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CAPÍTULO XIII



 

 

Lorna desceu em silê ncio as escadas que levavam ao jardim do palá cio. Era cedo ainda, e tinha necessidade de ficar sozinha durante alguns minutos, antes dos compromissos inquietantes do dia.

Atravessou a porta em forma de arco e saiu para o corredor que dava para o pá tio, onde as roseiras estavam cobertas de orvalho. Respirou fundo o ar fresco e perfumado da manhã e caminhou por entre as á rvores cobertas de flores vermelhas.

Passou por baixo de tú neis de jasmins-azuis e por um bosque de palmeiras. Avistou um beija-flor, cujas penas eram uma mistura surpreendente de azul e de verde. Quando chegou ao pá tio cercado por um muro baixo, parou alguns momentos para admirar a fonte antiga onde a á gua caí a de um plano para outro, criando um efeito de cascata. Sentou-se no banco de azulejos e estava tã o imó vel, tã o absorta em seus pensamentos, que os passarinhos se aproximavam para beber á gua e tomar seu banho matinal.

Sentia-se tranqü ila, embora suspirasse com apreensã o toda vez que pensava no dia que tinha pela frente e no encontro que Kasim marcara com o temí vel emir.

Seu olhar voltou-se para as moitas de espirradeira, cujas folhas brilhantes guardavam uma substâ ncia venenosa. O sol e as sombras traç avam arabescos no chã o... Mesmo ali, o amargo misturava-se com o doce perfume das pé talas.

Deu um suspiro profundo. Ah, se pudesse bater asas e voar para longe, como um passarinho, sem deixar nenhum vestí gio, unicamente a lembranç a evanescente de sua passagem! Ela nã o fazia idé ia do que Kasim quisera dizer na noiteanterior, quando mencionara fazer uma reparaç ã o pú blica. Depois que saí ram do terraç o, ele fora despedir-se do pai e nã o voltara mais ao aposento dela.

Uma borboleta amarela voou sobre as pé talas de uma flor perto dali. A cor de suas asas lembrava o brilho amarelado que surgia à s vezes nos olhos castanhos de Kasim. Seu coraç ã o estremeceu, como as asas da borboleta. Nã o podia entender como era possí vel amar um homem que a tratava com tanta indiferenç a.

Ela nunca confessaria a ele seus sentimentos verdadeiros. Se estivesse pró ximo o momento da despedida... Apertou distraidamente uma rosa que havia colhido e sentiu uma dor real quando o espinho penetrou em seu dedo. Ah, se ao menos a despedida fosse uma dor tã o breve quanto essa!

Momentos depois, Lorna levantou-se do banco e voltou pelas ramadas de jasmins, muito azuis à luz da manhã, e avistou alguns vultos abaixados, trabalhando entre as á rvores do bosque. O clima estava agradá vel, e as rosas começ avam a abrir as pé talas ao sol. Algumas calam silenciosamente ao chã o... Uma rosa morria como uma lembranç a, em silê ncio, sem uma dor visí vel. O coraç ã o guardava sua dor, como a moita de espinhos conservava sua ú ltima rosa.

Ao atravessar o corredor que levava ao interior do palá cio, um gato persa surgiu de uma sombra e aproximou-se lentamente de Lorna, até levantar o rabo e roç ar-se indolentemente contra suas pernas. Ela se ajoelhou no piso de ladrilhos para brincar com o gatinho, encantada com os olhos verdes e com a maneira carinhosa do animal. Sorriu de alegria quando o gatinho rolou no chã o e encostou o focinho ú mido em seus dedos.

Estava distraí da, brincando com o gatinho, quando ouviu passos firmes no piso de ladrilhos. Levantou a cabeç a e avistou Kasim, parado a distâ ncia, observando-a em silê ncio. Estava com um albornoz bordado de fios de ouro e botas de couro de cano alto. Os olhos, sombrios, tinham uma expressã o que ela desconhecia... uma expressã o de dor.

— O que aconteceu? — perguntou, aflita, levantando-se do chã o. — Seu pai nã o passou bem à noite?

