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A Última Chance. Violet Winspear. Disponibilização: Milvania. Digitalização: Joyce. Revisão: Crysty. CAPÍTULO I



A Ú ltima Chance

The Loved And The Feared

Violet Winspear

 

 

 

Uma noite, num baile à fantasia, a vida de Donna transformou-se subitamente. Naquela festa ela se apaixonou por um misterioso estrangeiro. Diziam que ele era perse­guido pela Má fia, que tinha assassinado um homem a sangue-frio, que era uma criatura desalmada e peri­gosa... Mas nada disso assustava Donna. O que feria realmente seu coraç ã o era que Rick Lordetti era o guarda-costas leal, o amigo insepa­rá vel, o amante da bela Serafina Neri, ex-atriz de cinema. Serafina era uma mulher fascinante, incom­paravelmente mais experiente e vivida do que ela. Restaria a Donna alguma chance de atrair o interesse de Rick?

 

Disponibilizaç ã o: Milvania

Digitalizaç ã o: Joyce

Revisã o: Crysty

 

CAPÍ TULO I

 

 

A paisagem daquela altura era deslumbrante. A estrada sinuosa contornava o morro e subia até o alto da montanha, de onde se tinha uma vista prodigiosa do mar. Donna Lovelace nunca estivera antes num local tã o belo quanto aquele. O motorista do tá xi, no entanto, parecia inteiramente alheio ao cená rio majestoso. Buzinava em cada curva e lanç ava observaç õ es que Donna fingia compreender. O pouco italiano que ela sabia fora aprendido alguns dias antes, num curso intensivo, e nã o era suficiente para entender a linguagem do povo.

As encostas í ngremes do morro estavam banhadas pelo sol da manhã e a impressã o que se tinha era a de que os aspectos mais avanç ados da civilizaç ã o haviam ficado para trá s, juntamente com as terras cultivadas, vinhedos e plantaç õ es de oliveiras. Ali era o sul da Itá lia e a grandiosidade do espetá culo era ao mesmo tempo excitante e ligeiramente assustadora.

— Chegamos! — exclamou o motorista em dado momento. — Lá está a Villa Imperatore.

Era naquele fim de mundo que morava Serafina Neri, a cé lebre atriz de cinema? Donna imaginava que ela residisse num dos bairros estritamente privados de Roma, num palacete luxuoso, cercado por um belo jardim, com está tuas e fontes de má rmore. Nã o havia dú vida, poré m, que uma casa naquela regiã o agreste era mais primitiva e mais româ ntica. De certa forma, condizia com as personagens que a ex-atriz interpretara nas telas do cinema.

O taxi contornou uma ú ltima curva no caminho e, logo adiante, Donna avistou um portã o alto de ferro com um cadeado passado em volta. O motorista tocou levemente a buzina. Segundos depois o ca­seiro, vestido num uniforme cinza, saiu de uma pequena guarita e dirigiu-se ao portã o, onde trocou algumas palavras em voz baixa com o motorista.

— Ele deseja ver seu passaporte, moç a — disse o motorista, apro­ximando-se do carro.

— Ah, ele quer saber se eu sou eu mesma! — exclamou Donna, bem-humorada, retirando o passaporte da bolsa a tiracolo que levava consigo. A bagagem grande estava no porta-malas do tá xi.

O caseiro examinou o passaporte com atenç ã o e pediu a Donna para descer do tá xi, a fim de poder comparar os dados que lá consta­vam com sua pessoa fí sica. O exame era levado a sé rio, pelo visto. Nã o era qualquer um que entrava na mansã o de Serafina Neri, pen­sou Donna com um risinho disfarç ado.

Tinha a impressã o de ter chegado a um castelo medieval, situado no alto de uma montanha desolada, onde residia a famosa princesa Serafina, que se afastara da sociedade e vivia num isolamento com­pleto, protegida por guardas particulares dos curiosos — e també m dos sequestradores, uma ameaç a constante para os milioná rios ita­lianos.

