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CAPÍTULO IX



Ao leve toque dos calcanhares, o cavalo de Lornapartiu a galope, mas o tordilho de Ahmed nã o ficou para trá s, e os dois mantinham uma pequena distâ ncia quando entraram no acampamento e estancaram os animais diante da grande tenda do sheik.

Lorna desmontou primeiro e retirou o capuz da cabeç a. Os cabelos soltos brilharam ao sol quente do meio-dia.

— Por favor, Ahmed, leve meu cavalo para o cercado. Estou um pouco cansada.

Quando Hassan surgiu na entrada da tenda, ela exclamou:

— Como está quente, meu Deus! — Levou a mã o ã testa. — Espero que eu nã o esteja com febre...

Entrou na tenda com a cabeç a baixa, e Hassan a seguiu com a fisionomia preocupada.

— A lella deseja tomar alguma coisa?

— Nã o, muito obrigada, Hassan. — Deixou-se cair no sofá e reclinou a cabeç a na almofada. — Logo vou estar melhor. Acho que tomei sol demais.

— Um mé dico chegou de Sidi Kebir esta manhã. Ele nã o sabia que o prí ncipe havia viajado. A moç a deseja consultá -lo?

— Um mé dico? — repetiu Lorna, espantada. — Um mé dico francê s?

— Nã o, um mé dico á rabe. Ele mora em Sidi Kebir, onde o pai do prí ncipe é o emir. Ele vem aqui de tempos em tempos para tratar dos doentes.

Lorna olhou para a ponta da bota afundada no tapete espesso. Inventara que estava com febre e ficou momentaneamente embaraç ada com a sugestã o de consultar o mé dico. Talvez ele nã o soubesse que uma moç a inglesa estava hospedada ali e achou preferí vel nã o o ver. Alé m disso, nã o estava preparada para encontrar algué m que morava na mesma cidade que o pai de Kasim.

— Nã o preciso de mé dico — disse por fim. — Vou me deitar um pouco e nã o gostaria de ser incomodada por ningué m.

Hassan inclinou a cabeç a e saiu da tenda em silê ncio. Lorna deu um suspiro profundo, apanhou um cigarro em cima da mesinha e acendeu-o distraidamente. Ao sentir o gosto forte de tabaco, lembrou-se imediatamente de Kasim. Por que o avisara da presenç a do escorpiã o? A picada do animal significaria sua liberdade. No entanto, ela hesitara, apavorada com a idé ia de que o escorpiã o pudesse matar o homem arrogante que a mantinha cativa no deserto. Deu uma tragada e pensou que era sensí vel como todas as mulheres, que nã o suportavam fazer mal aos outros, embora agü entassem em silê ncio, resignada-mente, os maus-tratos dos homens.

Cansou-se de ficar sozinha a tarde inteira na tenda. Depois do jantar, embrulhou-se na capa comprida de lã e deu um passeio até o oá sis. Sabia que estava sendo seguida por um homem magro e procurou controlar o desespero que a assaltava. Por que Kasim nã o a deixava partir? Era apenas uma boneca de luxo que ele enfeitava com roupas de seda e sua coleç ã o de jó ias. Uma simples diversã o no fim do dia. Logo seria esquecida, como as outras mulheres que tivera...

Lorna aproximou-se de sua palmeira favorita e apoiou-se no tronco liso. A noite estava escura, sem a luz da lua, e tudo parecia silencioso, com exceç ã o do farfalhar das folhas balanç adas pelo vento. Eram muito compridas e tinham a forma de mã os.

Quando sentiu o aroma de cigarro e viu o brilho do albornoz branco a seu lado, imaginou que fosse Ahmed, o homem que a guardava no acampamento. Por isso, surpreendeu-se quando o homem lhe dirigiu a palavra em francê s, com a pronú ncia tã o impecá vel quanto à de Kasim:

— Boa noite. Queria visitá -la antes, na tenda, mas Hassan me disse que nã o queria ser incomodada. Sou mé dico e me chamo Omair ben Zaide. Só fiquei sabendo hoje que estava hospedada no acampamento de meu amigo Kasim.

Nã o havia ironia em suas palavras, mas Lorna corou violentamente. No primeiro instante, pensou em afastar-se dali, mas controlou seu embaraç o e respondeu, com voz animada:

— Imagino que deva ter sido uma surpresa! Nã o é todo dia que uma moç a inglesa é encontrada no acampamento de um sheik á rabe. Da ú ltima vez que esteve aqui, provavelmente havia uma moç a á rabe na tenda do prí ncipe...

O mé dico nã o comentou nada no primeiro instante, e Lorna notou que os traç os do rosto dele eram bem-feitos e regulares. Omair ben Zaide tinha as feiç õ es mais caracterí sticas da raç a do que Kasim, se bem que parecia menos autoritá rio e arrogante que seu amigo.

— Na ú ltima vez que estive aqui, nã o encontrei nenhuma moç a na tenda de Kasim. Um de meus pacientes me contou que seus cabelos sã o dourados como a areia do deserto. Os á rabes raramente vê em mulheres que sejam realmente belas. Por isso foi uma surpresa encontrá -la...