— Passou... Ele melhorou um pouco. — Kasim deu dois passos à frente e segurou-lhe as mã os. — Você parece uma crianç a, brincando com esse gato...

Ela nã o se sentia, poré m, uma crianç a... Nenhuma mulher ficaria à vontade diante de Kasim. Ele era muito viril, muito alto e imponente. Um autê ntico homem do deserto. Ela o amava agora pelos mesmos motivos que a atemorizavam no iní cio.

— Vamos fazer uma visita a meu pai dentro de uma hora. — Apertou as mã os dela para lhe dar coragem. — Diga a Kasha para escolher um vestido bem bonito para você.

— Estou tã o nervosa com esse encontro! O que seu pai vai pensar?

— Nã o se esqueç a de que os á rabes apreciam a beleza — disse Kasim, com um sorriso carinhoso. — Ele vai achá -la muito bonita, só isso. — Beijou-a de leve na ponta dos dedos, à maneira francesa. — Vá se vestir sem susto, querida.

Lorna acompanhou-o com os olhos e viu Kasim se afastar para outra parte do palá cio. As dobras do albornoz pareciam esculpidas em torno do corpo alto. Havia um ar de gravidade na postura dele que a deixou perplexa... O encontro com o pai era certamente o prelú dio da separaç ã o.

Ao entrar em seu quarto, ela encontrou Kasha, esperando para vesti-la. Mas resolveu tomar um banho de imersã o antes. Queria estar mais animada para o encontro com o emir.

Instantes depois, Kasha escovou seus cabelos demoradamente e escolheu no guarda-roupa um vestido comprido de seda e uma tú nica transparente com as mangas bordadas na altura do cotovelo. Em seguida, colocou uma touca enfeitada com jó ias em sua cabeç a e prendeu o vé u, com um alfinete dourado, no ombro do vestido. Por fim, Lorna calç ou os sapatinhos forrados de veludo e, quando se mirou no espelho, deu uma exclamaç ã o de surpresa.

— Agora a lella é a pé rola de Sidi Kasim — Kasha falou, ajeitando o vé u no rosto. — Ele herdou o amor pela beleza da mã e e o gosto da autoridade do pai. Era natural que escolhesse uma moç a bonita... e desembaraç ada como a lella.

— Vou ser apresentada ao pai dele, Kasha. E estou muito nervosa por causa desse encontro.

A velha criada fitou os olhos de Lorna refletidos no espelho e, com um sorriso, tocou um fio de cabelo loiro.

— O emir nã o é mais o homem temí vel de antes. Nã o precisa ter medo, filha.

Lorna, mesmo assim, continuava ansiosa. Tinha certeza de que o emir nã o aprovaria sua permanê ncia no palá cio.

Kasim foi encontrá -la no quarto poucos minutos depois. Lorna vestiu a mesma capa comprida que usara na noite anterior para sair no terraç o. Os dois atravessaram os corredores em forma de arco e chegaram finalmente a uma porta pegada, sobre a qual estava esculpida uma lua crescente.

Entraram numa ante-sala espaç osa, onde os sultõ es de antigamente costumavam reclinar-se no sofá para tomar sherbet e ouvir mú sica na companhia de sua esposa favorita.

Lorna voltou-se para Kasim com a fisionomia apreensiva. Ele estava muito imponente com o albornoz preto e dourado, o turbante preso por uma cordinha dourada que era o sí mbolo de sua posiç ã o. Os trajes combinavam bem com a postura solene e o perfil autoritá rio, e Lorna sentiu-se, pela primeira vez, uma estranha a seu lado.

— Diga a verdade! — exclamou, sem poder se conter por mais tempo. — Sei que vou ser convidada a sair do palá cio!

Os olhos castanhos observaram-na em silê ncio, e as narinas finas se estreitaram momentaneamente, como se ele se revoltasse contra a idé ia de perdê -la, como se sua companhia lhe fosse tã o indispensá vel ali quanto fora no deserto. Ele abriu os lá bios para responder, mas, nesse momento, um criado apareceu na porta e convidou os dois para o acompanharem ao aposento do emir.

