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CAPÍTULO IX



 

 

— Eu nã o imaginava que você fazia as vezes de parteira! — exclamou Donna com uma risada, depois que o menino foi embora. — Essa é novidade. . .

— Minhas habilidades sã o muitas — concordou Rick, com um sorriso.

— Posso ajudar? Prometo que nã o vou atrapalhar.

— Você já viu alguma vez um parto?

— Nã o, nunca. Essa será a primeira vez. Estou morrendo de curiosidade. . .

— Como se trata da primeira cria, a é gua vai ficar nervosa. Por isso é preciso tomar muito cuidado para nã o levar um coice ou uma mordida.

— Prometo que tomarei todo o cuidado.

— Os animais sã o como os seres humanos. 3erram e se agitam quando a dor aperta.

— Ah, deixe-me ir com você, Rick! Eu vou fazer festa na cabeç a dela e acalmá -la com palavras temas... Alé m disso, queria muito ser ú til em algo importante. Logo nó s vamos nos separar e nã o haverá outra oportunidade como esta. Diga que sim!

— Está bom. Mas nada de gritar nem de desmaiar, está certo? __ Pode ficar tranquilo. Eu vou me comportar como uma camponesa.

Como era de se esperar, o parto teve seus momentos de angú stia. O instante mais dramá tico, poré m, foi quando a é gua se agitou e deu um coice sem querer. Rick nã o se afastou a tempo e recebeu uma patada no ombro. Donna mordeu o lá bio para abafar o grito de susto quando viu o sangue manchar a camisa branca.

— Segure a cabeç a dela pelo cabresto! — exclamou Rick. Donna obedeceu prontamente e afagou a testa do animal, o que serviu para acalmá -lo momentaneamente. A é gua contorceu-se nos ú ltimos instantes do parto e os olhos suplicantes pareciam estar im­plorando um pouco de compreensã o por parte dos dois.

No instante seguinte, Rick deu um puxã o mais forte e o potrinho soltou-se completamente do corpo da mã e. Donna estava com o cora­ç ã o batendo a toda quando o cavalinho de pernas desajeitadas enga­tinhou no chã o e tentou levantar-se nas patas de trá s.

— Belo animal — disse Rick, com os dentes cerrados e o suor escorrendo pela testa.

Depois que o potrinho foi enxugado com um pano, Donna perce­beu que o pê lo do animal era castanho-claro como o da mã e. Ao sentir o cheiro do filho, a é gua voltou a cabeç a para trá s e balanç ou o rabo.

— Seu bebê está aqui — disse Rick, colocando o potrinho junto da mã e. — Agora você pode beijá -lo e lambê -lo à vontade.

A é gua deu um pequeno empurrã o com a testa no cavalinho de pernas compridas e começ ou a esfregar a lí ngua comprida no pê lo ú mido. Donna observou a cena de amor maternal com lá grimas nos olhos. Quando se voltou, Rick estava lavando as mã os, o rosto e os braç os num balde com á gua. De novo ela mordeu o lá bio ao avistar a mancha vermelha que formava um cí rculo no alto do braç o.

As lâ mpadas amarelas da cocheira projetavam sombras estranhas no chã o coberto de feno, de onde vinha o cheiro forte de suor e de urina. O menino que tomava conta dos animais estendeu a moringa e a caneca com á gua para Rick, que se serviu duas vezes, tã o grande era a sua sede. Estava realmente quente ali dentro e o cheiro do feno espalhado pelo chã o produzia uma sensaç ã o de secura na garganta.

— Tome conta da é gua. Polo — disse Rick ao terminar de se lavar. — Você viu? O potrinho tem pernas compridas e finas. Isso é sinal de que será um excelente corredor.

— A mã e també m corre bem — confirmou o menino. Donna apontou para o ombro ferido.

— Nã o seria bom fazer um curativo no machucado? Está sangrando..

— Mais tarde. Primeiro vamos dar um nome ao cavalinho. Você tem alguma sugestã o?

— Eu? — perguntou Donna, de olhos arregalados. Ela balanç ou pensativamente a cabeç a e olhou com o canto dos olhos para a é gua, que parecia indiferente a tudo ao lado de seu filhote. — Que tal Dominó? Você gosta?

