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CAPÍTULO XI
A violenta tempestade de areia modificara os contornos da paisagem. Parecia que um gigante havia removido as dunas para outras partes. Kasim percorreu com os olhos aquela vastidã o desolada, a fim de localizar a direç ã o que deviam tomar em relaç ã o ao sol nascente, Para o norte estavam as colinas de Yraa e o hotel onde Lorna pretendia chegar no dia anterior. Ela inclinou a cabeç a, e o sol iluminou os cabelos dourados. — Nossa direç ã o é para o sul — disse Kasim finalmente, com voz firme. Qual seria a reaç ã o dele se Loma dissesse que desejava ir para o sul e nunca mais voltar para o norte? Mas ela nã o podia lhe revelar esse segredo. — Tem certeza? Nã o há perigo de nos perdermos no deserto? — Nã o me importo de me perder com você — respondeu, com um sorriso. — Seus cabelos estã o roubando a luz do sol... e você está com uma aparê ncia fantá stica depois da tempestade de ontem. Ela olhou para o rosto moreno, com a barba crescida, e deu um sorriso de superioridade. — Nã o se aproveite disso! — exclamou Kasim. Deu um passo à frente, mas ela recuou instintivamente, fazendo Kasim chocar-se contra o cavalo, que sacudiu o corpo e fez tilintar as argolas de prata. Lorna sorriu, com a cabeç a inclinada para trá s, quando Kasim apertou-a nos braç os. — Eu poderia quebrá -la e jogar os pedaç os na areia — ele murmurou junto a seu ouvido. — Ou poderia amansá -la, como um potro selvagem. — Só porque nã o tomei café e estou me sentindo fraca. Ele sorriu e beijou-a nos olhos, que pareciam duas flores azuis abertas ao sol. A vida agitada que levava no acampamento tinha alguns momentos de descanso na companhia dela e podia fugir das barreiras sociais que sua posiç ã o lhe impunha. Nã o desejava uma escrava submissa. Ele a queria com seus cabelos cor de sol, a pele clara e luminosa que contrastava visivelmente com a dele. Kasim a desejava, e Lorna era dele, com ou sem o amor que podia receber de um homem mais civilizado. Enquanto os lá bios dele cobriam seu rosto de beijos, Lorna morria de amor, de saudade do passado, de medo do futuro. Ficou arrepiada com os pê los crescidos da barba que espetavam sua pele. — Vamos — ele falou por fim. — Nã o podemos nos demorar mais. Soltou-a e examinou o cavalo preto para ver se estava tudo em ordem. A metade da á gua do cantil fora dada ao valente animal que deveria transportá -los durante muitas horas pelo deserto, sob os raios escaldantes do sol. O cavalo abanou a cabeç a ao contato da mã o de seu dono e empurrou o ombro dele com o focinho, num gesto de amizade. Lorna observou os dois enquanto passava o lenç o no rosto e lembrou-se do que Kasim dissera antes, que dava mais atenç ã o aos cavalos do que à s mulheres que cruzavam seu caminho. Quantas mulheres haviam sido? Ele era tã o forte e bonito que Lorna nem podia calcular o nú mero de moç as á rabes que deviam ter atravessado seu caminho. Afinal, ele era o filho do poderoso emir de Sidi Kebir. Um prí ncipe de nascenç a. Com um salto á gil, Kasim montou no cavalo e estendeu-lhe a mã o. — Ponha o pé no estribo. Ela obedeceu e foi erguida pelo braç o forte que a colocou a sua frente, junto ao santantô nio. — Coitado do Califa... vai carregar nó s dois debaixo deste sol. — Você nã o pesa mais que uma folha de palmeira. E esta nã o é a primeira vez que ele nos leva juntos... lembra-se? — Como eu poderia me esquecer? Dessa vez, poré m, Lorna nã o estava assustada, como da primeira vez, e pô de apreciar devidamente a beleza da paisagem. O cé u estava amarelado, e, visto de longe, o deserto tinhauma aparê ncia lisa e aveludada. A brisa que soprava era fresca e reconfortante. Ela nunca sentira antes, com tanta intensidade, a beleza impiedosa e desolada do deserto. As colinas de Yraa ficaram para trá s, em forma de pontinhos brilhantes no horizonte azulado, mas Lorna nã o voltou à cabeç a naquela direç ã o. Por volta do meio-dia, Kasim e Lorna encontraram um bando de beduí nos que estavam acampados no deserto, a sua maneira rú stica e