Terminado o exame, Donna atravessou o portã o de ferro na com­panhia do caseiro de uniforme cinza. Permaneceu alguns instantes ali, parada, enquanto o caseiro revistava rapidamente sua bagagem para ver se ela nã o estava transportando nenhum artigo proibido — no pre­sente caso, má quinas fotográ ficas e gravadores de som.

O trabalho de secretá ria naquela casa isolada tinha certos aspectos insó litos, como podia observar. Ela cedera ao convite levada pela curiosidade de conhecer o sul da Itá lia. Alé m disso, seu pai trabalhara com Serafina em diversos filmes, na funç ã o de diretor de fotografia.

A atriz de cinema sempre demonstrara uma gratidã o especial ao cineasta que a tornara tã o bela e sedutora nos seus filmes, e ficou contente quando teve oportunidade de retribuir seu reconhecimento, escolhendo a filha de Richard Lovelace para sua secretá ria particular. Serafina tinha a intenç ã o de escrever suas memó rias sobre Hollywood e de publicá -las nos Estados Unidos. Por isso ela precisava de uma secretá ria que tivesse uma excelente redaç ã o em lí ngua inglesa.

— Grazie — disse Donna quando o caseiro devolveu a bolsa a tiracolo.

O homem apontou em direç ã o a um caminho arborizado que levava diretamente à casa, localizada um pouco mais acima, no alto da pe­quena ladeira. A alameda de pedras era encantadora. Os pá ssaros pulavam alegremente de galho em galho, as cigarras cantavam a ple­nos pulmõ es, as borboletas descreviam vô os rasantes sob os raios quentes do sol.

Pouco adiante, Donna avistou um pá tio espaç oso, cercado de can­teiros e de uma profusã o de plantas e trepadeiras. A casa nã o podia ser mais acolhedora, embora nã o seguisse o estilo tradicional italiano. As paredes de pedras estavam praticamente cobertas por heras e tre­padeiras. No centro da casa havia uma passagem em forma de arco que conduzia a um pá tio interno, onde Donna tornou a avistar uma profusã o de plantas raras e de flores de todas as cores. Havia azuis, roxas, lilá s, amarelas, vermelhas muito vivas — enfim, uma infini­dade de tons. Bem no meio do pá tio interno estava uma linda fonte de má rmore com trê s bacias de pedra, onde a á gua que jorrava das bicas de bronze caí a aos borbotõ es.

— Ah, que lindo! — exclamou Donna, deslumbrada com o espetá culo. — Che bello!

— Si, si — concordou o caseiro, balanç ando a cabeç a com viva­cidade. No fundo, era um homem de bom coraç ã o, pensou Donna, mais tranquila. Apesar do revó lver que carregava na cintura. — Andiamo, signorina.

O homem atravessou o pá tio e foi dar numa porta de grade que havia no fundo de uma passagem. Puxou o cordã o da campainha e, minutos depois, apareceu um criado de uniforme branco com botõ es dourados.

— Eu sou a nova secretá ria — explicou Donna. — A senhora está me esperando.

— Pois nã o, pode entrar — disse o criado, com um gesto de copeiro educado, habituado a receber convidados. — Vou levá -la a sua presenç a.

Ele apanhou as malas que o caseiro deixara na passagem e conduziu Donna por um corredor sombrio em direç ã o à sala de estar onde Serafina costumava passar as manhã s.

A decoraç ã o nã o podia ser mais original e vistosa. Parecia a có pia exata de um cená rio de filme. Os sofá s e cadeiras de braç os estavam cobertos de almofadas coloridas de seda e de veludo, e em toda parte havia peles de animais estendidas em cima do assoalho de tá buas largas.