Rick observou-a um instante em silê ncio, com a veia do pescoç o saliente por baixo da camisa aberta no peito. Ele estendeu o braç o como se fosse tocá -la; arrependeu-se poré m no ú ltimo instante e colo­cou a mã o espalmada em cima da pró pria perna. Rick provavelmen­te estava se lembrando da noite em que os dois tinham danç ado juntos até de madrugada na sala decorada com quadrados brancos e pretos, como um dominó. Naquela é poca, Donna nã o sabia ainda que Rick pertencia a outra mulher.

— Dominó está ó timo — disse Rick por fim, aproximando-se da é gua e fazendo festa na garupa luzidia. — Ouviu, beleza? Seu filho vai se chamar Dominó, em homenagem a uma noite inesquecí vel pas­sada em Roma.

Donna sentiu os olhos arderem. Nã o era possí vel amar tanto algué m quanto amava Rick naquele instante.

— Escute, vamos fazer o curativo nesse ombro — disse com deci­sã o no momento em que saí ram da cocheira. — Está sangrando de novo.

Rick assentiu com a cabeç a e despediu-se do menino, que se ajeitou num monte de feno para passar a noite ao lado da é gua e de sua cria.

O ar lá fora estava frio, seco e as estrelas brilhavam feericamente no cé u negro como breu. Quando entraram em casa, Rick retirou a jaqueta de couro que passara em cima dos ombros de Donna alguns minutos antes.

— Vá diretamente para a cama, querida. Você está morrendo de sono e eu posso fazer o curativo sozinho.

— Nem sonhando! Eu nã o vou dormir antes de examinar essa ferida. Afinal, você merece mais do que isso pelo trabalho que teve esta noite.

— Nã o é a primeira vez que eu sirvo de parteira. . . e nã o será a ú ltima — disse Rick, com um sorriso nos lá bios. — Quer dizer entã o que você se lembrou do baile à fantasia? Dominó é um bonito nome. Quando esse potro crescer, vou me lembrar sempre do nosso encontro em Roma.

— Hoje foi uma noite muito especial para mim — murmurou Donna, com o rosto compenetrado. — Eu gostei muito de assistir ao parto da é gua. Foi uma tremenda experiê ncia. . .

— Parto, fecundaç ã o e morte, como todos os fenô menos naturais, tê m uma grande beleza. Você foi boa para a é gua, calma e terna. Os animais sã o muito sensí veis aos bons tratos.

— As pessoas també m.

Ela sabia o que se ocultava por trá s das palavras de Rick e con­trolou-se para nã o se atirar nos braç os dele. Rick a desejava tanto quanto ela. O calor que emanava da pele morena chegava até ela em ondas de desejo, um sentimento sensual como nunca experimentara antes.

— Eu sei no que você está pensando, querida. Nó s participamos nesta noite de algo muito í ntimo. A conclusã o ló gica seria levá -la para o quarto — disse Rick com um suspiro profundo, como se o coraç ã o lhe pesasse no peito. — Mas isso nã o é possí vel nem acon­selhá vel. Uma outra vez, quem sabe. . .

— Deixe-me ao menos fazer o curativo em seu braç o.

— Está bom. Vamos lá em cima.

Subiram a escada lado a lado e, quando chegaram no ú ltimo degrau Donna voltou-se instintivamente para o lado esquerdo, em direç ã o ao seu quarto.

— No meu quarto há uma pia. Vamos lá. Eu tenho també m um; caixa de curativos.

Ela abriu a porta e acendeu a luz da cabeceira. Seu coraç ã o disparou quando ouviu Rick fechar a porta atrá s de si. Os dois estavam sozinhos como da primeira vez num quarto sombrio.

Rick sentou-se no banquinho que estava ao pé da cama enquanto ela foi buscar a caixa de curativos e uma bacia de louç a para lavar a ferida.

— Acho melhor você tirar a camisa. Vou aproveitar e lavá -la na pia.

— Pois nã o, enfermeira.

Rick retirou a camisa e deu um gemido de dor quando o sangue coagulado foi arrancado da pele. Os ombros grandes e fortes estavam completamente descobertos no instante em que Donna se sentou na beira da cama e examinou detidamente o ferimento. O corte fundo já tinha cicatrizado, mas era preciso lavar a ferida e passar um anti-sé ptico. Ela mergulhou o lenç o na á gua morna e passou-o sobre a ferida, retirando o sangue coagulado que estava grudado na pele.

— Você devia ser enfermeira, amor. Você tem os dedos firmes e delicados.

— O corte foi muito fundo. Mas espero que nã o haja nenhuma infecç ã o.

— Eu tenho o couro duro — disse Rick, com um sorriso. — Ainda bem que a é gua nã o mordeu você. . .

