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CAPÍTULO XII



 

 

A residê ncia branca e quadrada, construí da no alto de Sidi Kebir, nã o demonstrava por fora sua suntuosidade interior. Apó s atravessarem o portã o duplo, em forma de arco, os viajantes penetraram num grande pá tio cercado de palmeiras, de onde se podiam avistar as duas alas do palá cio.

Desmontaram dos cavalos suados diante da ala esquerda e dirigiram-se para uma grande porta de madeira trabalhada, no alto de uma escadaria. Os homens da comitiva de Kasim tomaram outra direç ã o, uma vez que aquela parte da casa era reservada apenas ao filho do emir.

Ao entrarem no saguã o, Kasim e Lorna foram recebidos com manifestaç õ es de alegria pelos criados, que lhes ofereceram refrescos de frutas. Kasim dirigiu-se a eles em á rabe, e os criados saí ram à s pressas para executar suas ordens. Em seguida, apó s acender um cigarro, ele voltou sua atenç ã o para Lorna, que estava sentada num sofá, visivelmente assombrada com o que via a sua volta.

O luxo do ambiente era deslumbrante. Havia galerias com arcos e uma espé cie de claustro, no meio do qual estava um chafariz revestido de azulejos azuis, sem falar nos biombos de cedro entalhados com motivos de ramagens e de flores, nas lâ mpadas de ferro trabalhadas à mã o, nos mosaicos de cores vivas e nas paredes cobertas de tapeç arias. Em toda parte, reinava o perfume de sâ ndalo e o silê ncio acolhedor de um convento.

— Parece um conto de As Mil e Uma Noites — murmurou Lorna, lembrando-se de que aquele palacete era a residê ncia do emir, pai de Kasim, e que a presenç a dela ali era uma grande honra que lhe fora prestada.

— Está estranhando o ambiente? — perguntou Kasim, notando a expressã o de espanto no rosto dela. — També m me sinto assim toda vez que volto para casa. Tenho saudade do cé u azul sobre a vastidã o do deserto.

Lorna nã o sabia o que dizer. Era uma perfeita estranha ali e nã o se sentia segura nem mesmo na companhia do filho do emir. Kasim parecia distante, alheio, preocupado, enquanto andava de um lado para o outro do saguã o.

— Vou fazer uma visita a meu pai. Kasha vai cuidar de você. Ela foi a camareira pessoal de minha mã e.

Lorna sentiu-se mais aliviada ao ouvir essa informaç ã o. Conseguiu inclusive dar um sorriso e levantar-se do sofá.

— Espero que seu pai tenha melhorado. Quando acha que poderei fazer-lhe uma visita?

— Nã o posso adiantar nada. — Segurou-a pela mã o e franziu a testa ao perceber seu nervosismo. — Nã o precisa ter medo. Meu pai nã o é nenhuma fera. Como a maior parte dos á rabes, ele se interessa pelas amizades do filho e está curioso para conhecer a pé rola que encontrei no deserto...

— Nã o diga isso! — exclamou Lorna, soltando bruscamente a mã o no momento em que uma mulher apareceu na sala.

Era uma senhora baixa e tinha um pano enrolado na cabeç a que lhe cobria metade do rosto. Cumprimentou Kasim com alegria e voltou-se para Lorna com os olhos fundos, muito escuros, como se guardassem segredos de outros tempos.

— Kasha vai acompanhá -la a seu quarto e providenciar tudo que for necessá rio — disse Kasim, apagando o cigarro no cinzeiro em cima da mesa. — Como está meu pai, Kasha?

A mulher abriu os braç os, num gesto expressivo.

— Os mé dicos disseram que ele se recuperou da crise. O resto é com Alá.

— Ele está conversando normalmente? Nã o ficou muito abatido com a doenç a?

— Ele está conversando bem. — Um sorriso surgiu no rosto da empregada ao admirar o homem alto e imponente que ela carregara no colo, — Ele está com muita saudade do filho, que fez do deserto sua residê ncia há muitos meses.