No instante seguinte, estavam na presenç a do emir Hussayn ben Mansour beni Saadi, chefe supremo da grande tribo á rabe, cujas origens remontavam aos tempos das cruzadas.

O emir tinha olhos grandes e brilhantes, bem como os traç os ené rgicos de um governante. Parecia um paxá, velho e orgulhoso, com a cabeç a reclinada na cabeceira da imensa cama de dossel, cujas colunas chegavam até o teto.

Examinou demoradamente a moç a loira, que parecia assustada e muito linda nas roupagens orientais. Observou detidamente o vé u que ela segurava com a ponta dos dedos. Voltou-se, em seguida, para o filho, que se mantinha em silê ncio, com a cabeç a erguida, ao pé da grande cama. Havia outras pessoas no quarto, oficiais e parentes, em mantos compridos de linho, que guardavam uma atitude respeitosa.

— Entã o, meu filho, essa é a bela moç a que você desejatomar por esposa... — disse o emir pausadamente, e todas as pessoas no quarto respiraram aliviadas.

Lorna teve a impressã o de ouvir uma trovoada, depois um silê ncio mortal. Voltou-se, alarmada, para Kasim. Nã o podia ser verdade! Ela devia estar delirando! Aquilo era um sonho fantá stico e impossí vel!

Entã o, avistou o sorriso irô nico na curva de seus lá bios quando Kasim surpreendeu seu ar de espanto.

— Meu pai deseja que eu me case, e escolhi você para ser minha esposa.

Lorna estava muda, consciente de que todas as pessoas presentes olhavam fixamente para ela, aguardando sua resposta. Kasim falara na noite anterior em fazer uma reparaç ã o pú blica e era isso! Uma reparaç ã o digna de um prí ncipe!

O ventilador no teto girava hipnoticamente, e, somente entã o, ela entendeu por que estava vestida de seda com um vé u sobre o rosto... O casamento seria celebrado ali, os votos de fidelidade seriam pronunciados diante da cama imperial do emir!

Ela queria protestar, gritar nã o, nã o dessa forma, sem amor, sem ternura ou esperanç a de felicidade duradoura! Nã o podia haver alegria nem felicidade sem amor. Era o coraç ã o dele que ela desejava, nã o uma retrataç ã o!

Entretanto, enquanto os gritos de protesto morriam na garganta, ela se lembrou dos momentos inesquecí veis que vivera com ele, dos passeios no deserto de madrugada... dos perigos que enfrentaram juntos sob a tempestade de areia... do dia em que ela passou por um rapazinho na tenda dos nô mades...

O poder e o misté rio de sua personalidade seduziam-na mais do que nunca. Se era isso que ele desejava, nã o poderia furtar-se a sua vontade.

Abaixou a cabeç a para anunciar publicamente que o aceitava como esposo. Ouviu confusamente, como num sonho, as palavras ditas em voz alta pelo oficial do palá cio e, em seguida, tocou com a palma da mã o as escrituras do Alcorã o. Seus olhos ficaram deslumbrados com a cimitarra incrustada de jó ias que estava pousada sobre sua cabeç a, sí mbolo da autoridade do marido á rabe sobre a esposa.

Apó s a breve cerimô nia, o emir fez sinal com a cabeç a para ela se aproximar do leito. A cama de dossel estava colocadaem cima de um estrado, e os dois estavam praticamente no mesmo ní vel quando o emir estendeu o braç o e colocou no alto da cabeç a dela um laç o brilhante de fita.

— Você pertence agora ao beni Saadi, minha filha. É uma decisã o sé ria — acrescentou o emir, com um sorriso, embora o rosto parecesse uma má scara de bronze marcada pelos anos. Pegou suas mã os, e Lorna percebeu toda a fragilidade do velho governante. Fora por respeito ao pai que Kasim casara-se com ela! — Este casamento tem minha bê nç ã o — concluiu o emir, com voz cansada. — E faç o votos que seja muitas vezes abenç oado para o beni Saadi.

