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CAPÍTULO VII



 

 

A viagem até o castelo foi um pesadelo. Harriet nunca tinha tentado o caminho e enroscou-se em espinheiros e trepadeiras e perdeu-se, tendo de voltar para encontrar a picada à beira do rio. Teria sido mais fá cil, talvez, se nã o estivesse tã o desesperada. Mas aquilo tudo levou tempo demais e ela sabia que nã o tinha nenhum tempo para perder.

Mas conseguiu chegar à ponte que cruzava o rio e, dali, o caminho era aberto. Estava quente e suada e tinha as mã os arranhadas e raladas, de sua luta com os arbustos; jogou os cabelos para trá s e continuou, resistindo à tentaç ã o de parar e mergulha; o rosto afogueado na á gua fria.

Depois de uma colina, saiu na planura, ao lado das muralhas do castelo. Será que Paul já estaria em casa? Já fazia mais de uma hora que ela o havia deixado em Rochelac, mas será que ele tinha ido direto para casa? Se nã o, com quem ela poderia falar?

Os portõ es altos do castelo guardavam seu monumento interno com orgulho e era quase impossí vel nã o admirar as paredes banhadas de sol, guarnecidas com aquele parapeito magní fico. Mas o objetivo de Harriet era a galeria, cuja parede externa formava parte das fortificaç õ es circundantes do castelo; faltou-lhe coragem, poré m, quando viu a porta cravejada de pregos e o sino de ferro pendurado a seu lado. O que diria? Como se apresentaria?

Por favor, rezava, por favor, faç a com que Paul esteja aqui!

O sino ecoou desamparadamente atravé s das paredes de pedra do edifí cio. Impaciente, Harriet esperava que algué m viesse abrir a porta e aliviá -la daquela incerteza dolorosa. Mas tudo continuou em silê ncio depois que o som do sino morreu ao longe e ela tocou-o outra vez, ansiosa por voltar para perto de Susan.

Outra vez nã o houve resposta e ela estava voltando, tentando reprimir as lá grimas, quando o som de uma chave virando chamou sua atenç ã o. Voltou-se, com a garganta seca e apertada, à medida que a porta pesada se abria, para revelar uma senhora idosa, pesadamente apoiada numa bengala de prata.

— Sim? — ela falou em francê s e Harriet tentou se recompor com dificuldade.

Deve ser Louise, pensou, considerando sua aparê ncia frá gil, bem conservada.

— Eu... — começ ou ela, em inglê s. Mudou em seguida para o francê s: — Eu sinto muito ter de incomodá -la, madame, mas queria falar com... com seu bisneto Paul.

— Paul! Por que é que você deseja ver meu bisneto, mademoiselle? — A velha senhora franziu as sobrancelhas. Os olhos cinzentos penetrantes eram incrivelmente semelhantes aos de André.

— Oh, por favor, ele está? Minha sobrinha sofreu um acidente. Cortou a perna e preciso levá -la a um mé dico. Mas nã o consigo carregá -la, sem alguma ajuda — gritou Harriet, desesperada.

— Ah! Você deve ser mademoiselle Ingram, nã o? A que comprou a velha fazenda — a velha senhora disse vagarosamente.

— Sim, sim... Paul está aí? — Harriet nã o tinha tempo para conversas sociais.

— Nã o, ele nã o está. Foi para Rochelac, mademoiselle.

— Bem... há... há... algué m que possa me ajudar? O... irmã o dele, talvez, ou... ou a mã e?

— Paul nã o tem irmã os, mademoiselle. Nem irmã s, fico triste em dizer. Aquele jovem poderia ter mais consideraç ã o por seu pai, se tivesse outros, com quem competir. Assim como é...

— Sinto muito, madame, mas se nã o tem ningué m que possa me ajudar, terei de encontrar algué m...

— Ai, ai, ai, você s, jovens! Nunca tê m tempo para parar e conversar com uma senhora, eu sei. — disse ela, movendo sua cabeç a de pá ssaro de um lado para o outro.