— Eu pretendia vir antes — Kasim falou, olhando de relancepara Lorna. — Contudo, o deserto tem um encanto que nã o consigo esquecer. A gente nunca sabe o que encontrar lá.

Com um sorriso no canto dos lá bios, Kasim deu meia-volta e atravessou o saguã o, saindo pela porta dupla que levava ao interior do palá cio. Lorna encontrou os olhos da velha criada que conhecera a mã e de Kasim e procurou conquistar sua simpatia.

— Espero que sejamos amigas, Kasha — disse, com um sorriso. Os olhos negros percorreram-na de alto a baixo em silê ncio,

observando a calç a de montaria e depois o lenç o que lhe cobria os cabelos. Havia curiosidade e simpatia no olhar que dirigiu a Lorna.

— Venha comigo, lella. Vou levá -la a seu quarto, onde poderá tomar um banho e repousar da viagem.

Subiram um lance de escada e atravessaram o corredor que levava ao terraç o, onde ouviram o lamento alto de um muezzin, chamando os fié is para a oraç ã o. Era a primeira vez que Lorna presenciava esse costume antigo entre os muç ulmanos e sentiu uma sensaç ã o estranha que nunca lhe ocorrera no deserto.

Afastou-se com relutâ ncia do terraç o e foi conduzida por Kasha a seu aposento, que estava profusamente decorado com flores e ramagens. Havia uma inscriç ã o em á rabe gravada em dourado no alto da porta, e Lorna parou um instante para examiná -la.

— O que significam essas palavras, Kasha?

— Está escrito aí que o amor é a porta do jardim das romã s — respondeu Kasha, virando-se de frente para ela. — Quem colhe uma romã conhece a doç ura.

Lorna corou e voltou o rosto, ao perceber que Kasha aplicava a ela o significado das palavras.

— A lella quer visitar o haremlik?

— Ah, sim. Gostaria muito.

Eram trê s aposentos, cada um deles separado por um biombo de cedro, entalhado e rendilhado. No aposento principal, havia sofá s em cima de estrados e lâ mpadas de prata penduradas em correntes presas nas vigas do teto. Os tapetes eram coloridos e extremamente macios, e as janelas estreitas estavam protegidas com grades de ferro trabalhadas.

Os mó veis do quarto eram incrustados com madrepé rola. Cortinas de renda, muito fina, estavam penduradas em voltada cama e, na penteadeira, havia uma coleç ã o prodigiosa de potes e frascos de perfume.

O banheiro era simplesmente deslumbrante! No meio, tinha uma pequena piscina de ladrilhos verdes, cercada em toda a volta por arcos, embaixo dos quais floriam pé s de acá cia, dentro de grandes vasos de cobre. Os armá rios eram decorados com desenhos coloridos, e, dentro de um deles, Lorna encontrou uma grande variedade de essê ncias e ó leos aromá ticos.

Ela ficou boquiaberta com o luxo dos aposentos. Aquele era o haremlik de Sidi Kasim ben Hussayn. Era natural que possuí sse uma coleç ã o tã o variada de perfumes e cosmé ticos, de roupas de seda e chinelos bordados.

Kasha abriu a torneira de á gua quente e espalhou essê ncia de rosa em toda a volta da piscina. Lorna despiu a roupa de montaria e sorriu de alegria ao entrar na á gua morna, enquanto Kasha apanhava toalhas no armá rio, roupas í ntimas e uma tú nica deslumbrante de seda azul, com as mangas amplas bordadas de fios de prata.

Lorna adorou o vestido no momento em que o pô s. Com os cabelos dourados e os olhos azuis, estava tã o linda quanto uma moç a medieval. A seda era muito macia, e ela nã o cessava de apalpá -la.

— O café está sendo servido no quarto ao lado — Kasha avisou-a, observando-a com uma certa compaixã o no olhar.

