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CAPÍTULO II



 

 

Donna conheceu os outros membros da casa naquela noite. Era como tinha imaginado: havia diversos hó spedes na Villa Imperatore, homens e mulheres, de diversas idades e classes sociais. Estavam poré m tã o entretidos na conversa que nã o prestaram muita atenç ã o na secretá ria inglesa quando ela entrou no salã o. Embora Donna conhecesse um pouco o italiano, sentiu-se meio perdida entre os con­vidados da casa.

No momento, em que um rapaz dirigiu-se a ela, Donna adivinhou imediatamente que devia ser Adone, o filho ú nico de Serafina. Adone tinha olhos verdes, cabelos castanhos e um feitio de rosto admiravel­mente bonito, embora fosse marcado por pequeninas rugas que de­viam ser causadas mais pelos prazeres do que pelo trabalho. Ele lanç ou a Donna um sorriso cativante e ela teve uma reaç ã o de curio­sidade ao conhecer a filho ú nico de Serafina, que ela deixara aos cuidados do pai quando partira de casa para tentar a sorte em Hol­lywood. Agora que a mã e era uma mulher rica e famosa, Adone preferia a companhia dela à do pai.

Donna nã o devolveu o sorriso que Adone lhe dirigiu de longe. Em vez disso, examinou-o com atenç ã o, friamente. O rapaz sabia natural­mente que ela era a secretá ria da mã e e imaginava que uma parte de suas obrigaç õ es era ser agradá vel a ele.

Adone fitou-a de relance e percebeu sem muita dificuldade que Donna era inexperiente em questõ es de etiqueta, apesar de seus vinte e poucos anos. Comparada com as outras mulheres da sala, que estavam vestidas na ú ltima moda, os trajes de Donna eram de uma terrí ­vel simplicidade. Nã o usava jó ias nem acessó rios caros.

— Como sã o bonitos os seus cabelos — disse Adone com natura­lidade. — Sua pele é macia e lisa como um pê ssego. Posso beijá -la?

— Nã o!

— Por quê? Aqui todo mundo se beija.

— Se você me beijar, nã o me responsabilizo pelo que possa acon­tecer.

— Nossa, quanta violê ncia! Pelo jeito, você nã o é uma lourinha á gua-com-aç ú car, apesar dos seus olhos azuis. O que você vai tomar?

— Estou percebendo que os rapazes italianos sã o tremendamente seguros de si mesmos. Isso é devido à educaç ã o?

— Talvez.

— Ou ao fato de que os meninos sã o muito mimados pela mã e c pelas tias quando pequenos?

— Você nã o gosta de crianç a?

— Gosto muito, só que na Inglaterra os meninos e as meninas sã o tratados da mesma maneira. Os meninos nã o crescem com a ideia de que as meninas estã o sempre caidinhas por eles e que de­vem ser suas escravas o resto da vida.

— Você nã o acredita no amor à primeira vista?

— Nã o muito.

— Em geral, as inglesas que vê m à Itá lia estã o loucas para encon­trar um namorado italiano.

— Pois eu vim aqui para trabalhar. E aceitaria de boa vontade uma bebida gelada. Estou morta de sede. De preferê ncia um suco de laranja.

— Está vendo? Você é inocente de coraç ã o. Todas as mulheres na sala estã o bebendo uí sque ou campari. Só você pede um suco de laranja. Quais sã o os ingredientes, exatamente?

— Só laranja. Mais nada. Como você pensava que era feito? Com alguma bebida exó tica?

— Quem sabe? Talvez uma gotinha de marasquino. . .

— Nem isso. Como lhe disse antes, sou uma secretá ria eficiente, que gosta do seu trabalho.

— Estou vendo. Talvez nosso clima latino vá derreter o gelo do seu coraç ã o. Enquanto isso, vou buscar sua bebida. Nã o saia daqui!

— Prometo que nã o vou fugir por sua causa. Você nã o me assusta N esse ponto.

Adone afastou-se em direç ã o ao bar com a elegâ ncia dos italianos, convencido de sua beleza. Donna, poré m, nã o tinha a intenç ã o de perder seu belo emprego por causa de um flerte inoportuno. Serafina era uma mulher possessiva e ciumenta, a quem nã o devia agradar a ideia de que o filho namorasse sua secretá ria.