— A srta. Donna Lovelace — anunciou da porta o copeiro para a mulher morena que estava reclinada num dos sofá s da sala. As duas mulheres se observaram um instante em silê ncio. A moç a inglesa tinha cabelos louros e bem curtos; a italiana possuí a formas opulentas, cabelos negros que caí am sobre os ombros, olhos verdes luminosos como os de um felino, a boca e o nariz perfeitos. Estava envolta num robe de chambre verde-jade de seda pura, na pose de uma odalisca.

Sem dú vida alguma, a ex-atriz italiana continuava sendo uma mu­lher belí ssima e era muito natural que exercesse um grande fascí nio sobre homens e mulheres, indistintamente. Reclinada no sofá de veludo grená, de costas para a janela, ela fumava um cigarro na ponta de uma piteira, com a serenidade de uma mulher que nã o se assusta dian­te de nada.

— Muito prazer em conhecê -la, minha querida — disse Serafina, com a voz melodiosa, a mesma voz rouca e acariciante que sussurrava palavras de amor nas telas dos cinemas do mundo inteiro. — Seu pai foi um grande amigo meu. Ele era um excelente diretor de foto­grafia e nó s trabalhamos juntos em muitos filmes. Eu fazia questã o de ser retratada por ele.

— Ele també m era um grande admirador seu — disse Donna, com um sorriso de gratidã o, notando que Serafina era muito mais humana do que parecia à primeira vista. Havia um calor nos olhos dela que conquistava imediatamente a simpatia. — Ele dizia sempre que você tinha mais classe. . . mais raç a. . . que as outras atrizes com quem trabalhava.

As maç ã s do rosto de Serafina incharam de alegria.

— Muito obrigada, querida. Fiquei muito abalada quando soube que seu pai morreu naquele horrí vel incê ndio em Los Angeles. . . e imagino que foi uma perda muito grande e muito triste para você, sobretudo depois de perder a mã e quando crianç a. Mas o que se há de fazer? A vida é assim. As coisas acontecem quando a gente menos espera. . .

— É o destino — disse Donna, com um suspiro.

— Pois é. — Serafina ajeitou-se no sofá como uma gata que pro­cura uma posiç ã o mais confortá vel para ronronar. — Eu já expliquei na carta que lhe mandei qual será seu trabalho aqui. Nã o tenho muito conhecimento da lí ngua inglesa e conto com sua colaboraç ã o na redaç ã o das minhas memó rias. Este será um papel novo para mim e me ajudará a passar o tempo.

Donna sorriu ao se lembrar da enorme propriedade que Serafina possuí a e de todas as coisas que ela podia fazer em suas horas livres Conhecer cada planta que nascia no bosque, cada ave que cantava nas á rvores, todos os caminhos que cortavam a mata em diversas direç õ es. Serafina poré m só se sentia bem cercada dos objetos familiares, no conforto da sala de estar decorada com peles de animais selvagens e com almofadas estofadas de veludo. Provavelmente nunca lhe ocorrera que havia satisfaç ã o nas coisas simples da vida. Vivera tantos mos sob a luz dos refletores que perdera o sentido das coisas humil­des do cotidiano. Era por isso que desejava recordar minuciosamente as mil e uma noites do seu perí odo de sucesso. . . os amores, os triunfos, as lá grimas.

— Sente-se ali, querida — disse Serafina, apontando para uma cadeira de braç os. Donna sentou-se obedientemente e cruzou as pernas compridas e bem-feitas. — Você acha que vamos nos entender?

— Espero que sim. Confesso que simpatizei muito com sua ma­neira de ser e creio que vou me dar muito bem aqui.

— Em geral, as pessoas sensí veis se dã o bem no sul da Itá lia. Há um clima de evocaç ã o româ ntica aqui, você nã o notou?

— Foi a primeira coisa que eu observei — disse Donna, com um sorriso.

— Por falar nisso, você deixou algum namorado na Inglaterra? Estou perguntando isso porque tenho a impressã o de que nosso trabalho vai levar algum tempo. Tenho tanta coisa para contar, você nem faz ideia. . . Os anos passados em Hollywood, as pessoas interessantes que conheci, as histó rias que ouvi. . . É um mundo de recordaç õ es que nã o termina mais. Infelizmente, você nã o poderá receber visitas enquanto estiver morando aqui. Faz parte do regulamento — concluiu Serafina, com um sorriso cativante.