Lorna inclinou a cabeç a, em sinal de aquiescê ncia, e foi conduzida até a sala ao lado, onde a vestiram com uma capa suntuosa. Em seguida, foi conduzida numa liteira aberta até os aposentos do prí ncipe.

A notí cia do casamento foi anunciada em toda a cidade do alto dos minaretes. Lorna, deixada sozinha no quarto, ouviu as exclamaç õ es de Allah Akbar e, logo depois, as explosõ es dos fogos e o regozijo do povo que se reunia nas ruas vizinhas para celebrar o casamento.

Ainda estava vivendo um sonho e só despertou completa-mente quando Turqeya apareceu no quarto e disse que um grupo de mulheres viera desejar felicidades à noiva. Lorna ouviu as vozes e as gargalhadas que vinham da sala pegada, mas nã o tinha coragem de aparecer no meio das convidadas com o rosto sorridente da noiva feliz.

— O que foi, minha irmã? — perguntou Turqeya, espantada, ao notar o olhar de desespero no rosto de Loma. — Pensei que amasse meu irmã o! Nã o era esse seu grande desejo, casar-se com ele?

— Seria, se ele gostasse de mim! Você é mulher, Turqeya, e deve saber como me sinto...

— Sim, eu sei — Turqeya respondeu, olhando para as safiras que brilhavam no colo de Lorna. — També m tenho medo de ser obrigada a me casar contra a vontade. Como posso desposar algué m que nã o gosto, sobretudo quando amo desde menina um outro homem? Ele nã o é prí ncipe, nã o é rico nem possui uma posiç ã o invejá vel, mas eu o amo de todo coraç ã o!

Turqeya sentou-se ao lado de Lorna e segurou as mã os dela.

— Ah, Lorna, eu gostaria muito que você intercedesse por mim! Que dissesse a Kasim que amo Omair e que nã o quero me casar com nenhum outro homem...

— Omair ben Zaide? — indagou Lorna, compadecida, vendo as lá grimas que rolavam dos olhos meigos de Turqeya.

— Você conversou com ele? Gostou dele?

— Gostei muito — disse Lorna, enxugando uma lá grima da face da moç a á rabe. — Ele é um homem muito simpá tico, Turqeya. Por que Kasim nã o concorda com o casamento?

— Kasim nã o disse nada, mas Omair tem receio de pedir minha mã o, porque ele ganha apenas o ordenado de mé dico e sou a filha ú nica do emir de Sidi Kebir.

— Mas Kasim casou-se comigo, e ele é o filho ú nico do emir!

— Ah, isso é diferente — murmurou Turqeya, com os olhos baixos. — Os filhos do casamento serã o de Kasim, e ele é o prí ncipe de beni Saadi. Mas se eu me casar com Omair, nossos filhos nã o terã o tí tulos nem privilé gios reais.

— Mas terã o amor — Lorna falou, com vivacidade. — Turqeya, acho que você s dois fazem mau juí zo de Kasim. Tenho certeza de que ele vai aceitar o casamento. Ele nã o vai obrigá -la a casar-se contra sua vontade.

— Mas ele nã o fez o mesmo com você? Nã o acabou de dizer que nã o possui o coraç ã o dele?

— Sim, é verdade, mas o mesmo nã o vai acontecer com você. Vou falar com Kasim e prometo que tudo será resolvido a seu gosto.

Turqeya nã o conteve sua alegria e passou os braç os em volta do pescoç o de sua nova amiga.

— Eu sabia que você tinha um coraç ã o generoso! Eu sabia que poderia contar com você!

Lorna beijou o rosto macio, impregnado com o perfume forte de almí scar, e lembrou-se de que se casara com um prí ncipe á rabe e de que deveria seguir os costumes do paí s dele.

— Bem, vamos receber as convidadas — disse por fim, com um sorriso sem graç a.

As mulheres ficaram encantadas com a noiva. Alisaram os cabelos cor de ouro, fizeram-lhe carinhos no rosto e disseram que ela se parecia com uma flor.

