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CAPÍTULO IX



 

 

— Mas por que temos de voltar à Inglaterra? Sei que minhas pernas precisam de descanso, mas nã o posso descansar perfeitamente bem em Rochelac? — protestou Susan, desapontada.

— Susan, o dr. Charron disse que os banhos sã o essenciais e eu fico apavorada de pensar no que ele diria se soubesse que temos de usar o rio, ou aquela banheira de ferro primitiva... — Harriet, ia dizendo, concentrada na estrada.

— Mas a banheira é limpa. Eu poderia usá -la.

— Todos os dias? E quem transportaria a á gua necessá ria? Seja sensata, Susan. Nã o dá.

— Mas você nã o disse nada disso, ontem — objetou Susan, e Harriet suspirou.

— Nenhum de nó s, ontem, estava pensando muito bem. Eu... Bem, agora tive tempo para pensar e, embora esteja tã o triste quanto você, parece que nã o há outra alternativa senã o voltar para casa — disse Harriet firmemente.

— Você quer dizer, para a casa da vovó, nã o é? Será que esqueceu que eu nã o tenho mais casa? — Susan soluç ava.

— Oh, Sue. Nã o, você nã o precisa ir para a casa da vovó, se nã o quiser. Pode ficar noapartamento, comigo. Pelomenos, até que volte para a escola.

— Posso? Posso mesmo? Entã o está bem. Quer dizer, existe um monte de coisas para se fazer em Londres, nã o é mesmo?

— Claro.

Harriet forç ou um sorriso, tentando nã o levar em conta o que voltar para Londres significava para ela. Nã o tinha pregado olho na noite anterior e, de manhã, sentia-se como morta. Mas um pouco de maquilagem tinha consertado a sua palidez e só os olhos revelavam a agonia torturante dos seus pensamentos.

No entanto, sabia que estava agindo certo. Tinha vivido oito anos sem André, aprenderia a viver sem ele novamente. Talvez ele se preocupasse com ela à sua maneira e, sem dú vida, estava arrependido do que fizera. Mas havia coisas que nem o tempo podia consertar e era melhor cortar tudo de uma vez.

O acidente de Susan tinha acontecido para o bem, no fim das contas. Pelo menos, dava-lhe uma razã o para sair dali e contratar o agente, assim que voltasse para a Inglaterra, para vender a propriedade. Mas ia sentir falta dela.

De propó sito, cortou seus pensamentos. Sem dú vida Charles ficaria surpreso ao vê -la de volta depois de um mê s, mas ela queria retornar ao trabalho, para ocupar suas mã os e sua mente.

— Quando partimos? — perguntou Susan, depois que sua tia recostou-a confortavelmente na cadeira de balanç o, ao ar livre. Ela olhava para o sol. E ajuntou: — Você nã o vai ficar triste de deixar isto aqui?

— Espero encontrar logo alguma outra coisa. Entã o, vamos começ ar a empacotar?

—Você ainda nã o me disse quando partimos!

— Nã o sei. Amanhã ou depois, espero. Preciso avisar o dr. Charron. Ele vai me dar todos os seus exames para que eu leve a nosso mé dico.

— Preferia nã o ter de ir. Nã o quer mudar de idé ia, Harry?

— Nã o.

Harriet estava inflexí vel e, com um movimento de ombros, afastou-se.

Esperou André aparecer o dia todo e, à noite, foi para a cama com a sensaç ã o desconfortá vel de que estava decepcionada.

Oh, Deus, pensou, socando o travesseiro, o que é que eu quero, afinal? Ela o havia mandado embora nã o uma, mas muitas vezes. Por que tinha agora de reclamar?

Mas queria vê -lo uma vez mais, só para dizer-lhe que estava indo embora, dizer adeus. Isso, de alguma forma, romperia os laç os.

Elas partiram na tarde seguinte, tomando a direç ã o norte para o lado de Le Havre e pernoitando num motel da rodovia. Chegaram a Le Havre no fim da tarde seguinte e passaram a noite num pequeno hotel; embarcaram logo pela manhã, chegando a Southampton antes do anoitecer. Levou mais tempo para desembarcar, mas já estavam em Londres no começ o da noite e Harriet se sentia aliviada. Tinham sido dias cansativos e estava ansiosa por voltar à normalidade.