— Nã o é isso. Ê que minha sobrinha está sozinha. Eu preciso levar socorro. — Harriet olhou para ela, desesperada.

— Sinto muito, mademoiselle. — A velha senhora sacudiu a cabeç a e, voltando-se com movimentos cuidadosos, fechou a porta na cara de Harriet.

Por um momento, ela permaneceu desanimada em frente à porta fechada. Em seguida retomou o mesmo caminho pelo qual tinha vindo. Sentia a boca seca e precisava de uma bebida, mas nã o tinha nenhum tempo a perder. À medida que andava, olhava à sua volta para ver se encontrava algué m, mas o bosque, assim como o rio, era um lugar solitá rio, habitado antes por animais do que por seres humanos.

Finalmente, alcanç ou a estrada e viu a casa à sua frente. Parecia tã o sossegada, sonhando ao calor da tarde, mas ela prestou pouca atenç ã o a seus atrativos. De alguma forma teria de levar Susan até o carro. Uma vez ali, seria simples conseguir socorro. Talvez agora, depois de ter repousado um pouco, Susan se sentisse mais forte para levantar.

Entrou na cozinha com algum alí vio. Estava sem os ó culos escuros e era reconfortante sentir os olhos na sombra outra vez. Esperou um momento, para acostumar os olhos à luz, depois foi até a porta do salon, parecendo horrorizada quando viu sua sobrinha. Ela parecia estar inconsciente. Parecia que tinha tentado se levantar do sofá e, ao fazer isso, afrouxou o torniquete. Tinha desmaiado no chã o e agora estava ali, com o sangue correndo mais uma vez.

— Oh, Deus! — Harriet tapou a boca com as mã os. Ela nã o podia movê -la sozinha. A menos que conseguisse achar um meio de levá -la até o carro.

Primeiro as primeiras coisas, disse para si mesma, inquieta, correndo até Susan e ajoelhando-se para ajudá -la. Em um minuto, apertou o torniquete outra vez. Susan nã o fez nenhum movimento. Era melhor nã o deixá -la sozinha, arriscando-se a que ela se levantasse novamente e piorasse a situaç ã o ainda mais. De alguma maneira teria de levar a garota até o carro e era até melhor que estivesse inconsciente. O que Harriet planejava fazer certamente iria machucá -la.

Precisava de um tapete. Se pudesse com Susan, para colocá -la sobre um tapete e arrastá -la até o carro, seria tudo muito mais fá cil.

Levantando-se, foi até a cozinha. Os tapetes que tinha comprado para aquele cô modo eram muito pequenos, mas lá em cima, entre as camas, havia uma pele de carneiro que podia servir.

Correu para o quarto, nã o dando atenç ã o à s suas pernas machucadas, esfregando as palmas das mã os nos fundilhos das calç as para secar a umidade que havia nelas.

Mantenha a calma, dizia a si mesma... mas nã o estava conseguindo. Voltou correndo para baixo outra vez e quase caiu, tropeç ando na ponta do tapete. Chegando à cozinha levou um susto, quando uma figura esguia apareceu subitamente perto da porta aberta.

— Oh, Deus! André! — ela deixou escapar fracamente, antes de desmaiar aos pé s da escada.

Ele a alcanç ou rapidamente, levantando-a e abraç ando-a, até que se certificou de que ela podia ficar em pé sozinha.

Qu'est-ce que c'est? O que está acontecendo? — perguntou ele, nervoso.

— É Susan! Ela... ela sofreu um acidente. Com a foice. Eu... fui ao castelo... — Harriet falava com dificuldade, incapaz de usar a lí ngua dela coerentemente.

— Eu soube. Por que acha que estou aqui?

— Oh! Entã o sua avó...

—... Só me disse que você tinha contado a ela uma histó ria trancada, sobre precisar da ajuda de Paul.

— Paul... Paul me disse que você nã o estaria em casa... — disse Harriet, olhando para ele.

— Paul disse? Conte-me isso depois. Onde está ela?