Por falar nisso, Serafina nã o estava na sala. Talvez aguardasse a chegada dos outros convidados para fazer uma entrada espetacular. Afinal, ela tinha sempre que brilhar, mesmo na sua pró pria casa.

De fato, minutos depois Serafina entrou no salã o com um vestido de tafetá em diversas tonalidades de cinza-prata, que mudava de cor quando ela caminhava. Tinha um colar de diamantes no pescoç o, acompanhado de brincos e pulseira do mesmo desenho. Um suspiro de admiraç ã o percorreu a sala quando ela cumprimentou os convidados. Donna no entanto deu uma exclamaç ã o abafada por uma razã o bem diferente.

Ela reconheceu imediatamente o acompanhante da dona da casa, que estava vestido a rigor, com uma camisa cor de vinho no lugar da camisa branca tradicional de peito duro. Identificou-o no mesmo instante pela fisionomia má scula, o porte ereto, a vitalidade que irra­diava de sua pessoa.

Ela experimentou a mesma reaç ã o inquietante do primeiro encon­tro, quando cruzou com ele na escadaria do Coliseu, em Roma, e pensou sair rapidamente da sala, antes que o homem a reconhecesse. Ia pô r em prá tica seu plano de fuga quando um copo gelado foi colo­cado gentilmente em sua mã o.

— Seu suco de laranja.

— Ah, muito obrigada.

— A beleza de mamã e sempre me surpreende. Afinal, ela está com mais de quarenta anos.

— O que é isso!

— Claro. Eu sou filho dela. Que idade você acha que eu tenho?

— Uns vinte e dois.

— Eu tenho vinte e quatro anos. Você quer mais aç ú car?

— Nã o, obrigada. Está ó timo assim.

Ao partir de Roma, Donna tinha a impressã o de que nunca mais encontraria o italiano alto e moreno que lhe dirigira palavras tã o evocadoras no alto do Coliseu. De repente, quando menos esperava, tor­nava a encontrá -lo em casa de Serafina, na condiç ã o de seu acom­panhante! De novo ela sentiu um arrepio esquisito ao avistar o brinco de ouro que o homem usava na orelha, por baixo dos cabelos negros.

— Quem é? — perguntou, sem conter por mais tempo a curiosi­dade.

Adone acompanhou a direç ã o do olhar dela e avistou o italiano que olhava em volta de si e cumprimentava um a um os convidados da casa. Muito em breve os olhos dele encontrariam os dela e Donna tremia só de pensar nessa possibilidade.

— Aquele homem alto com brinco na orelha?

— É.

— Rick Lordetti. É o guarda-costas de Serafina e um dos homens mais invejados da Itá lia. Ela confia mais nele do que no seu confessor.

— Guarda-costas? — repetiu Donna, perplexa. — Ele mora aqui?

— No melhor quarto da casa. Ele passou a semana em Roma, numa viagem de negó cios. Durante sua ausê ncia, mamã e nã o dorme à noite, com medo de ser assaltada. Aliá s, ela só se sente segura na companhia de Rick. Eu já me ofereci para lhe fazer companhia, mas ela achou graç a. Evidentemente, eu nã o sou campeã o de tiro, muito menos um assassino.

— Assassino?

No momento em que Donna fez a pergunta, boquiaberta, Rick vol­tou a cabeç a na sua direç ã o. Entretanto, o olhar de reconhecimento que ela aguardava com ansiedade transformou-se num mero aceno educado. Rick percorreu-a rapidamente com a vista e passou adiante.

— É, isso mesmo. Assassino. Por que você ficou branca de repente?

— Nã o é possí vel. Rick Lordetti. . .

— Você nã o precisa ter medo dele, garota. Basta ignorar sua pre­senç a na casa. Ele janta conosco porque mamã e se sente mais tran­quila quando ele está por perto. Ela tem um pavor mó rbido de ser sequestrada, ou de cair nas mã os de um tarado sexual que poderá abusar dela. E como ela nã o confia em mais ningué m a nã o ser no seu guarda-costas, Rick está sempre por perto. Aliá s, verdade seja dita, Rick é estupidamente corajoso. Há alguns meses recebeu uma tacada no braç o e nem gemeu. E olhe que a dor deve ter sido terrí vel. Mesmo assim, fugiu dos assaltantes dirigindo o carro a toda velocidade pelas estradas do litoral, que sã o cheias de curvas, e salvou minha mã e das mã os de um bando de sequestradores, que estavam armados até os dentes. Uma coisa é verdade: Rick é absolutamente fiel, como um cã o de estimaç ã o.

