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CAPÍTULO V



O dia amanheceu, e, no acampamento, havia uma grande atividade em torno das fogueiras onde as mulheres preparavam a refeiç ã o da manhã. O som dos sininhos dos camelos misturava-se aos berros aflitos dos meninos ao serem acordados. Vultos embuç ados selavam os cavalos, e dois potros brigavam no cercado, até serem separados pelo encarregado das cocheiras.

A algazarra da manhã penetrava na grande tenda dupla, mas Lorna continuou dormindo. Moveu-se na cama, poré m nã o acordou. Sua fisionomia estava serena como a de uma crianç a. Os guizos dos camelos entraram em seu sonho e se transformaram nos sinos que tocavam no convento onde estudara, chamando as alunas para as aulas.

Quando ela finalmente acordou do sono profundo em que mergulhara na noite anterior, a atividade matutina do acampamento havia cessado, e o sol clareava o interior da tenda. Abriu os olhos e viu o cortinado que algué m colocara sobre a cama para protegê -la das moscas, que apareciam quando o sol esquentava.

Sentou-se na cama e afastou o cortinado. Olhou em volta, com as pá lpebras pesadas de sono. O ambiente era, ao mesmo tempo, terrivelmente estranho e assustadoramente familiar.

A caixa de cigarros estava aberta sobre a mesinha-de-cabeceira, como se algué m houvesse apanhado um cigarro de manhã e esquecido de fechá -la. A tú nica branca estava jogada em cima do banquinho, e Lorna estremeceu instintivamente ao compreender que Kasim entrara no quarto enquanto estava dormindo. Ele puxara a colcha de seda sobre o corpo dela e pusera o cortinado em cima da cama. Ele a vira enquanto estava dormindo, inconsciente do olhar de Kasim.

Sentiu um arrepio. Os acontecimentos da vé spera eram tã o reais quanto o sol que brilhava lá fora, com os gritos que vinham do terreiro.

Ela estava no deserto, presa na tenda do prí ncipe Kasim ben Hussayn, um homem misterioso, que era ao mesmo tempo educado e impiedoso. A personalidade dele era tã o forte que Lorna podia recordar todas as palavras trocadas durante o jantar, as menores inflexõ es de voz. Ao lembrar-se do pavor que sentira na noite anterior, tinha vontade de esconder-se embaixo das cobertas, como uma crianç a, e nã o pensar no que a esperava naquele dia.

A cortina de contas moveu-se quando Zahra entrou no quarto. Ela levantou o vé u do rosto e sorriu para Lorna, isso indicava que Kasim nã o estava na tenda. Zahra aproximou-se da cama e perguntou se ela dormira bem à noite.

— Dormi como uma pedra — Lorna respondeu, com um bocejo. Um raio de sol incidiu sobre seus cabelos revoltos, e Zahra

pareceu fascinada com o brilho, como se nunca houvesse visto cabelos daquela cor. Os olhos desceram para o lenç ol que Lorna apertava contra o corpo, e, com agilidade, Zahra correu para a arca de cedro e apanhou um robe. Lorna vestiu-o sem protestar. Estava levemente perfumado e era macio como seda.

— De quem é? — perguntou, apalpando a fazenda. — De alguma mulher?

Zahra parecia surpresa com a pergunta.

— Nã o, lella. Uma caravana passou há uma semana, e meu amo comprou roupas e perfumes para dar de presente a Turqeya.

— Turqeya?

O nome exó tico evocava em sua imaginaç ã o uma jovem muito bela, de cabelos negros, e o robe pareceu, repentinamente, queimar sua pele.

— Meu amo disse para vestir-se com essa roupa — Zahra informou, apontando para a arca. — Elas nã o lhe agradam? Sã o tã o lindas...

— Ouç a, Zahra, no momento, prefiro tomar um copo de suco e depois um banho quente.

— Um banho quente? — Zahra indagou, confusa. — A lella tomou banho quente ontem à noite!

— Pois eu gostaria de tomar outro agora de manhã!

Lorna lembrou-se de que nã o estava no hotel. Talvez a á gua nã o fosse abundante ali.

— Você s economizam á gua?

— Nã o. Estamos acampados perto de um poç o. Temos á gua de sobra. Vou apanhar o suco e depois esquento a á gua.

— Muito obrigada — Lorna agradeceu, com um sorriso. Zahra era muito gentil.

Ao lembrar-se de Kasim, no entanto, Lorna sentiu-se angustiada novamente, sobretudo ao saber que ele comprara o robe de seda para dar de presente a uma mulher. Estava tã o aflita com a idé ia de que estivera indefesa nos braç os dele na noite anterior que se assustou quando ouviu algué m entrar na tenda.