Harriet acompanhou-o até o salone André correu à sua frente, ajoelhando-se aos pé s da garota inconsciente. Ele abaixou as pá lpebras de Susan para examinar o branco dos olhos, com uma destreza que, ela sabia, jamais possuiria.

— Ela... perdeu muito sangue, nã o é mesmo? — Harriet perguntou e ele concordou.

— Sim. Vou levá -la para Charron em Bel-sur-Baux — disse, levantando-se e indo até a pia da cozinha, para lavar as mã os.

— Charron? — É um mé dico? — Harriet o seguia, nervosa.

— É uma pequena clí nica. Você tem algo limpo em que possamos enrolar a perna dela? E um lenç ol. Nã o queremos que Susan pegue um resfriado — disse ele, enxugando as mã os.

— Claro, claro. Nã o há mé dicos em Rochelac?

— Nenhum que possa fazer uma transfusã o — respondeu ele pacientemente, voltando ao salon. Vendo que ela se demorava, gritou: — uma bandagem, vamos!

Harriet voltou correndo para cima. Apanhou uma fronha limpa e um lenç ol. Retornou novamente, para ver que André tinha levantado a garota e a estava abraç ando gentilmente.

— Coloque um lenç ol no sofá. — Ele depositou a garota sobre o lenç ol e entã o voltou-se para pegar a fronha das mã os de Harriet.

— É esta a bandagem? —É tudo o que tenho.

Com um puxã o, ele rasgou-a em dois pedaç os.

— Vá na frente e abra a porta — pediu ele, enrolando o pano na perna de Susan, no momento em que ela começ ava a voltar a si.

— A porta? Ela está aberta. — Harriet sentiu que estava sendo absurdamente estú pida, mas nã o conseguia fazer nada para ajudar.

— A porta do meu carro.

— Nã o sabia que tinha vindo de carro!

— Nã o acho que você estivesse em estado de ouvir nada.

A luz do sol cegava, depois da sombra do interior. Estacionado na estrada, em frente ao Fiat, havia um Citroen empoeirado, que també m estava precisando urgentemente de á gua. Harriet abriu completamente a porta de trá s e voltou-se, preocupada, quando ouviu André chamar por ela.

— Você també m vai? — ele perguntou e, quando ela disse que sim, ajuntou: — Entã o, nã o é melhor fechar a porta?

— Sim, claro.

Harriet voltou correndo até a casa, passando por André e seu fardo, no meio do caminho. Os olhos de Susan estavam abertos e olhavam ansiosos para a tia.

— Está tudo bem, querida. Vai dar tudo certo — cochichou Harriet.

— O que aconteceu? Aonde vamos? — perguntou Susan, cheia de lá grimas.

— Procurar um mé dico — disse André firmemente e olhou significativamente para Harriet, que engoliu em seco, fez um sinal afirmativo com a cabeç a e correu para fechar a porta.

Quando voltou, André tinha instalado Susan o mais confortavelmente possí vel no assento traseiro do carro.

— Acho melhor você sentar na frente.

André fechou sua porta e se dirigiu à estrada. O assento era macio e impedia que Susan fosse jogada de um lado para o outro. Finalmente alcanç aram a estrada que os levaria a Bel-sur-Baux. A tabuleta dizia sete quilô metros e Harriet sentiu um pouco da tensã o da ú ltima hora abandoná -la. André sabia onde estava indo. Mesmo que ela tivesse levado Susan a Rochelac, a um mé dico, teria sido um esforç o em vã o.

Olhou para André, cujas mã os morenas seguravam a direç ã o com firmeza. Teria de agradecê -lo. Nã o era fá cil sentir-se em dé bito com ele, mas ela estava. Ele tinha segurado Susan com tanta gentileza, e Harriet sentiu angú stia repentina pelo modo como o havia tratado, da ú ltima vez que se encontraram.

Susan estava acordada e Harriet aproveitou a oportunidade para quebrar aquele silê ncio incô modo.

— Como se sente?

— Fraca. E quente— ela admitiu, com os lá bios trê mulos.

Ela queria tirar o lenç ol, afastando-o para o lado, mas André nã o deixou.