— Está doendo? — perguntou Donna, arrepiando-se toda ao ouvir as palavras de Rick. A ideia de ser mordida pelos dentes fortes da é gua lhe pareceu terrí vel naquele instante.

— Dá pra aguentar.

Os mú sculos do ombro, poré m, estavam tensos no momento em que Donna esfregou o lenç o sobre a ferida, a fim de retirar os ú lti­mos detritos de sangue coagulado. Os olhares dos dois se encontra­ram subitamente e o desejo brotou no coraç ã o de ambos como uma chama.

— Ah, meu Deus, você me bota louco!

Ela engoliu em seco e voltou-se na direç ã o da caixinha de curati­vos que estava em cima da cama.

— Que tal fazer um café depois de terminar o curativo?

— Boa ideia.

Ela sentiu uma contraç ã o na boca do estô mago quando colocou o ú ltimo esparadrapo em cima da gase.

— Pronto. Está melhor agora?

— Estou novo.

De peito descoberto, os cabelos negros e o brinco de ouro na orelha, Rick parecia um homem primitivo, alheio aos requintes da civilizaç ã o. Donna sentiu-se ao mesmo tempo atraí da e assustada com aquela imagem.

— Você está parecendo um pirata com esse brinco na orelha. . .

— É assim que me sinto esta noite! Um pirata que nã o respeita nenhuma lei humana. Estou quase mandando à s favas minhas boas intenç õ es e partindo para a ignorâ ncia! Quem foi que disse que o inferno está povoado de boas intenç õ es?

— Deve ter sido algum padre.

— Ah, por que eu nã o sou um homem livre? Eu podia agora fazer o que bem entendesse!

Donna despejou a bacia na pia e tornou a enchê -la com á gua limpa, a fim de. lavar a manga da camisa que estava manchada de sangue. Feito isso, limpou a pia e enxugou as mã os na toalha.

— Bem, está na hora do cafezinho. Você quer tomar aqui ou prefere que eu leve ao seu quarto?

— Aqui! — exclamou Rick, com vivacidade.

Donna mordeu o lá bio, com despeito. Nã o podia pelo visto ir ao quarto dele, onde Serafina tinha acesso a qualquer hora do dia ou da noite.

— Eu volto num minuto.

Dirigiu-se à copa, no andar de baixo, e enquanto a á gua esquen­tava na chaleira, preparou alguns sanduí ches de peito de galinha com maionese. Ao voltar ao quarto com a bandeja, Rick estava deitado ao comprido na cama, dormindo profundamente.

Ela colocou a bandeja em cima da mesa e ficou um instante parada no meio do quarto, sem saber o que fazer. As feiç õ es dele estavam serenas e descontraí das e Donna sorriu sem querer. Seria uma mal­dade acordá -lo apenas para lhe servir o café e lhe oferecer os san­duí ches que tinha preparado com tanto cuidado na cozinha.

Tinha vontade de mergulhar a cabeç a no peito descoberto, aninhar-se nos braç os dele e desfrutar por algumas horas o contato í ntimo da­quele corpo. Em vez disso, poré m, afastou-se da cama e levou a bandeja para o quarto de vestir, onde tomou sozinha o café que tinha feito. Deixaria que Rick dormisse no seu quarto até de madrugada. Assim, ningué m ficaria sabendo que ele passara uma parte da noite na sua cama.

Essa pelo menos era a sua intenç ã o. Entretanto, ela nã o estava com a menor disposiç ã o de dormir sozinha no sofá inconfortá vel do quar­tinho de vestir. Por isso retirou os sapatos dos pé s, voltou ao quarto e enfiou-se embaixo da coberta ao lado de Rick. No momento em que afundou a cabeç a no travesseiro, sorriu consigo mesma ao pensar na cara que Rick faria na manhã seguinte quando a encontrasse na mesma cama, colada a seu corpo. . .

Donna acordou sobressaltada no meio da noite e percebeu no mes­mo instante que um braç o musculoso estava passado em volta de seu corpo. Continuou alguns instantes de olhos fechados, saboreando a intimidade do contato. Foi só entã o que uma voz ao pé da cama despertou-a completamente do seu devaneio:

— Você s dois formam um belo par! Cabelos louros em cima de ombros morenos. . . até parece uma cena de amor nos mares do sul!

Ela ia se levantar quando Rick a forç ou a continuar deitada. Evi­dentemente, ele ouvira o comentá rio de Serafina, que estava ao pé da cama, os cabelos soltos caindo em cima do robe de chambre grená, o cinto passado frouxamente na cintura.