— Entendo. No momento, nã o tenho nenhum namorado fixo. Mi­nha atenç ã o está voltada exclusivamente para meu trabalho. A coisa que mais desejo é ganhar a vida num bom emprego.

— Ó timo. É exatamente disso que eu preciso. Uma jovem decidida a fazer carreira.

Serafina alisou as dobras do robe de chambre em cima das pernas com uma elegâ ncia estudada. Ela podia passar perfeitamente por uma mulher de trinta anos. Donna sabia, no entanto, por intermé dio do pai, que Serafina já tinha passado dos quarenta. Era incrí vel, de qualquer forma, que continuasse tã o conservada. A pele do rosto era lisa, esticada, e nã o desfazia em nada a boca sensual e deliciosa que os homens desejavam tanto beijar. . .

— Você sabia que eu tenho um filho de quase vinte e cinco anos? —perguntou Serafina em dado momento.

— Meu pai me falou a respeito do seu filho. Aliá s, ele disse també m que você era muito bonita, mas eu nã o fazia ideia de que fosse uma moç a.

— Grazie. Quando a mulher nasce bonita, tem obrigaç ã o de cuidar de sua beleza, da mesma forma que cuida de um jardim ou de uma jó ia preciosa. Eu raramente saio sem chapé u quando há sol, o que pode parecer inacreditá vel para uma moç a ativa e ené rgica como você. Alé m disso, nã o como nada que engorde, e nã o bebo nem mesmo um copo de vinho à s refeiç õ es, embora à s vezes prove um golezinho de licor. A comida italiana engorda muito. Evito por isso todas as massas e folheados e limito minha dieta a um regime de carne gre­lhada e verduras frescas. Eu passo por uma mulher muito vaidosa aos olhos dos outros, mas isso é exagero, se bem que eu seja à s vezes caprichosa e cruel, quando estou de lua. Você acha que se dará bem comigo? Você nã o tem receio das pessoas temperamentais?

— Muitas vezes as pessoas de temperamentos diferentes se dã o melhor do que as de personalidades semelhantes. Eu só lhe peç o que você tenha um pouco de paciê ncia comigo no iní cio. Afinal, é a pri­meira vez que moro numa casa luxuosa como a sua, Serafina,

Donna ficou ligeiramente encabulada ao pronunciar em voz alta o nome da atriz famosa, considerada por muitos uma mulher divina, que nascera num bairro miserá vel da Sicí lia e que fora desejada e cobiç ada pelos homens mais ricos do mundo.

Aos dezoito anos, Serafina casou-se com um homem que tinha o dobro de sua idade, com quem teve um filho. Apó s alguns anos de um relacionamento difí cil, separou-se fisicamente do marido e dedi­cou-se de corpo e alma ao cinema. Na realidade, ela preferia receber a adoraç ã o dos homens e mulheres a distâ ncia, como uma verdadeira deusa da mitologia.

— Eu també m simpatizei muito com você — disse Serafina, per­correndo-a de alto a baixo, sem cerimô nia. — Você tem uma tona­lidade de cabelo muito bonita, uma pele maravilhosa e uma certa pos­tura da cabeç a que me agrada. Você nã o é submissa. Eu detesto as pessoas que se inclinam diante de mim. Claro, gosto de ser admirada; contanto que seja uma admiraç ã o sincera, nã o uma simples bajulaç ã o. Eu tenho um guarda que toma conta da casa dia e noite, como você teve ocasiã o de ver. Sou uma mulher rica e os ladrõ es só pensam em roubar o que a gente custou tanto a ganhar. Sem falar nos outros, os mais audaciosos, que sequestram os milioná rios. Certa vez eles tenta­ram me sequestrar. Eu estava viajando de carro para Ná poles, onde ia fazer uma visita a minha irmã. Numa curva do caminho um bando de motociclistas cercou nosso carro. Felizmente, eu estava com meu guarda-costas, que me defendeu com unhas e dentes. Esses bandidos odeiam o trabalho honesto e roubam sem o menor escrú pulo aqueles que suaram para ganhar o que possuem.