— O que foi? — perguntou Zahra, passando pela cortina de contas, com uma bandeja na mã o. — Você se assustou?

— Nã o, nã o foi nada.

Zahra ajeitou a bandeja no colo de Lorna, que estava com muita sede, mas nã o tinha apetite para comer os bolinhos que

Zahra trouxera,

— Nã o estou com fome, Zahra. Tenho apenas sede. Acho

que é o ar do deserto que me deixa assim.

— A lella nã o está acostumada com o sol? — perguntou Zahra, apanhando a tú nica jogada em cima do banquinho, o que fez Lorna corar de vergonha.

A jovem, com toda a certeza, pensaria que Kasim dormira

no mesmo quarto que ela.

— Venho de um paí s onde o sol nã o é tã o forte quanto o daqui, e onde somente no litoral existe areia.

Lorna lembrou-se, emocionada, da Inglaterra, do internato das freiras, do ano que passara em Paris com seu pai. Como poderia imaginar que sua viagem ao Oriente terminaria daquele jeito? Ela, que desprezava os homens que tomavam liberdades excessivas, estava agora privada de sua liberdade por um que nã o se importava nem um pouco com seus sentimentos!

— Você precisa comer, senã o meu amo vai ficar zangado comigo — disse Zahra, levantando a tampa do prato. — Nã o gosta desta comida?

O aroma apimentado dos bolinhos de carne despertou seu apetite, e Lorna sentiu-se tentada a provar, mesmo contra a vontade.

— Pelo visto, todos aqui tê m medo do sheik — Lorna falou, experimentando uma almô ndega.

Zahra fitou-a em silê ncio, sem saber o que dizer, como se nunca houvesse ouvido algué m falar mal do sheik.

— Zahra, você precisa me ajudar a sair daqui — Lorna implorou de repente, com o coraç ã o batendo, acelerado.

A moç a afastou-se da cama, com a fisionomia alarmada, da mesma maneira que o criado no dia anterior. E a doç ura habitual transformara-se subitamente em hostilidade.

— Vou apanhar a á gua quente para o banho — disse, retirando-se.

Lorna observou-a partir em silê ncio e despediu-se tristemente de sua esperanç a de fuga.

Todos tinham medo de Kasim! Seu poder era tã o grande que ningué m estranhava a presenç a de uma moç a inglesa em sua tenda. Talvez imaginassem que ela se sentia honrada com isso!

Tirou a bandeja do colo e desceu da cama. Nervosa, andou de um lado para o outro do quarto, com os pé s descalç os afundados na pele de leopardo que cobria o tapete. Estava presa ali como um animal... ferida e traí da pelo deserto que desejava tanto conhecer!

Sentou-se, desanimada, sobre a pele de leopardo e apoiou a cabeç a numa almofada. Seus cabelos cobriam-lhe o rosto.

Foi assim que Zahra a encontrou quando voltou com as panelas de á gua quente.

— Está chorando? — a moç a perguntou, tocando de leve sua cabeç a.

Lorna voltou-se e encarou-a, com os olhos azuis encobertos pela tristeza.

— Acha que eu deveria estar contente?

— Meu amo é um homem muito bom.

Zahra, aparentemente, fora criada com a idé ia de que os homens eram criaturas superiores. Nã o podia compreender a revolta de algué m que fora seqü estrada e submetida à vontade de um estranho, sem poder protestar.

— Pois, para mim, ele é o homem mais cruel que já conheci. Desejo que ele sofra muito na vida, e digo isso de todo meu coraç ã o.

Zahra a observava com uma expressã o de horror.

— Meu amo nã o é cruel com sua gente...

— Mas eu o vi aç oitar um homem — disse Lorna, trê mula. — O homem deve ter merecido esse castigo. As leis do desertosã o diferentes das leis da cidade, Lella.

— Sei disso. Os homens do deserto sã o crué is.

Zahra meneou a cabeç a, como se a idé ia de crueldade de Lorna fosse diferente da sua. Encheu a bacia com á gua quente e derramou o ó leo perfumado, que fazia espuma como sabã o. Em seguida, apanhou uma esponja em cima da mesinha e olhou em silê ncio para Lorna,

— Pode deixar, Zahra. Tomarei banho sozinha.

— Vou ensaboá -la e fazer sua pele ficar brilhante e sedosa, como fazem no hamman. É bom... relaxa o corpo...

— Muito obrigada, mas nã o é necessá rio — Lorna recusou-se, ligeiramente chocada com a sugestã o. — Prefiro me ensaboar sozinha.