Donna apertou com forç a o copo de laranjada que segurava. Ela desconfiara na primeira noite em Roma que Rick tinha algo de sinistro na personalidade. Mas nunca podia imaginar que fosse um mar­ginal, aceito na sociedade por uma das atrizes mais famosas do cine­ma. Um homem que vivia perigosamente e que prezava acima de tudo a lealdade que dedicava à sua protegida.

— É estranha a atraç ã o que mamã e exerce sobre os marginais — comentou Adone com uma entonaç ã o divertida da voz. — Eles nã o resistem ao seu fascí nio de estrela...

— Como esse mundo é pequeno! — murmurou Donna, como se pensasse em voz alta.

— O que você disse?

— Nada. Bobagem.

No outro lado da sala, Rick parecia indiferente a todos os pre­sentes, com exceç ã o da mulher elegante que se voltou nesse instante para fazer um comentá rio. Rick respondeu com um sorriso educado. Embora Serafina estivesse de sapatos de salto alto, Rick era bem mais alto que ela. Na realidade, ele era surpreendentemente alto para a mé dia dos italianos, alé m de ter ombros largos e o pescoç o musculoso de um touro.

— Rick é regiamente pago para proteger mamã e — comentou Adone, com um leve despeito. — Mas eu o mataria sem dó nem piedade se os boatos que correm a seu respeito fossem confirmados.

— Que boatos?

— Dizem que ele é o amante de Serafina.

O jantar foi servido numa sala repleta de obras antigas que deviam valer uma fortuna. Um lustre de cristal estava preso no teto por uma corrente de prata e os suportes das lâ mpadas eram rendilhados como peç as de colecionador. Em cima da mesa de mogno estavam arranjos belí ssimos de flores, garrafas de vinho de diversas marcas e procedê ncias, talheres de prata e louç as de porcelana francesa. Ao lado de tantos homens e mulheres morenas, Donna parecia muito branca e muito loura. E també m muito pouco à vontade.

Adone fez-lhe companhia durante o jantar. Ela tinha que tomar muito cuidado para nã o dar liberdades excessivas ao dono da casa. Uma ou duas vezes, Donna surpreendeu o olhar frio que Serafina lanç ou aos dois da outra extremidade da mesa.

Donna, por seu lado, volta e meia dirigia o olhar para o homem que estava sentado na cabeceira da mesa, ao lado de Serafina. Ele raramente tomava parte na conversa. Limitava-se a sorrir de tempos em tempos, quando ouvia algum comentá rio divertido, e parecia atento à s suas obrigaç õ es profissionais, que eram proteger a mulher que lhe fazia esquecer as demais mulheres presentes na sala. Os olhos dele atravessavam Donna de lado a lado, sem se demorar; ela se sentia magoada e, ao mesmo tempo, indignada com a atitude insolente do italiano. Afinal, os dois tinham conversado intimamente nas duas vezes que se encontraram em Roma. Como ele podia ignorá -la a esse ponto na presenç a dos outros?

A verdade, poré m, é que o olhar carinhoso de antes se transfor­mara num relance breve e insolente, como se ele nunca houvesse estreitado nos braç os a moç a inglesa, de cabelos louros, que conhe­cera no alto do Coliseu. A rosa branca que ele lhe dera, na manhã seguinte, continuava guardada nas pá ginas de um livro.

Serafina sabia que Rick namorava outras mulheres quando ela virava as costas? Ou será que ele fingia ignorar a presenç a de Donna para nã o despertar ciú mes em Serafina? Donna ouvira contar que Serafina arruinara a carreira de muitas rivais que ousavam disputar um homem com ela — isso quando ela estava no auge da fama.

Donna finalmente afastou o olhar do rosto indiferente do italiano. Embora a comida estivesse maravilhosamente preparada e servida, ela mal provou o que lhe puseram no prato. Preferiu conversar com Adone. Entretanto, durante todo o jantar, uma dú vida torturou sua imaginaç ã o: Rick era de fato o amante de Serafina, como diziam as má s-lí nguas?