Foi esse olhar que levou Lorna a fazer uma pergunta. Uma pergunta que a preocupava desde o momento em que entrara no palá cio.

— Kasim me contou que você foi a camareira da mã e dele. Como ela era, Kasha? Eu gostaria muito de saber.

— Ah, minha ama era muito bela.

— Sei disse. Vi um retrato — disse Lorna, sentando-se diante da mesinha e servindo-se de café. — Mas era feliz aqui?

Um olhar reservado cobriu a fisionomia aberta de Kasha.

— Ela era a esposa favorita do emir, lella.

— Ele tinha mais de uma esposa? — perguntou, levando a xí cara aos lá bios,

— Naturalmente, filha — Kasha respondeu, abrindo os braç os, como se a resposta fosse evidente. — A lella nã o sabia que meu amo tinha duas esposas? A irmã de Sidi Kasim nã o é filha da primeira esposa. Depois do nascimento do menino, minha ama nã o podia mais ter filhos, por isso o emir casou-se de novo. É o costume entre nó s. Isso nã o significa que o marido se esqueç a da primeira esposa.

Lorna ouviu com atenç ã o a explicaç ã o da criada e compreendeu que estava entre estranhos, num paí s distante, cujos costumes eram exó ticos e diferentes dos seus. Ali os homens podiam ter mais de uma mulher e nã o dedicavam todo seu amor a uma só! Um arrepio repentino percorreu seu corpo. Bebeu o café, comeu um bolinho de amê ndoa e procurou pensar em outra coisa depois que Kasha saiu do quarto.

Alguns instantes depois, no entanto, uma moç a surgiu silenciosamente à porta. Parou junto à coluna e observou Lorna com atenç ã o. Tinha olhos castanhos, da cor de amê ndoas, e seu rosto era delicado e moreno. Ao dar um sorriso, Lorna avistou os dentes perfeitos. Ela tinha uma pinta preta na face e usava uma mantilha de seda em volta dos ombros, que caí a maravilhosamente sobre o corpo esguio.

— Ah, já sei! Você é o pequeno falcã o que meu irmã o trouxe no pulso! Ele disse que seus cabelos sã o da cor do mel selvagem.

— E você é Turqeya! — exclamou Lorna, fascinada com a moç a exó tica, cujas sobrancelhas estavam unidas no alto do pequeno nariz, e cujas unhas estavam tingidas de henna.

Era uma criatura encantadora, como uma miniatura a ó leo!

— Sente-se aqui — Lorna pediu, com animaç ã o, apontando para um lugar a seu lado no sofá. — O café ainda está quente, e os bolinhos de amê ndoas estã o deliciosos.

Turqeya aceitou o convite com um sorriso e sentou-se no sofá entre as almofadas.

— Que bom você ter vindo! Estava curiosa para conhecê -la e tinha certeza de que ia gostar muito de você...

Lorna estava visivelmente fascinada com a maneira ingê nua e espontâ nea da moç a. Estendeu-lhe uma xí cara de café e apontou para os bolinhos que estavam em um pratinho.

— També m estou muito contente em conhecê -la, Turqeya.

— E verdade que viajou a cavalo pelo deserto? O deserto é tã o grande... Nã o teve medo?

— Um pouquinho, mas adorei o deserto. Alguns dias atrá s, fomos surpreendidos por uma tempestade de areia e quasemorremos soterrados... Mas depois que o perigo passou, foi muito divertido. Seu irmã o salvou minha vida.

— Ah, é verdade? Ele nã o costuma andar no deserto na companhia de mulheres... Imagino que você seja um caso especial. Ele sempre teve predileç ã o pela cor do jasmim, e seus olhos sã o exatamente dessa cor... azul-escuros, com um tom de violeta.

— Ele nunca me contou isso — disse Lorna, procurando ocultar seus sentimentos verdadeiros.

