe enfiar na cabeç a ameaç as estú pidas, do gê nero: “Se você criar caso, a outra vai mandar você de volta para a Á frica. É fá cil para ela, você nã o tem documentos! ”

       Ele lhe conta que na Franç a as segundas esposas sã o expulsas rapidamente. Que as primeiras esposas criam um caso pelas menores coisas e fazem guerra aos maridos... E ela, evidentemente, nã o me fala sobre isso, nã o faz perguntas, e acredita em tudo que ele lhe diz. Posso mandá -la de volta, eu sou sua inimiga, portanto todos os seus infortú nios vã o começ ar por mim. Na poligamia, o objetivo de certos homens é claro: " dividir para melhor reinar".

       Nunca conhecera este tipo de guerra na minha famí lia pró xima, nem na casa de meu avô nem na dos meus pais. Agora, o resultado desse mé todo é que a jovem esposa se acha a rainha do lar, e me despreza. Ela nã o divide nada, nem comigo nem com meus filhos. Como está grá vida, recebe um pequeno auxí lio, que seu marido lhe entrega generosamente todos os meses (mais ou menos seiscentos francos, acho eu). Em compensaç ã o, os que me sã o devidos por meus cinco filhos, ele fica com eles! Faz compras para a casa, mas nem um tostã o cai nas minhas mã os. Contudo, sou eu quem paga as roupas, os sapatos, assim como tudo relacionado à escola para meus filhos. Eu nã o digo nada. Mas bastam duas palavras atravessadas e lá vem a briga.

       Estou cansada de impor esse ambiente de brigas aos meus filhos. Quando tinha nove anos, minha segunda filha enfrentou o pai.

       — Se você tocar de novo na minha mã e, eu bato em você.

       Ele riu ou fez cara de riso, mas isto o acalmou um pouco. Muito pouco.

       Ele quer, de qualquer maneira, convencer seu cí rculo e mesmo minha pró pria famí lia de que, se o casamento vai mal, é porque estou com ciú me e sou má. Seu orgulho de macho assim exige. Nunca vai admitir que nã o o amo, nem a outra, provavelmente. Que as relaç õ es sexuais me desagradam e que se eu estivesse mais atenta a essas coisas na é poca, e fosse liberada como as outras mulheres... teria mais coisas para falar. Mas, por respeito a mim e à s crianç as, limito-me ao essencial.

       Com os nervos em frangalhos, tiro um tempo de fé rias na Normandia, com as crianç as. O tio-avô, seus campos, seu jardim, os prados e as vacas, o bom leite e a ternura daquele homem, a gentileza de seus vizinhos sua ú nica famí lia, nos fazem bem. Infelizmente, uma terrí vel desgraç a me aguarda. O destino.

       A prefeitura organizou um dia de passeio, quinta-feira, à beira-mar, e eu me inscrevi com as crianç as. Cheguei a chamar a co-esposa para vir conosco com seu bebê, para acostumá -la à Franç a e també m lhe mostrar que nã o sou sua inimiga, como ela acredita. Nó s preparamos um piquenique: sanduí ches, geladeira portá til, croissants para o lanche das dez horas.

       E partimos de carro. No caminho, os organizadores propõ em uma parada para as crianç as. Todo mundo se instala em um pequeno café à beira da estrada. E de repente minha filha me diz:

       — Mamã e, nó s deixamos os croissants dentro do carro, vou lá buscar.

       Ela sai. Um minuto mais tarde, eu ouç o um grito, pneus cantando. Um carro corria depressa demais na cidadezinha. No espaç o de dez minutos, chegou o socorro. O menino que atropelou minha filha nã o pá ra de repetir:

       — Senhora, eu nã o fiz de propó sito, eu nã o fiz de propó sito.

       Transportaram minha filhinha em coma para o hospital. Ela levou uma pancada na cabeç a, mas nã o há sangue. É preciso fazer uma tomografia; ela está dormindo, as enfermeiras a beliscam para que acorde, é importante que nã o durma, é importante...

       Telefono para o pai dela em Paris. Quinta-feira passa, sexta-feira de manhã chega. Do consultó rí o, o mé dico telefona para Paris. Pergunta se o hospital Beaujon pode recebê -la, precisa també m de um helicó ptero para transportá -la. Eu o ouç o me explicar sua impotê ncia:

       — Nã o dá para fazer nada aqui, há uma pedrinha dentro do cé rebro...

