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CAPÍTULO VIII



 

 

— O que aconteceu com você? — perguntou Rick por fim, a testa franzida, a voz alterada pela emoç ã o. — Você está toda rasgada, seus lá bios estã o sangrando. . .

— Eu caí — disse Donna, apertando o vestido contra o peito. A alç a do sutiã estava solta em cima do busto.

— Deve ter sido uma grande queda — murmurou Rick, dando um passo na sua direç ã o, como se fosse segurá -la nos braç os.

Donna recuou instintivamente, os olhos arregalados de susto e de medo.

— Você estava com Adone até alguns minutos atrá s. . .

— Por favor, Rick, deixe-me passar. Eu vou me trocar no quarto. De repente os olhos dele se iluminaram, como se lhe ocorresse finalmente a explicaç ã o da imagem que tinha na sua frente.

— Ah, já sei! Foi Adone quem fez isso com você. . .

— Nó s tivemos uma briga. Ele rasgou sem querer meu vestido. . .

— E sua boca, por que está sangrando desse jeito?

— Eu caí e bati com o rosto na quina. Por favor, Rick, vamos conversar mais tarde com calma. Eu preciso tomar um banho e me trocar.

— Primeiro quero saber o que aconteceu.

Rick, pelo visto, nã o suportava Adone, como estava visí vel na expressã o de sua fisionomia, embora os dois fossem ligados pelo parentesco mais estreito. Ele dissera certa vez que havia um traç o perverso em Adone e fora provavelmente essa í ndole perversa que transparecera na luta com Donna.

— Eu já contei como foi — murmurou, sem jeito.

— Ele abusou de você? — insistiu Rick. — Nã o precisa ter medo, pequena, eu nã o vou tocar em você. Mas se Adone abusou de você, eu juro pelo que há de mais sagrado que ele vai acertar contas comigo. Diga-me a verdade, Donna. Adone fez mal a você?

— Nã o! Juro que nã o!

— O que aconteceu, entã o?

— Eu fiz um comentá rio de que ele nã o gostou, foi só isso! Ele perdeu a cabeç a e correu atrá s de mim. Por favor, Rick, deixe pra lá. Vamos esquecer o que aconteceu. Eu vou explicar a situaç ã o a Serafina e dizer que nã o posso continuar mais aqui. É a melhor soluç ã o para todos.

— De jeito nenhum! — exclamou Rick, impaciente. — Você nã o vai fugir como se fosse culpada pelo que aconteceu. Eu vou defen­dê -la como se você fosse minha filha!

— Nã o adianta, Rick. Eu vou embora de qualquer maneira. Só tenho causado transtorno aqui.

— Eu nã o quero que você vá embora! — exclamou Rick. Antes que ela pudesse impedi-lo, Rick segurou-a nos braç os e levou-a no colo em direç ã o ao quarto de dormir. Fechou a porta com um pontapé e deitou-a com cuidado na cama.

— Pronto, agora nó s podemos conversar com calma. Aqui ningué m vai nos interromper. Eu preciso saber exatamente o que aconteceu entre você s dois.

— Eu já disse, nã o houve nada. Adone ficou uma fera quando eu falei no noivado dele com Isabela. Foi Serafina quem me contou isso, mas eu nunca imaginei, que Adone fosse ficar tã o furioso com essa conversa. Ele nã o quer casar com Isabela de jeito nenhum, pelo visto.

— Eu sei disso. Ele quer você! — murmurou Rick, com os braç os passados em volta de sua cintura. — Você é ò brinquedo novo que ele deseja quebrar nas suas mã os destrutivas, mas sou eu que vou quebrá -lo inteiro se ele ousar tocá -la novamente.. .

— Rick, por favor, vamos esquecer o que aconteceu. Eu nã o posso ficar mais aqui. Eu tenho que ir embora. Você entende por quê.. .

— Eu entendo mas nã o posso aceitar.

— Nã o seja cabeç udo. Pense em Serafina. Nã o há maneira de contornar esse problema. Ela possui seu corpo e sua alma.

