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CAPÍTULO VI



 

 

Foi o toque de uma mã o que a acordou na manhã seguinte. Ela sentou-se no banco com um grito de susto, tonta e com frio, o pescoç o dolorido em consequê ncia da posiç ã o em que dormira no interior do carro.

A porta da frente estava aberta e havia algué m inclinado sobre seu rosto. Instintivamente, ela fez um gesto com a mã o para afas­tá -lo dali.

— Sou eu, Donna. Nã o se assuste.

— Rick! Ah, que susto você me deu!

— O que aconteceu? Por que você nã o trancou as portas por dentro? É perigoso dormir no meio de uma estrada deserta com as portas abertas.

— Ah, eu me esqueci — balbuciou Donna, esfregando os olhos. A escuridã o da noite dera lugar aos primeiros clarõ es da madru­gada. — Que horas sã o? O que você está fazendo aqui tã o cedo?

— Sã o cinco horas.

— Nossa, tã o cedo assim?

— E você, o que está fazendo aí dentro do carro? Você teve algum problema? Adone ainda continua na festa?

— Ah, você nem sabe o que aconteceu. . .

— Eu faç o ideia.

— Diga primeiro o que você veio fazer aqui.

— Serafina perdeu o sono e eu fui fazer um café para ela na copa. Aproveitei que estava de pé para dar uma espiada no seu quarto. Quando vi a cama vazia, resolvi dar um pulo até o iate para saber se estava tudo bem e se você queria voltar para casa.

— Nó s nem chegamos à festa!

— Nã o diga! O que aconteceu?

Antes de responder à pergunta que lhe foi feita, Donna refletiu sobre as palavras que ouviu. Serafina tinha perdido o sono e Rick fora fazer uma xí cara de café na copa. Isso queria dizer que os dois dormiam no mesmo quarto. Ela sentiu uma pontada no coraç ã o e voltou a cabeç a para a frente, longe dos olhos dele.

— Ela estava com você?

— Quem?

— Serafina.

— Deixe Serafina em paz! Eu quero saber o que aconteceu com você.

Donna contou em detalhes o que acontecera na noite anterior.

— Adone pediu para nã o dizer nada a Serafina, a fim de nã o assustá -la à toa — terminou Donna.

— Qual! Só mesmo Adone para aprontar uma dessas. . . Ele podia ter provocado um acidente mais sé rio. Você nã o sofreu nada?

— Nã o, nem um arranhã o. Eu estava com o cinto de seguranç a e nã o fui atirada para a frente, quando Adone brecou bruscamente. Com ele també m nã o teria acontecido nada se estivesse com o cinto de seguranç a. Estava dirigindo como um doido por causa da discussã o que você s tiveram ontem à noite.

— Ah, você ouviu?

— Eu estava no corredor.

— Adone se aproveita da generosidade de Serafina para explo­rá -la vergonhosamente. Você sabe como Serafina suou para ganhar o dinheiro que ela tem hoje. Você acha justo que um homem da idade de Adone explore a mã e dessa maneira e nã o faç a o menor esforç o para encontrar um trabalho?

— Ele foi muito corajoso durante o acidente. Nã o se queixou uma só vez dos ferimentos que recebeu.

— E daí? Isso prova por acaso que ele é um homem? Ele tem um defeito que eu sempre detestei. . .

— Qual é?

— Ele se aproveita das mulheres, no amor, no dinheiro, em tudo. Elas fazem todas as suas vontades.

— Coitado! Ele está ferido. Será que você nã o sente nem um pouco de compaixã o?

Era terrí vel que um pai pudesse falar assim do filho.

— É Serafina quem vai necessitar de compaixã o quando souber o que aconteceu. Ela adora o filho e tinha esperanç a de que Adone entrasse um dia para o cinema e fosse um ator tã o idolatrado quanto Rodolfo Valentino. Em vez disso, ele prefere correr atrá s das mulheres casadas. Ele nã o tem juí zo. Afinal, ele tem idade para ganhar a vida honestamente, sem depender da mã e!

— Como você pode falar assim dele? Afinal, ele é o filho ú nico de Serafina e você s dois se amam, que eu sei.

— A afeiç ã o nã o deve nos cegar para os defeitos — disse Rick, com o rosto sé rio. — Você, por exemplo, merece o amor de um homem maduro e nã o o de um maricas que nã o larga a saia da mã e.