— Fique como está — disse, e ela obedeceu. — Como aconteceu?

— Eu fui até Rochelac e Susan resolveu acabar de cortar a grama... — Harriet achou difí cil responder.

— Com a foice? — perguntou ele severamente.

— Sim. É... Paul estava usando a foice antes. Vejo agora que nã o devia ter permitido. É um instrumento perigoso, eu devia ter imaginado o que poderia acontecer.

A censura na expressã o de André era evidente e Harriet sentiu-se estupidamente incompetente. Nã o pô de deixar de pensar como estaria se sentindo se Paul tivesse tido um acidente parecido, ou pior, e aquele sentimento estava lhe apertando a boca do estô mago.

— Você está se sentindo bem?

André tinha observado sua palidez e ela virou-se no banco, para que ele nã o visse seu rosto.

— Sim. Estou.

Ele nã o fez mais nenhum comentá rio, começ ando agora a conversar com Susan, assegurando-lhe que o dr. Charron era muito amá vel e logo faria com que ela se sentisse melhor.

Bel-sur-Baux era um pouco maior que Rochelac e estava situada num vale. Uma ponte em arco levou-os até a praç a agitada de uma cidade pequena, com uma fonte de pedra jorrando á gua, onde crianç as brincavam. Os edifí cios de pedra eram abrilhantados por dossé is de cores variadas, dando sombra aos que almoç avam; os balcõ es, com vasos de gerâ nio e lobé lia, acrescentavam mais brilho ao cená rio.

André continuou atravé s da praç a, até uma pequena rua estreita. Escadas de ferro davam acesso a casas colocadas em cima de garagens que, no passado, tinham sido estrebarias. Assim que Harriet desceu, consciente do estado deplorá vel de sua roupa, viu a placa quadrada, anunciando a Clí nica Charron, e esperou impaciente enquanto André tirava Susan do carro. Sentia as pernas pesadas, mas reuniu forç as para segui-los, à medida que André subia a escada em direç ã o à porta pintada de branco.

Foram recebidos por uma enfermeira recepcionista. Era evidente que ela conhecia André, o que apressou as coisas consideravelmente. Nã o demorou muito para localizarem o dr. Charron e Susan foi transportada num carrinho para a saí a de operaç õ es.

— Você acha que está em condiç õ es de preencher a ficha de Susan?

— perguntou André, enquanto esperavam juntos na sala de espera, e Harriet soltou um suspiro incerto.

— Acho que sim. Eu... você nã o precisa esperar. Isto vai levar algum tempo —respondeu ela.

André apertou os cantos da boca.

— Você nã o está pensando que ela vai sair hoje, está? — perguntou ele e, vendo sua expressã o atô nita, a juntou: — Eles vã o deixá -la em observaç ã o por, pelo menos, vinte e quatro horas.

— Eu... eu nunca pensei... Você acha que ela vai ficar boa?.

— disse Harriet, colocando uma das mã os na cabeç a.

— Ela perdeu muito sangue, mas isso nã o é tã o sé rio para uma garota da idade dela, felizmente. O perigo maior é o da infecç ã o. Tenho certeza de que Charron fará tudo o que for necessá rio.

— Bem, de qualquer maneira... nã o é necessá rio que você perca mais tempo.

— Eu disse que estava perdendo tempo? — disse André calmamente, depois de manter silê ncio por alguns minutos.

— Nã o, mas... obviamente você está. Eu... nã o sei como agradecer por sua ajuda — disse ela, pressionando as palmas das mã os e evitando o olhar frio e penetrante de André.

— Mas nã o foi a minha ajuda que você procurou, foi? Talvez agora você possa me contar como Paul está envolvido nisso. Ele esteve incomodando você outra vez?

— Nã o. Ele... eu... nó s nos encontramos em Rochelac, esta manhã. Tomamos café... juntos — disse Harriet, balanç ando a cabeç a.

— Enquanto Susan estava cortando a grama?

— Nã o sabia que ela estava cortando a grama. E, depois de ter sido tã o rude com o seu filho, nã o podia recusar o convite para um café.