Harriet morava num apartamento em Knightsbridge, uma á rea cara, e Susan, que nunca tinha passado uns dias lá, estava excitada diante da perspectiva.

—Que linda rua! — disse, olhando pela janela, e Harriet teve de admitir que també m gostava da elegâ ncia quieta de Mulhouse Close. Tinha-se mudado para lá há quase oito anos, na é poca em que descobriu que estava grá vida e a vida na casa de sua mã e se tornou impossí vel.

— Acho melhor ligar para a sua avó — disse Harriet, lembrando-se dos pais.

— Oh, será que precisamos? Nã o é melhor esperar que a perna melhore? — Susan lembrava-se ainda da ansiedade da avó, quando lhe morreram os pais.

— Querida, tenho de contar a Charles que já voltei, senã o ele vai se incomodar de vir até aqui para arejar o lugar para mim. E eu nã o posso contar para Charles e nã o contar para a minha mã e.

— Ora, está bem. Mas nã o a convide para vir até aqui, está bem? Harriet foi para o telefone; antes de ligar para a mã e, ligou para Charles.

— Harriet! Onde está você? — Era bom ouvir a voz de Charles novamente.

— Estou no apartamento. De volta ao lar... com uma estudante magrinha! — falou ela, com animaç ã o.

— Magrinha? Do que você está falando, Harriet? Por que nã o está na Franç a, gozando o tempo magní fico que eu ouvi dizer que está fazendo por lá?

— Susan sofreu um acidente, com uma foice. Cortou a perna. E. como você sabe, nã o existe banheira como a que tenho aqui em casa, e a opiniã o dos mé dicos era de que se usasse banheiras civilizadas — falou Harriet, fazendo caretas para Susan.

— Oh, Harriet! — Charles parecia aborrecido e ela nã o conseguia perceber por que. Esperava que ele ficasse satisfeito com o seu regresso, e agora...

— Está tudo bem, fique tranqü ilo. Você continua nã o contando comigo por quatro semanas. Susan está aqui agora e temos um mundo de coisas para fazer... — disse ela, revelando, na voz, que estava ofendida.

— Harriet! Harriet, do que é que está falando? Olhe, nã o podemos conversar por telefone. O que pretende fazer amanhã?

— Descansar. Guiei durante trê s dias — disse ela imediatamente.

— Muito bem. Depois de amanhã é domingo. O que acha de virem as duas almoç ar comigo?

— Acho muito interessante, Charles.

— Ó timo. Venham para cá... deixe-me ver... aí pelo meio-dia? Isto nos dará tempo para conversar antes do almoç o.

— Perfeito.

— Vejo-as entã o no domingo. Mande um beijo a Susan e diga para ela se cuidar melhor daqui para a frente.

A sra. Ingram tinha mais o que dizer a respeito do caso de Susan. Depois que Harriet explicou pela terceira vez como tinha se dado o acidente, ela comentou:

— Mas imagine, deixar uma crianç a da idade de Susan usar uma foice!

— Olhe, mamã e, eu nã o a deixei usar...

— Nã o se justifica. O fato permanece. Ela podia ter se matado, imagine só! Como se eu já nã o tivesse sofrido bastante, quando a mã e dela morreu... Oh, e o pai, claro.

— Claro. Bem, mas ela está se recuperando rapidamente — disse Harriet, para confortá -la.

— Você precisa trazê -la para cá. É evidente que nã o serve para cuidar de uma garota da idade dela! Eu estava receosa de deixá -la viajar com você, em primeiro lugar porque... bem... De qualquer maneira, você tem a sua pró pria vida para levar, em Londres, e Susan só iria estorvar.

— Eu disse que ela pode ficar, mamã e.

Susan a olhava ansiosamente, do sofá onde estava, ciente do que estava se passando e fazendo gestos. para a tia, para que nã o desistisse. Harrietlanç ou-lhe um olhar cansado e tentou concentrar-se naquilo que sua mã e lhe dizia agora.

— Mas o que é que ela vai fazer o dia inteiro, enquanto você estiver no trabalho? Ela pode andar? Ela pode ficar sozinha, no apartamento?

— Ela pode andar um pouco, mamã e. Alé m disso, Charles só espera que eu volte a trabalhar daqui a um mê s e, se chegar a ir até a loja, nã o será por muito tempo.

— Bom, nã o gosto disso. É estou certa de que seu pai també m nã o. Acho melhor irmos até aí, conversar com Susan e perguntar a ela o que quer fazer.