Rick voltou-se ao dizer isso, endireitou o tronco e levantou a cabeç a para o cé u, que estava começ ando a receber as primeiras tintas avermelhadas da manhã.

Donna fixou atentamente a face morena, o rosto sombrio de um anjo das trevas que nã o tinha encontrado o verdadeiro cé u. Devia ser terrí vel sujeitar-se aos caprichos de Serafina, amá -la, protegê -la e, ao mesmo tempo, receber suas carí cias e repreensõ es!

— O dia está nascendo — murmurou Rick. — Estamos sozinhos aqui como dois ná ufragos da estrada. Somente as andorinhas e as lebres sã o testemunhas de nossa presenç a.

— E os grilos també m — disse Donna, com um sorriso.

— Você nã o quer sair do carro para esticar as pernas?

— Boa ideia.

— Podemos dar um passeio a pé antes de voltar para casa.

O coraç ã o dela pulsou num ritmo mais acelerado. Rick era o amante oficial de Serafina e q bom senso lhe dizia que devia manter distâ ncia dele. Ao mesmo tempo, o impulso para prolongar por mais alguns minutos a doce intimidade foi mais forte.

Rick estendeu a mã o ao notar sua indecisã o momentâ nea.

— Vamos. A manhã está linda. É um pecado voltar para casa num dia desse.

Pecado é namorar o amante de outra, pensou Donna enquanto caminhava ao lado dele pela estrada deserta. Pouco adiante, subiram no barranco e tomaram uma trilha que atravessava o campo coberto de orvalho. Caminharam em silê ncio alguns minutos, conscientes da atraç ã o fí sica que os aproximava irresistí vel-mente um do outro. Era uma sensaç ã o estranha, contagiante. Passaram por baixo das á rvores copadas onde as cigarras cantavam e as borboletas voavam de um lado para o outro, afoitamente, à procura dos primeiros raios de sol. De quando em quando Rick voltava a cabeç a com um sorriso no canto dos lá bios, como se os dois fossem cú mplices de uma cons­piraç ã o.

Donna, poré m, estava arrependida de ter aceitado o convite. A presenç a de Rick tinha o poder de perturbá -la completamente. Ela tinha a impressã o de que uma chama ardia em seu corpo.

— É assim que duas pessoas devem passear. Desfrutando o silê n­cio e o prazer da companhia. Você quer voltar? — perguntou Rick em dado momento.

— Vamos um pouquinho mais adiante. Quero ver onde termina esta mata.

Era agradá vel saber que Rick apreciava sua companhia mas, como sempre, havia uma outra realidade que prejudicava o prazer do momento: Rick nã o fazia segredo da afeiç ã o que Serafina nutria por ele, nem da dedicaç ã o total que dirigia a ela.

Havia no entanto um aspecto na personalidade dele que só se revelava completamente na companhia de Donna. A frieza dava lugar à ternura, a dureza do rosto cedia a vez a uma expressã o de carinho. Era como se Rick revivesse na presenç a dela a juventude perdida. Era um fiapo de inocê ncia que surgia do passado, inocê ncia que estava em geral asfixiada pela presenç a absorvente de Serafina, pela sofisticaç ã o de sua atitude, pela pose estudada de seus menores gestos.

Pouco adiante, havia uma clareira no meio da mata e, bem no centro, estava a construç ã o mais estranha que Donna já tinha visto na vida, estranha e deliciosa ao mesmo tempo, como a choupana de um conto de fadas, as paredes de pedras cobertas de trepadeiras que subiam até o telhado de abas caí das.

— Essa construç ã o no meio do bosque chama-se trullo sovrano — explicou Rick. — Em geral, nã o sã o encontradas nesta regiã o da Itá lia, mas eu mandei construí -la aqui, no meio desta mata, e fiz questã o absoluta de que fosse uma có pia exata das casas rú sticas que encontramos normalmente no meio das florestas. É um abrigo, no fundo, só que com todas as comodidades de uma casa. É aqui o meu refú gio, o meu santuá rio, onde venho quando desejo desfrutar um pouco de paz e de tranquilidade.