— Nã o é verdade! — exclamou Rick, exasperado. — Eu nã o sou como Adone, que deseja sua companhia apenas para se divertir. Eu entendo o que ele sente por você. Ele quer arrastá -la para sua pró pria lama. É um impulso primitivo que ele nã o pode controlar. Ele se sente atraí do por sua inocê ncia. A coisa mais rara hoje em dia é encontrar uma moç a que tenha respeito pró prio. Mas agora eu estou prevenido. Eu nã o vou mais permitir que Adone saia sozinho com você!

— Eu vou embora daqui, Rick. Para sempre.

Em vez de negar suas palavras. Rick cobriu sua boca de beijos apaixonados. O lá bio machucado doeu sob a pressã o, mas ela se esqueceu de tudo e abandonou-se ao desejo que a consumia. A cabeç a caiu para trá s, apoiada nos braç os dele, e ela mergulhou de olhos fechados no ardor do desejo reprimido. A ú nica coisa de que tinha consciê ncia no momento era do calor que se comunicava de um corpo ao outro. Ela amava a sensaç ã o do contato í ntimo com Rick. Nã o havia nenhuma parte do corpo dele que a rejeitava.

— Nã o me deixe agora — sussurrou Rick em seu ouvido. — Eu preciso de você aqui.

— Você já tem Serafina.

— Isso nã o importa! É você que eu quero. Fique mais um pouco. Eu prometo que Adone nã o irá importuná -la de novo.

Ela cedeu finalmente ao pedido. Nã o havia a menor esperanç a para os dois, mas era impossí vel negar o pedido. Ela tinha que seguir o coraç ã o, mesmo que agisse contra seus princí pios. As noites de Rick pertenciam a Serafina, mas ela ia se contentar com os breves instantes que passava na companhia dele.

Abriu os olhos e encarou-o com atenç ã o. No meio da pupila havia um brilho de ternura.

— Se eu ficar, você promete que vai perdoar Adone pelo que aconteceu?

— Prometo. Prometo tudo o que você pedir. Contanto que você fique mais alguns dias aqui.

— Ele nã o teve culpa. Foi a histó ria do noivado que o deixou fora de si.

— Eu vou fazer sua vontade desta vez. Mas se ele tornar a impor­tuná -la, vai ajustar contas comigo.

— Eu já me vinguei — disse Donna, com um sorriso malicioso. — Dei uma joelhada naquele lugar, e o coitado gritou como uma crianç a.

Rick jogou a cabeç a para trá s e caiu na gargalhada.

— Nã o diga! Você acertou uma joelhada nele? Bella, você está me saindo melhor do que a encomenda!

— Pois é. Mas se eu tivesse um pouco de juí zo na cabeç a, faria as malas e partiria hoje mesmo. Já imaginou o que aconteceria se Serafina nos surpreendesse juntos no meu quarto?

— Che disastro! — exclamou Rick, afastando-se dela. — Seu quarto é muito gostoso e nã o tem uma dezena de potes de perfumes de cosmé ticos que empestam o ar.

— Em compensaç ã o, tem cheiro de cavalo — disse Donna, com uma risada. — Ele dá diretamente para as cocheiras.

— Você se importa com isso?

— Nã o, nem um pouco. Gosto do barulho que os cavalos fazem quando estã o comendo no cocho.

— Por falar nisso, você nã o quer dar uma volta a cavalo? Nó s temos alguns animais esplê ndidos. Uma das é guas, por sinal, vai dar cria por esses dias.

— Ah, que lindo! Quero ver o potrinho quando ele nascer.

— Vou levar você lá. Enquanto isso, vou dar um jeito em Adone. A melhor soluç ã o, a meu ver, é apressar esse casamento, embora eu tenha pena da noiva. Coitada, ela vai padecer nas mã os dele.

Rick dirigiu-se à porta e voltou-se de lá com um sorriso nos lá bios.

— Até mais tarde, carina.

Ao ficar sozinha no quarto, Donna trocou de roupa, passou uma pomada no lá bio ferido e penteou os cabelos. Cansada com todas as peripé cias da manhã, deitou-se na cama e afundou a cabeç a no travesseiro. O corpo estava moí do da luta com Adone, mas era o coraç ã o que a incomodava mais. Deitada ao comprido na cama, o braç o direito passado em volta do travesseiro, ela pensou em Rick e nos beijos que tinham trocado alguns minutos antes.