— A senhora decide, claro. — Harriet sacudiu os ombros sem esperanç as.

— Bem, nã o posso ir amanhã. Estou esperando Alice e as crianç as. Terá de ser no domingo.

— Acho que nã o vai dar. Marcamos um almoç o com Charles, no domingo. — Harriet estava disposta a nã o renunciar ao almoç o.

— Você vai sair? Com quem? Quem mais sabe que você voltou?

— Charles... Charles estava aqui, arejando o apartamento, quando chegamos — disse ela, ao perceber a arapuca em que tinha metido. E, suspirando, continuou: — Isso é tudo, mamã e?

— Harriet, você sabe que seu pai nã o gosta de ir à cidade n dias de semana e eu nã o estou acostumada a andar de trem.

— Bem, sinto muito...

— Nã oacho que você sinta. Podiaalmoç ar com esse mo qualquer outro dia da semana. Você está colocando dificuldades propó sito. Como posso saber se está me dizendo a verdade? Acho muita coincidê nciaque ele estivesse aí justo no minuto da sua chegada.

— Sinto muito — disse Harriet outra vez e ela estava realmente sentindo. Seu relacionamento com os pais, com sua mã e em especial nunca tinha voltado a ser o mesmo. Nã o, desde que André...

Era estranho andar de manhã pelo trá fego, em vez de entre o coro de pá ssaros, ao qual ela já estava acostumada. Tudo era muito diferente e, por ser diferente, tinha suas vantagens. Havia compras a fazer, alé m de arrumar o apartamento.

Passaram um sá bado preguiç oso, com Susan se divertindo com a televisã o novamente e Harriet enchendo de roupas sujas a má quina de lavar ou lendo os jornais. Tinha havido uma outra greve na indú stria automobilí stica e o preç o dos alimentos subira outra vez, mas nã o houve nenhum terremoto enquanto estiveram fora.

O apartamento de Charles era o ú ltimo andar de uma casa vitoriana reformada. Os quartos espaç osos, de tetos altos, comportavam sua enorme coleç ã o de antigü idades e o efeito geral era agradá vel. Vivia sozinho, junto com um gato preto, que Harriet apelidou de Perseus, por sua enorme habilidade em andar pelas porcelanas de Charles, sem quebrá -las.

Sua governanta, a sra, Richie, estava lá quando Harriet e Susan chegaram, e correu alarmada quando viu Susan vir mancando pelas escadas, apoiando-se nos braç os da tia.

— O que foi que aconteceu? — exclamou ela, recebendo-as no pequeno hall de entrada, tornado ainda menor pela presenç a de um busto que Charles tinha trazido de Joanesburgo.

— Como está a senhora? Como vai o reumatismo? — perguntou Susan.

Charles veio cumprimentá -las, mostrando satisfaç ã o e desfazendo todas as dú vidas que Harriet pudesse ter sobre nã o ser bem-vinda.

— Harriet, minha querida! — exclamou ele, beijando-a nas duas faces. — E Susan? Como vai a invá lida?

— Na verdade, estou bem melhor — respondeu Susan, aproveitando para sentar-se numa cadeira coberta com tapeç aria.

Charles trocou um olhar significativo com Harriet, antes de perguntar o que iam beber. :

A sala de Charles era muito agradá vel, com as longas janelasabertas. O dia estava feio lá fora, mas ali dentro era confortá vel eHarriet bebeu seu gim com tô nica dizendo a si mesma que era à quele   lugar que ela pertencia. Percebia que Charles a observava, enquantoela falava com Susan, e perguntava-se por que ele tinha parecido tã oansioso ao telefone. O que teria a dizer? Será que ele só queria assegurar-se de que ela tinha voltado inteira ou haveria algum outro motivo para o seu convite? Nã o que almoç ar com Charles fosse alguma coisa rara de acontecer... talvez estivesse sendo ultra-sensí vel aoimaginar que ele estava preocupado com ela.

Os almoç os da sra. Richie, no domingo, eram sempre deliciosos. Um consome frio foi seguido de rosbife e pudim de Yorkshire e Charles confessou que ele tinha sugerido o menu.

— Achei que você ia gostar de uma refeiç ã o britâ nica tradicional — disse, tirando a rolha de uma garrafa de clarete e colocando umpouco na taç a de Harriet. — Aí está! Prove. É parte de um lote que foi leiloado na semana passada e eu estava esperando uma desculpa para abrir uma garrafa.