— Tal consideraç ã o nã o se aplica no meu caso. Você nã o parece ter tais escrú pulos comigo — replicou ele secamente.

Harriet olhou para outro canto. Aquela sala era pequena e ele també m estava muito nervoso. Mesmo vestido de jeans e com uma jaqueta de algodã o cru, ele exercia uma atraç ã o avassaladora sobre ela. Quanto mais tempo estivessem juntos, mais difí cil ficava esquecer o ú ltimo encontro.

— Quanto tempo será que vai demorar? — murmurou ela, para afastar aquele silê ncio em que tinham caí do.

André se levantou, indo olhar atravé s das cortinas cerradas da janela.

— Quem lhe deu a idé ia de comprar a casa na Dordogne? — perguntou ele, de repente, e ela escondeu as mã os nos bolsos das calç as, para que André nã o visse quanto estavam tremendo.

— Eu... Bem, eu sempre gostei desta regiã o... E Charles me disse que comprar casas é sempre um bom investimento — retrucou, trê mula.

— Charles. — Ele balanç ou a cabeç a.

— Sim, Charles Hockney... meu patrã o. Acho que você se lembra dele.

— Oh, sim, lembro-me de Charles. E do sofá que ele tinha nos quartos do fundo.

— É evidente que você se lembraria disso. — As faces de Harriet ficaram afogueadas.

— Por que nã o? Por que nã o deveria me lembrar disso? Fomos felizes lá... uma vez — André falou, com a expressã o ensombrecida.

— Você foi! — ela retrucou secamente, dando passos incertos pela sala. E acrescentou: — Oh, queria que me dissessem o que está acontecendo.

André estava olhando para ela; juntando todas as suas forç as, levantou a cabeç a e retribuiu o olhar dele. Por que tudo tinha que ser como ele queria?

— Você está me dizendo que nunca fomos felizes juntos? — perguntou ele calmamente e o coraç ã o dela deu uma guinada.

— Eu prefiro nã o conversar sobre isso. O dr. Charron é seu amigo?

— Ele que vá para o inferno! Em nome de Deus, Harriet, converse comigo como você conversa com o meu filho! Diga-me: o que foi que eu fiz?

— Está bem, monsieur... ou devo dizer... conde? Diga-me: como está a sua esposa?

— Paul nã o contou que a mã e dele morreu?

— Morreu? Eu... nã o! Nã o, claro que ele nã o disse. Por que você nã o me contou?

— Você teria me escutado? Ela morreu há seis meses.

— Seis meses! — Harriet parecia incapaz de fazer outra coisa a nã o ser repetir tudo o que ele dizia. E acrescentou: — Sinto muito.

— Sente mesmo? Nã o vejo por quê. Você nã o conhecia minha mulher.

—Eu sentiria o mesmo com qualquer pessoa. A morte é sempre... dolorosa — disse Harriet, retendo a respiraç ã o.

— Pode ser um alí vio. No entanto, aceito a sua simpatia impessoal — retorquiu ele, á spero.

— Ela... era... tinha estado... doente?

— Sim, ela estava doente.

— Foi uma... doenç a longa?

— Uma longa doenç a. — Ele expeliu a respiraç ã o, num suspiro.

— Quanto tempo? — De repente, era muito importante para ela saber.

— O que importa?

— Gostaria de saber.

— Dez talvez onze anos — disse ele, olhando diretamente para ela.

— Onze anos! — Harriet estava horrorizada. Aquilo significava que... enquanto ela e André estavam saindo juntos... Continuar naquele pensamento era horrí vel demais! Levou as palmas das mã os até as faces afogueadas e saiu de perto dele, deixando que a distâ ncia da sala os separasse.

— Um outro prego no meu caixã o? Sim, ela estava doente enquanto eu me encontrava com você. É o que você quer ouvir, nã o? — perguntou ele, severo.

— Eu nã o queria ouvir isso.

— Mas isso lhe agrada, nã o é mesmo? Talvez crie uma justificativa para explicar a maneira como você vem me tratando, nã o?