— Que linda! — exclamou. Donna, fascinada, admirando deslum­brada a casinha de pedras saí da diretamente das pá ginas de um livro de histó rias infantis. O telhado era bem caí do e coberto com pequenas telhas de ardó sia cuidadosamente colocadas umas sobre as outras. A casa era um sobradinho de formato retangular, com janelas estreitas e altas, e a porta da frente oval, exatamente como num conto de fadas. — Eu jamais podia imaginar que encontraria uma casinha dessas no meio da mata!

— Quer ver por dentro?

Se passasse por aquela porta oval, pensou Donna com um senti­mento de ansiedade, o mundo lá fora seria definitivamente fechado. Rick observou-a com a expressã o divertida, como se tivesse consciê n­cia do desejo e do receio que lutavam no coraç ã o dela.

— Acho melhor deixar para outra vez. Podemos voltar aqui com mais calma — disse Donna por fim.

Rick era um homem primitivo que nã o se comportava segundo os moldes convencionais a que estava habituada. Nã o podia arriscar encontrar-se sozinha com ele no interior de uma casa perdida no meio do mato.

— Você nã o precisa ter medo, eu nã o vou tocá -la. Pensei apenas que podí amos tomar um café.

Donna deu um sorriso de alí vio.

— Só um café?

— Só um café. Dou minha palavra. Está mais calma agora?

— Estou. Você costuma vir sempre aqui?

— Toda vez que tenho um tempo livre. Se pudesse, viria aqui todos os dias. Eu adoro esta casa, a mata em volta, o sossego, o canto dos pá ssaros.

Rick abriu a porta da frente com uma chave que levava no bolso do casaco, separada do molho de chaves, que estava presa numa correntinha de prata.

— Está vendo este chaveiro?

Donna examinou-o com atenç ã o e viu a figura de um pequeno camelo esculpido numa peç a de marfim.

— Sim. O que tem?

— Eu o ganhei de uma siciliana, há muitos anos. Ela me disse que o camelo é o sí mbolo da paciê ncia e da resistê ncia, razã o pela qual é o ú nico pagã o admitido no paraí so de Maomé. Eu ando sempre com esse chaveiro no bolso e ele tem me dado sorte até hoje.

— Ele é muito bonito, realmente.

— Quer para você?

— Muito obrigada, mas você nã o pode se desfazer de um objeto que uma mulher lhe deu. Isso dá azar.

— Você nã o gosta de possuir as coisas que deseja?

— Nem sempre. Sobretudo quando pertencem aos outros.

Rick deu um sorriso e tornou a colocar o chaveiro no bolso do casaco. Em seguida, abriu a porta com um gesto firme da mã o. Donna entrou na frente e parou no meio da peç a, procurando acostumar a vista à penumbra.

As paredes eram pintadas de branco e as janelas de verde-garrafa. Embaixo de uma delas havia um sofá coberto de almofadas. As esquadrias das janelas eram esculpidas com figuras de aves e de animais selvagens. No peitoril de uma janela estava um vaso grande de cerâ mica esmaltada a fogo. No centro da sala havia uma mesa larga com quatro cadeiras. Um tapete estampado cobria em parte o piso de lajotas. No fundo da peç a, uma escada em caracol conduzia ao andar de cima.

— Gostou? — perguntou Rick, pendurando a capa impermeá vel atrá s da porta. — Era assim que você imaginava?

— É linda, linda, linda — murmurou Donna, fascinada com a aparê ncia rú stica da casa. — É muito diferente do palacete onde você s moram. Eu nunca imaginei que um homem como você gostasse das coisas simples.

— É minha outra personalidade — disse Rick com um sorriso, abrindo a porta de um pequeno armá rio onde estavam os mantimentos e algumas panelas. Ele apanhou um pacote de espaguete, uma lata de molho de tomate e uma panela grande de alumí nio. — Eu aprecio o conforto da casa grande, mas gosto també m de cozinhar de vez em quando.

— Você costuma trazer convidados aqui? — perguntou Donna, percorrendo com a vista os tí tulos dos livros que estavam na estante.

— Mulheres?

— Homens, mulheres, nã o importa o sexo!

— Raramente.

Rick abriu a torneira da pia e encheu a panela com á gua.

— Nossa á gua vem de uma nascente no morro.

— Que delí cia!

— Voltando à sua pergunta anterior. Esta casinha nã o é um ninho de amor, como você está pensando.

— Eu nã o disse que era!