improvisada. Depois de matarem fartamente a sede, os dois foram convidados para entrar um pouco nas tendas abertas, a fim de poderem descansar um pouco, abrigados do sol inclemente daquele horá rio. Lorna estava faminta e comeu como um beduí no do deserto, segurando a carne assada com um pedaç o de pã o. Normalmente, ela deveria ter ido para a tenda das mulheres. Kasim, poré m, explicou aos beduí nos que seu companheiro de viagem era um rapaz á rabe que se perdera na tempestade da noite anterior. — Ele está faminto e assustado com tudo o que aconteceu. Os á rabes balanç aram a cabeç a e aceitaram a explicaç ã o em silê ncio. Quando o chá foi servido no fim da refeiç ã o, Kasim murmurou no ouvido de Lorna para nã o retirar o pano que lhe cobria o rosto. — Os á rabes nã o tê m cabelos dessa cor — ele acrescentou. O chá fora preparado com hortelã, e Lorna, que estava com muita sede, bebeu dois copos cheios. Satisfeita com tudo o que comera e bebera na tenda dos beduí nos, reclinou-se por fim numa almofada. Ouviu, sonolenta, a conversa dos homens, que falavam em voz baixa e gutural. Eram criaturas rudes, de gestos e maneiras grosseiras, mas extremamente bondosas. Quando Kasim se despediu deles, os nô mades lhe deram um cantil de á gua e alguns pã es, com fatias de queijo fresco. O sol se punha no horizonte, como um borrã o vermelho, quando os dois se puseram novamente a caminho, deixando para trá s as tendas pretas e baixas onde foram recebidos com muita hospitalidade. Lorna seguia com a cabeç a apoiada no ombro de Kasim. O perfil moreno estava contornado pela luz crepuscular da tarde, e ele lhe parecia mais belo e irresistí vel do que nunca. Entretanto, jamais confessaria o que sentia por esse homem, para quem o amor de uma mulher era inferior ao amor que ele sentia pelo deserto, pelos cavalos, pelas tribos que governava, pelo pai idoso que um dia o chamaria de volta a Sidi Kebir. Anoiteceu, e a temperatura caiu rapidamente. Havia um esplendor má gico na tranqü ilidade da paisagem noturna, no cé u coberto de estrelas. Algumas riscavam o espaç o negro, como minú sculos cometas prateados. Kasim parecia absorto em seus pensamentos, e Loma o contemplou em silê ncio. Em dado momento, ele se voltou e perguntou se ela estava muito cansada. — Um pouco — ela respondeu. — Estamos perto do acampamento? — Em menos de uma hora, estaremos lá. — Voltou a cabeç a para o alto. — As estrelas estã o brilhando como pedras preciosas. Gostaria de estender a mã o e apanhar um punhado. — Eu me contentaria com uma. — Sei disso. Você desprezou o colar de pé rolas que lhe dei. Preferia ser um rapaz, como eu disse aos beduí nos? — Ah, se eu fosse um rapaz... — Nã o teria me atraí do — Kasim falou, com uma risada. — Nem mesmo com seus cabelos cor de ouro... — Depois da tempestade de ontem, eles estã o precisando de um bom xampu... — Você parece um gato... Está sempre se limpando! Ao entrarem no acampamento, meia hora depois, os homens e as mulheres correram ao encontro deles num tumulto de exclamaç õ es e gritos de alegria. Lorna desceu do cavalo e dirigiu-se para a tenda dupla, onde agora se sentia mais em casa do que em qualquer outro lugar. Retirou rapidamente as botas, passou os dedos pelos cabelos grudentos de areia e bebeu sofregamente a limonada fresca que Zahra lhe ofereceu. — Que susto nos deu, lella! — Zahra exclamou, segurando a mã o de Lorna. — Por que fugiu? — Porque sou uma louca, Zahra — Lorna respondeu, tirando a areia da roupa. — Preciso urgentemente tomar um banho. — Já pus á gua no fogo. Enquanto meu amo estava ausente, chegou uma mensagem de Sidi Kebir... O emir está doente e mandou chamar o filho. Lorna voltou-se, boquiaberta, para a moç a á rabe, com o rosto repentinamente pá lido. — O emir está doente? — Foi o que ouvi dizer. Meu amo pretende viajar para lá. A lella també m vai ao palá cio do emir? — Nã o, Zahra, penso que nã o. Vou ficar aqui no acampamento... ou voltar para Yraa. Vou decidir ainda. O emir está muito mal? — Creio que sim. Ele é muito velho, embora o filho seja moç o