—  Mas Kasim deve gostar muito de você!

— Bem, quando ele está de bom humor, trata-me muito bem — Lorna falou, abaixando os olhos. — Como este palá cio é enorme, Turqeya! Estou ansiosa para conhecê -lo, especialmente o jardim, que deve ter muitas flores exó ticas e cisternas antigas.

— Está um pouco escuro lá fora para poder ver os jasmins, mas você pode sentir o perfume. Venha comigo! — Turqeya levantou-se com agilidade e estendeu a mã o para Lorna.

Levou-a em direç ã o à porta de vidro que dava para o balcã o, protegido por uma grade dourada.

Lorna debruç ou-se no parapeito e aspirou o perfume forte que subia pelas paredes. Uma ave cantou no meio das roseiras. Ao longe, estavam as cú pulas e os minaretes de Sidi Kebir... uma cidade prateada, enfeitada pelo luar.

Subitamente, a beleza da paisagem lhe causou uma certa apreensã o. Estava feliz em saber que seus olhos eram da cor do jasmim, a flor preferida de Kasim. Ao mesmo tempo, contudo, como as flores do jardim, ela nã o podia permanecer para sempre ali.

— E seu pai, como está?

— Ah, ele nã o está nada bem — Turqeya respondeu, com um suspiro. — Estou com pena de Kasim. Ele sempre foi um homem do deserto e agora vai perder a liberdade. Se meu pai nã o se recuperar completamente, o que é pouco prová vel, Kasim deve assumir sua posiç ã o e vestir o manto vermelho do poder.

— O manto vermelho?

— É o sí mbolo do poder entre as tribos á rabes — explicou Turqeya. — O povo adora Kasim porque ele é bonito, corajoso e viril. Os á rabes respeitam apenas o emir e, mesmo assim, nã o temem expressar seus sentimentos profundos à s vezes.

— Seu pai é muito severo? — perguntou Lorna, sem poder ocultar sua ansiedade.

— Antes, sim. Quando eu era menina, ele me assustava muitotoda vez que ia visitar minha mã e. Eu corria e me escondia dentro da arca. À s vezes, quando ele estava de bom humor, procurava-me pela casa toda e me dava balas. Ele gostava de mim porque eu era muito meiga, mas ele sempre quis ter um outro filho. Se Kasim tivesse um irmã o, agora estaria livre para levar a vida que lhe agradasse. Mas como nã o tem...

Turqeya voltou para o quarto, e Lorna seguiu-a com um arrepio de frio.

— Está com frio? — perguntou Turqeya, percebendo o tremor do corpo de Lorna.

— Um pouquinho — disse, indo aquecer as mã os no braseiro que estava aceso no canto do aposento.

— Gostou de seu quarto?

Turqeya voltou a se sentar entre as almofadas bordadas do sofá e comeu um bolinho de amê ndoas com mel. Ela parecia uma gata de estimaç ã o, e Lorna nã o se cansava de admirá -la. Era a irmã encantadora do sheik energé tico e autoritá rio, e combinava perfeitamente com o ambiente de luxo e requinte a sua volta.

— Nunca vi um quarto mais lindo em minha vida — falou Lorna por fim, sentando-se a seu lado. — A mã e de Kasim morava aqui?

Ela nã o sabia por que, mas o ambiente lhe parecia um pouco triste, a despeito do esplendor dos objetos. Ocorreu-lhe novamente que Elena, a mã e de Kasim, nã o fora completamente feliz naquele palá cio. Como mulher europé ia, nascida na Espanha, nã o podia habituar-se com a vida enclausurada de uma esposa á rabe. O emir, por sua vez, segundo a descriç ã o de Turqeya, devia ter sido um homem terrivelmente severo quando moç o.

— Sim, ela morava neste palá cio — respondeu Turqeya, limpando o mel dos lá bios no guardanapo. — Minha mã e, no entanto, era turca. Ao que parece, os homens de nossa famí lia gostam das mulheres de fora...