Ela atendera o pedido dele e prometera continuar na casa até completar o trabalho com Serafina. Entretanto, nã o seria nada fá cil continuar ali depois do incidente da manhã. Aquela casa estava povoada de recordaç õ es trá gicas, como a cicatriz que havia no pulso de Serafina, a marca evidente da vinganç a que Rick expiara por ter querido obter sua liberdade.

Qual seria a reaç ã o de Serafina se ela os encontrasse juntos um dia, na maior intimidade? Até entã o Rick soubera se controlar, mas estava evidente que, mais dia menos dia, esse controle iria ruir por terra. Todas as vezes que Rick a estreitava nos braç os Donna tinha a impressã o de que chegara o momento da verdade, do amor defini­tivo, total, sem meias medidas. Apesar de sua disciplina fé rrea, Rick nã o podia dissimular que nutria um desejo violento por ela. Donna sorriu ao pensar que nem mesmo Rick estava imune aos caprichos do instinto.

Ela desejava estar de novo nos braç os de Rick, ouvir sua voz sus­surrante, sentir-se segura na proteç ã o de sua presenç a. Sem isso, nã o encontrava tranquilidade nem satisfaç ã o. Apertou com forç a o traves­seiro e sentiu um arrepio de ansiedade ao pensar no que o futuro reservava para ela. O amor só era uma fonte de energia e de forç a se pudesse ser satisfeito. Caso contrá rio, era a terrí vel solidã o.

Com os olhos banhados de lá grimas, Donna abandonou-se livre­mente à compaixã o que sentia por si mesma. Mais tarde, apó s enxugar a ú ltima lá grima, parecia mais conformada com a situaç ã o. Nã o adiantava torturar-se antes do tempo. Quando chegasse o momento oportuno, saberia tomar uma decisã o. Consolada com esse pensamento, adormeceu quase sem perceber.

Ao acordar, uma hora depois, avistou a bandeja do almoç o em cima da mesinha-de-cabeceira.

Donna serviu-se de algumas fatias de carne assada com legumes e tomou o suco de laranja que estava no copo. Como sobremesa, havia torta de maç ã com creme fresco.

Rick adivinhara seu desejo de permanecer mais algumas horas no quarto e inventara uma desculpa qualquer para mandar o copeiro levar seu almoç o, sem despertar as suspeitas de Serafina.

Na tarde daquele mesmo dia, ela recebeu o bilhete que Rick passou por baixo da porta. Adone ia passar alguns dias na casa da famí lia da noiva em Florenç a. Isabela faria dezoito anos no mê s seguinte, ocasiã o em que Adone seria apresentado à famí lia inteira como o noivo oficial. Ele teria permissã o, apó s essa cerimô nia í ntima, para acompanhá -la nas festas e nos bailes de fim de ano.

Donna sorriu ao ler o bilhete em que Rick lhe anunciava as novi­dades. Por outro lado, lastimou sinceramente o casamento entre os dois. Era muito prová vel que Isabela, sem nenhuma experiê ncia da vida, ficasse deslumbrada com a beleza de Adone e esquecesse as outras qualidades mais importantes para um casamento feliz. Adone, por sua vez, dificilmente seria um marido fiel, uma vez que casaria contra sua vontade.

Os dias seguintes foram marcados, por uma grande atividade. Sera­fina estava bem-disposta e recordava com entusiasmo a é poca em que trabalhara nos Estados Unidos. Tinha muitas histó rias interes­santes para contar a respeito dos atores e atrizes que conhecera nos dias dourados de Hollywood, quando a cidade do cinema estava no auge de seu esplendor.

Ao narrar os episó dios dessa é poca memorá vel, Serafina nã o usava o gravador. Ditava diretamente as recordaç õ es, acompanhadas de muitos gestos e entonaç õ es de voz, como se estivesse revivendo as cenas que recordava. Ela tinha um talento especial para realç ar os aspectos cô micos da vida em Hollywood, bem como as lutas travadas com as produtoras cinematográ ficas para obter melhores contratos.

Vez por outra Rick aparecia na sala. Ele se sentava no sofá e ouvia em silê ncio, com a expressã o divertida, as recordaç õ es de um perí odo feliz na vida dos dois.