ainda. Os homens do Oriente se casam com mulheres bem jovens, e a mã e do prí ncipe era muitos anos mais moç a que o emir. Morreu quando o filho tinha treze anos, idade em que os meninos se tornam homens. — Aos treze anos os meninos se tornam adultos? — repetiu Lorna, espantada. — Em meu paí s, ele seria um menino de colé gio, só preocupado em jogar futebol! Por favor, Zahra, traga a á gua quente. Preciso tirar essa areia do corpo... Fomos surpreendidos por uma tempestade ontem à noite e tive muita sorte de ser encontrada pelo sheik. — A lella ficou contente? — Fiquei com muito medo — respondeu Lorna, em voz baixa. No momento em que Zahra saiu da tenda, Lorna caiu no sofá e afundou a cabeç a na almofada. Estava perplexa com a notí cia, e seu coraç ã o doí a terrivelmente. O emir mandara chamar o filho, e Kasim partiria o mais rapidamente possí vel para Sidi Kebir. Ela nã o seria convidada para ir ao palá cio. Era o destino... Logo agora que desejava tanto sua companhia, Kasim fora chamado para longe! Depois do banho, Lorna sentou-se na beira da cama, com a toalha envolta no corpo. Estava escovando os cabelos quando Kasim entrou na tenda. Ele també m tomara banho e estava vestido com uma tú nica branca aberta no peito. Os cabelos escuros estavam brilhantes, mas os olhos castanhos estavam sombrios quando a encarou. — Hassan está trazendo nosso jantar. Está se sentindo melhor depois do banho? O quarto ainda estava perfumado com os ó leos aromá ticos que Zahra despejara na á gua quente, e Lorna apertou, sem jeito, a toalha no corpo, ao perceber o olhar intenso de Kasim, — Preciso me vestir... — Ainda temos tempo. — Sentou-se ao lado dela, apanhou a escova de suas mã os e começ ou a escovar os cabelos loiros, muito compridos, macios e leves como os de uma crianç a. — Se nos despedirmos hoje à noite, vou me lembrar para sempre de seus cabelos cor de ouro... — Você vai viajar? Ele soltou a escova e segurou-a pelos ombros. — Meu pai está muito doente, e vou partir amanhã cedo para Sidi Kebir. — Amanhã? — Ele sofreu um ataque do coraç ã o. — Ah, que horror! — Precisamos resolver essa situaç ã o hoje à noite. — Claro. Ela evitou encontrar seu olhar para nã o revelar o desejo que sentia de permanecer para sempre ali, em sua companhia. O orgulho era um sentimento que pertencia ao passado, submerso pelo amor que surgira em seu coraç ã o. Nã o queria separar-se de Kasim. Do sentimento terrí vel do medo nascera o sentimento terno do amor. O rosto dele estava sé rio, pensativo, quando se levantou com um suspiro e ficou junto à cama. — Vamos discutir esse assunto mais tarde. Vou esperar você se vestir. Nã o demore muito. Hassan vai trazer o jantar dentro de alguns minutos. Ela concordou com um movimento de cabeç a e começ ou a vestir os trajes orientais que nã o lhe pareciam mais estranhos e esquisitos como antes. Era a ú ltima vez que se vestia assim para agradar ao sheik. Parou um instante diante da cortina de contas, antes de passar por ela e, por um momento, Lorna pô de admirar à vontade os ombros largos, a cabeç a altiva, a graç a elegante do corpo. Quando surgiu na sala, ela parecia fria e controlada. No í ntimo, poré m, sentia o medo terrí vel da separaç ã o iminente. A liberdade nã o contava mais. Queria ser sua escrava para sempre. — O jantar está servido. Deve estar com muita fome, depois desse dia no deserto... - O cheiro da comida está delicioso — falou, sentando-se entre as almofadas do sofá. Kasim serviu-lhe uma coxa de frango, temperado com ervas aromá ticas e acompanhado de legumes cozidos na manteiga. — Hassan é um excelente cozinheiro e poderia trabalhar nos melhores hoté is da cidade... Você nunca pensou nisso? — O homem que vive no deserto nã o se habitua com a vida na cidade. — E você, gostaria de voltar para lá? No canto da sala, o braseiro ardia, aquecendo e perfumando sutilmente o ar. A entrada da tenda estava fechada. Os dois estavam sozinhos, a intimidade era completa e, ao mesmo tempo, ameaç adora. — Se meu pai morrer, terei de morar na cidade. Nã o poderei mais levar