Lorna percebeu o olhar malicioso da moç a e tentou corrigir a impressã o que sua presenç a causava no palá cio.

— Nã o se esqueç a de que sou apenas a convidada de seu irmã o. Turqeya olhou-a, com perplexidade.

— Como? Entã o sã o apenas amigos? Pensei que fossem namorados!

— O deserto é o ú nico amor de seu irmã o.

— Mas você gosta dele, nã o é?

— Bem, confesso que o charme dele me encantou — Lorna falou, meio sem jeito. — Em princí pio, ele me pareceu um tirano, mas, com o passar do tempo, notei que podia ser també m extremamente carinhoso. Há uns dias, tentei fugir dele...

— A mulher foge do homem que ama — Turqeya disse, abaixando os cí lios compridos. — Outras vezes, é o homem quem se afasta do que nã o pode ter.

Enquanto Lorna meditava sobre essas palavras, Turqeya escondeu o rosto pequeno atrá s do vé u, como se tivesse um segredo que nã o podia revelar. Lorna lembrou-se, entã o, do que Zahra dissera a respeito de Kasim: que estava decidido a escolher um marido para a irmã entre os pretendentes que se apresentavam ao palá cio do emir.

De repente, com um movimento gracioso, Turqeya levantou-se do sofá e foi abraç ar o irmã o, que entrara no aposento.

Kasim beijou sua irmã no rosto, com uma alegria visí vel.

— Está cada dia mais bonita, minha irmã!

— E você está cada dia mais bronzeado e forte... tã o forte que tenho medo de seu abraç o!

— Parece que foi ontem que você brincava de se esconder atrá s das palmeiras — disse Kasim, balanç ando a cabeç a. — Agora está com sombra nos olhos, as unhas tingidas de henna. Com uma pele tã o linda como a sua, é uma judiaç ã o passar esses produtos de beleza...

— Na cidade a gente precisa se maquilar, para ser chique!

— O quê? Você nã o precisa cobrir-se de pinturas para ser atraente — Kasim falou, molhando a ponta do dedo e apagando a pinta preta que Turqeya desenhara na face.

— Seu antipá tico! — exclamou a irmã, dando um tapinha na mã o dele. — Se eu fosse Lorna, fugiria de você!

— Ela já fugiu uma vez! — disse Kasim, olhando de relance para Lorna.

Ao avistar o vestido azul que estava usando, ele sorriu de satisfaç ã o. O tecido fino combinava com a cor dos olhos e acentuava a pele, que agora estava mais morena.

— Como está seu pai? — perguntou Lorna.

— Está se recuperando lentamente... Conversamos algum tempo sobre assuntos que o preocupavam.

— Ah, ele queria muito que voltasse, irmã o! — exclamou Turqeya, pousando a mã o de leve sobre o ombro largo de Kasim.

— Você prometeu a ele que nã o vai mais embora?

Kasim encarou a irmã, com uma expressã o sombria. A saudade que sentia do deserto era mais forte que tudo, pensou Lorna, surpreendendo seu olhar. O deserto era a paixã o de sua vida... ela era apenas um interlú dio.

Turqeya conversou com os dois mais algum tempo e depois retirou-se para seu quarto. Eles jantaram sozinhos no aposento de Lorna, e, como era costume no deserto, Hassan serviu a mesa, O criado fazia parte da comitiva que acompanhara o prí ncipe a Sidi Kebir.

— Gostou do palá cio?

— É maravilhoso como um conto á rabe! Eu conservaria com muito carinho todas essas coisas antigas se o palá cio fosse minha casa.

Kasim ouviu o comentá rio em silê ncio, e Lorna respirou, aliviada, quando a refeiç ã o terminou. A presenç a de Kasim aumentava sua ansiedade, corno se tivesse medo de perdê -lo de um instante para o outro.