À s vezes, sem querer, os olhares dos dois se encontravam. Donna voltava rapidamente a cabeç a, sem jeito, procurando disfarç ar o ciú me que sentia pela intimidade evidente que havia entre Rick e Serafina.

Outros dias, ela desejava que Rick passasse um bilhete embaixo da porta e marcasse um encontro com ela na casinha no meio da floresta. Ou entã o um passeio a cavalo, quando pudessem se aban­donar livremente ao idí lio do amor proibido.

Pensava també m em fugir de casa e nunca mais voltar. O que mais a torturava era saber que Rick passava normalmente as noites no quarto de Serafina. Por sinal, havia manhã s em que Serafina estava tã o cansada que nã o podia nem mesmo se concentrar no trabalho. Permanecia horas debruç ada na sacada do quarto, olhando distraidamente para as montanhas e os vales que se perdiam no hori­zonte.

As manhã s de animaç ã o, em que Serafina recordava com entu­siasmo a é poca vivida em Hollywood, eram bem menos frequentes que as outras de apatia, em que ficava sentada na cadeira de braç os polindo as unhas compridas.

— Por que você nã o aproveita para dar um passeio a cavalo? A manhã está linda e Rick me disse que você tem uma bela postura na sela.

— Mas nó s vamos atrasar a redaç ã o do livro — protestava Don­na. — Eu vim aqui para trabalhar, Serafina, e nã o para passear a cavalo.

— Eu sei, cara. Mas hoje eu nã o tenho vontade para nada. Vamos deixar esse capí tulo para amanhã.

— Ah, eu fico sem jeito de nã o fazer nada!

— Tanto faz se você trabalhar ou passear a cavalo. Você recebe seu ordenado no fim do mê s do mesmo jeito.

— Eu sei, mas. . .

— Você está cansada daqui? Quer voltar para casa?

— Nã o, nã o é isso.

— Entã o por que está se queixando?

— Eu nã o estou me queixando, Serafina. Apenas nã o gosto de ficar à toa. Eu me sinto sem jeito de receber o ordenado sem fazer nada. Eu sou sua secretá ria, e nã o uma hó spede da casa.

Serafina deu um bocejo e a pulseira de ouro correu pelo braç o roliç o.

— Amanhã nó s terminamos esse capí tulo. Até mais tarde, querida.

Os dias estavam sempre ensolarados naquela é poca do ano no sul da Itá lia. Com uma calç a comprida bem justa e uma blusa leve de verã o, de mangas curtas, Donna saí a a cavalo pelos campos abertos. Alguns colonos lhe ofereciam cachos de uvas tã o grandes e pesados que ela mal podia segurá -los na mã o. Agradecia o presente com um sorriso e murmurava alguma palavra que sabia em italiano. Depois saí a a passo, mordendo uma uva sob o sol ardente que lhe queimava os braç os nus.

Fez amizade com algumas raparigas que trabalhavam no campo e ajudavam os homens a colher as uvas na é poca da safra. Uma delas, bem jovem ainda, chamada Assunta, estava com casamento marcado para dali a alguns dias e convidou Donna para assistir à cerimô nia. Como estava curiosa para presenciar um casamento segundo a tradi­ç ã o autê ntica do paí s, sem nenhuma influê ncia estrangeira, Donna aceitou o convite na hora.

Na manhã seguinte, poré m, indagou casualmente a Serafina se havia algum problema em ir ao casamento desacompanhada.

— É preferí vel você ir com Rick.

— Com Rick? — exclamou Donna, sem conter sua surpresa. Serafina deu uma risada bem-humorada.

— Você tem medo de ir com ele?

— Nã o, de jeito nenhum.

— Entã o por que fez essa cara?

— Porque nunca me passou pela cabeç a ir a um casamento na companhia de Rick.

— Eu poderia ir com você, mas nã o tenho a menor disposiç ã o de ir até a cidade com esse calor que tem feito nos ú ltimos dias. Alé m disso, nã o sou muito ligada nessas festas populares. As famí lias dos noivos servem grandes travessas de comida aos convidados, porco assado, pasté is de carne, pizzas de todos os tamanhos e espé cies, sem falar nos garrafõ es de vinho que os homens nã o param de beber. Depois sã o os cantos e as danç as que acompanham habitualmente esses festejos. Ah, eu nã o tenho mais saú de para essas coisas. Vá com Rick. Ele é quem gosta disso...