       Ele sabia muito bem que nã o havia nada a fazer pela minha filhinha.

       Eu entro no quarto, inclino-me sobre ela para tocá -la; ela está inerte.

       Nesse momento, alguma coisa se despregou de mim, eu senti, eu gritei: " Mas ela está morta! "

       As enfermeiras correram com seus aparelhos de reanimaç ã o; era tarde demais. Tiveram que me dar uma injeç ã o para eu me acalmar.

       Ela tinha dez anos, dois meses e dez dias. E nos deixou assim. Um minuto, um guinchar de pneus, minha filha nã o existe mais. Ela foi embora, o rosto luminoso, como se dormisse tranqü ilamente. Voltei para Paris, esvaziada de tudo. Perder um filho é a pior coisa que pode acontecer a uma mã e. Um vazio pavoroso. O vazio em mim, o vazio també m na fraternidade desnorteada. Estou dentro do vazio absoluto.

       A prefeitura me propô s enterrar o corpo aqui na Franç a. Mas minha famí lia perguntou se era possí vel fazer o funeral na Á frica, para que eles pudessem lhe dizer adeus. Comuniquei ao pessoal da prefeitura e eles aceitaram, financiaram o transporte. Deram-me uma passagem de aviã o para acompanhar o caixã o. Naquele momento, senti um verdadeiro ó dio pelos homens de minha comunidade. No ú ltimo minuto, na vé spera da partida, eles decidiram:

       — É o pai que vai levar, nã o a mã e. É uma mulher, ela deve ficar aqui. Se fossem duas passagens, tudo bem. Mas se é só uma, é do pai!

       Ele partiu com o corpo e eu fiquei ali, chorando como um animal doente. Eu nunca os perdoei e minha mã e també m nã o. Eu precisava acompanhar minha filha até minha casa, ficar com minha mã e, fazer meu luto com ela. Nada disso sequer passou pela cabeç a deles. O homem, o pai, sempre o homem, que nã o passou pela gestaç ã o, que nem sequer admite ceder seu lugar a mã e, ou simplesmente comprar mais uma passagem. Nada, esses homens nada compreendem do amor de uma mã e e do respeito que lhe devem.

       As crianç as, que estavam tã o felizes, fecharam-se dentro de si mesmas. A menorzinha tinha só dois anos. Ela dizia:

       — Kí né embora, hospital, embora, hospital.

       Ela nã o se lembra mais.

       Eu estava muito deprimida; trê s meses depois, comprei uma passagem com o meu dinheiro e parti por um mê s para ver o tú mulo da minha filha. Felizmente, acredito em Deus, felizmente eu tenho amigos; eles conseguiram me ajudar, me dizer as palavras certas. Pois uma parte da comunidade africana me julgou culpada de alguma maneira, no mí nimo responsá vel por aquele drama. Segundo eles, era tudo minha culpa, porque eu queria viver como os brancos e carregar meus filhos para todo lugar. Foi a impressã o que tive naquele momento.

       Foi difí cil viver naquela é poca. À s vezes eu andava pelas ruas, cruzava com mulheres que me diziam:

       — Eu vi você ontem, cumprimentei-a. Você nã o me respondeu.

       Eu nã o via mais as pessoas passarem. Tive uma depressã o, muito difí cil e muito longa.

       Eu nã o queria mais ver meu marido; para mim estava acabado. A morte daquela crianç a, tudo o que tinha acontecido em torno do luto havia me desgostado. Eu nã o queria mais aquele casamento, definitivamente. Sabia que existia em algum lugar de Paris um escritó rio de advogados africanos, tratei de descobrir. Assim que a escola maternal aceitou ficar com a minha caç ula, Binta, para me aliviar, comecei a providenciar o divó rcio. Desde cedo contei ao meu marido, mas ele riu na minha cara. Encontrei, entã o, um advogado negro, que me pediu um adiantamento de honorá rios. Eu nã o tinha muita coisa, mas prometi lhe trazer minhas economias na semana seguinte. E, na mesma semana, encontrei um amiga marroquina que també m queria se divorciar, tinha acabado de sair do hospital. O marido batera nela e a empurrara pela janela, do primeiro andar felizmente. Uma perna quebrada!