— Que horror! Mas tudo terminou bem?

— Felizmente. Só meu guarda-costas recebeu um ferimento no braç o.

Serafina reclinou-se no sofá forrado de pele de zebra e permaneceu um instante em silê ncio, com os olhos cerrados.

— Ainda bem que nã o houve nenhum acidente mais grave — co­mentou Donna em voz baixa, na dú vida se devia guardar silê ncio ou dizer alguma coisa.

— Graç as a Deus. Eu trabalhei como uma escrava, a vida inteira, para ganhar tudo isso que você está vendo. É esse o suor do meu rosto, é isso que vou narrar nas minhas memó rias. Vou falar també m dos atores interessantes que conheci nos estú dios de Hollywood. Tenho certeza de que você vai gostar do trabalho, querida. Você vai ficar admirada com as aventuras que me aconteceram quando eu tinha sua idade. Uma pergunta. Você tem um amante?

— Nã o, nã o tenho — respondeu Donna, corando com a fran­queza da pergunta. — Tive alguns namorados, mas nunca chegamos à s ú ltimas consequê ncias. . .

— Entendo o que você quer dizer! — exclamou Serafina, com uma risada divertida. — Pensei que as inglesas fossem mais livres que as italianas. Ou é você a diferente?

— Pode ser.

— Você nã o encontrou ainda nenhum homem que mexesse com seu coraç ã o? Ou você possui princí pios morais como as moç as de antigamente?

— Olhe, para falar a verdade, eu nã o encontrei até hoje nenhum homem que me fizesse perder a cabeç a — confessou Donna. — Alé m disso, trabalho como uma doida desde que terminei os estudos e nã o tenho muito tempo para fazer programas com rapazes.

Donna nã o apreciava especialmente este tipo de conversa, mas lem­brou que Serafina era uma mulher solitá ria que tinha necessidade de abordar assuntos í ntimos com outra mulher, especialmente com uma inglesa que pertencia a uma cultura bem diferente da sua. O sul da Itá lia, pelo que ouvira dizer, era uma regiã o extremamente conservadora em questõ es sexuais.

— Você é graciosa e tem tudo para agradar aos homens — comen­tou Serafina, examinando-a atentamente. — Eu nã o diria que você é exatamente uma beleza, mas há alguma coisa em sua personalidade que chama imediatamente a atenç ã o. Seus cabelos louros sã o naturais? Eu pergunto isso porque estou vendo que você tem as pestanas cas­tanhas.

— Eu nunca tingi os cabelos.

— Isso é sinal de franqueza. Acho que vou me dar bem com você. Eu me entendia à s mil maravilhas com seu pai. Nó s costumá ­vamos lanchar juntos nos intervalos das filmagens. Naquela é poca eu nã o corria tanto perigo quanto hoje de adquirir uns quilinhos extras. Imagine você que eu comia cachorro quente com mostarda! Você nã o faz ideia de como eram gostosos aqueles sanduí ches. O pã o vinha quentinho da padaria. Seu pai ia buscar para mim. Ele era um anjo. Fazia todas as minhas vontades.

— Papai era um amor. Acho que é por isso que eu custo tanto a aceitar os outros homens.