— Mas será que ele nã o se importa de me levar?

— Nã o, que nada! Rick adora essas festas populares.

Serafina estava especialmente bela naquela noite à mesa do jantar. O vestido preto de seda, com tiras prateadas nas mangas compridas, acentuava a linha impecá vel do corpo elegante. O perfume que usava, provavelmente indiano, difundia uma atmosfera de oriente em torno de sua pessoa. Os brincos eram de jade, incrustados num suporte de ouro e o broche espetado no alto do peito tinha o mesmo desenho rendilhado dos brincos. Diante da elegâ ncia impecá vel da ex-atriz, Donna parecia uma figura muito simples no salã o de jantar. Feliz­mente nã o havia outros convidados naquela noite.

Depois do jantar, no momento em que se dirigiram à sala de estar para tomar café e alguns cá lices de licor, Rick voltou a cabeç a na sua direç ã o com o cá lice nos lá bios. Donna ficou sem jeito com o gesto. Ela sabia que Rick estava beijando-a em pensamento e seu ú nico desejo era abandonar-se inteiramente nos seus braç os. A pre­senç a de Serafina, poré m, mantinha os dois a uma distâ ncia respei­tá vel.

— Ah, Rick, antes que me esqueç a. . . Você pode acompanhar Donna a um casamento?

— Com muito prazer.

— Está vendo, Donna, eu nã o disse que ele adora essas festas?

— Você tem certeza de que nã o será um incô modo? — insistiu Donna, voltando-se para Rick.

— De jeito nenhum. Pode contar comigo.

Rick dirigiu-se ao piano que havia na sala, sentou-se no banquinho e percorreu o teclado com os dedos.

— Você vai tocar alguma coisa para a gente ouvir? Donna nã o conhece ainda seu repertó rio de mú sicas sicilianas. . .

— Pois é. Eu ouvi dizer que Rick toca com muito sentimento. Ele sorriu e voltou-se para Serafina.

— Você se lembra daquelas canç õ es que minha mã e cantava?

— Claro que lembro. Sã o muito bonitas, se bem que um pouco tristes.

Rick solfejou algumas notas em voz baixa e começ ou a cantar uma tarantela, a danç a regional da Sicí lia. Donna levantou-se do sofá, animada pelo ritmo vibrante da melodia, e deu alguns passos no meio da sala. Serafina continuou reclinada no seu lugar, a cabeç a apoiada na almofada, observando a cena em silê ncio. Em dado momento, o cá lice que segurava na mã o escorregou de seus dedos e caiu sobre seu colo. Ela deu uma exclamaç ã o de espanto e levou as mã os à cabeç a, com um gesto de surpresa. Donna aproximou-se dela e aju­dou-a a enxugar a saia. Ao observá -la de perto, notou que Serafina estava com os olhos ú midos.

— Nã o foi nada — disse Donna, procurando tranquilizá -la. — Logo essa mancha vai sumir.

Rick levantou-se do piano e aproximou-se de Serafina, que esfre­gava com nervosismo o lencinho na saia.

— O que foi?

— Serafina derramou sem querer o licor no vestido.

Rick inclinou-se e murmurou algumas palavras no ouvido de Sera­fina. Em seguida, estendeu a mã o e ajudou-a a levantar-se do sofá.

— Fique à vontade, Donna. Eu vou acompanhar Serafina até o quarto.

Donna nã o sabia o que pensar do ocorrido. Serafina certamente nã o estava chorando por ter derramado o licor em cima do vestido. Era mais prová vel que estivesse comovida com a mú sica que Rick tocara no piano. A que estava associada a melodia? A um passado maravilhoso, impossí vel de ser revivido por duas pessoas adultas?

Absorta nesses pensamentos, Donna dirigiu-se ao terraç o, onde o ar da noite estava impregnado com o perfume das flores. O cé u estava coalhado de estrelas e os grilos cantavam em coro no meio da grama. Donna lembrou-se da maneira carinhosa como Rick saí ra da sala na companhia de Serafina, o braç o passado em volta da cin­tura, a cabeç a dela apoiada em seu ombro, com um abandono que os dois raramente se permitiam na presenç a de estranhos.