       Essa conversa me fez pensar, pois meu marido começ ava a se tornar violento, agressivo, O que nã o tinha sido o caso no começ o. Recebi socos diversas vezes, sobretudo quando a segunda esposa se intrometeu nas brigas. Eu era a antipá tica, a ciumenta, a má. Acontece que eu nã o era boba! Na ú ltima vez em que ele me bateu, fui ao ambulató rio e lá eles me deram atestados mé dicos. Meu advogado guardou-os no seu dossiê e nó s dois fomos convocados ao tribunal, no mê s seguinte.

       Minha mã e me disse uma vez:

       — Trate de nã o meter a segunda esposa nesta histó ria; ela nã o fez nada a você!

       — Mas eu també m nã o fiz nada a ela!

       — Ligaram para mim dizendo que você estava implicando com ela!

       — Eu lhe garanto que nã o!

       Quer dizer que ele ousava telefonar para minha mã e para lhe contar mentiras! Ele nã o a conhecia. Acreditava que meus pais, como muitos pais africanos, infelizmente, só ouviriam a versã o dele; meus pais nunca tomaram meu partido, mas eles refletiam. Freqü entemente, quando uma filha queria se separar, eles faziam tudo para impedir, chegando, à s vezes, a lhe bater para ela " voltar para o casamento"

       Nã o era o caso dos meus pais. Se eu dizia à minha mã e que nã o tinha feito nada, era a verdade, e ela confiava em mim. Ela també m nã o tomava partido. Mas aquela menina começ ava a me irritar seriamente. Estava querendo tomar o meu lugar? É um prazer, mas ela podia fazê -lo sem mesquinharias. Como, por exemplo, instalar discretamente uma extensã o da

tomada de telefone do meu quarto. Meu marido se encarregou disto, para que ela pudesse telefonar sem pagar muito, uma vez que a linha estava em meu nome. Os dois se aproveitavam dos salá rios-famí lia dos meus filhos; naquele momento, eu só tinha meu pequeno salá rio de inté rprete para me manter. Na ú nica vez em que eu, de fato, me irritei com ela, eu disse a meu marido:

       — Se ela continuar a me amolar desse jeito, ela nem imagina em que condiç õ es vai voltar para o Senegal.

       Ele tinha me levado ao limite nesse dia, eu nem me lembro mais por quê. Essa mulher me tinha de tal maneira na conta de inimiga que, quando fui para o Senegal ver o tú mulo da minha filha, pedi a uma prima para ficar com meus filhos. Eu nã o tinha confianç a nela; ela os detestava.

       A poligamia continua sendo um costume no Senegal, nã o lutarei contra isso, pouco me importa. Mas as mulheres vivem cada uma em sua casa (é a nova forma de poligamia no Senegal). À poligamia na Europa, eu digo nã o! É uma poligamia que arruí na as relaç õ es humanas e destró i os filhos.

       Hoje, as famí lias polí gamas, nos conjuntos habitacionais, vivem duas ou trê s dentro de um F4, um apartamento de quatro cô modos, onde as crianç as deveriam ter seus quartos para fazer os deveres normalmente. Nã o lhes dã o esse direito: se há um quarto, é para a mulher, que as crianç as se virem! Elas nã o tê m nenhum lugar para estudar ou para brincar. As mã es passam o tempo rivalizando entre si em um espaç o exí guo e sem conforto, e só o marido ganha com essa situaç ã o.

       E eles tirarã o proveito dela enquanto as mulheres africanas nã o recusarem essa situaç ã o que nã o as respeita como indiví duos, pois o objetivo, mesmo que nã o claramente confessado, é lhes fazer filhos, um atrá s do outro, todos os anos, para receber os salá rios-famí lia, dos quais elas nunca vê em um ú nico tostã o. Só o marido sabe o que fazer com o dinheiro. É uma escravidã o. O novo ouro negro. Pois a maioria das mulheres imigradas e polí gamas nã o sabe ler nem escrever nos primeiros anos da imigraç ã o; a maior parte nem sequer tem documentos quando chega. Só os obtê m quando nascem seus filhos em territó rio francê s.

       Raras sã o as mulheres que quiseram voltar ao paí s, por nã o terem conseguido viver nessas condiç õ es. Conheci algumas, mas muito poucas. Todas as outras ficam. Elas me dizem:

       — Apesar de tudo, o que eu tenho aqui nã o teria lá! Nã o vou mais apanhar á gua, madeira, nã o tenho mais que pular...