— A lella nã o precisa ter vergonha — insistiu Zahra, como se falasse com uma crianç a. — A gente nã o deve ter vergonha quando tem o corpo limpo...

Lorna corou, sem saber o que responder. Despiu o robe e entrou na á gua perfumada.

Zahra ensaboou seu corpo dos pé s à cabeç a. A esponja era á spera, mas dava uma sensaç ã o agradá vel de limpeza. Zahra abaixou a vista quando a esponja tocou num ponto dolorido do braç o de Lorna, que recuou instintivamente. Era uma mancha azulada sobre a pele clara, a marca da raiva do sheik no momento em que ela o ferira com o punhal. Lorna tocou na mancha com a ponta do dedo e sorriu ao se lembrar que ela també m deixara uma marca no peito dele. A cicatriz nã o iria desaparecer tã o cedo!

Depois de tomar banho e de se enxugar, Lorna hesitou um instante, pensando se vestiria ou nã o suas pró prias roupas novamente. A calç a poderia ser escovada, as botas engraxadas, mas a camisa estava imunda e precisava ser lavada.

Ajoelhou-se diante da arca de cedro e examinou seu conteú do. Entre as vestes de seda e de veludo, havia uma tú nica de brocado azul, que poderia servir de blusa, se a colocasse para dentro da calç a comprida. Era melhor do que vestir a calç a turca que combinava com a tú nica.

Zahra tentou em vã o convencê -la a usar a roupa completa.

— Nã o sou odalisca! Nã o vou vestir essas roupas transparentes, e ningué m irá me obrigar!

— Meu amo vai ficar zangado — Zahra falou, abaixando os olhos. — Os homens nã o gostam de ser contrariados!

— Claro! Eles gostam que as mulheres lhes faç am todas as vontades!

Apó s se vestir, Lorna calç ou as botas. O tecido da tú nica era muito leve e bonito, com suas diversas tonalidades de azul.

— Zahra, você ainda é muito jovem para conhecer os homens...

— Sou casada — a moç a respondeu, com timidez. — Meu marido é o encarregado das cocheiras. É uma posiç ã o muito importante, porque meu amo tem muito ciú me dos cavalos que possui.

Lorna olhou, surpresa, para ela. Zahra tinha apenas dezessete anos e já estava sujeita à vontade do marido.

— Ah, agora entendo por que estava de vé u ontem à noite. Os homens nã o gostam que as mulheres descubram o rosto na frente de estranhos, e você é muito bonita, Zahra.

A moç a corou, sem jeito, e o rosado da pele morena acentuava seu encanto.

— Yusuf é muito bom para mim.

— Só podia ser! Ele tem sorte de tê -la como mulher.

Ao virar-se para escovar os cabelos diante do espelho, Lorna surpreendeu-se com sua pró pria imagem. A tú nica sem mangas acentuava a pele clara dos braç os e, com os cabelos molhados, parecia um pajem de uma corte bá rbara. No momento em que colocou a escova em cima da mesinha, notou o anel que Kasim deixara ali. Recuou, assustada, como se houvesse visto uma cobra. Esquecera-se completamente dele durante algum tempo, mas agora tinha de sair do quarto e, mais cedo ou mais tarde, acabaria encontrando-o.

Ao passar pela cortina de contas, voltou-se para Zahra.

— Essa bacia é muito pesada para carregá -la sozinha. Vou pedir a Hassan para ajudá -la.

— Ah, seria bom — Zahra disse, com um sorriso. — A lella é muito gentil.

— A lella é uma tola, Zahra! Eu devia ter ouvido os conselhos de um amigo, que me avisou para nã o andar sozinha no deserto.

Soltou a cortina de contas que segurava e entrou na outra parte da tenda. O pano da entrada estava levantado de umlado, e o sol realç ara as cores delicadas dos tapetes persas espalhados pelo chã o. Hassan surgiu logo depois e cumprimentou-a com uma leve inclinaç ã o de cabeç a.

Lorna olhou detidamente para a abertura da tenda. Poderia fugir por ali e ir para bem longe de Kasim ben Hussayn.

Em vez disso, pediu a Hassan que ajudasse Zahra a carregar a bacia do banho e saiu da barraca. Perto dali, um homem estava sentado ao lado de uma pilha de arreios. Tinha o rosto magro e anguloso e, quando Lorna se afastou da tenda, em direç ã o ao centro do acampamento, o homem a seguiu a distâ ncia. Instantes depois, ela parou perto de uma fogueira, onde havia vá rios bules de café, encardidos pelo uso.

— Por que está me seguindo? — perguntou para o á rabe em francê s, quando ele se aproximou.

O homem abaixou a cabeç a em silê ncio. O albornoz estava imaculadamente limpo, e ela notou que os traç os da fisionomia dele eram nitidamente á rabes.