— Pois foi essa a impressã o que eu tive. — Rick acendeu o fogã o e uma chama azul brilhou embaixo da panela. — É uma reaç ã o natural, no fundo. Que motivo algué m tem para construir uma casa como essa no meio do mato a nã o ser para manter relaç õ es clan­destinas?

— Tem gente que aprecia a solidã o. . . Nem que seja de tempos em tempos

— Talvez.

Donna apanhou um livro na estante e sentou-se no sofá.

— Foi você pessoalmente quem construiu esta casa?

— Foi.

— Nã o diga! Foi você quem fez o telhado de abas caí das?

— Ló gico.

— Foi você quem esculpiu esses animais nas janelas? — insistiu Donna, sem esconder sua surpresa. — Foi você, Rick?

— Eu fui educado na Sicí lia, minha querida. Lá os meninos apren­dem desde cedo diversos ofí cios. Meu pai me ensinou os rudimentos da carpintaria. Minha mã e me ensinou a usar uma goiva para talhar madeira. Ela era uma excelente escultora, por sinal. Comparado a ela, eu sou um reles aprendiz de marceneiro. Aliá s, minha mã e foi assassinada com o mesmo instrumento que usava para esculpir a madeira.

— Que horror!

Rick abriu a lata de molho de tomate.

— Eu tinha quinze anos quando mamã e morreu. Parei de brincar depois desse dia. Eles a mataram por simples maldade, a troco de nada.

— Adone me contou.

— Como você prefere o espaguete? Bem cozido ou ai dente?

— Al dente, por favor.

— Adone contou alguma coisa a meu respeito?

— Mais ou menos.

— Eu adivinhei pela maneira como você passou a olhar para mim.

— Como foi que eu passei a olhar para você?

— Como se tivesse pena de mim.

— Você viu isso no meu olhar?

Rick deu um sorriso e jogou o espaguete no escorredor. Em segui­da, colocou a massa numa travessa e serviu o molho de tomate. Donna acompanhava atentamente cada um dos seus gestos. Era gostoso estar sentada na sala rú stica, com um livro de ilustraç õ es no colo e saber que Rick encontrava tranquilidade na sua companhia. Serafina, provavelmente, nã o comeria um espaguete na parte da manhã, muito menos feito com molho de tomate em lata!

Ela se enroscou no sofá com as pernas cruzadas e deu um suspiro de felicidade. Sabia que estava participando de uma refeiç ã o especial, muito diferente dos almoç os e jantares que o copeiro servia na casa grande, para os hó spedes e os convidados de Serafina. Ali tudo era í ntimo, acolhedor.

— Posso fazer seu prato?

— Por favor.

No momento em que Rick despejou o molho de tomate em cima da massa quente, ela sentiu o cheiro penetrante das ervas aromá ticas. Ah, gostaria que aquela refeiç ã o se prolongasse pela tarde toda, que pudesse passar todos os dias algumas horas com Rick na casa de pedras e que, quando a tarde caí sse e o orvalho borrifasse as pé talas das flores de gotinhas miú das, Rick a estreitasse nos braç os e os dois contemplassem em silê ncio o anoitecer.

— O almoç o está pronto! — exclamou Rick, esfregando as mã os.

— Que cheiro gostoso.

Rick abriu uma garrafa de vinho tinto e apanhou dois copos no armá rio da sala. — Está bom?

— Está divino! Você devia abrir um restaurante.

— Eu pensei nisso.

— Posso trabalhar com você?

Rick jogou a cabeç a para trá s e deu uma gargalhada alta.

— Imagine se um siciliano deixa a mulher servir os estranhos!

— Por que nã o?

— A mulher fica em casa, trancada a sete chaves!

— Você adora a Sicí lia, nã o é verdade?

— O que você quer? Foi lá que eu nasci.

— Você vai muito lá?

— Eu estou proibido — disse Rick, com um risinho de zombaria. — Eles me comeriam vivo se me apanhassem.

— Eles quem?

— A Má fia.

— Nã o brinque!

— Há uma pedra na Sicí lia, pichada com meu nome. Eles me odeiam mortalmente. Eu desobedeci aos regulamentos da confraria. Mais de uma vez, por sinal. . .

— E aqui? Você está seguro?