Enquanto os mú sicos tocavam tambores e cí taras, as convidadas conversavam animadamente, bebendo café e comendo os salgadinhos que acompanhavam os casamentos, no Oriente. As mulheres estavam vestidas com mantos bordados e tinham os braç os cobertos de jó ias. As unhas das mã os e dos pé s estavam negras, tingidas de henna, e todas usavam perfumes fortes.

Lorna sentou-se no meio delas e foi alvo de todas as conversas, embora nã o pudesse acompanhar perfeitamente o que as mulheres diziam. Mais tarde, o copeiro serviu uma grande travessa de cuscuz, carne de carneiro, frango e frutas secas. Na condiç ã o de noiva, Lorna nã o podia servir-se a si mesma, para nã o se fatigar no dia do casamento, e as mulheres lhe deram de comer na boca como se fosse um filhote de passarinho. Em outras circunstâ ncias, ela teria achado a festa divertida, mas seus pensamentos estavam voltados constantemente para Kasim, que conversava com os homens numa outra sala do palá cio.

Ao meio-dia, Lorna foi levada para um quarto em meio a uma procissã o. As mulheres seguravam velas acesas nas mã os e entoavam câ nticos festivos. Encantos e feitiç os eram lanç ados pela oficiante para afugentar mau-olhado, enquanto vasilhas com tâ maras e leite foram colocadas ao lado do leito nupcial. Kasha ajudou Lorna a se despir, porque a noiva nã o devia ter nenhuma roupa no corpo para receber o noivo.

— A lella está nervosa? — perguntou Kasha, dobrando o vestido. — O dia do casamento é muito cansativo para a noiva e me lembro de que minha ama Elena chorou de nervosismo quando a despi no quarto.

Lorna estremeceu ao ouvir isso. Voltou a cabeç a e avistou o robe de rendas que estava em cima da cama.

— Ela nã o foi feliz no casamento?

Kasha levou algum tempo para responder, como se refletisse sobre o assunto.

— Ela se adaptou à vida aqui... e havia certas compensaç õ es.

— Você se refere ao nascimento do filho?

— Pois é, o nascimento de Sidi Kasim.

— Ele deve ter sido um menino muito bonito — disse Lorna, segurando o robe transparente. — Ele foi muito mimado pela mã e?

— Ela adorava o filho, naturalmente, e o pai tinha muito orgulho do menino.

— Kasim foi o ú nico filho do casal?

— Sim, lella, o filho ú nico do emir.

Depois que a criada saiu do quarto, Lorna começ ou a andar nervosamente de um lado para o outro, aguardando o momento em que os convidados se despedissem.

Envolta no robe transparente, recostou-se na cabeceira da cama que ficava na outra extremidade do quarto, longe da porta. Sentia-se tã o cativa ali como na primeira noite em que dormira na tenda, no deserto. Se ao menos Kasim se aproximasse dela com amor no coraç ã o!

Alguns minutos depois, ouviu passos no corredor e avistou o vulto alto que se aproximava. Kasim usava um manto de seda, cujas mangas eram bordadas com fios de ouro. Os pé s estavam protegidos com chinelos amarelos, com os bicos levantados, e parecia tã o esplê ndido naqueles trajes quanto um prí ncipe á rabe de As Mil e Uma Noites.

Lorna observou-o em silê ncio, com os olhos entreabertos sob os cí lios compridos. O amor e o medo ardiam em seu peito, como uma chama. Kasim era agora seu marido e exercia um poder absoluto sobre ela.

Os olhos castanhos a fitaram longamente, e foi entã o que os acontecimentos enervantes do dia precipitaram a crise de nervos. Ela estava no limite de sua resistê ncia. Teria desmaiado e rolado no chã o se Kasim nã o desse um passo rá pido e a segurasse nos braç os. Levantou-a com cuidado e deitou-a na cama. Debruç ou-se sobre ela e acariciou o rosto pá lido.

— Pobrezinha... o dia foi muito exaustivo para você... Ela estava deitada sob os ombros largos, vencida pelo amor, cativa pelo casamento que fora realizado para tranqü ilizar um homem moribundo.