       Pode-se compreender. Mas eu sei que as condiç õ es de vida que lhes sã o freqü entemente reservadas na Franç a, nenhuma mulher no continente africano aceitaria: um ú nico cô modo, uma ú nica cama, uma dorme ali, a outra vai dormir no chã o com as crianç as.

       Nenhuma riqueza no mundo vale isso. E essas meninas que sã o excisadas durante as fé rias no paí s, que sã o casadas sempre à forç a para que vivam da mesma maneira que suas mã es! E esses meninos que vivem na comunidade, em um universo fechado onde só aprenderã o o comportamento de macho polí gamo. Eles crescem sem ambiç ã o, sem abertura para o mundo das idé ias, prontos a reproduzir o mesmo sistema do pai.

       Eu ouvi falar um dia de " decoabitaç ã o". Em certas cidades da Franç a, um polí gamo que tem duas, até trê s esposas, à s vezes quinze crianç as dentro de um F4, poderia requerer da municipalidade a atribuiç ã o de um outro apartamento. Com a ú nica condiç ã o de que se divorcie. A hipocrisia me parece evidente, O marido vai apresentar a certidã o de divó rcio, claro, mas na realidade nunca se divorciou, pois o casamento civil, para nó s, é apenas uma formalidade! Só o casamento religioso é importante.

       A Franç a acredita poder resolver esse problema tecnicamente; mas, culturalmente, é impossí vel e, sob o aspecto prá tico, mais ainda, uma vez que as mulheres tê m os pé s e as mã os atadas, elas nã o tê m outro meio de sobrevivê ncia.

       Eu me questiono se, de fato, está sendo perguntado à s mulheres o que elas querem.

       Eu pertenç o a uma famí lia polí gama. Meu pai teve treze filhos vivos. Eu nã o conheci a poligamia tal como é praticada na Franç a. Felizmente para mim, minha mã e viveu sozinha conosco. Nó s conhecí amos essa poligamia de longe. Í amos de tempos em tempos visitar as outras mulheres e seus filhos, mas nunca moramos, de fato, juntos. À s vezes nã o existe afeiç ã o entre irmã os e irmã s de mã es diferentes. Simplesmente porque as mã es transferem inconscientemente seus temores e suas desconfianç as para os filhos. Na nossa casa, cada filho é um faba ré mé (em soninké, " o filho do pai" ). Para justificar o fato de que só o pai conta. E as relaç õ es familiares se constroem segundo este princí pio, com suas cortes de ciú mes e de desconfianç as. As mã es, e conseqü entemente seus respectivos filhos, nã o serã o jamais intimamente ligadas, temendo sempre que " a outra" as prejudique.

       A poligamia é proibida na Franç a, mas o Estado escolheu a tolerâ ncia, é tarde demais para voltar atrá s. As segundas esposas africanas, pelo menos as da Á frica negra, que chegam por intermé dio do reajuntamento familiar, sã o pouco numerosas. As condiç õ es sã o draconianas no que concerne a alojamento e salá rio. Contudo, muitas mulheres desembarcam para as fé rias e ficam. Na é poca da minha vinda para a Franç a, o visto de permanê ncia se desdobrava como uma folha de jornal, qualquer um podia viajar com ele, contanto que fosse da mesma cor. Os policiais nã o olhavam a foto, apenas a validade do documento. Para eles, todos os negros eram parecidos. E os negros se aproveitavam disto. E Deus sabe que nó s nã o somos de jeito nenhum parecidos! Mas era assim. O que permitiu a muitas mulheres entrar na Franç a com o visto de permanê ncia da primeira esposa. Esse procedimento é impossí vel hoje em dia, os vistos mudaram.

       O que eu acho insuportá vel na poligamia tolerada na Europa é que só os maridos se beneficiam. Mesmo que eles nã o se entendam com a primeira mulher, isto nã o é razã o para impor a ela uma outra. Uma menina que tem praticamente a idade de sua filha.

       Era o meu caso e, normalmente, eu nã o podia dizer nada, tolhida pela pressã o familiar e social. Uma palavra, uma só, sobre este assunto, e eu era taxada de ciumenta, acusada de querer renegar minha cultura. Fá cil demais.

        Espero que meus filhos nunca tenham que viver a poligamia.