— Nã o quero ser seguida como se fosse uma prisioneira! — exclamou, irritada.

— Recebi ordens, lella.

— Estou vendo. O sheik adora dar ordens!

— A moç a pode passear pelo acampamento, se quiser.

— Posso andar a cavalo?

— Isso nã o.

Lorna mordeu o lá bio de despeito. O ó dio que sentia por Kasim aumentava cada vez mais. Continuou andando lentamente, com a cabeç a erguida, consciente dos olhares que lhe dirigiam. As crianç as pequenas se agarravam à s saias das mã es quando a avistavam, e ela notou que as tendas pretas estavam todas voltadas para o oriente. As partes da frente eram removidas durante o dia, como se fossem barracas de caç a.

Avistou alguns cã es deitados à sombra das tendas e o cercado onde os cavalos eram guardados. Eram animais ariscos, de pê los brilhantes, extremamente velozes, e Lorna desejou poder apoderar-se de um deles. Ah, se tivesse essa oportunidade, fugiria em disparada do homem que a mantinha cativa naquele acampamento!

Como se lesse seus pensamentos, o á rabe se dirigiu para a sombra das palmeiras que nasciam em volta do poç o. As tamareiras estavam carregadas de frutos. Lorna caminhou embaixo das folhas sussurrantes e lembrou-se de que, no dia anterior, à quela hora, estava livre como um passarinho. Jamais imaginara que o oá sis de Fadna seria um lugar maldito para ela.

Fadna... Deveria ter pensado antes no perigo, mas nã o acatara os conselhos que ouvira, fascinada pelo encanto que seu pai encontrara ali.

— Vamos voltar —disse para o á rabe. Havia uma ansiedade na voz dela que o á rabe interpretou como o desejo de estar de novo na tenda do sheik. Sorriu com malí cia, como se quisesse dizer que os desejos dela eram ordens. Ao entrar na fenda dupla, Lorna sentou-se no sofá e examinou detidamente cada objeto que havia ali, cada peç a do mobiliá rio. As tapeç arias, os tapetes persas, as almofadas, os mó veis e os objetos de cobre e de bronze eram verdadeiras peç as de colecionador, sem falar no pequeno armá rio com livros e na escrivaninha que estava num canto afastado da tenda. Era incrustada de pé rolas, com um desenho muito elegante e cheia de gavetas pequenas, que chamaram imediatamente sua atenç ã o.

Lorna levantou-se do sofá e foi até o canto da tenda, para examinar de perto a escrivaninha. Acompanhou com a ponta do dedo as letras douradas gravadas em relevo num livro grande, encadernado com couro. Em seguida, tentou abrir as diversas gavetas, mas notou que estavam fechadas à chave... exceto uma. Abriu-a e abaixou-se para examinar o que havia em seu interior. Avistou diversos objetos brilhantes, entre os quais um medalhã o preso numa correntinha de ouro e um crucifixo de marfim na ponta de um rosá rio de contas minú sculas. Lorna abriu o medalhã o e viu a miniatura de uma mulher jovem, com um penteado antigo e olhos maravilhosos.

Lembrou-se de que a mã e de Kasim era espanhola. A mã e dele, essa criatura adorá vel, com uma boca bem-feita e bondosa... A mulher que aceitara espontaneamente a vida enclausurada do haré m. A mã e que adorava o filho pequeno, mas que nã o vivera o suficiente para vê -lo crescer e se transformar num homem belo e impiedoso.

Lorna fechou o medalhã o e tornou a guardá -lo na gaveta, juntamente com o crucifixo. Permaneceu um instante ali, pensativa. O fato de Kasim ser um homem educado e de boa famí lia nã o justificava sua conduta condená vel. Pelo contrá rio, tornava ainda mais odiosa sua atitude tirâ nica e desumana. Ela voltou a cabeç a tristemente para a entrada da tenda, que estava iluminada pela luz do dia. Lá fora estava a liberdade, mas ningué m do acampamento a ajudaria a fugir.

A qualquer momento, Kasim entraria na tenda com seus passos rá pidos, e Lorna podia visualizar em detalhes os traç os altivos do rosto, o corpo á gil e elegante, a voz autoritá ria. Estremeceu ao pensar que iria encontrar de novo os olhos castanhos que a fitavam com insolê ncia, como se ela fosse um objeto desejá vel. As forç as a abandonaram. Deixou-se cair sem â nimo no sofá e afundou a cabeç a numa almofada.

— Gostaria que ele caí sse do cavalo e quebrasse o pescoç o — murmurou para si mesma, como se fosse uma prece.

 




  

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