Levou um susto quando algué m se inclinou sobre a mesa, na sua frente, e lhe dirigiu uma pergunta com a voz clara:

— Você també m trabalha no cinema, bionda bella, ou faz apenas comerciais para a televisã o?

Seu interlocutor tinha um jeito de falar que correspondia exata-mente à sua aparê ncia afetada. Estava vestido a rigor, com uma gra­vata borboleta de seda e uma camisa rendada cor-de-rosa.

— Nã o, eu nã o sou atriz de cinema nem de televisã o — respon­deu Donna, com um sorriso sem graç a. — Sou a secretá ria de lí ngua Inglesa que Serafina contratou.

— Nã o me diga! — exclamou o homem, com um risinho, olhando em volta de si. — Que atitude democrá tica a de Serafina! Convidar uma secretá ria para jantar na mesma mesa que os hó spedes da casa. Será que a influê ncia dos comunistas chegou até aqui? Ou tem algum Mafioso envolvido nisso?

As pessoas que estavam em volta riram educadamente com o co­mentá rio irô nico do homem afetado. Na cabeceira da mesa, contudo, seu rosto moreno voltou-se subitamente naquela direç ã o e Donna estremeceu de prazer quando Rick encarou severamente o homem de camisa cor-de-rosa. Nenhuma palavra foi dita, nenhum gesto foi feito, mas Donna percebeu que o homem foi atingido em cheio pelo olhar severo de Rick.

Ele largou o guardanapo engomado que segurava na mã o, de uma maneira efeminada, e apanhou com nervosismo o copo de vinho que estava à sua frente. O copo escorregou por entre os dedos trê mulos e o lí quido vermelho respingou sobre a toalha rendada. Um criado acudiu à s pressas e enxugou a toalha com um pano. Trocou em se­guida o copo de vinho e pô s a mesa em ordem. Tudo isso nã o levou mais que alguns segundos.

Entretanto, por baixo das pestanas compridas, Donna viu Serafina inclinar-se para o lado e murmurar alguma coisa no ouvido de Rick. Os lá bios dele se moveram num sorriso sardô nico e Donna compreen­deu naquele instante que Serafina era bem capaz de despedir todos os seus convidados de uma hora para a outra se lhe desse na telha. Com exceç ã o do homem moreno que estava ao seu lado, todos os demais eram meras distraç õ es de suas horas de ó cio.

— Meu caro conde, preste atenç ã o ao que você diz diante de Rick. A avó dele era uma bruxa siciliana e ensinou ao neto alguns passes de magia. Recomendo també m que você nã o pronuncie o nome da Má fia diante de Rick. Ele e a Má fia sã o inimigos mortais. Rick pode perder a paciê ncia se suspeitar que algué m o está acusando de ser membro dessa organizaç ã o criminosa.

O conde corou até as orelhas com as palavras de Serafina. A boca pequena tremeu como se ele fosse explodir numa crise de choro. Nã o era de admirar que Serafina preferisse ter como guarda-costas um siciliano do calibre de Rick a um nobre efeminado da velha gera­ç ã o. De certa forma, Serafina e Rick eram as duas faces da mesma moeda. Os dois tinham a personalidade exuberante e bem definida dos antigos imperadores romanos. Donna engasgou quando viu Sera­fina colocar possessivamente a mã o em cima do braç o de Rick, como se dissesse: -" Este homem é meu. Ele é meu criado e meu amo".

As fruteiras de prata foram trazidas à mesa nesse momento, junta­mente com uma jarra de creme fresco que acompanhava os moran­gos vermelhos e deliciosos, colhidos na horta.

— Você nã o tem medo de engordar? — perguntou Adone, com uma expressã o divertida ao ver Donna servir-se generosamente de morango com creme de leite e aç ú car.

— Nã o, nem um pouco — respondeu Donna, com um sorriso de gula.

— As italianas sã o insuportá veis com a mania que tê m de emagre­cer. Você, felizmente, é magra por natureza.

— Você nã o ouviu dizer que as secretá rias passam fome? Eu aproveito para comer o que gosto quando posso. Aliá s, eu adoro creme fresco.