— Isso é inevitá vel. Eu també m gostava muito do meu pai. Por sinal, vou contar tudo isso na minha autobiografia. Ele morreu quando eu era crianç a e fui criada por minha mã e. Como era uma garotinha muito sapeca, os meninos nã o me deixavam em paz. As meninas sicilianas se desenvolvem cedo, devido ao clima quente do Mediterrâ neo, e algumas se casam no fim da adolescê ncia, como eu, por exemplo. Meu marido tinha um coraç ã o de ouro, mas a vida que levava era muito parada para o meu gosto. Na primeira oportunidade, resolvi sair de casa. — Serafina estendeu a mã o aberta em cima do sofá e os ané is cintilaram nos dedos roliç os. — Esse foi o iní cio de minha carreira. Eu me candidatei a um concurso de beleza, tirei o primeiro lugar e fui convidada para trabalhar num filme rodado no interior da Itá lia, numa plantaç ã o de arroz. Ah, foi tã o divertido! Tã o diferente da vida miserá vel que eu levava na Sicí lia. Apostei toda a minha exis­tê ncia naquele filme. . . e ganhei!

— Você teve muita coragem!

Nã o fora somente a beleza que seduziu o pú blico. Serafina tinha uma personalidade fascinante que conquistava homens e mulheres, indistintamente.

— Pois é — murmurou Serafina, com um suspiro de saudade. — E você, Donna, tem outros irmã os? Seu pai e eu nunca abordamos a vida de famí lia.

— Eu sou filha ú nica. Gostaria muito de ter uma irmã, mas papai nã o tornou a casar depois que mamã e morreu.

— É pena, porque é bom ter uma irmã da mesma idade para se trocar confidê ncias. — Serafina levantou-se do sofá com um gesto lâ nguido. — Venha comigo, querida, vou lhe mostrar a casa. Depois o criado vai acompanhá -la até seu quarto. Você deve estar exausta da viagem. Você veio de aviã o ou de trem?

— De trem. Tomei o expresso Paris-Roma e atravessei os Alpes. A paisagem é deslumbrante. Fantá stica! Nunca vi nada igual na mi­nha vida. Os picos cobertos de neve... os lagos muito azuis. . .

— Como você aguenta viajar de trem, Virgem Santa? Os trens andam apinhados de gente, como sardinhas em lata. O que você fez em Roma? Foi ao teatro?

— Visitei alguns lugares antigos. Depois fui à Fonte de Trevi e atirei uma moeda na á gua.

— E fez um pedido?

— Fiz.

— Ah, você també m é supersticiosa! Eu també m fiz um pedido quando fui a Roma pela primeira vez. E meu pedido foi atendido.

— Que bom!

— E o seu, se nã o for indiscriç ã o perguntar?

— Nã o sei ainda — disse Donna, com uma risada.

— Aposto que você pediu para encontrar um homem rico e bonito, por quem se apaixonasse à primeira vista!

— Quem sabe!

— Roma, non basta una vita — disse Serafina. — É a cidade mais fascinante do mundo, onde a felicidade consiste em sentar-se à mesa de um bar, beber um vinho branco e observar as pessoas que passam na calç ada. Você viu o pô r-do-sol na Basí lica de Sã o Pedro?

— Nã o deu tempo. Eu só fiquei um dia e uma noite.

Donna nã o podia contar a Serafina a aventura fascinante que fora a noite passada em Roma. O cé u parecia um imenso lago azul no momento em que o sol mergulhou no horizonte. Ela jantara no hotel e fora tomar café na piazza, perto da fonte Bernini. Mais tarde, tomou uma charrete e foi ao Coliseu admirar a arena iluminada pela lua cheia. Ali, muitos e muitos anos atrá s, os cristã os eram devorados cruelmente pelos leõ es, para divertimento do pú blico romano.

Donna estava distraí da, admirando as ruí nas da imponente construç ã o romana, quando ouviu passos atrá s de si. Alarmada com a presenç a de um desconhecido naquele local deserto, seu primeiro im­pulso foi fazer meia-volta e descer correndo a escadaria. No instante seguinte, poré m, antes que levasse a cabo seu intento, foi abordada gentilmente por um homem alto, de bela aparê ncia, que segurava o casaco em cima dos ombros. Ele estava ofegante, como se tivesse subido correndo os degraus da escada. Sua pele era morena e seus olhos pretos brilhavam na escuridã o como ô nix.