— E lhe contaram també m que estou aqui contra minha vontade? Ou acha que estou adorando morar nessa barraca?

— Bem, ouvi dizer que Kasim gosta muito de sua companhia, que você s andam juntos a cavalo e jogam xadrez. Isso é sinal de que ele a trata com muito respeito.

Lorna deu uma risada.

— Imagino como ele deve tratar as outras mulheres!

— Que outras mulheres?

— Ah, nã o me diga que ele nã o tem outras mulheres?!

— Kasim tem um gosto muito difí cil...

— Faç o idé ia! Mas esse homem de gosto requintado nã o hesitou em me atirar em cima de uma sela e me trazer para cá, como se eu fosse uma escrava...

— À s vezes os homens se deixam cegar pela beleza... Kasim é o filho ú nico do poderoso emir de Sidi Kebir. Ele está acostumado a ser obedecido em tudo.

— Como se isso fosse desculpa!

— Eu també m, se nã o fosse mé dico, roubaria a mulher que amo! — Omair jogou o cigarro no chã o, onde brilhou um instante, antes de se apagar completamente. — Para as pessoas que vivem no deserto, que sã o governadas pelo destino e pelo fatalismo, nã o há amanhã. Há somente o dia de hoje, o momento presente, que deve ser colhido como se fosse um fruto. Os homens do deserto sã o chamados os filhos das estrelas... e eles ardem com a mesma luz incandescente.

— Mas isso nã o é razã o para maltratar os outros. Kasim aç oitou um homem que roubou um cavalo em minha frente, mas a mesma lei se aplica ao homem que seqü estra uma mulher...

— Nã o, nã o se aplica — Omair falou, com um sorriso irô nico. — Kasim nã o deve obediê ncia. Ele governa muitas tribos selvagens e julga natural dominar uma mulher jovem e bonita como você. Ele foi cruel?

— Bem, ele nã o me aç oitou, felizmente, mas há outras maneiras de ser cruel... Estou aqui, neste acampamento, contra minha vontade!

— Eu entendo — concordou Omair, com uma entonaç ã o bondosa. — Para os homens de todos os paí ses, as mulheres tê m uma funç ã o decorativa, alé m de ser a alegria dos olhos, o consolo das afliç õ es habituais. As preocupaç õ es de Kasim sã o grandes. Seu pai é um homem de idade, e Kasim será obrigado, mais dia menos dia, a abandonar a vida do deserto. Deverá ocupar o lugar do pai e talvez tenha procurado sua companhia para se esquecer dessas tristezas...

— E sou obrigada a pagar por isso... a levar uma vida que me é inteiramente estranha?

Lorna lembrou-se das estrelas que vira entre as palmeiras no jardim de Ras Jusuf... Parecia que isso fora muito tempo antes, poré m acontecera havia somente algumas semanas. Das tendas do acampamento vinha uma mú sica á rabe, repetida monotonamente, que a fez lembrar a flauta no jardim, entre as á rvores. As palavras do adivinho voltaram a sua memó ria... — O deserto torna as pessoas primitivas — falou Omair, com um movimento expressivo das mã os. — Já observou o deserto ao entardecer, o brilho das estrelas e o acender das fogueiras? O deserto nos revela toda a beleza que se esconde no coraç ã o dos povos primitivos...

Os olhos redondos do mé dico a fitavam com curiosidade. O albornoz caí a em dobras sobre o corpo magro, e o turbante branco acentuava a cor morena da pele. Omair era um perfeito á rabe, ao contrá rio de Kasim, que tinha a pele clara, com exceç ã o dos braç os, do rosto e do pescoç o, bronzeados pelo sol. Kasim apreciava o prazer de beijar as mulheres nos lá bios, eLorna sabia que esse gesto de ternura era desconhecido dos á rabes autê nticos. Sentiu um calafrio ao se lembrar dos lá bios quentes e possessivos do sheik.

— Concordo com tudo que acabou de dizer, mas nã o posso aceitar que ele faç a de mim uma escrava!

— Uma escrava? — repetiu Omair, com uma expressã o de incredulidade. — Você nã o é uma escrava. Diz tudo o que pensa, anda livremente pelo acampamento e conversa com todos. Por sinal, os á rabes gostam muito de você. Eles disseram que é graciosa como a lua. É muito natural que Kasim també m aprecie sua companhia.

— Ah, você nã o entende! Ele me manté m aqui à forç a, contra minha vontade, como se eu fosse um filhote de tigre que deseja domesticar!

Omair respirou fundo, como se lhe ocorresse finalmente que Lorna era uma moç a inglesa, que nã o estava habituada com os costumes do Oriente.

— Serviria de consolo eu dizer que todos nó s somos presos de certa forma e que somos governados pelo destino? Ningué m faz o que quer. O tempo passa, e percebemos, finalmente, que uma mã o invisí vel nos conduz pelos caminhos da existê ncia. — Omair fez uma pausa e examinou-a em silê ncio com seus olhos negros. — Você foi atraí da pelo deserto. Deixou-se seduzir, e o destino conspirou para prendê -la aqui. Pense nisso. Aqueles que ouvem o chamado do deserto correm sempre esse perigo.