Donna debruç ou-se no parapeito do terraç o, enquanto a melodia da tarantela ecoava em sua cabeç a, de uma forma obsessiva. A que estava associada aquela mú sica que causara uma impressã o tã o pro­funda em Serafina? Eram os anos da juventude, dos primeiros beijos apaixonados que os dois trocaram no solo da Sicí lia?

Tomada de remorso, ela decidiu que nã o daria nenhum passo no sentido de causar um conflito, por menor que fosse, entre Rick e Serafina. Havia uma afinidade misteriosa entre os dois que ningué m podia destruir e da qual ela estava excluí da para sempre.

O fato de Rick desejá -la fisicamente nã o era um motivo suficiente para causar um transtorno na vida do casal. A fome sensual era ape­nas uma pequena parte do amor. Ela nã o se comparava com os anos de intimidade que tinham criado laç os poderosos entre os dois.

Donna arrependeu-se por ter aceitado o convite para ir ao casa­mento de Assunta. Ela estaria abusando da generosidade de Serafina se aproveitasse sua autorizaç ã o para namorar Rick durante algumas horas. Nã o era justo que traí sse a confianç a que Serafina depositava nela. Teria que encontrar uma maneira de desmarcar a ida à festa sem despertar suspeitas.

No momento em que Donna decidiu voltar à sala e refletir com mais calma sobre os acontecimentos da noite, Rick entrou no terraç o.

— Serafina está passando bem?

— Está. Ela tomou um comprimido para dormir e deitou-se mais cedo.

— O que foi que aconteceu? Por que ela ficou tã o comovida de repente?

— Ela é sujeita a esses saltos de humor, especialmente depois que se afastou do cinema e que passa os dias numa completa ociosidade. Foi por isso, aliá s, que eu sugeri a ela escrever esse livro de memó rias.

— Ah, foi você quem deu a ideia?

— Foi. Serafina teve uma carreira admirá vel. . . Sob muitos aspec­tos, ela é um tipo raro de mulher, corajosa, decidida, que lutou para se impor. Nã o foi só pela beleza que ela venceu na vida, como as pessoas geralmente pensam. Serafina lutou com unhas e dentes para manter seu prestí gio inalterado durante muitos anos. Agora, no en­tanto, ela está; cansada e é sujeita, de tempos em tempos, a essas crises de depressã o.

— Mas ela tem você, Rick.

— Mas isso nã o basta — disse Rick, puxando uma tragada com­prida no cigarro. — Ela é a primeira a reconhecer que há certos aspectos em nosso relacionamento que deixam a desejar. Eu dou o que posso. Entretanto, há partes de mim que nã o posso dar. Ah, essa situaç ã o está s, e tornando cada dia mais difí cil. . .

Rick estava com uma expressã o dura nos olhos quando voltou a cabeç a e examinou-a com atenç ã o. Donna ficou tensa e rezou para que Rick nã o a tocasse. Ela estava com os nervos à flor da pele e se jogaria nos braç os dele ao menor estí mulo que recebesse.

— Eu nã o imaginava antes que a vida fosse tã o complicada. . .

— Mas é — disse Rick, com uma entonaç ã o de fatalidade na voz. — Eu vou acompanhá -la ao casamento, se você está realmente deci­dida a ir. Serafina insistiu para eu levá -la.

— Mesmo?

— Sim. Ela disse que seria muito interessante você assistir a um casamento tipicamente popular antes de voltar para a Inglaterra. De fato, é uma festa muito bonita, alegre e espontâ nea. O amor també m deveria ser sempre assim, natural como as frutas que dã o no tempo certo, cada qual na sua é poca, como os pintinhos que nascem dos ovos ou como a chuva que cai sobre a terra seca. Na realidade, os homens e as mulheres sã o fundamentalmente diferentes e cada qual é importante para o outro à sua maneira. Nisso está o misté rio e o fas­cí nio da vida.

— Concordo plenamente. Você, por exemplo, nã o ficaria bem como mulher — disse Donna, com uma risada.

— Você acha que minhas ideias sã o antiquadas e nã o correspon­dem aos ideais modernos?

— Falando sé rio, eu aprovo sua teoria. Ela corresponde ao pensa­mento ló gico do homem. Você pelo menos nã o é o macho que deseja a fê mea a seus pé s, fazendo todas as suas vontades.