— Esse creme é batido aqui em casa. O leite gordo é de nossas vacas estabuladas. Mamã e tem um sí tio perto daqui. Um dia eu vou levar você lá para conhecer nossa criaç ã o. Temos vacas, cavalos, patos, gansos, galinhas. . . Você gosta de andar a cavalo?

Adone, pelo visto, vivia no mesmo mundo irreal que Serafina. Nã o parecia lhe ocorrer que Donna era uma empregada da casa que tinha uma obrigaç ã o a cumprir.

— Escute, meu bem, eu vim aqui para trabalhar. Nã o sou uma hó spede da casa, para passar o dia na piscina, tostando ao sol. Alé m disso, sua mã e nã o veria com bons olhos uma amizade entre você e eu. Nó s somos de mundos diferentes. Está claro agora? Num certo sentido, eu concordo com a opiniã o do conde. . . eu devia comer na copa, com os demais criados da casa.

— Neste caso, com quem eu conversaria? — perguntou Adone, com expressã o divertida. — Você já reparou nas pessoas que estã o na mesa? Somente mulheres casadas, chatí ssimas por sinal, que só pensam em encontrar um amante para se distrair do marido e dos filhos.

— Está bem. Você tem toda razã o, mas eu nã o sou a pessoa indicada para acompanhá -lo nos seus programas. Notei que sua mã e é uma mulher ciumenta e ela pode muito bem achar que eu estou querendo namorar você.

— E daí?

— E daí que eu perco meu emprego, bolas!

— Se mamã e nã o queria que isso acontecesse, devia ter contratado uma secretá ria velha e feia, e nã o algué m com essa pele macia de pê ssego.

Quando Adone se inclinou para o lado, a fim de roç ar os lá bios na boca dela, Donna afastou bruscamente a cabeç a e lanç ou um olhar de relance para a cabeceira da mesa, onde estavam Serafina e seu guarda-costas. Notou que Rick observava atentamente os dois por baixo das sobrancelhas espessas que faziam sombra em redor dos olhos negros. Pelo visto, ele nã o se esqueceu de mim!, pensou Donna, com o coraç ã o batendo a toda. Ela abaixou a cabeç a sem jeito e teve a sensaç ã o de que os dois eram cú mplices de uma conspiraç ã o. Serafina nã o podia saber, em hipó tese alguma, que eles se conheciam!

Era isso o que Rick desejava? Ter uma aventura clandestina com a secretá ria inglesa que fingia ignorar na frente dos outros? Indignada e decepcionada com esse pensamento, Donna dirigiu a Rick um olhar de desprezo. Ele poré m limitou-se a encostar as costas na cadeira e a franzir os lá bios com um sorriso imperceptí vel de ironia. Quando Serafina voltou a cabeç a para o lado e comentou alguma coisa em voz baixa, a atenç ã o dele tornou a se dirigir exclusivamente para ela.

Ah, ele que vá para o inferno!, pensou Donna, furiosa. Como ele ousava piscar o olho quando Serafina virava as costas? Tomada subi­tamente de raiva, Donna voltou-se completamente para Adone e, du­rante o resto da noite, nã o dirigiu mais uma só vez o olhar para Rick e Serafina. Adone recebeu com alegria sua atenç ã o e seus sorrisos.

No salã o, os tapetes foram enrolados; os hó spedes e convidados danç aram até tarde ao som do equipamento estereofô nico. Donna estava tã o animada quanto os demais convidados. Danç ou vá rias vezes com Adone e com os outros rapazes a quem foi apresentada. As mú sicas mais tocadas eram recordaç õ es da é poca em que Serafina brilhava como estrela nos estú dios de Hollywood. Uma delas, em particular, agradava muito a Donna por sua melodia lenta e nostá lgica. Em dado momento, poré m, um dos seus pares tentou beijá -la na boca e Donna sentiu-se na obrigaç ã o de pisar com forç a no pé do italiano atrevido, a fim de deixar bem claro que ela nã o era nenhuma boboca que estava à disposiç ã o de qualquer um. O rapaz resmungou uma desculpa em voz baixa e saiu à procura de uma outra jovem mais acessí vel. Donna aproveitou para respirar o ar fresco da noite no terraç o descoberto que dava para o jardim. Estava cansada e zonza com a atmosfera, esfumaç ada do salã o. Tanto mais que tinha danç ado a noite inteira sem parar e que quebrara a cabeç a para conversar com os rapazes que nã o falavam inglê s. Era gostoso estar sozinha durante alguns minutos. Com um suspiro de alí vio, apoiou-se no parapeito do terraç o e aspirou o ar perfumado da noite.