— Nã o me agrada, absolutamente!

— Nã o? Eu tenho a ní tida impressã o de que você está procurando alguma coisa para... como direi... alimentar o fogo da sua raiva! Você nã o gosta de se sentir em dé bito e agora está quites comigo.

—Nã o é verdade.

Mas André já estava se afastando, abrindo a porta e entrando pela á rea de recepç ã o, deixando-a sozinha, com a certeza de que ele estava certo. Apesar de tudo, ainda era o ú nico homem capaz de destruir qualquer ataque que ela levantasse.

Harriet parou à porta, a tempo de ouvi-lo conversando com a recepcionista. Ele perguntava o que estava acontecendo e ela assegurava, com um sorriso, que o dr. Charron os receberia logo. Era ó bvio que a enfermeira o achava um homem atraente e, quando ele sorriu para ela, Harriet sentiu os mú sculos de seu estô mago se contraí rem dolorosamente. Recostou-se na parede, atrá s da porta, tentando controlar-se, em vã o. A ná usea dominou-a e, para seu desespero completo, vomitou ali mesmo.

Estava consciente do aparecimento de André e da recepcionista, na porta, cada um deles com uma expressã o preocupada. Entã o, os dedos delgados de André se fecharam em volta de seu braç o, conduzindo-a firme, mas gentilmente para a porta da rua. A escada de ferro, lá fora, estava na sombra e uma brisa leve soprava, refrescando suas faces afogueadas.

Harriet nunca se sentira tã o humilhada. Libertando-se dele, segurou-se no corrimã o de ferro, respirando o ar fresco profundamente.

— O que é que ela pensa de mim? — murmurou, meio para si mesma, mas André a ouviu.

Mademoiselle Dupois? Ela é uma enfermeira. Está acostumada com a doenç a.

— Nã o sou eu a paciente. Eu devia ter ido ao banheiro — disse, lanç ando-lhe um olhar de esguelha.

— Parece que nã o teve tempo. Está se sentindo melhor, agora?

— Eu... nã o sei. Deve ter sido uma reaç ã o pelo choque.

— Hum... Você comeu, hoje?

— Um pouco de torrada, esta manhã — ela contou.

— Só isso? .

— Bem, foi um dia confuso, nã o é mesmo?

— Sim, de muitas maneiras —concordou ele, abrindo a porta para ela. — Você terá sua conversa com Charron e depois iremos almoç ar, está bem?

— Por que você se incomoda... se eu já almocei ou nã o?

— Boa pergunta — concordou ele, mas nã o deu nenhuma resposta.

Uma enfermeira ajudante estava enxugando a sala. de espera e Harriet desviou os olhos, quando passou, com as faces ainda afogueadas de vergonha. A recepcionista veio falar com eles.

— O mé dico já vem. Você está melhor? — falou ela, sorrindo para Harriet.

— Estou me sentindo melhor, obrigada. Sinto muito pelo...

— Nã o tem importâ ncia. Por favor, sigam-me — disse a moç a, fazendo um sinal! para que a seguissem.

André sentou-se numa cadeira na á rea de recepç ã o e Harriet foi forç ada e acompanhar a recepcionista, atravé s de portas que davam para um corredor. O consultó rio do mé dico era no segundo andar e a recepcionista deixou-a ali, sem dú vida com pressa para voltar e conversar com André.

O dr. Charron era mais jovem do que ela esperava, ligeiramente gordo e com cabelos de um tom indeterminado de castanho. Nã o era um homem bonito, mas o jaleco branco e o ar de autoridade dava a ele uma certa atraç ã o.

— Ah, srta. Ingram — cumprimentou ele, sorrindo. — Por favor, sente-se.

Harriet sentou-se na cadeira, do outro lado da mesa dele, com alí vio. Ela ainda sofria dos efeitos posteriores da ná usea e a ansiedade por Susan e. por saber como estava nã o a deixava relaxar.

O dr. Charron terminou de escrever alguma coisa numa folha de papel, fechou-a e depois sentou-se em oposiç ã o a Harriet.