       Gostaria també m que os jornalistas, na Á frí ca ou na Franç a, fizessem reportagens sobre a realidade das condiç õ es de vida das mulheres africanas polí gamas, e as difundissem pela televisã o em cada paí s. Em vez de embalar as pessoas com senados, em geral americanos, que as fazem achar que está tudo bem, que o luxo material está ao alcance de todo mundo, que o dinheiro é fá cil! Muita gente, lá no meu paí s, acha que " isto" é a vida. Mulheres africanas que nunca foram à escola sã o capazes, no entanto, de contar com fluê ncia todos os capí tulos de um folhetim televisivo.

       Estas mesmas mulheres vivem em Paris ou no subú rbio, encerradas há anos, sem sequer saber onde fica a torre Eiffel!

       Por refletir sobre tudo isso, à é poca de minha esperanç a de divó rcio, eu era, e continuo sendo, uma revolucioná ria, em conflito com a comunidade. Refleti por trê s longos anos antes de aportar em um advogado. Sempre continuando minha formaç ã o em moda. E me escondendo para realizar as aç õ es necessá rias. Compreendi que ningué m ia me ajudar. Cada vez que eu tentara relatar meus sofrimentos, minha depressã o, a algué m pró ximo, meu marido se aproveitava para me criticar. Depressã o? Esta palavra que eu empregava nã o lhe dizia nada.

       Entã o as " brigas familiares" se tornaram mais graves. Bem entendido, era eu que as provocava... Em soninké , eu era guadianç ana, uma " criadora de caso".

       Um dia, ele fez uma pergunta à qual eu certamente nã o respondi, eu nã o falava com ele, e foi minha filha que recebeu um tapa. Nó s está vamos vendo um filme na televisã o e um casal se beijava. Escâ ndalo.

       — Vá se deitar! Vã o ficar todas igual à sua mã e! Putas!

       O insulto voltou muitas vezes diante das crianç as. A mã e delas era uma puta.

       Num outro dia, outro escâ ndalo: eu ainda estava com depressã o e, desta vez, hospitalizada. Um amigo, conhecido por intermé dio do meu pai, foi me visitar. Estou em um quarto duplo com outra paciente. Meu visitante está sentado ao lado da minha cama, gentilmente ouvindo notí cias sobre meu estado. Meu marido abre a porta e, ao notar a presenç a do visitante, explode de raiva. Um homem nã o tem nada a fazer no meu quarto, ele é

seguramente meu amante, eu sou mais uma vez uma puta! Finalmente ele tem a prova de suas suspeitas! O coitado tentou responder, eu o aconselhei a nã o fazer nada, mas era tarde demais:

meu marido gritou tanto que um funcioná rio do hospital precisou mandá -lo sair junto com o visitante. Mas ele nã o queria ouvir nada e eu tive que escutar seus desaforos em seguida, sem poder escapar da humilhaç ã o injustificada. O mé dico precisou intervir e o pior foi que, ao sair do meu quarto, meu marido foi diretamente explicar sua histó ria ao marido de uma das minhas amigas malianas. À sua maneira.

       — Eu encontrei um homem na cama dela! Ningué m acreditava em mim quando eu dizia que ela era uma puta! Ela tem um amante!

       Ele se deu mal. Esse homem lhe respondeu sentenciosamente:

       — Cave um buraco e jogue esta histó ria dentro. Nã o a repita jamais, pois é lamentá vel. Mesmo que, um dia, você encontrasse um homem em cima da sua mulher, devia se calar e resolver o problema sem fazer escâ ndalo. Nã o tem que sair contando este tipo de coisa! Você sabe que existem problemas de casal em toda parte, mas cada um resolve o seu sozinho.

       Eu nã o tinha amante, mas sim uma idé ia completamente diferente na cabeç a. Quase tã o escandalosa para ele. Recuperar os salá rios-famí lia. Tenho perfeita consciê ncia, ao preparar isto, de que estou me atirando definitivamente dentro da goela do lobo. Ou ganho ou morro. Os salá rios-famí lia sã o majoritariamente o ponto de partida das querelas da maior parte das famí lias africanas na Franç a. Algumas mulheres foram parar dentro de um aviã o, a caminho da Á frica, sem um tostã o, e sem seus filhos, por haver ousado.

       Mas a minha liberdade e a de meus filhos depende disso. Nã o quero me divorciar abandonando-os com aquela mulher. Eles amam o pai e o pai os ama, nã o posso abalar isto. Quero tirá -los de um clima familiar nocivo para eles, e mortal para mim. No estado fí sico e mental em que estou, nã o sei como achar forç as para fazê -lo, mas eu me atiro, como uma afogada que busca uma baforada de ar.

 



  

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