Levou alguns segundos para notar que havia outro aroma por perto, alé m do perfume dos jasmins e das damas-da-noite que vinha do jardim. Era o cheiro penetrante e adocicado de fumo turco. Instin­tivamente, voltou a cabeç a na direç ã o onde as sombras eram mais espessas. E ali, entre as lufadas de fumaç a, avistou um vulto alto e o brilho da ponta do cigarro aceso.

Rick, pelo visto, refugiara-se ali para fumar tranquilamente e ia pensar que ela estava correndo atrá s dele quando, na realidade, Donna procurava evitá -lo a todo custo.

Ela fez menç ã o de voltar para o salã o, quando a voz dele a deteve.

— Nã o vá embora. Eu preciso falar com você.

— Você só pode conversar comigo no escuro?

— Nã o seja agressiva! Vou lhe explicar por que é preferí vel man­ter em sigilo nossa amizade. Sei que você precisa desse trabalho e, para conservá -lo sem problema, é melhor que ningué m saiba que somos conhecidos de outra parte.

— Por quê? Por que temos que manter esse clima de misté rio? Serafina ignora por acaso seus namoros?

— Nã o é isso! Como eu lhe disse antes, há uma certa afinidade misteriosa entre você e eu. Eu nã o a segui em Roma. Fui ao Coliseu por acaso, levado pelo destino, se você quiser, porque estava decidido que nó s haverí amos de nos encontrar um dia.

— Ah, pare com essa conversa! Você me assusta falando assim. Eu sei que você anda com um revó lver na cintura e que é pago para matar. É preferí vel que a gente evite um ao outro. Você nã o é o tipo de pessoa que me convé m como amigo.

— Nã o mesmo? Você acha que pode dispor dos seus sentimentos assim, sem mais nem menos? O coraç ã o tem vontade pró pria, minha querida. Matar o amor, mesmo no iní cio, dó i terrivelmente!

— Como você tem coragem de falar em amor? Você é o ú ltimo homem na terra que respeita o sentimento humano. Um guarda-costas!

— Eu sou homem como qualquer outro. També m conheç o a ter­nura e a necessidade de afundar a cabeç a num ombro amigo.

— Com um revó lver na cintura?

— Era uma espada, antigamente.

— Nã o diga! Você se julga porventura o cavaleiro andante de Serafina?

— A imagem pelo menos é româ ntica. . .

— Româ ntica como a vida de um bandido! Você já esteve em Chicago?

— Ah, as mulheres sã o criaturas fabulosas! Como você adivinhou? Sim, eu já estive nos Estados Unidos. Conheci Serafina em Las Vegas, num dos cabaré s da cidade.

— Ah, nã o me diga que alé m de bandido você é jogador profissional!

— Sua peste!

No mesmo instante, os dois ouviram passos no terraç o. Rick tornou a refugiar-se nas sombras quando Adone se aproximou de Donna.

— Ah, você está aí! Eu estava à sua procura. Que noite maravi­lhosa, nã o? A lua está triste porque o sol se escondeu no horizonte. . .

Perturbada com a conversa com Rick e consciente de que ele estava ouvindo o que os dois diziam, Donna deu o braç o a Adone e pediu-lhe que a levasse de volta para o salã o.

— Está bom, vamos entrar. Mas primeiro eu quero que você me dê um beijo. Lá dentro você tem vergonha.

— Você está sonhando!

— O que tem de mais? Um beijo nã o faz mal a ningué m. Pelo contrá rio!

— Pode ser, mas nã o é meu gê nero beijar o primeiro homem que encontro — disse Donna com firmeza, tentando soltar-se dos braç os de Adone. — Por favor, Adone, comporte-se! Nã o vamos brigar no primeiro dia que nos conhecemos.

— Ouviu o que ela disse? Deixe-a em paz. Adone voltou-se assustado na direç ã o da voz.

— Quem está aí?

— Você nã o me reconhece?