Era verdade. Ela seguira o apelo estranho e cativamente que a levara para longe de Ras Jusuf... mas nunca imaginara que esse chamado iria conduzi-la à companhia de um homem que a privaria de sua liberdade. Que exigia uma obediê ncia cega. Que a encantava com suas narrativas do deserto e que se mostrava inflexí vel, em outras horas, como se ela nã o tivesse vontade pró pria. Ah, nunca iria perdoá -lo por sua ignorâ ncia e crueldade!

— Está ficando tarde — Lorna disse, com voz cansada.

— Vou acompanhá -la até a tenda.

Caminharam em silê ncio pelo acampamento e pararam diante da grande tenda dupla. Ela convidou o mé dico para entrar um pouquinho e tomar um café, mas Omair recusou o convite, com um sorriso sem graç a.

— Muito obrigado, mas nã o posso aceitar. Kasim nã o gostaria que eu tomasse café sozinho em sua companhia, especialmente à noite. Nã o é comum entre nó s...

— Mas ele pode fazer tudo que tem vontade! E se eu ficar doente, você nã o pode me atender?

— Nesse caso, sim. No mais, sou um á rabe perfeito.

— Quer dizer que você acredita no vé u e no haré m?

— Acredito no respeito que devo à casa de meu amigo. — Inclinou a cabeç a, com cerimô nia. — Foi um prazer conhecê -la, Lorna. Espero que sejamos sempre bons amigos.

— Eu també m gostei de sua companhia, Omair. Boa noite.

Emshi besselema.

Omair afastou-se em silê ncio, envolto pelo manto branco que brilhava entre as tendas pretas, e desapareceu de vista. Fora um encontro estranho. Os dois haviam conversado com intimidade, porque a noite dava maior liberdade à expressã o dos sentimentos profundos. Seria por isso que as mulheres á rabes se cobriam com vé u?

Lorna demorou-se um instante na entrada da tenda, sem nenhuma vontade de voltar para sua prisã o solitá ria. Por fim, com um suspiro de resignaç ã o, dirigiu-se para seu aposento, que exalava, como sempre, o perfume de sâ ndalo e de tabaco turco.

Hassan deixara o bule de café em cima do pequeno fogareiro, e, na bandeja, havia doces e bolinhos de amê ndoas com mel. Ela mordeu distraidamente um doce enquanto folheava a revista francesa que apanhou em cima da cama. As pá ginas de culiná ria tinham algumas fotografias dos lugares que visitara com seu pai, no ú ltimo ano que passara em Paris. Uma noite, os dois foram jantar no restaurante La Tour d Argent, e foi ali que ela tomou uma taç a de champanhe pela primeira vez na vida. " Que cada bolhinha seja um dia de felicidade! ", exclamara o pai, levantando o copo num brinde.

Lorna deu um suspiro e levantou-se da cama. Andou algum tempo pelo interior da tenda, que lhe parecia repentinamente vazia sem a presenç a de Kasim. Ele era tã o vital que, mesmo ausente, atraí a todos os pensamentos dela para sua pessoa. Podia vê -lo reclinado no sofá, movendo as peç as no tabuleiro de xadrez, acariciando os cabelos compridos dela, com o ar indolente.

Apagou as lâ mpadas uma a uma e, ao passar pela cortina de contas, ouviu o leve tilintar no silê ncio da noite. O quartoestava frio, e ela colocou uma pele de leopardo em cima da cama. Um camelo gritou lá fora, um graveto seco estalou na fogueira, que ficava acesa a noite inteira, depois o acampamento voltou ao silê ncio.

Lorna continuou acordada por algum tempo, encolhida sob a pele do leopardo, procurando apagar o rosto belo e moreno de sua lembranç a, tentando esquecer a voz melodiosa que cantarolava uma canç ã o francesa e que se despedia dela todas as noites, com uma palavra carinhosa. Outras vezes, ele se debruç ava sobre o rosto dela para ver se estava dormindo, tocava com a ponta do dedo uma lá grima que rolava da face de Lorna, secava-a com os lá bios e deixava uma impressã o de calor na pele dela.

Deu um suspiro e afundou a cabeç a no travesseiro. Tinha de fugir dali! Aproveitaria a oportunidade na manhã seguinte... Sairia de madrugada, antes que Ahmed acordasse. Seu coraç ã o bateu mais depressa, excitado com a idé ia. Fugiria ao nascer do dia, quando ningué m estivesse acordado para impedi-la.

Abriu os olhos e avistou a escuridã o em volta. Respirou fundo o perfume de sâ ndalo das madeiras. No dia seguinte, a essa hora, estaria novamente em Yraa, a muitos e muitos quilô metros do acampamento no deserto.

Estava impaciente para a noite passar... para a madrugada entrar furtivamente na tenda e balanç ar de leve a cortina de contas.

 

 




  

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