Rick afastou o braç o que estava passado em cima do corpo de Donna e levantou-se da cama com um gesto lento.

— Eu sei o que você está pensando. . . Mas nó s dormimos jun­tos da maneira mais inocente do mundo. Aliá s, você me conhece o suficiente para saber que eu nã o seduziria uma moç a na sua casa.

— Eu nã o falei nada — disse Serafina, com a expressã o sé ria. Donna levantou-se nesse instante e afastou-se deliberadamente de

Rick, que pertencia de fato à mulher que viera buscá -lo no seu quarto. Era inú til iludir-se sobre isso. Um tremor percorreu seu corpo no instante em que Serafina a observou, com um olhar severo.

— Rick nã o tem culpa — disse em voz baixa. — Ele estava exausto depois do trabalho que teve com a é gua e pegou no sono na minha cama. . .

— Você gosta de Rick? — Serafina perguntou, com voz impas­sí vel, como se nã o tivesse ouvido a explicaç ã o anterior.

A reaç ã o dela foi tã o inesperada que deixou Donna desorientada no primeiro instante. Ela imaginava que Serafina faria uma cena ter­rí vel quando encontrasse os dois juntos. Em vez disso, havia apenas uma nota de resignaç ã o na voz dela.

— Gosto — disse Donna, com sinceridade. De que adiantava ocultar a verdade? — Eu amo Rick de todo o coraç ã o, mas sei que ele pertence a você. Nunca houve absolutamente nada entre nó s. . .

— É verdade — Rick confirmou, de cabeç a baixa.

Serafina deu um suspiro e aproximou-se da beira da cama, onde Rick estava sentado. Ela estendeu os braç os e segurou o rosto dele com as duas mã os, como se fosse uma crianç a. Em seguida, inclinou-se e beijou-o com ternura na testa.

— Rick sempre foi um irmã o amado para mim. Se nã o fosse por ele, eu teria posto um fim à vida há muitos anos. Cristo Dio, o que eu fiz com você, mio? Eu o prendi egoisticamente nesta casa e passei todos os meus interesses na frente dos seus. No fundo eu jul­gava que você era um cavaleiro de pedra como o que está no pá tio da casa, que nã o precisa de ningué m para lhe fazer companhia nas horas frias da noite. Meu querido Ricardo, como você me suportou durante todos estes anos?

Donna deu uma exclamaç ã o de espanto ao entender as palavras veladas que Serafina havia dito. Rick estendeu o braç o e puxou Donna na sua direç ã o, afagando-a com carinho.

— É verdade, amor. Serafina é minha irmã.

— Mas por que você s guardaram esse segredo durante tanto tempo? Eu nã o entendo. . .

— Ningué m pode entender! — exclamou Serafina, andando de um lado para o outro do quarto, os cabelos soltos caindo sobre os ombros, com uma expressã o de angú stia nos olhos. — Ah, você nã o faz ideia do tormento, do terror por que eu passei! Rick me levou para o convento das freiras e elas tomaram conta de mim, até meu filho nascer. Ah, Donna, você nã o imagina o que foi quando aqueles homens invadiram nossa casa, mataram minha mã e e me violentaram brutalmente.

— Serafina foi violentada pelos homens da Má fia há muitos anos, quando nó s dois é ramos adolescentes e morá vamos numa fazenda da Sicí lia — explicou Rick, aproximando-se da irmã e abraç ando-a com ternura. — Nó s ocultamos esse passado triste a fim de que Serafina pudesse ser a atriz idolatrada pelo pú blico, sem nada que maculasse sua imagem. Algumas pessoas pensavam que eu vivia à s custas de uma mulher, que eu era seu guarda-costas. . . Outras diziam que eu era seu gigolô. Essas opiniõ es me deixavam indiferente. Nenhuma menina era mais bela que Serafina na vila onde morá vamos. Um belo dia, poré m, de volta de uma caç ada, eu encontrei minha mã e morta na sala e minha irmã brutalizada por quatro homens que tinham inva­dido a casa na minha ausê ncia. Serafina estava tã o desesperada que eu a levei para o convento das freiras. Ela ficou lá até o dia em que o filho nasceu.

— Que horror! — exclamou Donna, atordoada com a revelaç ã o inesperada. — Que sofrimento terrí vel deve ter sido!