— Era essa entã o a reparaç ã o... Um casamento sem amor, para satisfazer seu pai?

— Em parte, sim — confessou Kasim, em voz baixa. — Se tivé ssemos discutido o assunto ontem à noite, você provavelmente nã o teria concordado com minhas sugestõ es. Alé m disso, eu devia a você uma reparaç ã o pú blica. Agora, pelo menos, é a esposa respeitada do filho do emir.

Ela o fitou em silê ncio, observando todos os detalhes do rosto moreno sob a luz amarela da lâ mpada. Um rosto amado, a intimidade dos corpos na distâ ncia do coraç ã o, que somente o amor mú tuo poderia transpor.

— Ouvi dizer que os á rabes podem repudiar a mulher apenas com uma palavra...

— Quer que eu diga essa palavra? Deseja voltar para seu mundo?

— Meu mundo? — repetiu Lorna, com um sorriso triste. — Você me deu o deserto e me mostrou o caminho das estrelas. Você me deu a madrugada e agora me manda de volta para a noite?

— Gostou tanto assim do deserto? — perguntou Kasim, abraç ando-a com ternura. — Que fim levou a moç a rebelde que conheci? Há alguns dias, você fugiu de mim... das madrugadas e das estrelas cadentes. Se nã o fosse aquela tempestade, teria voltado para Yraa. Agora me diz que deseja ficar comigo... É realmente isso o que quer?

Lorna abaixou os olhos, com o rosto triste.

— Você me surpreendeu num momento de fraqueza.

— Por que nã o pergunta se eu desejo conservar o casamento?

— Eu gostaria que quisesse isso espontaneamente — respondeu, com coragem, esquecendo-se dos ú ltimos vestí gios de orgulho, que nã o significavam mais nada para ela. — Sou sua, para ser guardada ou para ser mandada embora.

— Minha? — indagou, apertando-a nos braç os. — Meu amor adorado. Meu anjo! Tã o meigo, tã o delicado, tã o cheio de bondade que tenho vergonha de mim mesmo. Meu amor, meus olhos, minha vida. Eu sabia desde o iní cio que nã o poderia perdê -la. Deveria levá -la para conhecer o deserto e seduzi-la com os passeios de madrugada, com os poentes deslumbrantes e a luz prateada do luar. Você fazia parte de tudo isso... Eu queria que me amasse e perdoasse minha arrogâ ncia. Gosta de mim? Você me perdoa por tê -la levado à forç a para o deserto? Você era o sonho que eu nã o queria perder... Entende agora?

— Ah, Kasim! — exclamou, passando os braç os em volta do pescoç o moreno. Nunca antes ele abaixara a cabeç a diante de ningué m, mas agora inclinava-a para ela. — Eu compreendi que o amava durante a tempestade no deserto. Você disse que podí amos morrer juntos, sepultados para sempre sob a areia. E eu queria morrer ali, se nã o pudesse viver com você...

Kasim beijou-a na boca e interrompeu as palavras de ternura que ela dizia, com um beijo tã o doce que ela se sentiu desfalecer.

— Nosso casamento será verdadeiro, Lorna. Sincero e honesto, sem segredos mú tuos.

— Você tem algum segredo? — perguntou, com um risinho, porque lhe parecia que, na doç ura do momento, nada mais importava, a nã o ser amá -lo. Sentia-se frá gil nos braç os dele e nã o mais como a moç a fria e distante que zombara do amor no jardim de Ras Jusuf. Um autê ntico homem do deserto derretera sua frieza...

— Sim, tenho um segredo para revelar.

Que segredo poderia ser? pensou Lorna, com o coraç ã o apreensivo, enquanto Kasim apanhava um cigarro na caixa de madeira entalhada que havia ao lado da cama. Será que amara algué m anteriormente, antes que o destino os aproximasse um do outro? Desejava ser compreensiva, tolerante, mas preferia ardentemente que ele nunca tivesse amado outra mulher na vida.