— Você é a tia da pequena, oui? — disse, cruzando os dedos, enquanto se recostava.

Oui... quer dizer, sim. Como está ela? Vai ficar boa? Perdeu tanto sangue!

— Acho que nã o há com que se preocupar, mademoiselle. A pequena perdeu um monte de sangue, mas isso pode ser controlado e agora ficamos só com a possibilidade da infecç ã o — falou o mé dico, sorrindo com seguranç a.

— É verdade? — Harriet agarrou-se nos braç os da cadeira.

Ele franziu os sobrolhos e olhou para as mã os. Eram mã os pá lidas, macias e tratadas, nã o grossas e cheias de calos, como as de André, o pensamento lhe passou rapidamente; em seguida tentou concentrar-se no que o mé dico estava dizendo.

— Acho que devemos manter sua sobrinha aqui, pelo menos por esta noite. A pró pria perna precisa de descanso, você compreende, e temos todas as facilidades necessá rias, no caso de uma emergê ncia.

— Muito bem.

— Eu nã o estou prevendo nenhuma infecç ã o, srta. Ingram. A garota é jovem e saudá vel. O corte estava limpo. Só o instrumento é que me deixa preocupado. Os instrumentos de jardinagem podem ser perigosos — disse, olhando para ela com olhos suaves.

— Posso vê -la?

— Mas claro. Poré m, antes, talvez você possa me dar informaç õ es sobre sua sobrinha... seu nome, data de nascimento, endereç o, etc.

Vai levar só um minuto, e entã o poderá visitá -la rapidamente... Susan tomou sedativos e sugiro que fique só alguns minutos.

Susan estava sonolenta, quando Harriet entrou para vê -la, mas agarrou a mã o da tia, num aperto ansioso.

— Você nã o vai me deixar, vai? — gritou ela.

— Eu tenho de deixá -la. Só até amanhã, entã o você volta para casa — disse Harriet, reconfortando-a com carí cias.

— Mas eu nã o falo francê s! — exclamou Susan, alarmada.

— Eles falam inglê s. Nã o se preocupe, querida, você será bem cuidada.

— Onde está monsieur Laroche?

— Por quê?

— Gostaria de vê -lo, de agradecê -lo por ter me trazido aqui.

— Você poderá agradecê -lo amanhã. Precisa descansar, agora. Recuperar as suas forç as, para voltar para casa amanhã.

— Você nã o pode voltar mais tarde? — Susan parecia querer chorar.

— Talvez possa. Vou perguntar, quando sair. Se puder, voltarei, prometo.

— Eles costuraram a minha perna. A enfermeira me disse que deram vinte pontos... — Susan fungava.

— Vinte! É um monte! — Harriet sacudiu a cabeç a.

— Eu sei. — Susan parecia um pouco mais animada, quando pensou na boa histó ria que ia contar a seus colegas de escola, quando voltasse para a Inglaterra. E acrescentou: — Acho que nã o vou poder jogar tê nis outra vez este ano.

— Mas poderá, no ano que vem — disse Harriet, encorajando-a. Ao ver a enfermeira que aparecia, ajuntou: — Acho que tenho de ir embora.

— Por favor — pediu a enfermeira polidamente, e Harriet se inclinou para beijar a face de Susan.

— Vejo você mais tarde — sussurrou gentilmente e, sem deixar de sorrir, deixou o quarto.

Mas fora, no corredor, sua confianç a a abandonou. Sentia-se uma estrangeira em terra estranha.

A recepcionista estava em sua mesa quando Harriet passou pelas portas girató rias, mas nã o viu sinal de André. Para seu desgosto, sentiu-se mais fraca ainda; colocou, poré m, os pró prios sentimentos de lado e se aproximou da mesa.

— Seria possí vel voltar mais tarde? Minha sobrinha está se sentindo desamparada e eu gostaria de visitá -la depois... depois... das seis — perguntou ela, gesticulando muito.