— Adone nunca ficou sabendo que seu pai era um membro da Má fia — continuou Rick, correndo os dedos pelos cabelos. — Trê s dos assaltantes foram apanhados pela polí cia. O quarto, poré m, con­seguiu fugir, mas eu jurei a mim mesmo que ia matá -lo um dia, custasse o que custasse. E foi isso o que aconteceu. Eu o matei com as minhas mã os, por que na Itá lia a vinganç a é uma obrigaç ã o moral.

— Que tragé dia! Adone nunca desconfiou de nada?

— Nã o, nunca, mas nó s sabí amos que ele herdaria traç os do pai. O que podí amos fazer? Afinal, Adone é o filho ú nico de Serafina, e meu sobrinho. . .

Era por isso que havia uma semelhanç a tã o grande entre os dois, pensou Donna. Rick era o tio de Adone, o irmã o de Serafina. . . Durante todos aqueles anos ela fora perseguida por uma lembranç a terrí vel e agarrava-se a ele como a ú nica pessoa que lhe dava coragem para continuar viva.

Ela percebeu que Serafina a observava com a expressã o triste de algué m que nunca conheceu o verdadeiro amor, desde o dia em que fora cruelmente brutalizada por quatro homens e deixada semimorta no quintal de casa, onde Rick a encontrou, caí da no chã o, soluç ando de dor e de humilhaç ã o.

— Depois do nascimento de Adone, inventamos o casamento de Serafina com um homem mais velho, a fim de afastar as suspeitas.

Isso condizia, aliá s, com a imagem da jovem atriz que começ ava a carreira no cinema. Era isso que Serafina desejava: ser uma estrela do cinema. E foi isso que conseguiu, graç as ao seu esforç o pessoal. Uma coisa no fundo compensou a outra.

— E você, meu querido? Que compensaç ã o você teve durante todos estes anos? — perguntou Serafina, examinando com atenç ã o o rosto magro e sofrido que nunca fora consolado pelas mã os carinhosas de uma mulher. — Eu fui insuportavelmente egoí sta, Ricardo. Julguei que nó s dois podí amos viver sem amor, como se fô ssemos os monges de um convento. Agora, poré m, estou vendo que você encontrou a mulher dos seus sonhos.

— Donna entende a situaç ã o, querida.

— Eu suspeitei há algum tempo que você s se sentiam atraí dos um pelo outro, mas pensei que fosse um namoro passageiro que morreria com o tempo. Eu me enganei, poré m. Desta vez você s encontraram o verdadeiro amor, que se fortalece com os anos. Quando eu avistei você s dois, abraç ados na cama como um casal de namorados, fiquei muito comovida. Percebi imediatamente que havia algo especial. Donna estava aninhada nos seus braç os como se você fosse a coisa mais preciosa de sua vida. Você merece um amor muito grande, meu que­rido irmã o. Você sempre foi o melhor amigo que eu tive e eu já tomei muitos anos de sua vida. Agora chegou a vez de ter tudo o que deseja e eu faç o votos de que você s dois sejam muito felizes juntos e tenham muitos filhos.

Serafina fez um sinal com a cabeç a para Donna, que se levantou da cama e caminhou na sua direç ã o.

— Eu lhe dou meu irmã o, querida. Ame-o, ame-o de todo o coraç ã o, porque ele é o melhor homem que já nasceu na Sicí lia.

— E você? — perguntou Rick, preocupado mais com o bem-estar da irmã do que com o seu pró prio. — O que você vai fazer?

— Eu vou para Roma — disse Serafina, tirando do bolso do robe de chambre um telegrama que recebera no dia anterior. — Rece­bi este telegrama de Elio Renaldo, meu ú ltimo diretor. O filme que rodamos juntos foi um sucesso e ele me convidou para trabalhar num outro, onde vou fazer o papel de mã e. Afinal, eu sou mã e e logo serei avó...

Os dedos de Rick estavam machucando os de Donna, mas ela aguentou a dor com o coraç ã o leve. Tudo terminara muito melhor do que esperava. Serafina seria de novo aplaudida pelo pú blico e esqueceria durante algum tempo a tragé dia de sua adolescê ncia.

— Eu prometo que vou me comportar com juí zo desta vez, Rick — disse ela, fitando o irmã o no fundo dos olhos. — Nã o posso viver mais tempo sem trabalho. Esta vida de lazer nã o me convé m. Eu ando muito nervosa ultimamente e tenho dormido mal à noite, ape­sar dos comprimidos que tomo. Eu nã o precisava de nada disso quan­do levava uma vida ativa e, se o filme for bem recebido pelo pú blico, vamos começ ar outro logo em seguida.