Kasim fumou em silê ncio durante alguns segundos, como se quisesse pô r em ordem seus pensamentos. Em cima de uma mesinha, havia um vaso de estanho com um buquê de jasmins-azuis. O perfume das flores misturava-se com o cheiro do cigarro turco, e, sem querer, no momento em que voltou a cabeç a para o lado, Lorna avistou o retrato de um menino que estava sobre a penteadeira, numa moldura de prata. Os cabelos eram pretos, e os olhos pareciam cheios de animaç ã o. Alguma coisa no retrato lembrava os garotos que vira brincando nas ruas de Paris.

Kasim percebeu seu olhar interrogativo e deu um sorriso.

— Eu tinha dez anos quando minha mã e tirou essa fotografia.

— Gostaria de tê -lo conhecido quando menino.

— Foi melhor você me conhecer depois de grande, querida.

— O sorriso tinha algo da ironia dos dias passados no deserto.

— O que maman diria se soubesse que me casei com uma mulher adorá vel e rebelde?

— Sempre chamou sua mã e de maman, em francê s?

— Foi assim que ela me ensinou a chamá -la desde pequeno.

— Por que será? — perguntou Lorna, com o rosto surpreso.

— Ela nunca explicou a razã o?

Os olhos castanhos a observaram com atenç ã o por entre a fumaç a do cigarro. Lorna continuava deitada no grande leitoá rabe, os lá bios entreabertos, os olhos azuis escondidos por baixo dos cí lios compridos.

Kasim segurou sua mã o e levou-a aos lá bios, beijando longamente cada um dos dedos.

— Quando mamã e morreu, encontrei o diá rio que ela escreveu em espanhol, lí ngua que mais ningué m na famí lia entendia. Depois de ler o diá rio do começ o ao fim, arranquei e destruí algumas pá ginas onde ela contava um segredo que só eu podia saber. Agora vou lhe contar este segredo, Lorna, porque você gosta de mim, porque disse que deseja ficar comigo para sempre.

Lorna deu um suspiro de alí vio.

— Pensei que fosse contar que gostara de outra mulher antes de mim...

— Gostei de algumas garotas que conheci em Paris quando era estudante. Mas nunca senti realmente amor por nenhuma delas. Eu amava o deserto desde pequeno... O deserto era minha paixã o... até que você surgiu em minha vida, com seus olhos azuis, os cabelos cor de sol, o temperamento rebelde...

— Nunca se apaixonou por uma moç a á rabe? Elas sã o tã o lindas...

— Sim, algumas sã o realmente belas, como Turqeya, mas minhas preferê ncias nesse ponto recaem sobre as francesas.

— Francesas?

— Exatamente. Nã o sou filho do emir, como todos imaginam. Mas de um francê s que morou em Sidi Kebir um ano depois do casamento de minha mã e.

No silê ncio que se seguiu à confissã o inesperada, Lorna podia contar as batidas de seu coraç ã o. Os olhos azuis, muito grandes e luminosos, estavam fixos em Kasim. Uma cotovia cantava no jardim do palá cio e era como se o coraç ã o dela entoasse a canç ã o triste e melodiosa.

— Por favor, conte-me tudo — ela sussurrou.

Kasim inclinou a cabeç a e tomou coragem para revelar o segredo que a mã e lhe confiara no diá rio escrito em espanhol.

— O tal francê s que veio de Paris chamava-se Justin. Mamã e nã o estava feliz com a vida isolada que levava no palá cio do emir, e o francê s foi uma distraç ã o para sua tristeza. Era jovem, culto, interessante, e veio aqui estudar alguns manuscritos que haviam sido encontrados no porã o desta casa. Era umhomem falante, muito divertido e pertencia ao mesmo mundo que minha mã e freqü entara antes de se casar com o emir. Pouco tempo depois de conhecer Justin, mamã e confessou no diá rio que se sentia estranhamente culpada na companhia dele, embora nã o houvesse nada entre os dois até entã o.

Kasim levantou a cabeç a e encarou os olhos azuis que o fitavam com interesse.