— Você já conheceu algum homem assim?

— Deus me livre!

— Pois parece. Você fala com a convicç ã o de quem tem expe­riê ncia pró pria do assunto.

Donna notou a entonaç ã o de ciú me na voz dele e, mais uma vez, excitou-se com a ideia de que Rick a desejava fisicamente como mulher e que nã o queria dividi-la com mais ningué m. Ela sentiu um arrepio de prazer.

— Vamos entrar? Você está com frio.

— Vamos ficar mais um pouquinho aqui fora. A noite está tã o gostosa.

— Conte-me entã o qual foi o tirano que você conheceu — disse Rick em seu ouvido e o sopro do seu há lito mexeu os fios de cabelos que caí am em cima da orelha. — Eu faç o questã o de saber.

— Foi meu pai — disse Donna, com um risinho. — Quem mais podia ser? Depois que mamã e morreu, nó s ficamos muito amigos, como se fô ssemos um casal de namorados. Aliá s, você e eu temos isso em comum.

— Nó s temos muitas outras coisas em comum, amor. Nó s avis­tamos as estrelas no alto do cé u e sabemos que elas sã o os olhos de Deus. Nó s temos afinidades. . .

Rick tinha afinidades també m com Serafina, mas seriam as mes­mas? Ele estivera alguma vez tã o perto de Serafina quanto dela? Ele lhe dizia coisas profundas, cheias de significado? Donna levantou a cabeç a e avistou o perfil de Rick recortado contra o cé u escuro. Quem sabe se durante todos aqueles anos ele enxergara apenas o aspecto fí sico de Serafina, sem penetrar nunca no santuá rio da verda­deira comunicaç ã o?

— Naquela noite em Roma nó s estivemos muito perto um do outro, lembra? No dia em que danç amos na festa à fantasia, de má scara no rosto. No í ntimo, poré m, está vamos com o rosto descoberto.

Rick voltou-se para ela com um sorriso cheio de ternura. Donna sentiu-se derretida de amor, trê mula e sem forç a, como se fosse desfa­lecer. Bastava uma palavra de Rick para deixá -la num estado de completa dormê ncia, de ê xtase.

— Eu estou tã o feliz — murmurou ela. — Foi tã o bom a gente ter se conhecido, Rick. Você corresponde exatamente à ideia que eu fazia de um homem, no sentido autê ntico da palavra.

— Pois eu tenho a fama de ser um cara terrí vel, impiedoso com meus inimigos. Eu matei certa vez um homem, embora tenha sido em legí tima defesa. É isso que você considera um homem autê n­tico?

— A opiniã o dos outros nã o interessa. É de você que eu gosto e nã o do que os outros digam ou pensem de você.

Donna encarou-o no fundo dos olhos e avistou o rosto sofrido do homem que passara maus momentos na sua adolescê ncia. Estava tudo escrito ali, a fome, a amargura, o ressentimento. Havia cicatrizes emocionais que nenhuma mulher podia apagar. Ela podia quando muito sensibilizá -lo com sua juventude, com sua franqueza, e ficava profundamente comovida ao perceber que Rick tremia dos pé s à cabeç a e perdia sua severidade habitual quando a estreitava nos braç os.

Eles estavam perdidos num beijo interminá vel quando ouviram pas­sos no terraç o, subindo os degraus da escada que conduzia ao jardim. Apanhados de surpresa, levaram alguns segundos para reagir. Rick continuou estreitando-a nos braç os, como se fosse mais forte do que sua vontade soltá -la repentinamente. Donna estremeceu ao reco­nhecer a voz que os interpelava na escuridã o do terraç o. Rick vol­tou-se enfim com um movimento brusco e protegeu Donna com o corpo, como se quisesse ocultá -la dos olhares curiosos. Havia algué m em pé no alto da escada que levava ao jardim.

— O que foi? — perguntou ele, com a respiraç ã o ofegante. — O que você quer? — Rick parecia impaciente e furioso por ter sido acordado de repente de um sonho delicioso.

— Eu vim dizer que a é gua baia vai ter cria esta noite — balbuciou o menino que tomava conta das cocheiras.

 



  

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