Serafina, pelo visto, estava sinceramente entusiasmada com a opor­tunidade de voltar aos estú dios e ser de novo a atriz famosa de outros tempos.

— Você me tirou um peso da consciê ncia. Eu vinha pensando em casar com Donna há algum tempo, mas nã o queria decidir nada antes de ter certeza de que você estava em condiç õ es de viver sozinha.

— Ah, você é um amor de irmã o! — exclamou Serafina, com um sorriso. — Eu vou telefonar hoje mesmo para Elio Renaldo e dizer que aceito o papel que me ofereceu. Depois vou fazer uma massagem no rosto e. . . voltar a ser bonita como antes. Adeus, meus queridos, divirtam-se. . .

Depois que Serafina saiu do quarto, Donna voltou-se para Rick com os olhos brilhantes.

— Você ouviu? Ela me deu você de presente!

— Nã o é possí vel! — disse Rick, com o rosto sé rio. — Ela vai acabar desistindo da ideia, como das outras vezes. . . Eu preciso ter certeza de que ela nã o estava apenas representando mais um papel. Eu nã o posso ser feliz sabendo que minha irmã está sofrendo. . . Certa vez ela tentou se matar com uma gilete. . .

— Eu sei, Rick. Eu vi a cicatriz no pulso dela.

— Eu vou ter uma conversa com Serafina e ver se está tudo em ordem. Volto num minuto.

Rick saiu do quarto e Donna deitou-se na cama. Sentiu o perfume dele no lenç ol e abraç ou o travesseiro com forç a. Serafina voltaria atrá s no ú ltimo minuto? Nem mesmo Adone tinha consciê ncia do verdadeiro relacionamento que existia entre os dois. Eles foram tã o discretos que somente as freiras do convento, onde Serafina se refu­giara durante a crise, sabiam que ela e Rick eram irmã os. Apó s se vingar do assassino da mã e, Rick foi morar com a irmã nos Estados Unidos e, a partir de entã o, nunca mais se separaram. E agora? Ele conseguiria a liberdade? Seria a separaç ã o definitiva? Serafina man­teria sua promessa ou recuaria no ú ltimo minuto?

Nervosa e agitada com a espera, Donna levantou-se da cama e foi tomar um banho quente de imersã o para acalmar os nervos. Ao sair do banheiro, tocou a campainha e pediu ao copeiro para lhe trazer uma xí cara de café. Sentou-se na sacada do quarto com um livro aberto no colo, mas estava muito ansiosa para se concentrar na leitura. Foi entã o que se lembrou da cocheira. Daria um pulo até lá para ver como estava a é gua baia que tivera cria na noite anterior.

Dominó estava mamando na mã e quando ela entrou na cocheira. A é gua baia sacudiu a cabeç a quando ela chegou perto e aceitou de bom grado o torrã o de aç ú car que Donna lhe deu. Era gostoso sentir o beiç o mole do animal abocanhando o torrã o na palma da mã o.

Nã o fazia cinco minutos que estava ali, entretida com a é gua e o potrinho, quando ouviu passos que vinham do quintal. Voltou-se ime­diatamente, como se tivesse a intuiç ã o de quem era. No instante seguinte, Rick aproximou-se dela de braç os abertos. Ela correu para ele com os olhos radiantes de alegria.

— Serafina está fazendo as malas. Ela vai viajar hoje à noite para Roma. Está animadí ssima com a perspectiva de voltar ao trabalho.

— Ah, Rick, que maravilha! Eu estou tã o feliz que tudo tenha terminado bem!

— Agora só falta providenciarmos nosso casamento. Podí amos ser os padrinhos de Assunta, já casados e de alianç a no dedo. O que você acha da ideia?

— Esplê ndida! Precisamos comprar um presente bem bonito para os noivos.

— Isso fica por sua conta, amor — disse Rick, beijando-a com ternura. — Eu agora só quero pensar numa coisa... na hora em que iremos para a cama!

Donna sorriu e lembrou-se da primeira noite no alto do Coliseu, quando conhecera o homem alto e moreno que usava um brinco de ouro na orelha. Tocou na alianç a com a ponta do dedo e prometeu a si mesma que tornaria Rick o homem mais feliz da terra, mesmo que fosse impossí vel fazê -lo esquecer completamente os trá gicos incidentes que marcaram sua adolescê ncia.

 

FIM

 



  

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