— O emir andava sempre muito ocupado e, nos raros momentos em que passava na companhia de mamã e, tratava-a como se ela fosse uma criada com quem nã o podia falar sobre assuntos sé rios. Mamã e nunca foi uma verdadeira amiga ou companheira, com quem ele tivesse intimidade. O francê s era o contrá rio. Discutia o trabalho com ela, conversava sobre os paí ses que conhecia, sobre os lugares onde estivera. Era inevitá vel que, a amizade se transformasse muito em breve num amor proibido.

Kasim deu um suspiro e afagou a mã o dela, onde estava o anel de safira.

— Mamã e brincou com fogo. Ela ousou receber esse homem em seu aposento. Vivia sozinha, e Justin era uma criatura fascinante, mas as horas de amor dos dois estavam contadas. Pouco depois, o trabalho dele estava terminado, e Justin foi obrigado a partir. Mamã e procurou esquecê -lo até o dia em que percebeu que estava grá vida e que o filho era de Justin, e nã o do emir. Naturalmente, ela morreu de medo nos primeiros tempos, mas o emir desejava ardentemente ter um filho homem e, por felicidade, nunca suspeitou que sua mulher lhe fosse infiel. Kasha me contou que eu era um bebê muito grande, chorã o e de cabelos pretos, e que o emir me levou nos braç os até a varanda do palá cio, onde me apresentou orgulhosamente ao povo, como herdeiro da famí lia. Felizmente, os á rabes sempre gostaram de mim, e eu tinha muita afinidade com eles. Eu amava o sol, a vida ao ar livre, as cavalgadas no deserto. Sei que minha mã e pretendia me confessar a verdade um dia, mas ela morreu subitamente quando eu tinha treze anos. O emir está muito doente, talvez esteja à beira da morte, e agora é tarde para contar a ele a verdade. Vou continuar lhe devotando toda minha lealdade e afeiç ã o. Ele necessita de mim, deseja que eu continue sua obra, e o ví nculo que existe entre nó s dois nã o pode ser rompido por um segredo desse tipo. Acho que Kasha sempre suspeitou, mas ela gostava muito de minha mã e para traí -la...

Lorna inclinou-se para frente e beijou-o nos lá bios, como se quisesse selar o segredo.

— També m gosto de você, Kasim. Tanto faz voltar para o deserto ou morar aqui. Para mim, isso nã o importa.

Os braç os dele a cingiram estreitamente contra seu coraç ã o. Fitou-a com atenç ã o, e uma chama brilhou nos olhos castanhos.

— Meus amigos disseram que você se parece com uma pé rola. E é exatamente isso, querida. A pé rola que encontrei no deserto. Eu tinha o pressentimento de que isso iria acontecer um dia. Você nã o ouviu meu chamado?

— Meu coraç ã o ouviu, Kasim. — Ela se aninhou contra seu peito e aspirou o cheiro forte de tabaco turco que sempre associava a seu pai. — Lembra-se da flor branca que eu levava no bolso de minha camisa? Você ficou com raiva porque eu disse que ganhara do homem que amava. Esse homem era meu pai. Ele morreu há alguns anos no oá sis de Fadna, e, depois que morreu, fui até lá para conhecer a casa. Encontrei apenas ruí nas, e tudo que restava da construç ã o original eram os muros rachados e algumas flores brancas que nasciam entre as fendas. Colhi uma delas, Kasim. Era a ú nica lembranç a que tinha de meu pai na primeira noite que passei no deserto. Eu tinha tanto medo de você...

— Meu anjo... Agora nã o precisa ter mais medo de mim...

— Nã o sei... Acho que sempre terei medo de você — disse Lorna, com um risinho.

— À s vezes, parece-me tã o assustador...

— Pode ser que briguemos algumas vezes — murmurou Kasim, em seu ouvido. — Mas depois haverá sempre os beijos.

Lorna sorriu e puxou a cabeç a morena para si. A cotovia cantava no jardim, onde os jasmins-azuis subiam pelos muros, e Lorna nã o fugiu mais dos braç os de seu amante do deserto. Nenhum dos dois se sentiria sozinho de novo. Eles haviam procurado e encontrado o jardim paradisí aco... o jardim do amor.

 

FIM

 



  

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