— Pelo menos mais seguro que lá, tenho certeza. Mas você nã o precisa se assustar. Ningué m vai nos surpreender no meio do almoç o. Eles me odeiam mas respeitam minha privacidade. Sem contar que hoje em dia ningué m mata o outro impunemente. A polí cia está de olho nas organizaç õ es clandestinas. Mesmo assim, ainda há muita selvageria na Sicí lia.

— E nos sicilianos també m — disse Donna, levantando-se da mesa.

— O que você vai fazer?

— Vou lavar os pratos. Onde você guarda o sabã o e a esponja de limpeza?

— Deixe isso para depois — disse Rick, levantando-se da cadeira. — Vamos conversar no sofá antes disso. Nã o é sempre que a gente tem a oportunidade de ficar a só s, sem ser interrompido.

— Você prometeu que ia se comportar.

— Mas eu nã o resisto. Vamos fingir só hoje que você é minha. Ela viu os olhos negros pairarem tentadoramente em cima de sua cabeç a.

A mã o dele pousou no seu pescoç o como se fosse o caule de uma flor que ele podia partir com um gesto do dedo. . . Ela nã o ousou se mexer.

No momento em que Rick a enlaç ou pela cintura, ela segurou a cabeç a dele com as mã os e puxou-a na sua direç ã o. Ele beijou-a com paixã o, sorvendo as exclamaç õ es de prazer que ela dava de olhos fechados.

Donna abandonou-se nos braç os dele como nunca se permitira antes com nenhum outro homem. Rick dizia palavras ternas no seu ouvido, palavras cujo significado muitas vezes ela nã o entendia, mas que sabia serem originá rias da Sicí lia.

— É assim que você beija seus namorados?

— Eu nunca beijei ningué m assim antes.

Ela estava tã o colada pele que o calor do corpo dele se difundia pela pele e lhe dava uma sensaç ã o deliciosa de bem-estar.

— Você fez bem. Eu; quero que você continue sempre assim. A moç a pura, jovem, inocente que eu encontrei um dia no alto do Coli­seu. Se eu pudesse, tranç aria você num convento. Lá pelo menos você estaria protegida. . .

Donna apertou os dedos na carne macia da nuca e lembrou-se que no andar de cima havia um quarto. Para ir até lá, bastava apenas subir alguns degraus da escada em caracol. Seu coraç ã o começ ou a bater rapidamente com esse pensamento e ela estava prestes a sugerir esse desejo quando a mã o dele cobriu gentilmente sua boca.

— Nã o adianta a gente querer o impossí vel. — Ele segurou o rosto dela entre as mã os e fitou-a no fundo dos olhos. — Nem todos os sonhos podem ser realizados. Eu nã o quero perdê -la para sempre por causa de uma hora de prazer. Você entende?

— A lealdade significa mais para você que o amor?

— O amor passa com os anos.

— Nã o, nã o passa nunca!

— Eu sei que passa. Depois que o desejo é satisfeito, sobra apenas a amargura.

— Nã o é verdade!

— Eu nã o posso ferir a confianç a que Serafina deposita em mim. Está acima das minhas forç as.

— Isso nã o impede que sejamos amantes. Afinal, nã o estamos fazendo mal a ningué m. Eu só quero penetrar na sua intimidade, só uma vez!

— Como se fosse possí vel!

— Por que nã o?

— Se fosse algo tã o simples assim, eu teria levado você para o quarto uma hora atrá s. Eu sou humano, amor. Sinto prazer em ter uma mulher nos meus braç os, principalmente você. Nã o me faç a perder a cabeç a e tratá -la desse modo! Você é algo muito especial para mim. Eu quero que você se lembre desse dia como de uma data importante em nossas vidas, e nã o como uma hora de prazer que deixa um gosto amargo na boca.

— Mas é triste a gente ser inocente a vida inteira — disse Donna, correndo os dedos sobre os botõ es de sua camisa. — Lembra o que você me perguntou uma vez?

— Quando?

— Quando você estava a cavalo embaixo da sacada.

— Ah, sim... O que foi?

— Você perguntou se eu gritaria por socorro se você pulasse a janela do meu quarto, no meio da noite.

— Eu estava brincando. . .

— Estava mesmo? — Ela pousou a mã o sobre o peito dele. — Por que você está com a respiraç ã o ofegante? Foi o cigarro que deixou você assim?

— Nã o me tente, amor. Eu nã o sou de pedra.