Rick deu um passo à frente e um raio de luz bateu em cheio no rosto moreno. Os dentes estavam descobertos num sorriso perigoso.

— Ah, é você! — exclamou Adone, trê mulo de susto e de raiva.

— Você está sempre se escondendo pelos cantos para me espionar! Quer um conselho de amigo? Suma da minha frente! Por mim você seria mandado embora hoje mesmo. Eu nã o entendo como mamã e pode aturá -lo.

— Chega de conversa fiada! — disse Rick, acendendo o cigarro.

— Desde quando um pirralho ousa falar comigo nesses termos? Você nã o faz nada o dia inteiro e nã o tem ideia do que é ganhar a vida com uma profissã o honesta. Deixe os outros trabalharem em paz.

— Vá para o inferno! — exclamou Adone, furioso. — Eu devia lhe dar um murro na cara. No fundo, você nã o passa de um gigolô!

Rick deu uma tragada comprida no cigarro e a brasa iluminou o rosto moreno. Em seguida, deu um passo à frente e estalou os dedos no nariz de Adone.

— Que papelã o você está fazendo na frente dessa moç a! Ela vai pensar que os italianos sã o uns galinhas. Por que você nã o volta para o salã o antes que seu rosto de bebê vire uma papa?

— Galinha é você!

No instante em que Adone desferiu o soco, Rick esquivou-se com um movimento rá pido do tronco e acertou um direto em cheio no nariz do seu adversá rio. Adone recuou um passo com as pernas vaci­lantes, apanhou o lenç o no bolso e enxugou o sangue que escorria pelo rosto. Ele olhou para Rick como se fosse matá -lo.

— Isso nã o vai ficar assim! Você vai me pagar. Eu vou despedi-lo desta casa! — exclamou Adone, dirigindo-se ao salã o.

— Boa ideia. Faç a isso — comentou Rick, com voz tranquila. Em seguida, voltou-se casualmente para Donna, que assistia à briga entre os dois com uma mistura de medo e de fascinaç ã o. — Vamos entrar? Está frio aqui fora.

Ela abaixou a cabeç a num gesto de submissã o.

— Você nã o devia ter brigado por minha causa. Isso pode criar problemas entre você e Serafina.

— Deixe isso por minha conta. Se houver algum problema nesse sentido, nã o será por causa de Adone.

— Por quem, entã o?

— Por sua causa.

— Por minha causa? Nã o entendo. . .

— Serafina tem ciú mes de você.

À s vezes basta uma ú nica palavra para dizer tudo. Donna voltou-se, surpresa, para Rick e avistou um sorriso enigmá tico nos lá bios dele. Rick era um homem duro, impiedoso, acostumado a tratar com mar­ginais. Entretanto, no fundo do coraç ã o, havia uma ternura latente, pronta a surgir na primeira oportunidade. Ela se afastou alguns pas­sos, perturbada com a proximidade que havia entre os dois. Rick segurou-a pelo pulso, com delicadeza.

— Eu nã o contava revê -lo tã o cedo. . .

— Você pensava que eu fosse sumir para sempre de sua vida?

— Claro.

— Eu sabia que tornaria a vê -la. Senti isso desde o primeiro momento.

— Talvez fosse preferí vel eu ir embora. Vou criar problemas entre você e Adone.

— A vida é cheia de problemas.

O pulso dela batia rapidamente sob os dedos dele. Era loucura sentir-se tã o perturbada assim na presenç a de um homem que mal conhecia.

— Eu bebi demais no jantar — balbuciou sem jeito, procurando soltar-se das mã os dele. — Foram muitas emoç õ es juntas no mesmo dia. . . Amanhã vou achar graç a em tudo isso. Afinal, nã o sou mais crianç a para me assustar à toa.

— Você acha?

— Tenho certeza. Amanhã vou estar curada.

Pode ser. Tudo volta à s proporç õ es normais durante o dia. Mas quando a noite cai e as estrelas voltam a cintilar no firmamento, esquecemos as resoluç õ es da vé spera. Buona notte, cara.

— Boa noite, Rick

Donna afastou-se do terraç o sombrio, consciente de que os dois tornariam a se encontrar no dia seguinte e que, mesmo a luz do dia, Rick continuaria a perturbá -la mais do que qualquer outro homem que conhecera na vida.

 

 



  

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