— O que você está fazendo aí sozinha, a uma hora dessas? Nã o tem medo de ser assaltada?

Donna estava muito assustada para responder. Lembrou-se vaga­mente de ter visto aquele homem no dia anterior, no hotel onde estava hospedada. Ele estava sentado numa mesa pró xima à sua e o que chamou sua atenç ã o foi o brinco de ouro que usava na orelha, por baixo dos cabelos negros.

— O que você veio fazer aqui? Ouvir a gritaria da multidã o quan­do os leõ es sã o soltos na arena?

Donna sorriu sem querer. Era exatamente isso que ela tinha evo­cado alguns minutos antes.

— Como você adivinhou?

— Feche os olhos e você vai ouvir os rugidos dos leõ es no ins­tante em que saltam sobre as ví timas.

— Ah, você está querendo me assustar!

Havia alguma coisa na presenç a do desconhecido que a atraí a mes­mo contra a sua vontade. Ele era o exemplo mais perfeito do italiano que já tivera ocasiã o de ver durante sua viagem. O rosto má sculo parecia ter saí do diretamente de uma pintura do Renascimento. Os traç os puros, nitidamente iluminados pelo luar, eram bem definidos e regulares. A despeito do temor inicial, ela continuou observando-o, fascinada, sem se mover dali. Uma sensaç ã o esquisita percorreu seu corpo inteiro, fazendo-a tremer de frio. Havia uma qualidade mag­né tica nos olhos escuros, no nariz reto, afilado, na curva sensual da boca.

— Só as pessoas sensí veis tê m consciê ncia do passado. Você veio aqui pela mesma razã o que eu. Para ouvir os ecos do passado.

Donna estremeceu ao escutar aquelas palavras, que correspondiam exatamente à sua intenç ã o. Ela subira ao alto do Coliseu para prestar uma homenagem pó stuma aos cristã os, homens e mulheres, que ha­viam perecido na arena, devorados pelos leõ es. Tudo era possí vel nu­ma noite como aquela. O luar banhava a arena que fora manchada numa outra é poca pelo sangue dos inocentes.

— Como você se chama?

— Meu nome é segredo.

— Mas você é romano?

— Nã o, sou siciliano. Você acredita na ressurreiç ã o dos mortos? Ou acha que isso é uma ideia puramente pagã?

— Eu nunca pensei seriamente nisso — disse Donna, descendo os degraus da escada em direç ã o à charrete que estava parada na praç a.

Havia um baile a fantasia naquela noite no salã o do hotel. Donna ficou animada com a ideia de ir à festa, sobretudo porque era a ú nica noite que passaria em Roma. Mas como faria para arrumar um acom­panhante à quela hora? Ela estava indecisa, na porta do salã o, quando foi abordada por um homem.

— Você me dá o prazer de sua companhia?

Donna voltou-se, surpresa, e reconheceu no mesmo instante o homem alto, de pele morena, que encontrara no alto do Coliseu. Ele estava com uma fantasia de Arlequim e uma má scara de seda pas­sada em cima dos olhos.

— Você, de novo?

Ele segurou-a pelo pulso com firmeza.

— Venha comigo. A noite está no iní cio. Vamos danç ar esta mú ­sica em homenagem a Rodolfo Valentino.

No instante seguinte, Donna estava abraç ada ao homem moreno, de má scara no rosto, rodopiando no meio do salã o ao som de uma valsa româ ntica. Ela perdeu completamente a noç ã o das horas. Quan­do voltou a si do seu devaneio, a orquestra estava se preparando para descer do tablado.

— Vamos ao terraç o respirar o ar puro da noite — disse o homem, puxando-a pela mã o em direç ã o à porta alta que conduzia a um ter­raç o espaç oso, repleto de vasos de plantas.