— Eu sei que você é forte como um touro. Você tem ombros lar­gos, o pescoç o grosso. . . Quando eu toco em você, minhas pernas amolecem. Eu fico toda arrepiada quando você me abraç a. Se você me puser em cima de um pedestal, eu vou descer na hora. Eu nã o sou a imagem da virtude, como você está pensando. . .

— Chega, amor! — exclamou Rick, segurando-a pelos cabelos e fitando-a no fundo dos olhos. — Você faria isso com um rapaz de sua idade?

— Por que nã o? Ele pelo menos nã o teria seu controle de ferro. — Ela se afastou dele e foi até a janela. — Desculpe eu ter me atirado nos seus braç os. Eu nã o sabia que você era tã o honesto assim. . .

— Eu sou mais velho e mais experiente que você. Esse tipo de relacionamento nunca termina bem. Se eu a levasse agora para o quarto no andar de cima, que está escuro porque as janelas estã o fechadas, a gente ia querer mais, sempre mais! Eu me recuso a fazer sua vontade.

— Você é quem sabe — disse Donna com um sorriso, ocultando a dor que sentia pela rejeiç ã o. — No fundo, talvez você tenha razã o. Para que arriscar à toa sua amizade por Serafina? Eu aprendi a liç ã o. No futuro, vou ser mais precavida e nã o vou interpretar alguns beijos trocados de passagem como se fossem sinal de algo mais profundo. Estou pagando por ser inexperiente nesse assunto.

— Um dia você vai me dar razã o.

— Pode ser.

Rick apanhou a capa impermeá vel que estava pendurada atrá s da porta e atirou-a em cima dos ombros. Com os olhos cerrados, o cigar­ro no canto da boca, voltou-se para Donna e encarou-a fixa­mente.

— Adeus, querida. Eu vou passar no dentista e ver se Adone já está em condiç ã o de ir para casa.

— Como é que eu faç o para voltar?

— Há uma trilha na mata que leva diretamente à casa. Em questã o de minutos você estará lá. Nã o se esqueç a de fechar a porta quando sair.

Depois de lavar os pratos e os talheres na pia, Donna sentiu curiosidade de conhecer o quarto que havia no andar de cima. Subiu a escada em caracol e foi dar numa peç a minú scula, cujas paredes eram caiadas de branco, como a cela de um monge. A cama estreita e dura estava coberta com uma manta xadrez. Na cabeceira da cama havia a reproduç ã o de um castelo em ruí nas no alto de um morro. Urzes e flores silvestres brotavam entre as paredes rachadas. Em cima da mesinha que havia ao lado da cama estava o retrato de uma mulher de meia-idade, numa moldura dourada.

Donna segurou o porta-retrato e examinou atentamente a fotografia. A mulher tinha cabelos negros e feiç õ es serenas. Ela tinha os mesmos olhos fundos e sombrios de Rick, a mesma boca grande e sensual.

Era a mã e dele, evidentemente, pensou Donna, colocando o porta-retrato em cima da mesinha. Foi somente entã o que ela avistou uma caixinha de madeira, trabalhada à mã o, que estava atrá s do abajur. Nã o resistiu à curiosidade e levantou a tampa para ver o que havia no interior.

No fundo da caixinha de madeira estava um par de má scaras de seda, urna preta, a outra prateada. As mesmas que os dois tinham usado no baile à fantasia em Roma. Ela se lembrou nitidamente do instante em que Rick estendeu a mã o e retirou a má scara do seu rosto, no terraç o do hotel, onde tinham saí do para respirar o ar fresco da noite.

Rick guardou as má scaras do baile à fantasia da mesma forma que ela havia conservado o botã o de rosa que encontrou na manhã seguinte na mesa do café. Era a ú nica lembranç a que tinham do en­contro furtivo, a recordaç ã o de uma aventura breve que tivera apenas a duraç ã o de uma noite.

Fechou cuidadosamente a caixa de madeira e tornou a descer a escada em caracol. Minutos depois, estava a caminho da Villa Imperatore pela trilha aberta na mata. Ao chegar lá, tudo voltaria a ser como antes. Ningué m ficaria sabendo que estivera durante algumas horas na intimidade de Rick, que partilhara alguns segredos que ele nã o revelava a ningué m, nem mesmo a Serafina.

 



  

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