— Vamos ao terraç o ver a cidade — Kasim disse, depois que tomaram café. Segurou-a um momento nos braç os e mergulhou os olhos nos dela, como se quisesse ler seus pensamentos. — Vou apanhar um agasalho para você. A noite está fria, e pode pegar um resfriado.

Lorna aguardou sua volta, com certa apreensã o. No deserto, ela conhecera o cé u e o inferno na companhia dele, mas nada se comparava à tortura de estar com Kasim na casa onde ele nascera e fora criado. Olhou em volta de si, como se a presenç a da mã e dele pairasse sobre o ambiente e quisesse adverti-la do perigo que corria...

Kasim voltou logo depois com uma capa de lã, forrada de seda, que passou em volta dos ombros dela.

Saí ram do aposento por uma porta alta de madeira rendilhada e seguiram o corredor em direç ã o à escada estreita que levava ao terraç o, de onde se tinha uma vista suntuosa da cidade.

A luz prateada da lua cheia parecia intensificar a tranqü ilidade da noite. Ao longe, havia casas com jardins cercados de muros, ruas estreitas e sinuosas que iam terminar no centro da cidade. Podiam sentir a vibraç ã o das vozes, os perfumes penetrantes que subiam pelo ar, ouvir os lamentos insistentes da mú sica á rabe, que acrescentavam um encanto exó tico à paisagem.

— Lembra uma tapeç aria preta e prateada — murmurou Lorna. Os odores da noite, o sussurro da mú sica e o ar de misté rio

criavam uma atmosfera fascinante. Mais do que nunca, ela sentiu o encanto irresistí vel do homem a seu lado, muito alto e cheio de vitalidade no cafetã branco, vestido por cima da calç a de linho. O coraç ã o dela bateu mais depressa. O contato de suas mã os a deixava arrepiada e lâ nguida.

— O luar está preso em seus cabelos — sussurrou Kasim. — Você faz parte da tapeç aria prateada.

Quando seu há lito soprou-lhe os cabelos, ela desejou correr para longe dali, no pâ nico do amor. Ao mesmo tempo, daria tudo para deitar a cabeç a em seu ombro e pedir-lhe amor de volta.

Se gostasse dela, como a noite seria maravilhosa, como o futuro seria excitante!

— Amanhã, vou apresentá -la a meu pai. Ele expressou odesejo de conhecê -la.

Ela sentiu uma contraç ã o no estô mago. O que aconteceria se o emir fizesse objeç ã o a sua presenç a no palá cio? Se dissesse ao filho para mandá -la embora? Kasim dera a entender que o pai desfrutava de uma autoridade absoluta, e Turqeya falou dele mais com admiraç ã o do que com afeiç ã o de filha.

Lorna contemplou a cidade banhada pelo luar e lembrou-se de seu pai. Ah, ele teria adorado pintar uma paisagem como aquela! As cú pulas e os minaretes agradariam certamente a sua sensibilidade artí stica. Sidi Kebir era a cidade com que ele sonhara! Quando se voltou, notou que o rosto de Kasim estava sombrio ao luar. Era evidente que estava preocupado e que també m nã o desejava revelar o motivo.

— Talvez fosse melhor se eu tivesse ido para Yraa. Nã o quero complicar sua vida, Kasim. Especialmente com seu pai doente.

— Nã o, nã o seria melhor — Kasim respondeu, passando o braç o em volta de sua cintura e estreitando-a contra a amurada do terraç o. — Eu nã o poderia deixá -la, sem primeiro fazer a devida reparaç ã o pú blica.

— Reparaç ã o pú blica? — repetiu Lorna, espantada, sem saber se era o coraç ã o dele que batia com tanta forç a no peito.

Nem mesmo o luar podia passar pelo meio dos dois quando Kasim estreitou-a nos braç os e o vento da noite soprou os cabelos loiros, como uma né voa transparente.

— Amanhã, você saberá — disse Kasim, fitando-a nos olhos.

 




  

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