a vida dos beduí nos. No deserto, o homem é apenas homem. Está pró ximo da natureza, à s vezes do perigo, mas nunca está sujeito à s convenç õ es impostas pela sociedade. Eu daria tudo... Kasim interrompeu o que ia dizer, com um gesto fatalista de resignaç ã o. Lorna completou a frase mentalmente. Ele daria tudo para ser um homem livre como Ahmed ou como os nô mades que encontraram no deserto. Terminaram o jantar e continuaram a conversar depois que Hassan serviu o café. Naquela noite, beberam café preparado à maneira á rabe, aromatizado com essê ncias da terra. Lorna apreciou o gosto forte, marcante, como a personalidade do homem que andava pela tenda, com passos macios como os de um leopardo. Havia um brilho diferente nos olhos de Kasim. O corpo alto projetava uma sombra comprida no chã o, enquanto acendia um cigarro atrá s do outro, consecutivamente. Lorna nã o associou o nervosismo dele à iminê ncia da partida. Kasim nã o se prenderia a nada que fosse contra seus deveres. Ele se despediria dela sem a menor hesitaç ã o. No fundo, ela nã o passava de uma distraç ã o... uma mulher bonita reclinada nas almofadas do sofá, vestida de seda, coberta com as jó ias que ele lhe dera. Kasim voltou-se bruscamente, com um gesto de impaciê ncia. Observou-a atentamente, com os olhos estreitados. Lorna estava sentada no sofá, o colo destacado pela tú nica de seda, os pé s pequenos nos chinelos turcos. — Em que está pensando? — ele perguntou, com voz cortante. — Parece tã o tranqü ila! Está contente com minha partida? Está impaciente para se ver livre de mim? Lorna nã o soube o que responder. Estava muito emocionada, muito abatida pela dor, prestes a explodir no choro. Kasim, poré m, nã o devia suspeitar de seus sentimentos, da tristeza que ela iria sentir quando ele partisse, com a capa esvoaç ante sobre a garupa do cavalo, uma figura contornada vivamente no cé u pá lido da madrugada. — Olhe para mim! — Kasim ordenou. Lorna nã o ousou levantar os olhos e recuou instintivamente no momento em que ele a segurou pelo queixo, a fim de fitá -la nos olhos. As mã os de Kasim estavam quentes e tinham um cheiro penetrante de tabaco turco. — Amanhã você estará livre! — exclamou, segurando as pé rolas do colar como se fosse arrancá -lo do pescoç o dela. O olhar, o gesto, a inflexã o de voz, tudo conspirava para fazê -la sofrer. — Pensei que fosse me vender para algum á rabe rico — Lorna murmurou. Os olhos castanhos brilharam intensamente. No instante seguinte, ele estava ao lado dela no sofá. Agarrou-a nos braç os, apertou-a, beijou-a com tanta violê ncia que ela ficou assustada e extasiada. — Vou levá -la comigo! Seus olhos azuis sã o como os jasmins que crescem no jardim do palá cio, e irá ver essas flores embaixo das janelas de meu quarto. Lorna encarou-o fixamente e viu o nervo que tremia no canto da boca de Kasim. Ela nã o podia acreditar nas palavras que ouvira. Estava muda de espanto. — Ouviu o que eu disse? Vou levá -la comigo para o palá cio e vou apresentá -la a meu pai! — Para o palá cio? — Meu pai ouviu falar de você. Ele quer conhecer a " bela inglesa" que hospedo em minha tenda... — Nã o vai me mandar de volta para Yraa? — Sinto muito, querida, mas nã o posso contrariar a vontade de meu pai. Sobretudo agora, quando está à beira da morte. Você irá comigo amanhã cedo. — E depois? Como será depois? — Como posso saber? — Kasim levantou-se do sofá com um movimento brusco e foi até a escrivaninha, no canto da tenda. Abriu uma gaveta e retirou um objeto de dentro. Voltou para o sofá, ergueu a mã o dela e experimentou vá rios ané is em seu dedo, até encontrar um que cabia perfeitamente. Lorna fitou-o, boquiaberta, sem prestar atenç ã o ao anel de safira. — A estrela solitá ria que você queria. — Está me cobrindo de jó ias ultimamente... É para me mostrar a seu pai? Kasim sorriu, e a tensã o que vibrava no ambiente cessou finalmente naquela noite. Ele a abraç ou e a beijou no colo descoberto. — Gostou do anel, meu amor? — É lindo... — Mas nã o se compara com você — ele murmurou em seu ouvido. — Posso