Apoiada ao parapeito de pedra, Donna ouviu fascinada as histó ­rias que o desconhecido contou sobre o sul da Itá lia, como se estivesse vivendo um sonho interminá vel, que se prolongava há horas. Nã o ficou sabendo, poré m, como o desconhecido se chamava. Antes de se des­pedirem, contudo, ele convidou-a para tomarem café juntos na manhã seguinte. Em seguida, beijou cerimoniosamente sua mã o, agradeceu as horas agradá veis passadas em sua companhia e afastou-se a passos rá pidos.

Na manhã seguinte, no entanto, o desconhecido nã o apareceu à hora marcada. Ela encontrou apenas uma rosa branca e um bilhete em cima da mesa.

" Na Itá lia, é costume a gente dizer: Che será, será. Um dia voltare­mos a danç ar novamente, sem as má scaras. Adeus. "

O bilhete nã o tinha assinatura, mas a rosa era absolutamente branca, um botã o que estava começ ando a abrir. Donna sabia o que isso sim­bolizava para o italiano que entrara na sua vida de uma maneira tã o estranha e que se afastara dela sem dizer ao menos seu nome.

— Você gostou de Roma? — perguntou Serafina.

— Adorei. É belí ssima, se bem que seja um pouco triste també m.

— Ah, você é igualzinha a seu pai! Ele també m achava Roma um pouco triste para seu gosto. — Serafina fez sinal para o copeiro que estava no hall da frente, espanando os mó veis. — Até mais tarde, querida. Enrico vai acompanhá -la até seu apartamento. O jantar é à s oito.

Donna despediu-se de Serafina e acompanhou o copeiro até o andar de cima. O filho de Serafina morava naquela casa ou na cidade? Pelo que entendera, havia mais pessoas para o jantar. Talvez houvesse ou­tros hó spedes na casa, hó spedes latinos que costumavam descansar à tarde, ao contrá rio dos ingleses, que aproveitavam os dias de sol para jogar tê nis e nadar na piscina.

Ao entrar no quarto, Donna tirou os sapatos e pisou no tapete macio que cobria as tá buas largas do assoalho. Os mó veis do quarto eram de uma madeira escura, que lembrava jacarandá, inclusive o estrado da cama de casal. As cortinas e a roupa de cama eram de tecidos estampados, ao gosto vistoso dos italianos. Na parede havia lâ mpadas de cobre, em lugar das arandelas habituais de metal amarelo. Era a primeira vez que Donna morava num casarã o perdido no meio do mato e ela se sentiu ligeiramente apreensiva, como se aquilo fosse uma aventura excitante e perigosa ao mesmo tempo.

Da sacada do quarto tinha uma vista panorâ mica das montanhas azuladas no horizonte. Serafina escolhera um local inteiramente iso­lado para defender-se das agressõ es do mundo. Vivia ali como uma princesa á rabe, cercada de conforto e de pessoas amigas. Tinha inclu­sive uma milí cia particular para protegê -la dos intrusos. Nã o havia dú vida de que a ex-atriz era uma figura fascinante, como també m prometia ser seu livro de memó rias.

Donna sentiu uma alegria antecipada com a perspectiva de colabo­rar na redaç ã o da obra e chegou à conclusã o de que ia adorar a estada no sul da Itá lia. O episó dio ocorrido no alto do Coliseu voltou a povoar sua imaginaç ã o de ideias româ nticas sobre a Itá lia e os italianos. Levou a mã o à garganta e sentiu a veia pulsar com rapidez ao lembrar-se do homem alto e moreno que conhecera em Roma.

No salã o de baile, sob os lustres de cristal, o brinco de ouro que o homem usava na orelha, por baixo dos cabelos negros, lembrava a alianç a que cintilava no dedo de uma mulher.

Quem era ele? Ela o encontraria de novo? A ú nica coisa que sabia a seu respeito é que era originá rio da Sicí lia, a ilha encantada dos limoeiros e das laranjeiras em flor. . . e da vinganç a implacá vel.

 



  

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