— Nã o vejo por que nã o. Em todo o caso, é melhor telefonar antes. Harriet agradeceu e se distanciou. Nã o estava disposta a explicar que nã o tinha um telefone. Mas poderia voltar mais tarde; afinal, nã o tinha nada a fazer. Foi entã o que percebeu que nã o tinha trazido a bolsa e, alé m de nã o ter conduç ã o, també m estava sem dinheiro.

Hesitou à porta, com vontade de pedir à recepcionista que lhe emprestasse algum dinheiro, quando subitamente André apareceu. Estava tã o aliviada por vê -lo que ficou olhando sem falar nada.

— Alguma coisa vai mal? Você está pronta para ir embora? — exclamou ele.

— O quê? Eu... Oh, sim. Sim. — Harriet se recompunha com dificuldade.

— Susan está bem? — perguntou ele com irritaç ã o e ela assentiu. — Bien. Entã o... vamos comer alguma coisa?

Harriet passou por baixo do braç o dele, enquanto André segurava â porta para que passasse, e ambos alcanç aram rapidamente o carro.

Harriet parou ao lado do veí culo e, consciente da impaciê ncia de André, disse:

— Eu... eu pensei que você tinha ido embora.

— Embora? Para onde teria eu ido?

— Para casa. Para... para o castelo.

André quase a empurrou para dentro do carro e, batendo a porta, fez a volta, para ir sentar-se ao lado dela. Nã o falou nada, enquanto colocava a chave na igniç ã o e dava partida; Harriet apertou as mã os em volta dos joelhos, desejando nã o ter tentado explicar nada.

Saí ram da ruela, contornaram a praç a e atravessaram a ponte, para fora da cidade. Harriet estava surpresa e desapontada. Esperava que fossem comer num daqueles pequenos café s, cujas mesas eram tã o atraentes, ao sol, mas evidentemente isso nã o aconteceria.

Talvez André tenha achado melhor desistir do convite, já que me •comportei tã o estupidamente, pensou, e sentiu um frio na boca do estô mago.

Estava tentando arranjar coragem para perguntar-lhe aonde iam quando André saiu da estrada para pegar um caminho, que parecia muito estreito para levar a algum lugar. Ele terminava abruptamente num portã o, com o rio atrá s, bordeado de margaridas e copos-de-leite. Era um lugar bonito e o som de um sino de igreja, a distâ ncia, acrescentava mais charme ao momento.

André entã o olhou para ela, observando seu olhar extasiado.

— Eu achei que você ia preferir isto aqui ao invé s de comer em algum café, à s vistas de um monte de gente. Você é estrangeira e as pessoas sã o curiosas.

— Nó s vamos fazer... um piquenique? — aventurou ela, e ele foi até o porta-malas e tirou de lá um longo pã o francê s, queijo, dois pê ssegos aveludados e uma garrafa de vinho.

— Fui comprar isto enquanto você estava tendo a entrevista com o mé dico — ele falou mansamente e ela se sentiu pé ssima.

— Eu nã o sabia... nunca pensei...

Os galhos de uma castanheira forneciam um oá sis de sombra e, com a permissã o de Harriet, André estendeu o lenç ol que tinham usado para levar Susan em cima da grama. Ela achou que nunca tinha sentido um cheiro tã o bom como aquele, quando partiu o pã o, aspirando sua fragrâ ncia quente.

Sentou-se com as pernas dobradas, num canto do lenç ol, e ficou olhando para o cená rio que era, ao mesmo tempo, familiar e estranho. Suas caracterí sticas eram as mesmas que podia encontrar na Inglaterra, mas Harriet sabia que aquilo nã o podia nunca ser a Inglaterra. As cores eram as mesmas, mas diferentes. Os verdes eram mais intensos, mais fortes, e a linha purpú rea das montanhas era mais á spera; a sonolê ncia daquele prado recendia a ervas.

Um bando de cisnes selvagens, perturbados por algum intruso, surgiu no cé u, com suas asas escuras contra o horizonte, e Harriet encostou o queixo nos joelhos, perguntando-se a que ameaç a inesperada ela estaria se convidando.

 

 



  

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