fazê -la arder com meu desejo? — Para se enjoar de mira? Ele sorriu com indolê ncia e acariciou a nuca de Lorna, fazendo-a arrepiar-se toda. — Há quanto tempo estamos juntos? As vezes, tenho a impressã o de que se passaram apenas alguns dias... Ela fechou os olhos quando ele a beijou nos lá bios. Em seguida, Lorna respondera-lhe quantos dias havia que estavam juntos, sorvendo o que para ele deveria ser apenas mais um prazer do momento. — O ar do deserto fez bem a você. Nã o me lembro de tê -la visto doente nenhum dia. — Preocupou-se com isso por acaso? — Claro que sim. Você é muito jovem ainda, amor. Houve momentos em que fiquei seriamente preocupado com sua saú de. — Mas esses momentos foram poucos, nã o é verdade? — Gosto de vê -la bem-disposta, sadia, contente... Uma mulher doente só dá trabalho! — Que egoí sta você é! Um sedutor cruel de moç as inocentes. — Somente de uma, querida. — Com as outras você nã o usou de forç a? — Tampouco com você! Está deitada espontaneamente em meus braç os. — E só saio machucada quando me defendo de você... Ele acariciou o braç o onde brilhava o bracelete que lhe dera. — Sua pele é tã o fina que um sopro a machuca. Uma pele quente num coraç ã o gelado. — Preferia que eu fosse uma mulher ardente? — perguntou, encarando-o com o coraç ã o desfalecendo de amor. Kasim deu uma gargalhada. Levantou-a nos braç os e carregou-a em direç ã o à cama. — Precisa dormir bem esta noite, meu amor. Vamos partir amanhã bem cedo para Sidi Kebir. Ela estava feliz de partir com ele, mas, ao mesmo tempo, estava ligeiramente apreensiva com a perspectiva de conhecer sua famí lia. O que o pai e a irmã pensariam da moç a inglesa que estava hospedada na mesma tenda do filho? Kasim afastou os fios de cabelos loiros que caí am sobre os olhos de Lorna. — Responda sinceramente, Lorna. Quer ir comigo? — Tenho outra escolha? Ela sentiu a carí cia em sua mã o e desejou ardentemente que Kasim respondesse que nã o, que ela nã o tinha outra escolha senã o acompanhá -lo, que ela era sua e que iria levá -la consigo, por bem ou por mal. — Se eu disser que sim, vai pedir para ser levada a Yraa. Mas você nã o entende, meu bem, que sua volta repentina vai despertar curiosidade? Que desculpa daria por ter ficado desaparecida durante semanas no deserto? Dirá que eu a mantive à forç a em minha tenda? — Nã o me importo com o comentá rio das pessoas — Lorna respondeu, com coragem, mas a perspectiva de separar-se dele, de voltar sozinha para o hotel, era insuportá vel. — Se me acompanhar ao palá cio de meu pai, ningué m comentará nada quando voltar para Yraa. Como convidada do emir, você está acima de qualquer suspeita. — Mas nã o como sua convidada? — Claro. Sou jovem ainda, e as pessoas dirã o que foi minha amante. — Mas nó s dois sabemos a verdade. E você nã o precisa se preocupar com sua reputaç ã o. Nã o vou acusá -lo de seduç ã o de moç as indefesas... — Poré m, antes você disse que eu era odioso, lembra-se? — Isso ficou para trá s. Nã o posso esquecer que você salvou minha vida ontem. Seria uma ingrata se agisse de outra forma. — Quer dizer que você vai salvar minha reputaç ã o indo comigo a Sidi Kebir? — Para falar a verdade, eu nã o gostaria de ouvir os comentá rios das pessoas no hotel — disse Lorna, com os olhos baixos, para nã o revelar sua alegria. — Seu orgulho nã o suportaria isso, nã o é mesmo? — Kasim inclinou a cabeç a e beijou-a na testa. — Vamos partir de madrugada. Descanse bem esta noite e nã o tenha medo de conhecer meu pai. Ele nã o é nenhum bicho-papã o e aprecia as mulheres bonitas... como todo á rabe. Kasim levantou-se, com um suspiro. — Boa noite, querida. Durma bem. — Você també m, prí ncipe Kasim. A cortina de contas tilintou um instante, depois silenciou. O quarto estava vazio, a cama muito grande para uma pessoa só, mas o coraç ã o dela exultava de alegria. As lá grimas umedeciam os olhos azuis que olhavam para o teto da tenda. Kasim era um sheik muito mais carinhoso do que as pessoas suspeitavam.
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