— Foi por isso que nos convidou? — perguntou Harriet secamente, segurando o cá lice e admirando a cor do lí quido.

Charles ficou desconcertado, e ela se sentiu ainda mais perturbada.

Felizmente, Susan nã o notou nada demais e, depois que acabaram de comer, ficou brincando com Perseus no tapete, enquanto Charles pediu-lhe licenç a para ter uma conversa em particular com Harriet, no escritó rio.

— Entã o, o que está acontecendo? — exclamou Harriet, assim que a porta foi fechada. — Por que você está se comportando desta maneira? O que aconteceu enquanto estive fora?

— Nada aconteceu enquanto você esteve fora — declarou Charles firmemente, indicando-lhe uma cadeira ao lado da escrivaninha. — Nã o quer sentar-se? Ver você imaginando coisas me faz sentir nervoso.

— Você é que me deixa nervosa! O que é? O que está acontecendo? Por que você quer falar comigo?

— Passou umas boas fé rias? Como era a casa? — disse Charles, suspirando.

— Charles!

— Minha querida, eu nã o a convidei para a minha casa com a finalidade de submetê -la a um interrogató rio. Acho que posso convidar minha companheira de trabalho para almoç ar, sem...

— A casa era boa... por falar nisso. — Harriet interrompeu-o secamente. E continuou — Mas... bem, o dono nã o sabia que tinha sido vendida e, naturalmente, precisava ser arrumada e mobiliada.

— Oh, querida. Foi muito ruim? — Charles sacudiu a cabeç a.

— Susan e eu dividimos o trabalho — replicou brevemente.

— E... e você vai voltar? — perguntou Charles, interessado. Ela nã o se enganara. Ele queria saber tudo.

— Nã o. Eu nã o vou voltar, vou vender a casa. Vendê -la para André, se ele quiser — disse ela, sem rodeios.

Ela o observava atentamente, conforme ia falando, e viu que suas suspeitas eram justificadas. Charles sabia que André vivia em Rochelac. Talvez soubesse até que ele era o dono da casa, pois nã o ficou chocado quando ouviu o nome do outro ser mencionado.

Charles enfrentou o olhar acusador de Harriet com olhos resignados.

— Está bem. Eu sabia que Laroche vivia na regiã o. Mas nã o sabia que ele era proprietá rio da casa, acredite! — E, depois de uma pausa, acrescentou: — Você s se viram novamente? Quando? O que aconteceu?

— Você tem a coragem de ficar sentado aí me dizendo que sabia que André vivia perto de Rochelac e espera que eu lhe conte o que aconteceu? — explodiu Harriet, indignada.

Charles inclinou-se sobre a escrivaninha e estendeu-lhe a mã o, mas ela se afastou, deixando-o embaraç ado.

— Harriet! Harriet, nã o fique nervosa. Só fiz o que achei que devia.

— O que você achou que devia! Charles, se você queria me ferir, nã o podia ter escolhido melhor maneira.

— Porque você ainda se importa com ele? Eu sei. Mas, Harriet...

— Sem essa de " mas, Harriet", eu... Acho melhor voltar para casa, antes que eu diga alguma coisa de que me arrependa.

— Nã o, espere! Nã o vá! Harriet, minha querida, por favor, escute — disse ele^ correndo atrá s dela.

Harriet |arou e voltou-se para ele.

— Nã o adianta, Charles...

— Sente-se outra vez, por favor!

— Por quê? O que há para dizer?

— Acho melhor você ouvir o que eu tenho a dizer, antes de chegar a conclusõ es precipitadas.

— Oh, Charles...

— Por favor! Você nã o vai nem mesmo ouvir o que eu tenho a dizer?

— O que você tem a me dizer?

— Sente-se. — Fez-lhe um sinal.

— Ora, está bem, mas está perdendo o seu tempo, ouviu? Nã o há nada que me faç a reconciliar com André e você nã o havia de querer isso, també m.

Charles chegou perto dela, com os olhos cheios de compaixã o.

— Oh, Harriet, você nã o precisa fingir para mim, minha querida. Nó s nos conhecemos há muito tempo. Faria alguma diferenç a, se eu lhe contasse que André me escreveu uma carta?

 



  

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